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Leandro Vilar

sábado, 26 de agosto de 2023

Os reis citados na Bíblia

Alguns dos livros que compõe o Antigo Testamento possuem relatos históricos, descrevendo mesmo que de forma resumida, o governo de vários reis, enfatizando uma história política e militar. Tais relatos se referem tanto a monarcas de Israel e Judá, como também a soberanos de povos vizinhos que direta ou indiretamente tiveram influência nos reinos hebraicos. 

Faraós

Poucos faraós são citados no Antigo Testamento, curiosamente o mais famoso e importante deles não tem seu nome revelado, sendo simplesmente chamado de Faraó. Alguns historiadores sugeriram que ele teria sido Ramsés II, que teria reinado entre 1279 e 1213 a.C. O problema disso é que o governo dos Juízes de Israel teria durado pelo menos quatrocentos anos, sendo que o primeiro rei israelita assumiu o trono por volta de 1030, tendo sido Saul

Sendo assim, se Ramsés II teria sido o tal Faraó que confrontou Moisés e Aarão, significa que as datas estariam erradas. Além disso, há outro problema: nas crônicas do governo de Ramsés II não há relatos sobre uma saída massiva de hebreus do Egito. Logo, o tal Faraó pode ter sido um monarca anterior, ainda não identificado, ou relato bíblico não é tão exato assim, podendo inclusive ter mesclado elementos lendários e acontecimentos históricos de diferentes épocas. Os faraós são citados principalmente em Gênesis, Êxodo, I Reis, II Reis, I Crônicas, II Crônicas, I Macabeu, Isaías, Jeremias e Ezequiel

  • Faraó da época de Abraão - antes de 1800 a.C
  • Faraó da época de José - antes de 1600 a.C
  • Faraó da juventude de Moisés - antes de 1400 a.C ou 1200 a.C
  • Faraó da velhice de Moisés - antes de 1400 a.C ou 1200 a.C
  • Faraó sogro de Merede - antes de 1100 a.C
  • Faraó cunhado de Hadade - antes de 1000 a.C
  • Psusenés II - 959-945 a.C - possível sogro de Salomão
  • Sisaque I - 945-924 a.C - invadiu o Reino de Judá
  • Taharqa - 690-664 a.C - confrontou o rei assírio Senaqueribe
  • Necao ou Neco II - 610-595 a.C - confrontou o rei Josias de Judá
  • Apriés ou Hofra - 589-570 a.C - confrontou Nabucodonosor II
  • Ptolomeu VI - 180-145 a.C - sogro de Alexandre Balas
O chamado Faraó do Êxodo, caso haja precisão nos eventos relatados, teria sido mais de um monarca, como apontam alguns historiadores e teólogos. Pois de acordo com a Bíblia, Moisés tinha 80 anos quando Deus o chamou para iniciar a missão de libertação dos hebreus. Entretanto, quando criança, Moisés foi adotado pela filha de um faraó. Logo, não teria como ser o mesmo homem, a não ser que ele tivesse mais de 100 anos ou a idade de Moisés esteja errada. Quantos as hipóteses de quem teriam sido os faraós do livro do Êxodo, vários são os candidatos: Pepi I, Amós I, Tutmés II, Tutmés III, Aquenaton, Seti I, Ramsés I, Ramsés II, entre outros. 

Apesar que Ramsés II seja o preferido por conta das menções às cidades construídas por ele, embora não seja uma segurança que ele tenha sido o "faraó do Êxodo", pois o relato pode ter sido atualizado por algum cronista, como ocorreu em outros livros bíblicos. Além disso, Ramsés II faleceu com quase noventa anos, logo, ele não poderia ser o mesmo faraó da infância de Moisés.    

Reis de Israel 

De acordo com os livros bíblicos, a realeza de Israel começou com Saul, escolhido por Deus para essa missão, até porque anteriormente o território era governado por chefes tribais e possuía a figura dos juízes como governantes auxiliares. Após a morte de Salomão o reino de Israel sofreu uma cisão, surgindo o Reino de Judá, governado por outras casas reais. Essa parte da história é vista nos livros de I Samuel, II Samuel, I Reis, II Reis, I Crônicas, II Crônicas, Amós, Osaías, Miquéias e Isaías
  1. Saul - c. 1030 - c. 1010 a.C.
  2. Davi - c. 1010 - c. 970/960 a.C.
  3. Salomão - c. 970/960 - c. 931 a.C.
  4. Jeroboão I - 931-910 a.C
  5. Nadab - 910-909 a.C.
  6. Baasa - 909-886 a.C.
  7. Ela - 886-885 a.C.
  8. Zambri - 885 a.C.
  9. Amri - 885-874 a.C.
  10. Acab - 874-853 a.C.
  11. Ocozias - 853-852 a.C.
  12. Jorão - 852-841 a.C.
  13. Jeú - 841-814 a.C.
  14. Joacaz - 814-798 a.C.
  15. Joás - 798-783 a.C.
  16. Jeroboão II - 783-743 a.C.
  17. Zacarias - 743 a.C.
  18. Seleum - 743 a.C.
  19. Menaém - 743-738 a.C.
  20. Faceias - 738-737 a.C.
  21. Faceia - 737-732 a.C.
  22. Oseias - 732-724 a.C.
Reis de Judá

O Reino de Judá surgiu após a morte de Salomão, quando os territórios do sul de Israel se rebelaram contra o governo de Jeroboão I, levando a separação territorial e o surgimento de novas casas reais. Esse reino foi conquistado pelos exércitos babilônicos de Nabucodonosor II. Esses soberanos são apresentados principalmente nos livros de II Reis e II Crônicas. Mas alguns deles voltam a serem mencionados em alguns dos livros dos Profetas Menores. 

  1. Roboão - 931-913 a.C.
  2. Abiam - 913-911 a.C.
  3. Asa - 911-870 a.C.
  4. Josafá - 870-848 a.C.
  5. Jorão - 848-841 a.C.
  6. Ocazias - 848 a.C.
  7. Atalaia - 841-835 a.C.
  8. Joás - 835-796 a.C.
  9. Amasias - 796-781 a.C.
  10. Ozias (Azarias) - 781-740 a.C.
  11. Joatão - 740-736 a.C.
  12. Acaz - 736–716 a.C.
  13. Ezequias - 716-687 a.C.
  14. Manassés - 687–642 a.C.
  15. Amon - 642–640 a.C.
  16. Josias - 640–609 a.C
  17. Joacaz - 609 a.C
  18. Joaquim - 609–598 a.C
  19. Joaquin - 598 -597 a.C
  20. Zedequias - 597–587/586 a.C

Reis Assírios

Os domínios da Assíria que compreendiam o norte da antiga Mesopotâmia, ou atualmente o norte do Iraque e territórios vizinhos, existiram por séculos. Entretanto, no século VIII a.C, Salmanaser V e Sargão II conquistaram o Reino de Israel, subjugando ao seu poder. Além disso, Senaqueribe chegou a ordenar a invasão do Reino de Judá, mas não obteve sucesso em conquistá-lo totalmente, mas manteve ocupado parte de seu território. Esses monarcas são citados em II Reis, II Crônicas, Esdras e Isaías.

  • Salmanaser V - 727-722 a.C
  • Sargão II - 722-705 a.C
  • Senaqueribe - 705-681 a.C
  • Assaradão - 681-669 a.C
  • Assurbanipal - 669-627 a.C

O livro de Tobias inclui Nabucodonosor II como rei assírio e governando a partir de Nínive, mas são dados incorretos. A cidade de Nínive foi destruída e saqueada em 612 a.C pelo pai de Nabudoconosor, e esse somente começou a governar anos depois, cuja capital era a Babilônia. Além de que ele nunca usou o título de rei assírio. 

Reis Babilônios

A Babilônia era uma cidade com mais de três mil anos de história, tendo sido uma cidade-Estado depois um reino e império. Na Bíblia enfatiza-se bastante a época dos séculos VII a.C e VI, a.c que marcaram o período do exílio dos hebreus naquele reino. Esse período é referido como Império Neobabilônio, que marcaria o fim da autonomia desse povo, já que seus domínios seriam conquistados pelos persas. Os monarcas desse reino são mencionados em II Reis, II Crônicas, Esdras, Neemias, Tobias, Daniel. Nabucodonosor II também é mencionado em Jeremias

  • Nabucodonosor II - 604-562 a.C
  • Evil-Merodaque - 562-560 a.C
  • Nabonido - 556-539 a.C
  • Belsazar ou Baltazar - 556-539 a.C (corregente de seu pai Nabonido)
Os livros bíblicos não citam os usurpadores Neriglissar (560-556 a.C) e Labasi-Maruque (556 a.C). Além disso, o livro de Daniel diz que com a morte de Belsazar (ou Baltazar), a Babilônia foi governada pelo rei Dario, o Medo. Todavia, historicamente quem assumiu o governo foi Ciro, o Grande. Provavelmente o tal Dario fosse algum governante. 

Reis Persas

A Pérsia foi um vasto império que surgiu no século VI a.C, formado a partir das conquistas promovidas pelo rei Ciro II, que mais tarde ficou conhecido como Ciro, o Grande. Foi durante seu longo reinado que a Babilônia foi conquistada e os judeus foram libertados de seu cativeiro, sendo autorizado o retorno deles para Israel e Judá. Alguns dos sucessores de Ciro, como Xerxes e Artaxerxes mantiveram a política de permitir os judeus reconstruírem suas cidades. Dos reis persas que governaram nos séculos VI e V, apenas quatro são mencionados na Bíblia, aparecendo principalmente nos livros de Esdras, Neemias, Tobias, Judite e Ester. Sendo eles: 

  • Ciro II, o Grande (559-530 a.C) - fundou o império persa
  • Dario I, o Grande (522-486 a.C) - invadiu a Grécia e falhou
  • Xerxes I (486-465 a.C) - invadiu a Grécia e falhou 
  • Artaxerxes I (465-424 a.C)
O filho de Ciro II, Cambises II (530-522 a.C) e o usurpador Esmérdis (522 a.C) não são citados nos relatos bíblicos. 

Além disso, no livro de Ester, o rei persa é chamado de Assuero, o qual costuma ser associado como sendo Xerxes, mas alguns historiadores e teólogos apontam que poderia ter sido Artaxerxes devido a alguns acontecimentos citados nesse livro. O problema é que o nome de Ester não consta como rainha de nenhum desses monarcas, o que abre margem para questionar se ela existiu de fato, ou se existiu não teria sido uma rainha, talvez uma concubina, ou ela teria tido outro nome entre os persas. 

Reis da Macedônia

Esses monarcas são citados apenas no livro I Macabeu, para se referir a origem do Helenismo, quando a cultura grega foi difundida para o Oriente Médio, sobretudo por conta do império de Alexandre, o Grande. Assim, os antigos reinos de Israel e Judá foram helenizados, adotando a língua grega e costumes daquele povo, algo que gerou conflitos séculos depois, como narrado nesse livro bíblico. 
  • Felipe II da Macedônia - 359-336 a.C - conquistou a Grécia
  • Alexandre, o Grande - 336-323 a.C - conquistou o Império Persa
  • Felipe V da Macedônia - 221-179 a.C
  • Perseu da Macedônia - 179-168 a.C - rendeu-se aos romanos
Reis Selêucidas

Após a morte de Alexandre, o Grande em 323 a.C, seu império foi usurpado de seu herdeiro legítimo, Alexandre IV, sendo dividido entre os generais veteranos. Nesse caso, os domínios que compreendiam boa parte do antigo Império Pérsia da época de Dario III, foram herdados pelo general Seleuco I. Assim, os domínios selêucidas foram mantidos pelos séculos seguintes, incluindo os territórios da Judeia. Fato esse que no século II a.C, MatatiasJudas Macabeu, Jônatas e Simão confrontaram os selêucidas por anos para tentar libertar as terras dos judeus. Essa história é narrada nos livros I Macabeu e II Macabeu
  • Antíoco III - 223-187 a.C - promoveu a tolerância religiosa com os judeus
  • Antíoco IV - 175-164 a.C - ordenou perseguições ao Judaísmo
  • Antíoco V - 164-161 a.C
  • Demétrio I - 161-150 a.C - mandou matar Judas Macabeu
  • Alexandre Balas - 150-145 a.C - negociou com Jônatas
  • Demétrio II - 145-138 a.C - usurpou o trono de Balas
  • Antíoco VI - 144-142 a.C - eleito herdeiro oficial de Balas
  • Diódoto Trifão - 142-138 a.C - protetor de Antíoco VI
  • Antíoco VII - 138-129 a.C - governou no lugar do irmão Demétrio II
  • Demétrio II - 129-125 a.C - retorno da prisão na Pártia
Reis da Judéia (ou Reis Herodianos)

Na época do Império Romano, os territórios de Israel e da Palestina compreendiam as províncias da Judeia, Síria e Arábia Pétrea. Neste caso, temos menções a Dinastia Herodiana, iniciada com Herodes, o Grande que teve vários filhos e filhas, cujos alguns dos seus descendentes foram monarcas, mas a maioria viveu como nobres, e alguns atuaram como governadores (tetrarcas). Os primeiros Herodes são citados nos Quatro Evangelhos e os demais em Atos dos Apóstolos.
  • Herodes, o Grande - 37-4 a.C
  • Herodes Arquelau - 4 a.C - 6 d.C (sucedido por governadores romanos)
  • Herodes Agripa I - 41-44 (rompeu com os romanos)
  • Herodes Agripa II - 48-92/100 (rei vassalo dos romanos)
Existe um debate entre os historiadores e teólogos se teria sido Herodes, o Grande ou Herodes Arquelau que teria ordenado o censo que levou José a voltar para Belém, acarretando nesse processo a condição de Maria dar à luz a Jesus durante a viagem. A ideia de que Jesus teria nascido no ano 1 d.C, é questionada por alguns historiadores e até teólogos, os quais apontam que ele poderia ter nascido nos últimos anos do reinado de Herodes, o Grande. Vale ressalvar que a divisão temporal Antes de Cristo e Depois de Cristo somente foi adotada séculos depois desses eventos. 

Imperadores Romanos

Os monarcas de Roma são normalmente chamados pelo título de César, embora que no Evangelho de Lucas temos a menção ao nome do imperador Tibério, em Atos dos Apóstolos cita-se o imperador Cláudio. Todavia, a partir da época de alguns eventos ocorridos nos séculos I a.C e I d.C, é possível identificar os reinados desses imperadores. Por exemplo, o governo de Herodes, o Grande, que governou sob o reinado de Augusto; a gestão de Pôncio Pilatos durante o governo de Tibério; a expulsão dos judeus de Roma, durante o governo de Cláudio; a visita de Paulo à Roma durante o governo de Nero. 
  • Augusto - 27 a.C - 14 d.C
  • Tibério - 14-37
  • Cláudio - 41-54
  • Nero - 54-68
O imperador Calígula (37-41) não é citado na Bíblia

Outros reis mencionados:

Nos livros de Gênesis, Êxodo, Números, Josué, Rute, Juízes, I Samuel, II Samuel, I Reis, II Reis, I Crônicas, II Crônicas, citam reis de Jerusalém, Moab, Amon, Edom, Sidônia (Fenícia), Cananéia, Filistéia etc., porém, o reinado desses monarcas é de difícil identificação por falta de evidências históricas e arqueológicas, além de haver a questão de que alguns supostos reis desses povos poderiam ter sido governadores ou chefes tribais, não soberanos de fato. 

Sabe-se que Moisés, Josué, Saul e Davi lutaram contra vários reis de povos vizinhos, a maioria nem se quer tem o nome citado, o que dificulta sua identificação. Por exemplo, no relato de Josué 12:9-24 é citado que Josué venceu 31 monarcas. Seus nomes não são citados, embora nesse mesmo capítulo cite-se Siom, rei dos Amorreus e Og, rei de Basã. Além disso, os locais os quais os 31 reis governavam, eram pequenos territórios que lembrariam a condição de eles parecerem mais chefes ou governadores, como comentado anteriormente. 

Melquisedeque, que viveu na época de Abraão, era o rei de Salém, cidade não identificada com clareza, embora algumas hipóteses sugerem que ela poderia estar situada em terras nas quais Jerusalém hoje se encontra. Ainda na época de Abraão recordamos a condição de que havia cidades pecadoras como Sodoma e Gomorra, que eram governadas por reis cujos nomes não são citados. 

A Rainha de Sabá que foi visitar o rei Salomão, é outra monarca da qual nada se sabe. Biblicamente ela aparece poucas vezes e teria vindo de um reino ao sul de Jerusalém, situado em algum lugar da península arábica. Outras tradições apontam que a rainha se tornou uma das esposas de Salomão e até deu origem a realeza da Etiópia. 

NOTA: O rei Ezequias de Judá é citado no livro de Isaías
NOTA 2: Os reis Manassés, Josias, Joaquim e Joaquin são mencionados no livro de Jeremias. Inclusive algumas menções são indiretas, pois referem-se a acontecimentos ocorridos durante seus reinados. 
NOTA 3: Os reis Joaquim, Joaquin e Nabucodonosor são citados também nos livros de Baruc, Ezequiel e Daniel
NOTA 4: No livro de Ezequiel é mencionado um rei de Tiro que era inimigo de Judá, e foi atacado por vários anos pelos exércitos de Nabucodonosor. O nome do monarca não é citado, mas os historiadores apontam que possa ter sido Hirão II, pois em seu reinado a cidade de Tiro foi destruída pelos babilônios. 
NOTA 5: No livro de Ezequiel, Magog é referido como um reino bárbaro e governado pelo rei Gog, que também era príncipe de Meseque e Tubal. Porém, em outros livros bíblicos Magog, Meseque e Tubal são nomes de alguns homens, não o nome de lugares. Existem dúvidas se Gog realmente teria sido um governante real ou apenas um monarca fictício para servir de exemplo para o relato de Ezequiel. Exemplo esse reaproveitado no livro de Apocalipse. 
NOTA 6: No livro de Daniel é citado brevemente o rei Astiages (610-540 a.C) último monarca dos Medos, que foi destronado por Ciro, o Grande. 
NOTA 7: Alguns Herodes citados no Novo Testamento não foram reis, mas governadores (tetrarcas) como o caso do pai e tio de Salomé, os quais ambos se chamavam Herodes. Neste caso, ela é lembrada por ter mandado matar o profeta João Batista. 
NOTA 8: Herodes Agripa II na prática era um governador (tetrarca) que usava o título de rei em caráter simbólico, pois ele era vassalo dos imperadores romanos. Sendo assim, seu longo governo que vai de 48 até sua morte em 92 ou 100, deve ser visto como um mandato de governador. 

Fonte:
Bíblia de Jerusalém. Nova edição, revista e ampliada. 12a reimpressão [2017]. São Paulo, Paulus, 2002. 

Referências bibliográficas:
FREEDMAN, David Noel (ed.). The Anchor Yale Bible Dictionary. New York, Doubleday, 1992. 
KASCHEL, Werner; ZIMMER, Rudi. Dicionário da Bíblia Almeida. 2a ed. Baueri, Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. 

Link relacionado: 

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Os Yokais no folclore japonês

Graças a popularidade dos mangás, animes e videogames, figuras do folclore japonês como os yokai se difundiram pelo mundo, sendo bastante representadas em diferentes narrativas, sendo até adaptadas para os padrões atuais. Entretanto, esses seres não seriam meros monstros de lendas, mas também possuíam e ainda possuem funções religiosas nas crenças populares do Budismo e do Xintoísmo. O texto a seguir apresenta o conceito de yokai e seus desdobramentos. 

O conceito de yokai:

A palavra yokai engloba uma série de seres sobrenaturais como fantasmas, animais fantásticos, onis, monstros, entidades espirituais etc. Por conta dessa diversidade de seres, traduzir yokai como "fantasma", "demônio" e "monstro" é impreciso, pois há casos de yokais que possuem a forma humana e de animais; além de que nem todo yokai seja uma criatura maléfica. Sendo assim, os folcloristas hoje em dia preferem interpretar yokai como uma "criatura sobrenatural", já que o termo em si tenha um caráter mais de categoria (referir-se a um conjunto de seres) do que especificar algo em particular. (FOSTER, 2015). 

Pintura retratando alguns yokais. Datação incerta, mas pertenceu ao Período Muromachi (1336-1573). 

Os yokais podem assumir a forma humana, de animais, de plantas, de objetos, de estruturas (geralmente casas e santuários) e até aparecerem personificados como elementos da natureza como o vento, a chuva, o fogo, raios e trovões. Vale ressalvar que alguns yokais podem mudar de forma também, o que revela como essas criaturas são ainda mais complexas. Nota-se como essa categoria abrange diferentes tipos de seres sobrenaturais como assinalado anteriormente. 

Os yokais podem ser criaturas tolas, pequenas e fracas, mas também podem ser seres inteligentes, grandes e poderosos; alguns fazem uso de magia; outros yokais conseguem transitar entre o mundo dos vivos e dos espíritos. Não obstante, nem todo yokai é maléfico, pois alguns são apenas trapaceiros e brincalhões, e tem alguns que ajudam as pessoas também. (FOSTER, 2015). 

Há yokais que existem na própria natureza, outros vieram do mundo espiritual e há casos de humanos que se tornaram yokais, porque foram amaldiçoados, reencarnaram ou sofreram alguma morte trágica ou cruel, lhes deixando cheios de sofrimento, ódio e rancor e eles se tornam yokais geralmente do tipo fantasma ou assombração. Em outro casos há yokais que podem ser filhos de humanos, ou seja, são meio-humanos (hanyo). E esses seres híbridos podem possuir alguns poderes yokai. (FOSTER, 2015). 

Nure-onna é um tipo famoso de yokai no folclore japonês. 

Explanado de forma breve sobre o conceito de yokai, vejamos algumas subcategorias a ele associada, as quais expressam algumas particularidades específicas. Vale ressalvar também que excetuando-se os fantasmas (yusei) e os dragões (ryu), alguns folcloristas consideram que os bakemonos podem ser também tratados como yokais. 

1) Bakemono ou obake: 

A palavra bakemono significa "o que troca de forma", porém, hoje ela é usada até mesmo pelos próprios japoneses para se referir ao conceito de monstro e fantasma (aqui no sentido de assombração). Entretanto, os bakemonos não necessariamente possuem uma forma fantasmagórica, alguns são animais fantásticos, espíritos da natureza e até objetos possuídos (tsukumogami). (ROBERTS, 2009, p. 11). 

Por exemplo, animais como a kitsune (uma raposa mítica), a kappa (um tipo de monstro aquático), o nekomata (gato de duas caudas), o bake-danuki (guaxinim mítico), tais seres são bakemonos, os quais inclusive podem mudar de forma (incluindo assumir forma humana) ou terem um aspecto mais monstruoso como no caso das kappas, que são criaturas travessas e maléficas que habitam rios e lagos. Mas a própria kitsune também pode agir de forma malvada, enganando, roubando, trapaceando e possuindo pessoas, agindo como espíritos obsessores. 

Uma mulher confrontando uma kitsune de nove caudas. 

Além disso, a palavra bakemono possui etimologia associada com baku, termo usado para se referir a um tipo de assombração espiritual. O baku consiste num monstro quimérico, ou seja, seu corpo é formado por diferentes partes de animais, o qual aparece durante o sono e se alimenta dos sonhos, a manifestação do "devorador de sonhos". Quando um baku acomete uma pessoa ele causaria os pesadelos. Nesse ponto ele é associado a manifestação monstruosa do pesadelo, algo visto em outros folclores também. (ROBERTS, 2009, p. 12). 

Representação de um baku, o devorador de sonhos. 

Existem outros bakemonos com aspectos mais específicos, um deles são os kodamas, espíritos da natureza que normalmente vivem em florestas, mas podem aparecer em montanhas também. Os kodamas estão associados a proteção da floresta, habitando em árvores, tocas e cavernas. Eles são associados com os elfos do folclore escandinavo e as dríades da mitologia grega. Por conta de seu papel como guardiões das matas, os kodamas recebiam oferendas e orações também. Em geral, são descritos como seres pacíficos e tímidos, pois raramente se manifestam diante dos humanos, não tendo uma forma definida, apesar que podem aparecer em forma de animais, pessoas e outros seres. Todavia, os kodamas como guardiões da floresta, eles podem punir aqueles que as destroem, derrubando árvores antigas, desmatando, queimando, caçando de forma irresponsável. (FOSTER, 2015, p. 198-199). 

Kodamas como vistos no filme Princesa Mononoke (1997). 

Outro tipo de bakemono específico são os tengus ("cão do paraíso"), os quais aparecem como seres híbridos, apresentando corpo humano, asas, nariz comprido, bico ou cabeça de corvo (karasu tengu ou kotengu). Os tengus são apresentados de duas maneiras, ora como criaturas protetoras, pacíficas e cultas, mas também como seres perigosos e traiçoeiros, causando problemas e crimes. Eles costumam serem bastante representados na arte japonesa, inclusive no teatro e em cerimônias é possível encontrar máscaras de tengus com rosto vermelho e nariz comprido. (FOSTER, 2015, p. 261-263). 

Uma máscara de tengu. 

Algumas lendas falam de tengus especialistas em magia e artes marciais, os quais ajudaram algumas pessoas, lhes tomando como seus discípulos. Alguns tengus também agiriam como protetores de alguns lugares tidos sagrados, incluindo templos, por isso sua associação com a palavra "cão", aqui no sentido de "cão de guarda". Por outro lado, existem narrativas que os retratam como tendo a função do "bicho-papão", acometendo as crianças que se perdiam nas florestas e montanhas. Em outros casos as pessoas contavam histórias sobre tengus que sequestravam crianças travessas, como forma de inculcar medo nelas para que assim se comportassem melhor com base no medo de poderem serem levadas embora por um tengu. (ROBERTS, 2009, p. 115; FOSTER, 2015, p. 261). 

Estátua de um tengu num templo.

Os tsukumogamis (objeto-espírito) são um tipo de bakemono bem específico, pois enquanto os outros citados são normalmente animais ou seres antropomórficos, essa classe se refere aos bakemonos que são objetos encantados ou possuídos. (FOSTER, 2015, p. 390). Existem vários termos específicos para nomear esses seres conforme os objetos que eles representam, por exemplo, bake-zori (sandálias de palha), ungaikyo (espelho), zorigami (relógio), furu-utsubo (jarra de saquê), kasa-obake (guarda-chuva ou sombrinha). 

A manifestação de um tsukumogami pode ocorrer de distintas formas: um bakemono incorporou num objeto (possessão) ou a criatura aprisionou algum espírito num objeto; em alguns casos há yokais que usam seus poderes para animar os objetos, conjurando-os de magia animadora, tornando os objetos em tsukumogamis. Esses bakemonos podem ser usados para causar sustos, travessuras, mas também provocar acidentes e assombração. (FOSTER, 2015, p. 407-408). 

No caso, não há uma representação exata desses seres, dependendo do artista eles podem aparecer como objetos comuns os quais flutuam, mas há representações que os mostram tendo olhos, rostos, cabelos, chifres, dentes, braços e pernas. 

Um tsukumogami em forma de lanterna. Hokusai, entre 1826 e 1837. 

2) Oni:

Normalmente a palavra oni costuma ser traduzida como demônio ou monstro, de certa forma, tais traduções não estão erradas, pois, de fato, tratam-se de criaturas com aspectos monstruosos e que causam malefícios. No caso, a palavra oni advém de onu (invisível ou algo que não se enxerga). Sendo assim, de acordo com as crenças quando algo de ruim ocorria, punha-se a culpa nos onis, seres inicialmente considerados invisíveis, os quais agiam para prejudicar as pessoas, por conta disso haver orações e ritos para afastá-los e se proteger de suas ações. (PIGOTT, 1969, p. 62). 

Com o advento da arte japonesa, essa ajudou a conceder características físicas aos onis, sendo esses retratados em forma humanoide, como criaturas robustas, brutas e feias, podendo possuir chifres, barba, presas e garras. Alguns apresentam faces antropomórficas como se fossem de urso, leão, lobo e boi. Ele também podem aparecer nas cores azul, verde, vermelho, cinza, preto, marrom. Os onis são representados como tendo grande força e até mesmo devorariam os seres humanos. (PIGOTT, 1969, p. 62). 

Uma mulher ameaçada por um oni azul. Soga Shokaku, c. 1764. 

Por conta dessas características mais bestiais, hoje em dia folcloristas e estudiosos de outros países costumam associar os onis as figuras do ogro e do troll, os quais no folclore nortenho europeu apresentam funções similares, sendo criaturas que costumam causar dano ou até matarem as pessoas, sendo que essas bestas se esconderiam em florestas, cavernas ou debaixo de pontes. 

3) Yurei

O termo yurei ("espírito fraco" ou "espírito obscuro") costuma ser traduzido como fantasma ou alma penada, sendo ele um tipo de yokai. Os yureis normalmente são representados como sendo fantasmas de pessoas, mas há casos de serem também fantasmas de animais e outros yokais. No Japão, histórias sobre fantasmas (kaidan) são bastante populares, havendo centenas delas, e normalmente eles originam-se a partir de momentos trágicos e violentos: acidentes, assassinatos, suicídio, catástrofes etc. Em alguns casos os fantasmas também surgem porque a pessoa foi amaldiçoada ou morreu com muito rancor, tristeza e ódio. (FOSTER, 2015, p. 53-54). 

Pintura de um yurei datada por volta de 1700. 

Tradicionalmente os yurei costumam serem representados usando roupas brancas, geralmente um kimono. Todavia, como os costumes mudaram, os yurei atuais aparecem usando vestes mais modernas. Eles também costumam serem retratados como não tendo pés, sendo um indicativo de estarem mortos. Antigamente também os retratavam sem os pés e mãos. Em alguns casos os yurei podem aparecer sem uma forma definida, surgindo como se fosse uma nuvem ou uma bola espectral nas cores azul, verde ou roxa, chamada hitodama

Os yureis podem aparecer conservando sua fisionomia original, mas há casos que eles surgem de forma mais feia, podendo ter aspecto cadavérico e até feições monstruosas. Alguns yurei também podem praticar vários males, havendo necessidade de serem exorcizados, por conta disso, os monges budistas e sacerdotes xintoístas desenvolveram técnicas de exorcismo, orações e ritos para mantê-los afastados. (FOSTER, 2015, p. 55). 

Embora fantasmas sejam associados em geral a histórias de terror, nem todo yurei é vingativo ou malvado, há aqueles que são bons, mais devido a algum problema não conseguiram seguir para a outra vida, então buscam a ajuda dos vivos para fazer isso. E há casos de alguma pessoa que se manifesta como fantasma para avisar ou ajudar alguém. 

O folclore japonês possui diferentes termos para classificar os tipos de yurei, alguns mais comumente usados são:

  • Onryo: fantasma vingativo, considerado bastante perigoso, pois ele pode atacar tanto aqueles que o feriram, quanto outras pessoas que não tem nenhuma culpa. 
  • Goryo: é a variação do onryo, mas está ligado a um fantasma de alguém que era nobre ou rico. 
  • Funayurei: fantasma de pessoa que morreu no mar.
  • Zashiki-warashi: fantasma de criança. 
  • Ubume: fantasma de uma mãe que morreu no parto ou morreu deixando filhos pequenos. 
  • Fuyurei: fantasma flutuante que vagueia sem um propósito definido. Não necessariamente causam males. 
  • Jibakurei: fantasma que ficou preso nesse mundo por algum motivo específico, não necessariamente por conta de ódio, vingança e maldição. 
  • Ikiryo: consiste na projeção astral em que uma pessoa consegue projetar seu espírito e controlá-lo. O termo inclusive é traduzido como "fantasma vivo". 

Representação clássica de um yurei com seu quimono branco. 

4) Ryu

A palavra ryu designa o dragão japonês, entretanto, existem vários tipos de dragões no folclore e na mitologia do Japão. Alguns são pequenas criaturas e outros podem ser monstros imensos. Alguns dragões podem assumir a forma humana. Todavia, a grosso modo todo dragão seria um yokai, entretanto, existem alguns dragões que são classificados como kamis (deuses) por conta de seu papel religioso. Entretanto, aqui os tratamos mais especificamente como sendo yokais por conta de serem criaturas sobrenaturais. 

Os dragões japoneses são seres associados com a água, em especial o mar, mas eles também podem aparecer associados com montanhas, chuva, raios e trovões. Os dragões podem ser criaturas benevolentes e sábias, a ponto de serem cultuados como divindades, por isso existir templos e cerimônias dedicados aos deuses-dragão; porém, há outros que agem de forma mesquinha, invejosa e violenta, personificando as forças destrutivas da natureza. 

Um dragão voando diante do Monte Fuji. Ogata Gekko, 1897. 

Várias lendas japonesas costumam associar histórias de princesas com dragões, em que as princesas seriam filhas desses ou tentavam de alguma forma roubar algum artefato mágico dos palácios desses dragões. Outras narrativas também apresentam lendas sobre dragões que causaram inundações, tempestades, terremotos e erupções vulcânicas. 

NOTA: A palavra mono-no-ke era usada no passado, especialmente no Período Heian (794-1185), para se referir aos fantasmas vingativos. Hoje em dia o termo tem pouca usabilidade, optando-se em usar onryo ou goryo. Inclusive esse termo foi escolhido pelo Studio Ghibli para seu famoso filme Princesa Mononoke (1997), cuja personagem age de forma vingativa para proteger uma floresta cujos kodamas são ameaçados pelo ser humano. 
NOTA 2: O Hyakki Yagyo é um termo usado para se referir a uma "parada de yokais", que ocorre à noite em determinadas épocas do ano, geralmente associado a eclipses lunares, dias sombrios, feriados dos mortos etc. Esse desfile de monstros ocorreria por estradas, campos e cidades, e as pessoas deveriam evitar se aproximar para não serem raptadas ou mortas. 
NOTA 3: O mangá e anime Inuyasha (1993-2008) é famoso por retratar vários tipos de yokais. 
NOTA 4: Os jogos Nioh (2017) e Nioh 2 (2020) também trazem uma variedade de yokais. 
NOTA 5: No mangá e anime Demon Slayer, os onis são retratados de forma variada, apresentando características de outros yokais. 
NOTA 6: A franquia de jogos Fatal Frame é conhecida por abordar a temática dos yureis. 

Referências bibliográficas: 

FOSTER, Michael Dylan. The Book of Yokai: mysterious creatures of Japanese Folklore. Oakland, University California Press, 2015. 

PIGOTT, Juliet. Japanese Mythology. London, The Hamlyn Publishing, 1969. 

ROBERTS, Jeremy. Japanese Mythology A to Z. 2. ed. New York, Chelsea House, 2009. 

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Os cavaleiros-arqueiros do Império Mongol

Quando se pensa em cavalaria normalmente associamos a figura do cavaleiro usando espadas e lanças, embora eles também pudessem usar maças, porretes, alabardas, no entanto, os cavaleiros mongóis se notabilizaram pelo manejo do arco, o que lhe concederam características únicas em sua estratégia militar, assim como, a fama de implacáveis arqueiros que a galope conseguiam acertar um alvo a centenas de metros de distância. Apesar dos exageros sobre a pontaria dos cavaleiros-arqueiros mongóis, entretanto, é fato que a cavalaria consistiu na principal força de ataque desse povo, permitindo que Genghis Khan, seus filhos, netos e generais pudessem formar um império que se expandiu do China até a Áustria. 

À esquerda cavaleiros-arqueiros mongóis confrontando cavaleiros persas na Batalha de Valiyan (1221). Ilustração de Rashid-al-Din, 1430-1434. 

O mongol e seu cavalo

Na Idade Média falar dos mongóis era falar também de seus cavalos, principais animais ao lado das cabras, ovelhas e bois que eram criados por esse povo. Por conta dos mongóis habitarem as vastas estepes, além de possuírem um estilo de vida nômade ou seminômade, a locomoção era essencial, por conta disso, suas casas chamadas de yurt, eram tendas que podiam ser desmontadas, colocadas em carroças e transportadas. Por séculos, os mongóis como outros povos das estepes como hunos, turcos, turcomanos, cazaques etc., mantiveram esse estilo de vida nômade ou seminômade, apesar que os outros povos adotaram o sedentarismo mais rápido em alguns casos. 

Todavia, devido a esse estilo de vida em que se demandava trocar de região em busca de pastos para uma pecuária extensiva, os mongóis desde cedo criaram um forte vínculo e dependência com os cavalos. Por sua vez, o arco e flecha se tornaram suas principais armas ao lado da lança, depois da espada, por conta da necessidade de se caçar, mas também de guerrear. Antes do governo de Genghis Khan (1162-1227), o qual unificou as tribos mongóis sob seu reinado no começo do século XIII, as tribos guerreavam entre si, disputando territórios, recursos e por outros motivos. (TURNBULL, 1980, p. 3). 

Sendo assim, os homens e mulheres mongóis devido a essa vida hostil, desde cedo aprendiam a cavalgar e manejar o arco, apesar que as mulheres não iam à guerra, mas eventualmente aprendiam a caçar e lutar se fosse necessário. Por sua vez, os homens eram logo cedo instruídos na equitação, arquearia e no combate. Enquanto não estavam guerreando ou em exercícios militares, os mongóis eram pecuaristas, artesãos, caçadores, além de exercer outras atividades cotidianas.  

O cavalo para além de meio de transporte e carga, também representava status: um senhor que possuísse uma manada grande, significava que era próspero e poderoso. Além disso, o leite de égua era usado na alimentação diária, fosse para ser bebido, ou se produzir manteiga, queijo, iogurte e até uma bebida alcoólica chamada airag (chamada de kumis em outros países), considerada a bebida típica da Mongólia, apesar de ser consumida em outros países da Ásia Central, recebendo outros nomes. Não obstante, além dos usos dado ao leite de égua, a carne de cavalo também em alguns casos poderia ser consumida. (TURNBULL, 2003, p. 16-17). 

Mongóis cavalgando o típico cavalo mongol, uma raça nativa de médio porte, veloz e resistente. 

Stephen Turnbull (2003, p. 4) comenta que a ideia de que os mongóis viveriam sobre seus cavalos a ponto de fazer suas refeições e até dormirem, enquanto percorriam centenas de quilômetros num dia, é fantasioso. De fato, o exército mongol possuía grande mobilidade por conta de suas principais tropas serem montadas, entretanto, acampamentos eram erguidos normalmente. Os cavaleiros dormiam em tendas ou até mesmo ao relento, ao lado de fogueiras ou cobertos com grossos cobertores. 

Dessa forma, diante dessas condições de vida: o nomadismo, a pecuária extensiva, vida tribal, longas distâncias, ameaças, entre outros fatores, os mongóis se tornaram hábeis cavaleiros, os quais no século XIII, ganharam a fama de lobos das estepes, cruéis e sanguinários bárbaros. Entretanto, os mongóis daquele tempo, era homens que mediam entre seus 1,55 e 1,70 metro de altura, e montavam cavalos de porte pequeno para os padrões de outras localidades. Apesar da baixa estatura, subestimar um oponente pelo seu tamanho é um erro comum. Esses cavaleiros-arqueiros conseguiram causar grandes conquistas, além de levar a calamidade para várias partes da Ásia e da Europa. 

O arco mongol

Um dos trunfos do exército mongol era o seu arco, um tipo de arco curto, composto e recurvo, condição essa que gerava uma tração maior do que a vista em arcos curtos convencionais. Essa arma era feita de chifre ou bambu, usando-se tendões para se fazer a corda. Ele media de 80 cm a 100 cm de comprimento. As flechas eram feitas comumente como vista em outros lugares, utilizando-se penas de diferentes aves. Evidentemente que guerreiros mais ilustres poderiam ganhar ou comprar flechas com penas de aves mais difíceis de obter, como águias. Um bom arqueiro conseguia disparar flechas a mais de 200 metros de distância, alguns experimentos mostram flechas passando das 350 jardas (320 metros). (BURGAN, 2005, p. 24). 

A corda era feita de forma a ser bastante flexível, mas sem se afrouxar, de forma a conservar sua tensão. Dessa forma, arqueiros habilidosos conseguiam puxá-la até ao lado dos olhos ou das orelhas. Por se tratarem de arcos curtos, isso facilitava seu manejo sobre a sela, pois o grande trunfo dos mongóis não era tanto o arco em si, mas a forma de como usá-lo. Os mongóis desenvolveram suas próprias técnicas para disparar, assim como, a arte da arquearia montada, uma forma mais difícil, pois o arqueiro encontra-se em movimento, tendo que compensar o balanço da cavalgada para poder efetuar disparos mais precisos. (BURGAN, 2005, p. 24).

Exemplo moderno de arco mongol. 

Michael Burgan (2005, p. 25) comenta que os arqueiros mongóis poderiam carregar dois tipos de arcos com eles: um arco para curtas distâncias e outro para longas distâncias. Isso dependeria do objetivo em questão, e o mesmo valeria para os cavaleiros também. Além disso, havia casos que os arcos acabavam rachando-se ou a corda arrebentando, então era necessário ter um arco de reserva. O autor também sublinha que os mongóis dependendo da missão, poderiam carregar aljavas com mais de 50 flechas. 

Apesar de que a precisão sobre-humana atribuída aos mongóis seja exagero, ainda assim, havia verdade nesses relatos. Os melhores arqueiros treinavam bastante para poderem acertar o máximo possível. Sem contar que os mongóis possuíam jogos e campeonatos de tiro ao alvo, lutas e corridas a cavalo. 

O cavaleiro-arqueiro

Embora a cavalaria mongol seja lembrada principalmente pelo manejo do arco, no entanto, ela usava armas como espadas e lanças, e até mesmo porretes e maças. Além disso, o exército mongol após a conquista da China, passou a usar armas de cerco e armas de fogo como canhões e bombas. Entretanto, o trunfo ainda era a cavalaria, dividida em cavalaria leve (geralmente formada pelos arqueiros e lanceiros) e a cavalaria pesada (armada com espadas e lanças). Além da mudança de armamento, o que diferia ambas as cavalarias estava em sua proteção. Cavaleiros leves usavam trajes comuns ou armaduras leves. Já a cavalaria pesada usava diferentes tipos de armadura de escamas. Em alguns casos os cavalos também recebiam proteção. 

O equipamento básico de um cavaleiro mongol era sua roupa comum, consistindo em calças, botas, camisa, casaco ou túnica, chapéu, gorro, capacete, cinto, bainha da espada. No caso da armadura, o tipo mais comum era a armadura de escamas, sendo feita de placas de ferro e couro, as quais eram sobrepostas, uma técnica usada por distintos povos da Ásia Central e do Extremo Oriente. (TURNBULL, 2003, p. 13-14). 

Exemplos de armaduras mongóis, usadas pela cavalaria pesada e a infantaria pesada.

O cavaleiro além do arco, poderia levar consigo a espada ou a lança, mas também uma faca ou pequeno machado. Esses seriam armas secundárias, mas também servindo de ferramentas. Os tipos de espada variavam, mas geralmente eram apenas de um gume e de mão única, o que permitia o uso de pequenos escudos feitos de madeira ou de ferro. A combinação com o escudo era mais comumente usada pela infantaria, apesar que há relatos e pinturas mostrando cavaleiros armados com espadas e escudos. (TURNBULL, 2003, p. 13-14). 

O cavaleiro mongol, assim como, o soldado e o arqueiro, carregavam suprimentos como comida, água, medicamentos, ferramentas, saco de dormir ou cobertor etc. Claro que dependendo da situação, as tropas poderiam dormir em tendas, mas havia casos que deveriam permanecer ao relento. Nesse ponto vale ressalvar que na sociedade mongol o cavaleiro não era um nobre como visto entre alguns países europeus. O cavaleiro era sobretudo o soldado que lutava a cavalo. Por conta disso, eles tinham o mesmo tratamento que outras tropas do exército mongol. (BURGAN, 2005, p. 25). 

Dentro da cavalaria-arqueira mongol havia um grupo chamado de mangudai. Esses foram várias vezes mal interpretados pelos cronistas asiáticos e europeus, sendo associados como uma tropa de elite ou como "tropas suicidas". Porém, como explica Chambers (1973, p. 63, 99), trava-se de uma tropa de cavalaria leve especializada em emboscadas. Os mangudais eram escolhidos entre os cavaleiros mais velozes e habilidosos no arco, para ir ao encontro do inimigo, fazer alguns disparos para amedrontá-los ou causar pânico. Eles atacavam de forma sorrateira, causando o máximo de distração ou dano possível e recuavam. Apesar que Chambers saliente que isso foi uma tática comum dos mongóis, sendo aplicada por outras forças de seu exército, não sendo exclusiva dos mangudais.

Cavaleiros mongóis perseguindo cavaleiros chineses. Ilustração do século XIV. 

Em alguns casos os mangudais seguiam em pequenos grupos para atrair tropas montadas ou a pé forçando a persegui-los até algum local de emboscada. Eles também poderiam serem usados como batedores, em ataques de vanguarda e em contra-ataques pelos flancos. Nesse ponto, uma tática usada era o de fugir e disparar ao mesmo tempo. Os mongóis desenvolveram uma técnica que permitiam se virar em suas selas e poderem disparar enquanto fugiam. E isso para inimigos desavisados poderia ser mortal, pois em alguns casos, os alvos eram os soldados, mas os cavalos, os quais ao serem atingidos, caíam, derrubando seus cavaleiros, causando-lhes ferimentos ou até a morte. 

NOTA: Os mongóis também usavam camelos e dromedários tanto como meio de transporte e fornecimento de recursos como leite, carne, couro e ossos. Na ausência de cavalos, alguns cavaleiros podiam usar camelos para a locomoção, apesar que não fossem úteis para os ataques rápidos, devido a falta de agilidade e serem mais difíceis de manobrar e controlar.

NOTA 2: No jogo Age of Empires 2 (1998) os mangudais são representados como uma cavalaria de elite do Império Mongol, sendo unidades mais poderosas do que outros cavaleiros-arqueiros. Todavia, em Age of Empires 4 (2021) isso foi alterado. Os mangudais não são mais uma tropa mortal, mas uma categoria da cavalaria leve, inclusive rápida e boa para ataques-relâmpagos e emboscadas, como era historicamente utilizada. 

Referências bibliográficas: 

BURGAN, Michael. Empire of the Mongolians. New York, Facts on File, Inc, 2005. 

CHAMBERS, James. The Devil's Horsemen: the mongol invasion of Europe. London, Book Club Association, 1979. 

TURNBULL, Stephen. Mongol Warrior: 1200-1350. Illustrated by Wayne Reynolds. Oxford, Osprey Publishing, 2003. (Warrior, 84). 

TURNBULL, Stephen. The Mongols. Illustrated by Angus McBride. Oxford, Osprey Publishing, 1980. (Men-at-Arms, 105). 

Links relacionados: 

O Grande Khan

Os Mongóis

As invasões mongóis do Japão em 1274 e 1281