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Leandro Vilar

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Samarcanda: a cidade azul de Tamerlão

Embora seja uma cidade com mais de dois mil e quinhentos anos de idade, Samarcanda atingiu seu esplendor na segunda metade do século XIV, quando foi escolhida para ser a capital do império de Tamerlão, um poderoso imperador turco-mongol que teve a ambição de fundar um império extenso como Genghis Khan e seus descendentes fizeram. No entanto, por ser muçulmano, Tamerlão quis imitar alguns califas e sultões, possuindo uma magnífica capital para chamar de sua, como foram Bagdá e o Cairo. Por conta disso, ele escolheu Samarcanda, importante cidade mercante da Ásia Central. 

Detalhe de um recinto de Samarcanda com seu icônico azul. Foto de Nunzio Rosano, 2015. 

Introdução

A história da origem de Samarcanda ainda é desconhecida, não se sabendo ao certo quando essa cidade foi fundada. Acredita-se que sua fundação tenha sido feita pelo povo soguediano em algum momento dos séculos VIII a.C ou VI a.C, na região da Transoxiana, na Ásia Central (atualmente sudeste do Uzbequistão), ao sul do rio Zarafshansituado num território de clima mais ameno (diferente dos desertos ao sul), com chuvas mais regulares, pastos e rios, o que contribuiu para o desenvolvimento de Samarcanda e de outras cidades e vilas. O nome samarcanda viria do soguediano, significando "fortaleza de pedra". Embora possa ter tido influência do sânscrito também, pois em determinadas épocas a cidade era chamada de Marcanda ou Maracanda, palavra persa para "cidade". (SCHAEDER, BOSWORTH, CROWE, 2007, p. 453). 

Em algum momento do século V a.C, a cidade foi anexada ao Império Persa Aquemênida (550-330 a.C), o que lhe concedeu privilégios graças a organização burocrática, além de sua rede de estradas que favoreceu o comércio. Com isso, a pequena cidade foi crescendo nos séculos seguintes enquanto permaneceu sob domínio persa. Posteriormente ela foi incluída aos domínios de Alexandre, o Grande. Mais tarde, após a morte de Alexandre e o declínio de seu vasto império, Samarcanda voltou ao controle dos persas e depois foi dominada por tribos turcomanas. Entretanto, a cidade passou a ingressar algumas rotas mercantis que seguiam para o leste, adentrando o território da China. (SCHAEDER, BOSWORTH, CROWE, 2007, p. 453). 

No século V d.C existem breves relatos de viajantes e mercadores chineses citando uma rica cidade mercante chamada de Samokian, situada ao oeste da China, na Ásia Central. De fato, a Rota da Seda cruzava aquelas terras e chegava a Samarcanda, que com o tempo se tornou uma das portas de entrada aos domínios persas. Mais tarde, no final do século VIII, Samarcanda foi inserida aos domínios árabes, os quais levaram consigo o Islão, religião que se espalhou rapidamente na cidade, no século seguinte. 

Mapa da Transoxiana e regiões vizinhas, destacando as principais cidades, durante o século VIII. 

Durante o Califado Abássida (750-1258), Samarcanda, como outras cidades islâmicas, prosperaram por um período. A cidade como dito anteriormente, era a porta de entrada da Rota da Seda nos domínios persas, de lá estradas seguiam para distintas direções, incluindo Bagdá, então capital do império abássida. Nos séculos IX ao XI, a cidade prosperou, destacando-se como centro mercante no norte do império. Além disso, ali viviam muçulmanos, cristãos, zoroastrianos, alguns budistas e povos de religiões politeístas. Samarcanda naquele período apresentava ares cosmopolitanos devido ao comércio, em que reunia diferentes povos, idiomas e religiões. (SCHAEDER, BOSWORTH, CROWE, 2007, p. 454). 

No século XIII a Transoxiana foi conquistada por Genghis Khan, no entanto, Samarcanda embora tenha sido saqueada em dados momentos, conseguiu sobreviver a fúria mongol, diferente de outras cidades que foram saqueadas e incendiadas como Bagdá. Sob o domínio mongol, Samarcanda ainda continuou como um importante polo mercantil, condição essa que décadas depois, o viajante veneziano Marco Polo citou que a cidade era grande e nobre, inclusive pertencia ao Canato de Chagatai, um dos filhos de Genghis. Polo praticamente nada comentou sobre Sarmacanda, já que não a visitou, apenas a citou brevemente. 

Samarcanda seguiu os séculos XIII e XIV sob domínio mongol, entretanto, na segunda metade do XIV, um poder local desafiou o controle do decadente império mongol, esse novo poder era curiosamente liderado por um homem que se dizia descender de Genghis Khan, seu nome era Timur Leng

"Passado um século depois da morte de seu fundador, o império mongol de Genghis Khan parece dividido e enfraquecido, e um novo conquistador vai aparecer para unificar com punhos de ferro o mundo das estepes e uma boa parte da Ásia". (CONRAD, 1976, p. 299).

Ilustração retratando Tamerlão, o último grande conquistador de origem mongol. 

Nascido com o nome de Timur ou Tamerlão (1336-1405), era o filho de uma família de camponeses da aldeia Kesh, ao sul de Samarcanda. Tamerlão era de origem turco-mongol, mas adulto defendia descender de linhagem nobre que perdeu seus direitos, sendo ele um suposto descendente de Genghis Khan. Sua família era vassala do Clã Barlas, que detinha razoável influência na região, por conta disso, Tamerlão ao ingressar na guerra, ainda adolescente, passou os vinte anos seguintes construindo sua ascensão. Em 1370, aos 34 anos de idade, Tamerlão era o senhor da Transoxiana e da Bacteriana. Ele era conhecido por seus inimigos como o "Coxo", mas seus subordinados o chamavam de o "homem de ferro" devido a sua rigidez como líder e crueldade com os inimigos. (CONRAD, 1976, p. 303).

Aclamado com o título de emir (comandante), Tamerlão deu início a expandir seu recente império, missão a qual se dedicou até o fim da vida, tendo fundado um império na Ásia Central que se estendia pela Armênia, Geórgia, Iraque, Síria,  Pérsia, Afeganistão, Paquistão e o oeste da Índia. Entretanto, ele como grandes líderes muçulmanos queria um capital para chamar de sua, uma cidade que representasse o esplendor de seu império. E a cidade escolhida foi Samarcanda, a qual ele já morava há alguns anos. (ROBINSON, 2007, p. 26). 

Em amarelo o império de Tamerlão em sua máxima extensão no ano de 1405. Em vermelho o Império Otomano e em verde o Império Mameluco. 

A cidade azul

Com a conquista da Transoxiana em 1370, Tamerlão pôde decretar que Samarcanda fosse sua capital, assim, nos trinta anos seguintes a cidade recebeu vários investimentos para torná-la a capital de um novo e crescente império. Para isso, Tamerlão ordenou a construção de suntuosas mesquitas, madraças, palácios, praças, entre outras obras públicas, além de intensificar o comércio e os contatos com outros povos. Ele teve a pretensão de tornar Samarcanda uma cidade grandiosa como Bagdá havia sido mais de cem anos antes, e como o Cairo era naquele momento. Sob seu governo, a pequena cidade de Samarcanda cresceu significativamente, mesmo que não tivesse alcançado as dimensões de cidades como Bagdá, Damasco, Cairo, Constantinopla e Córdoba, no entanto, era muito maior que várias capitais europeias daquele tempo. 

"Tamerlão conduzia a sua campanha de construções com a mesma rapidez e zelo que devotava às operações militares. Como uma fênix renascendo das cinzas, Samarcanda passou de uma pequena cidade a uma metrópole de 150.000 habitantes em menos de 35 anos. Palácios ornamentados, graciosos jardins, bazares fervilhantes e imponentes mesquitas, escolas islâmicas e mausoléus de mosaico azul surgiam do nada. Vivia-se uma constante torrente de atividade: elefantes indianos arrastavam enormes blocos de pedra para construção; cantoneiros, envernizadores de azulejos, tecelões de seda e outros artesãos das terras conquistadas trabalhavam arduamente". (AS TERRAS DO ISLÃ, 2008, p. 129-130). 

O azul era uma cor bastante apreciada na cultura islâmica, pois aludia a cor do céu, que por sua vez, era uma referência a Allah. Por conta disso, não era incomum encontrar tonalidades de azul na arte islâmica de distintos países muçulmanos. O azul ganhou destaque nas tapeçarias, cerâmica e azulejaria. Além disso, os persas eram grandes apreciadores dessa cor, usando o lápis-lazúli em seu fabrico, isso originou o chamado azul persa

"Os muçulmanos fizeram uso da cor na arquitetura como nenhum outro povo, revestindo os edifícios de um colorido brilhante e de uma profusão de modelos. O azulejo vitrificado foi um recurso comum. Esta arte alcançou o ápice com Tamerlão e seus descendentes nas cidades da Ásia central e no Afeganistão". (ROBINSON, 2007, p. 204). 

O Mausoléu de Shah-i-Zinda. 

Por conta dessa preferência, Tamerlão ordenou que os arquitetos e artistas investissem no azul. Essa cor foi usada principalmente nas mesquitas, madraças, portais, tumbas e mausoléus. Por conta da condição de que Samarcanda por séculos não ter edificações mais altas do que as mesquitas e as madraças, suas cúpulas azuis se destacavam na paisagem. Viajantes poderiam avistá-las a alguns quilômetros de distância, e saberiam que estavam chegando a Samarcanda, a "cidade azul". 

As cúpulas azuis da Mesquita de Bibi Khanym, construída por ordem de Tamerlão, entre 1399 e 1404, como presente para uma de suas esposas.  

Embora Tamerlão tenha mando construir mesquitas, madraças, palácios, praças e outros monumentos, ele investiu em mausoléus. Os quais estão entre alguns dos mais suntuosos já erigidos nas nações islâmicas. A antiga necrópole de Samarcanda que estava parcialmente abandonada e em ruínas, foi revitalizada em seu reinado, construindo-se vários tumbas, criptas e mausoléus para sua família, parentes e amigos. 

Três mausoléus azuis na necrópole de Samarcanda, erigidos durante o reinado de Tamerlão. Atualmente a necrópole é uma atração turística. 

Dentre os mausoléus construídos, o do próprio Tamerlão foi o mais imponente da cidade. Ele seguia o padrão arquitetônico da época, o que o faz parecer com uma mesquita ou madraça. Chamado de Gur-e-Amir ("Tumba do Rei"), no mausoléu se encontra os sarcófagos de algumas das esposas, filhos e netos de Tamerlão. 

O Gur-e-Amir, o mausoléu de Tamerlão, em Samarcanda. 

O Gur-e-Amir começou a ser construído em 1403 por ordem Muhammad Mirza, um dos netos do imperador, como presente para o avô. Todavia, Tamerlão já tinha ordenado a construção de um mausoléu para si, localizado em outra cidade. Todavia, Tamerlão faleceu em 1405, aos 68 anos, enquanto viajava com seu exército para tentar invadir a China. Ele foi sepultado no mausoléu em Sharisabz (onde ficava seu palácio azul), como ordenado, porém, quando o Gur-e-Amir ficou pronto anos depois, seus netos ordenaram a transferência dos restos mortais do avô. (AS TERRAS DO ISLÃ, 2008, p. 131). 

Detalhe do belíssimo pórtico do Gur-e-Amir, com seus azulejos azuis e brancos em estilo arabesco e floral. 

A madraça ou madrassa consiste numa escola para estudos sobre o Corão, direito religioso e outras ciências. Ao longo do tempo as madraças mudaram a forma de funcionamento, podendo receber crianças, adolescentes ou somente adultos. Algumas madraças atuavam como faculdades. Outras possuíam bibliotecas e centros copistas. No caso de Samarcanda, suas madraças se destacaram arquitetonicamente por seus grandes pórticos (psihtaq) adornados com azulejos azuis. (ROBINSON, 2007, p. 104). 

Em Samarcanda as três maiores madraças não foram construídas por Tamerlão, mas pelos governantes que o sucederam. Hoje elas compreendem a praça do Reguistão, a maior praça da cidade e cartão-postal da mesma. A primeira madraça a de Ulug Beg foi construída entre 1417 e 1420, no entanto, suas irmãs foram erigidas apenas no século XVII, Sher-Dor (1619-1636) e Tilya-Kori (1646-1660). As três madraças seguem a arquitetura imponente que se tornou referência nas nações islâmicas da Ásia Central, com seus enormes pórticos, torres auxiliares, salas abobadadas, corredores com arcos, cúpulas azul turquesa. (ROBINSON, 2007, p. 106-107). 

As três madraças na praça do Reguistão em Samarcanda, sendo sua principal atração turística. 

NOTA: A antiga região da Transoxiana compreende atualmente partes do território de cinco países: Uzbequistão, Cazaquistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Quirquistão

NOTA 2: A Dinastia Timúrida fundada por Tamerlão perdurou de 1370 a 1507, sendo mantida por seus filhos e netos, um século após a morte de seu fundador. Todavia, o príncipe Babur que era bisneto de Tamerlão, fundou uma nova dinastia na Índia, o Império Mogol (1526-1857). 

NOTA 3: Apesar de sua importância histórica, Samarcanda não é a capital do Uzbequistão, mas sim Toshkent

NOTA 4: Cúpulas, mesquitas, madraças e mausoléus em azul não ficaram restritos apenas a Samarcanda, mas em Bukhara e outras cidades do que hoje forma o Uzbequistão, construções nesse estilo foram feitas também. 

NOTA 5: Samarcanda empresta seu nome para títulos de livros, filmes, histórias em quadrinhos, séries e outras produções. 

Referências bibliográficas:

CONRAD, Phillipe. As civilizações das estepes. Rio de Janeiro, Editions Ferni, 1976. 

POLO, Marco. O livro das maravilhas: a descrição do mundo. Tradução de Elói Braga Júnior. Porto Alegre, L&PM, 2009. 

ROBINSON, Francis. O mundo islâmico: o esplendor de uma fé. Barcelona, Ediciones Folio, 2007. 

SCHAEDER, H. H; BOSWORTH, C. E; CROWER, Y. Samarqand. In: BOSWORTH, C. Edmund (ed.). Historic Cities of the Islamic World. Leiden, Brill, 2007, p. 453-

As Terras do Islã. Barcelona, Ediciones Folio, 2008. 

Links relacionados: 

Tamerlão, "o homem de ferro"

Os mongóis

Bagdá: a joia do Islão (VIII-XIII)


sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Os mandarins: a elite dos funcionários da China imperial

Por séculos os mandarins estiveram entre os mais respeitados cargos administrativos do império chinês. Surgidos no século VII como conselheiros e secretários, com o tempo o cargo foi ganhando novas atribuições e funções, além de se gerar também toda uma hierarquia e graus de promoção. Os mandarins passaram a exercer funções burocráticas, administrativas, fiscais, políticas e militares, o que revela como esse ofício ganhou alterações com o tempo. 

Retrato do mandarim Jiang Shunfu (1453-1504) e dois funcionários

Etimologia

A palavra mandarim é de origem portuguesa, sendo os portugueses no século XVI os primeiros a usarem para se referir a esses funcionários do império chinês. O boticário e comerciante Tomé Pires (1465?-1540) em visita à Malaca (atualmente na Malásia), comentou em cartas sobre sua viagem, que conheceu funcionários chineses. Pires utilizou os termos mandaris, manderis, manderyspara se referir a eles. Embora não se saiba se realmente foram mandarins que ele teria conhecido ou ouvido falar, pois a palavra mandarim em alguns documentos europeus era empregada de forma genérica, para se referir a qualquer funcionário do governo chinês. Apesar da variação em grafia, tais palavras voltaram a aparecer em outras publicações como o livro História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses (1558) de Fernando Castanheda

Todavia, não há um consenso quanto a origem do termo mandarim, pois não consistia numa palavra usada pelos chineses. Alguns etimologistas defendem que a palavra mandarim viria do latim como mandador ou mandare, que significa "aquele que manda". Outra vertente sugere uma origem malaia, significando menteri (conselheiro), defendendo que se tratava de uma palavra usada pelos malaios para se referir a aqueles homens, e os portugueses a incorporaram. Outra hipótese aponta uma origem no sânscrito com a palavra mantri (conselheiro, ministro). Apesar da dúvida quanto a origem etimológica da palavra mandarim, foi a forma aportuguesada que se difundiu entre as línguas europeias. 

Funcionário concursado

Os primeiros mandarins surgiram por volta de 605 d.C, sendo conselheiros e secretários. Nessa época eles eram homens provenientes da aristocracia e nobreza, tratando-se de estudiosos que aprenderam a burocracia estatal. E por conta disso, por mais de duzentos anos, os mandarins seguiram sendo nomeados a partir da aristocracia, em que se avaliava sua postura e capacidade de falar. Nesse período ocorria também favorecimentos, como cargos comissionados, indicações e até mesmo a compra de cargos. 

Por conta desses problemas a qualidade dos funcionários era irregular em várias ocasiões. Mas a realidade somente mudou durante a Dinastia Song (960-1279), a qual instituiu os exames imperiais ou o concurso público para mandarim. Com o tempo o concurso foi sendo alterado e melhor estruturado, mas ele concedeu uma nova forma de avaliar os futuros funcionários, além de conceder a oportunidade a pessoas que não fossem oriundas da aristocracia e da nobreza, pudessem disputar uma vaga no serviço público (pelo menos em teoria). 

Mas para poder chegar a fazer a prova de mandarim, o candidato primeiro deveria ser aprovado numa série de exames para atestar sua capacidade mínima de ingressar no ensino superior, para se formar ali e depois disputar o concurso para mandarim. Dessa forma, para poder ingressar no ensino superior, algo que equivaleria a faculdade ou a universidade, o candidato deveria passar por três exames:

  • Exame distrital (xianshi): era realizado a cada dois ou três anos, durando até cinco dias. Os aprovados seguiam para a próxima fase;
  • Exame da prefeitura (fushi): era realizado na prefeitura, ao longo de três dias. Os candidatos eram separados por distritos e eram sabatinados. Os aprovados seguiam para a próxima fase;
  • Exame de aptidão (yuanshi): os finalistas eram avaliados ao longo de quatro dias, por funcionários enviados pelo governador ou direto da capital imperial. Os aprovados recebiam o título de "Licenciado" (xiucai). 

De posse do título de Licenciado, o candidato detinha o direito de ingressar numa escola para aprender o necessário sobre sua futura função como mandarim. O curso duraria de dois a três anos, e basicamente se restringia a aulas de filosofia confucionista, caligrafia, e um pouco de história, política, legislação e ética. Concluído o curso, o candidato deveria se submeter a um exame para atestar sua capacidade de aprendizado. 

  • Exame provincial (xiangshi): ocorria a cada três anos ou em datas determinadas pelo imperador. Era realizado nas capitais das províncias, em que funcionários da corte eram enviados para fiscalizar os candidatos. As provas eram realizadas ao longo de três dias, em que o candidato respondia exames escritos e orais. Caso ele fosse aprovado, receberia o título de "Mestre" (juren). 

Recebendo o título de juren, significava que o candidato estava apto a prestar o concurso para ser mandarim, isso após alguns anos de estudo e tentativas de passar nos exames para xiucai. Mas finalmente conquistando os dois títulos obrigatórios, os candidatos aguardavam o próximo concurso que era realizado na capital imperial, no caso, Pequim. Ali eles se dirigiam ao Palácio da Suprema Harmonia.

  • Exame do palácio (gongshi): era presidido por oito mandarins veteranos e o imperador em pessoa. Geralmente somente dez vagas eram oferecidas a cada concurso. Os mandarins davam notas aos candidatos e o imperador os avaliava, tendo autoridade discricionária para alterar resultados ou desclassificar um candidato que não lhe agradasse, apesar das notas. Embora nem sempre isso ocorresse, mas houve casos assim. 

O Palácio da Suprema Harmonia, na Cidade Proibida, em Pequim. Por séculos esse palácio sediou o concurso para mandarim. 

Os candidatos aprovados recebiam o título de "Doutor" (jinshi), mas os três primeiros colocados recebiam titulações diferentes e honrarias, como forma de destacar sua colocação. De qualquer forma, os aprovados estavam aptos para começar a trabalhar como mandarins.

Antes de passar para a organização do cargo de mandarim e suas funções e níveis, é preciso comentar brevemente o conteúdo dessas provas. Foi visto que o candidato para se tornar mandarim teria que passar por cinco exames. Mas o que era perguntado nesses exames? Por incrível que pareça o tema girava em torno da filosofia confucionista

Confúcio (552-489 a.C) foi um importante filósofo, conselheiro e funcionário público. Seus ensinamentos foram preservados por seus discípulos em alguns livros como os Analectos e outras obras. Nesse livro em particular, Confúcio narrava uma série de recomendações morais, éticas e sociais, além de apresentar reflexões sobre a política, a história, a religião, a sociedade, a vida, o trabalho etc. Pela condição de ele ter sido funcionário público, Confúcio em várias ocasiões usava exemplos de seu trabalho para instruir dedicação, bom comportamento, esmero, polidez, eficiência etc. Por conta disso, esse livro se tornou uma das bases para os estudos do concurso de mandarim. 

Além dos Analectos, outros livros são o Grande Saber, a Doutrina da Média e o Mencio. Esses livros nem sempre foram usados nos exames para mandarim, mas foram incorporados ao processo a partir do século XII quando o filósofo, historiador, escritor e estadista Zhu Xi (1130-1200), um dos maiores especialistas em neoconfucionismo da época, estabeleceu que o concurso de mandarim deveria incluir essas quatro obras como leitura obrigatória. Fato esse, que até 1905, os candidatos deveriam ler esses quatro livros com teor filosófico, social e político, para responder perguntas e escrever dissertações sobre alguns de seus temas. 

Mais além dos Quatro Livros, outros cinco também faziam parte dos exames, sendo eles chamados de Cinco Clássicos, os quais consistiam em obras que versavam também sobre o confucionismo, mas traziam outros temas como história, política, administração e poesia. Tais livros eram:

  • I Ching (Livro das Mutações): livro de caráter filosófico e religioso, atribuído ao lendário filósofo Lao Tsé. A obra influenciou o próprio Confúcio; 
  • Shujing (Livro da História): composto por 58 capítulos, a obra traz fatos históricos de caráter político e militar, discursos de imperadores, governadores e ministros; além de aspectos legislativos e reflexões de alguns políticos famosos; 
  • Shijing (Livro da Poesia): Confúcio valorizava as artes, em especial a poesia, por conta disso, ela se tornou uma das artes mais prestigiadas na história chinesa por séculos. Durante os exames, os candidatos deveriam responder perguntas sobre métrica e versificação e até compor poemas; 
  • Lijing (O Registro do Rito): obra que versa sobre a etiqueta social, palaciana e burocrática, além de trazer ensaios filosóficos e moralistas; 
  • Chunqiu (Os Anais da Primavera e do Outono): livro de teor histórico que apresenta alguns acontecimentos históricos ocorridos entre os séculos VIII a.C. e VI a.C., além de trazer comentários de alguns governadores e generais. 
Observa-se por tais livros que os assuntos requisitados para os quatro exames e a própria prova para mandarim se pautavam nos temas de filosofia, história, política, legislação, administração, etiqueta, ética e poesia. Além desses assuntos, os candidatos eram também avaliados por sua caligrafia e comportamento durante os exames. Em alguns casos, também se procurava saber se o candidato não teria antecedentes criminais ou possuiria problemas com bebida, jogo, prostitutas, dívidas etc. 
 
Sendo assim, os exames concediam notas, os que passassem da média, seguiriam para a próxima etapaAs provas eram feitas de forma escrita e oral, sendo realizadas numa mesma sala com todos os candidatos ou em cabines separadas. 

Uma folha do exame para mandarim em 1894. Aqui vemos a pergunta na direita e a resposta do candidato, escrita de cima para baixo. 

No quesito para a reprovação, além de perder pontos nas respostas, o candidato poderia ser eliminado se cometesse erros de caligrafia, se não estivesse vestido de forma adequada, se não se comportasse direito, se chegasse atrasado ao local de prova, se levasse material para "colar", se recebesse ajuda de outras pessoas, se subornasse um dos avaliadores, se cometesse crime de falsidade ideológica. Fato esse que em todos os exames existiam equipes para fiscalizar os pertences dos candidatos para ver se não estavam levando "colas" escondidas, existiam fiscais que monitoravam os candidatos durante os exames, além de outras medidas para se evitar trapaças, embora que algumas vezes isso falhasse. 

Pintura retratando um candidato no exame palaciano apresentando sua prova ao imperador e um mandarim. 

Os candidatos aprovados nos exames para se tornar Licenciado, depois para concluir os estudos e finalmente ser aprovado na prova de mandarim, tinham seus nomes publicados numa lista de aprovados, que era lida publicamente na capital imperial, nas capitais de província e nas prefeituras. Uma mensagem felicitando a família dos aprovados era enviada. Além disso, banquetes eram servidos nos exames da prefeitura e da província, sendo o mais honorífico o banquete servido aos aprovados na prova de mandarim, os quais participavam de uma festa na presença do imperador e da corte. 

O mandarim militar

Apesar dos mandarins serem lembrados principalmente como funcionários da administração imperial, nem todos eram civis, alguns mandarins eram militares, possuindo funções, direitos e deveres diferentes. Primeiro, eles não precisavam passar pelos exames para se tornarem Licenciados e Mestres, eles tinham que ingressar no Exército, algo que poderiam fazer se voluntariando como soldado. Depois deveriam aprender a ler e escrever. Com isso, eles teriam que estudar os manuais militares do período, sendo o mais famoso a Arte da Guerra de Sun Tzu

Além dessas manuais, eles estudavam um pouco de filosofia, história, política e ética. Mas os manuais militares eram o conteúdo principal das provas escrita e oral. No entanto, somava-se a tais provas os exames físicos, os quais eram divididos em testes de destreza e força. O que incluía tiro ao alvo, cavalgada, corrida, levantamento de peso, combate e outros testes. Sendo aprovados nesses testes, o candidato recebia o título de wu jinshi ("Doutor Militar"). 

Os exames físicos eram mais valorizados do que o exame intelectual, pois no Exército, o mandarim ainda seguiria sendo um guerreiro, tendo que ir a guerra. A diferença é que ele passava a poder exercer funções administrativas. Alguns mandarins inclusive poderiam ascender na hierarquia militar e não apenas nos níveis de sua profissão. 

Os níveis e funções dos mandarins

Explicado de forma breve como se dava o concurso para se tornar mandarim civil e militar, agora se faz necessário apresentar quais as funções que eles exerciam e como era a hierarquia desse cargo. Foi na Dinastia Ming (1644-1912) que a hierarquia em nove níveis ou classes para os mandarins civis e militares foi estabelecida e mantida quase inalterada pelos séculos seguintes. Sendo assim, em cada nível, cabia funções específicas ao mandarim, assim como, ele deveria utilizar adereços e insígnias em suas vestes para identificar em qual nível ele pertencia. Antes do governo Ming, os graus e classes variavam um pouco, mas as funções eram similares.

Isso facilitava para que as autoridades e funcionários soubessem o nível e influência daquele mandarim, pois em geral para a população, qualquer mandarim era um homem importante, independente de seu grau hierárquico. Condição essa, que em algumas épocas da Dinastia Qing, somete 1 em cada 100 mil candidatos conseguia ser aprovado como mandarim, devido as poucas vagas e os exames difíceis. 

Na Dinastia Qing, o cargo de mandarim era dividido em nove níveis, mas cada um possuía dois graus, o que representa dezoito graus. Em cada nível e grau da ascensão funcional do mandarim, ele ia desde realiza atividades burocráticas simples até alcançar o primeiro nível, em que se tornava conselheiro direto do imperador, posição bastante estimada, pois o tornava membro da corte, podendo residir na Cidade Proibida, e em qualquer palácio em que o monarca estivesse.

Os nove níveis eram os seguintes: 

  • Nível 1-A: Secretário pessoal do imperador, secretário-mor;
  • Nível 1-B: Ajudante do imperador ou do príncipe herdeiro, presidente dos ministérios, tribunais e juntas; 
  • Nível 2-A: Ajudante adjunto do príncipe herdeiro, vice presidente dos tribunais, juntas, ministro da Casa Imperial, vice-rei;
  • Nível 2-B: Conselheiro da Casa Imperial, Governador de província, Conselheiro da Academia Hanlin, Superintendente das Finanças;
  • Nível 3-A: Diretor de tribunais, juiz provincial, vice-presidente adjunto do Fisco; 
  • Nível 3-B: Diretor dos banquetes imperiais ou das cavalariças imperiais, controlador-geral do sal;
  • Nível 4-A: Diretor ou subdiretor da Casa Imperial, tribunais, juntas, fisco, relações exteriores e assistente-sênior de circuito;
  • Nível 4-B: Prefeito, instrutor na Casa Imperial e na Academia Hanlin;
  • Nível 5-A: Vice-prefeito e supervisor adjunto da Academia Hanlin;
  • Nível 5-B: Bibliotecário nas academias, ajudante de instrução, censor, subdiretor das juntas e tribunais; 
  • Nível 6-A: Secretário e professor nas academias, secretário e registrador nas secretárias imperiais; 
  • Nível 6-B: Subprefeito provincial, secretário de tribunal, secretário adjunto das secretárias imperiais, sacerdote-chefe; 
  • Nível 7-A: Secretário de polícia, juiz distrital, secretário de estudos em Pequim;
  • Nível 7-B: Secretário de província, controlador do sal e das estações de transporte;
  • Nível 8-A: Assistente dos juízes distritais, secretário da prefeitura, diretor de estudos em escolas;
  • Nível 8-B: Subdiretor de estudos, arquivista do controlador de sal; 
  • Nível 9-A: Arquivista da prefeitura, secretário distrital, agente penitenciário; 
  • Nível 9-B: Cobrador de impostos, fiscal de contas, secretário adjunto de penitenciária, comissário adjunto de polícia.
Nota-se por esses níveis e subgraus como as funções dos mandarins variavam, abrangendo cargos políticos, administrativos, fiscais, policiais, jurídicos, acadêmicos e até religiosos. No entanto, algumas pessoas podem achar estranho que os cargos de polícia estejam em níveis baixos, isso se deve ao fato que naquela época, ser membro da polícia não era algo de prestígio, fato esse que tais cargos estão no nível 9, o primeiro no qual um mandarim ingressava. O melhor cargo de polícia seria o de secretário de polícia (nível 7-A), isso para o mandarim civil, pois alguns cargos de polícia eram ocupados pelos mandarins militares, sendo o mais renomado o de comissário de polícia da capital. 

Por sua vez, os ofícios ligados ao sal e o transporte eram algo interessante. A China imperial controlava a produção de sal, mercadoria importante, por conta disso, os controladores do sal eram incumbidos de fiscalizar as salinas, o armazenamento, transporte e comércio desse produto. Mandarins que trabalhavam nas secretárias das prefeituras e do governo provincial, também fiscalizavam outras mercadorias, pois existiam secretárias do comércio e produção. 

As funções de educação tinham um prestígio um pouco melhor. Incluíam serem assistentes, fiscais de exames, secretários, bibliotecários, arquivistas, instrutores, professores, diretores e conselheiros. As academias imperiais como a de Hanlin, que era a mais famosa, consistiam nos locais em que os candidatos a mandarim estudavam, além e aristocratas e nobres. 

Em cargos mais elevados nota-se funções de governo como ser prefeito, governador, ministro, vice-rei (equivalente a alguns tipos de ministros), além dos cargos de direção nos tribunais, juntas e departamentos. 

Entretanto, existiam alguns cargos curiosos como o de diretor de banquetes imperiais e das cavalariças do imperador. Hoje em dia podem parecer ofícios supérfluos, mas no contexto monárquico, eram funções de prestígio você ser responsável por organizar as festas, banquetes e cerimônias da corte, assim como, cuidar dos cavalos reais. 

No entanto, os níveis e funções dos mandarins militares eram diferentes, como se pode conferir a seguir:
  • Nível 1-A: Marechal de campo e camareiro da guarda imperial;
  • Nível 1-B: Tenente-General da Unidade dos Estandartes, General em Chefe da Manchúria, Comandante Provincial do Exército Chinês;
  • Nível 2-A: General de brigada, Comandante de Divisões; 
  • Nível 2-B: General de Divisão, Tenente-Coronel; 
  • Nível 3-A: Coronel de Divisão, Brigadeiro da Artilharia; 
  • Nível 3-B: Comandante de Brigada fora de Pequim;
  • Nível 4-A: Tenente-Coronel, Comissário de Polícia da capital;
  • Nível 4-B: Capitão, assistente das tropas palacianas;
  • Nível 5-A: Capitão, tenente de polícia;
  • Nível 5-B: Vice-capitão, tenente da guarda da porta; 
  • Nível 6: Magistrado de polícia, tenente de artilharia, subtenente;
  • Nível 7: Assistente dos mordomos palacianos;
  • Nível 8-A: Alferes;
  • Nível 8-B: Primeiro sargento;
  • Nível 9-A: Segundo sargento;
  • Nível 9-B: Sargento de terceira classe; 

Entre os mandarins militares seguia-se a hierarquia do Exército, lhe atribuindo funções típicas desses cargos, mas as vezes atribuindo outras funções como as de polícia, e algumas honoríficas associadas com a corte, para as hierarquias mais elevadas. Observa-se também que os níveis 6 e 7 não possuíam dois subgraus, mas apenas um. 

Além disso, vale ressalvar que os mandarins militares foram algo mais comum durante a Dinastia Qing, além de que eles sofreram influência de modelos europeus, principalmente pelo contato com os portugueses e ingleses. Condição essa que alguns cargos são equivalentes aos dos padrões europeus, incluindo os de artilharia, pois no XIX, a China já possuía tropas de artilharia. 

Cada nível hierárquico dos mandarins civis e militares atribuíram deveres, funções, mas também regalias. Uma delas era o salário, inicialmente baixo, mas que ia subindo gradativamente. Em alguns casos alguns mandarins de níveis altos conseguiam se tornar membros da corte através de casamentos ou por concessão de títulos pelo imperador. Além disso, mandarins de origem humilde, poderiam ter a oportunidade de adentrar a aristocracia à medida que subiam de nível. 

Os mandarins de nível intermediário para cima passavam a dispor de ajudantes, assistentes e até recebiam criados. Em alguns casos, eles também tinham funções de circuito, ou seja, a cada tantos anos deviam trocar de cidade ou província para exercer suas funções. 

Entretanto, a subida de nível variava em alguns aspectos. Por exemplo, candidatos que tiraram excelentes notas em todos os cinco exames e terminaram o concurso de mandarim nas primeiras colocações, não iriam começar no nível 9, poderiam já iniciar no nível 6 ou 7. Por outro lado, a progressão de cargo poderia levar até 9 anos e havia casos em que o mandarim nem conseguia subir de nível, permanecendo o restante da vida no mesmo nível. 

Essa progressão estava associada ao desempenho do funcionário, seu comportamento, caráter e se não tivesse se envolvido com imoralidades, desavenças e crimes. Poucos mandarins conseguiam galgar posições até os primeiros níveis, e isso quando ocorria, já eram homens com mais de quarenta ou cinquenta anos (isso se eles não tiveram favorecimentos e ingressaram no serviço público ainda cedo), os quais conquistaram prestígio na capital ou na corte. 

Embora houvesse também jogos de interesses, com casos de mandarins que conseguiram através de favores e subornos, comprar sua ascensão ou comprometer concorrentes. Por outro lado, um mandarim poderia ser destituído de seu cargo caso cometesse alguns tipos de crime; podendo inclusive ir para a prisão, pagar multa ou ser condenado a pena de morte. 

Não obstante, outro aspecto a ser comentado sobre os níveis dos mandarins, diz respeito a sua indumentária e insígnias. A ideia dos noves níveis foi algo surgido propriamente na Dinastia Ming, sendo reelaborado pela Dinastia Qing. Nesse ponto, cada nível hierárquico era representado por uma cor e ave. Os níveis baixos usavam tons de azul, os níveis intermediários usavam preto ou verde, já os níveis elevados se vestiam com o vermelho (cor tido como associada a realeza, a sorte, a autoridade, o sagrado etc.). 

Hierarquia de cor e animal para trajes civis dos mandarins. 

  • Nível 1: vermelho carmesim e um grou branco; 
  • Nível 2: vermelho e um faisão dourado; 
  • Nível 3: vermelho e um pavão real; 
  • Nível 4: vermelho e ganso;
  • Nível 5: verde e um faisão prateado; 
  • Nível 6: preto e uma garça branca;
  • Nível 7: azul escuro e um pato mandarim;
  • Nível 8: azul claro e um codorniz;
  • Nível 9: azul claro e um papa-mosca.
Simbolicamente as aves e pássaros na cultura chinesa imperial, eram animais associados com a elegância, o trabalho, o mérito, a honraria, o trabalho burocrático entre outros significados. Por conta disso, observa-se que aves de maior prestígio representavam os níveis mais elevados. 

Três exemplos de trajes usados por mandarins. O vermelho representa o nível 1 (grou branco), o verde representa o nível 5 (faisão prateado), e o azul representa o nível 7 (pato mandarim).

Além dessas cores e insígnias das aves, o traje dos mandarins também incluía o uso de joias feitas de rubi, safira, lápis-lazúli, ouro, prata, madrepérola etc. Os níveis mais altos usavam rubis. Essas joias poderiam aparecer nos chapéus ou como broches para prender o cabelo trançado, ou em colares e anéis. Além disso, em algumas cerimônias e ritos, os trajes poderiam receber adereços como cordões, colares, ombreiras, penas de pavão, capas, sobretudos em roxo, marrom, cinza etc. Os trajes militares variavam um pouco. Por fim, sublinha-se que à medida que os mandarins subissem de nível ou a depender da cerimônia, eles faziam uso de vestes feitas de seda e outros tecidos finos. 

No caso dos mandarins militares, os animais usados não eram aves e pássaros, mas animais quadrupedes:
  • Nível 1: inicialmente o leão, depois trocado pelo qilin (tipo de animal folclórico);
  • Nível 2: leão;
  • Nível 3: inicialmente o tigre, depois trocado pelo leopardo;
  • Nível 4: inicialmente o leopardo, depois trocado pelo tigre;
  • Nível 5: urso;
  • Nível 6: pantera;
  • Nível 7: inicialmente a pantera, depois trocado pelo rinoceronte;
  • Nível 8: rinoceronte;
  • Nível 9: inicialmente o rinoceronte, depois trocado pelo cavalo.
Quadrado mandarim com um leopardo, animal usado por mandarins militares de nível 3. Esse exemplar foi confeccionado entre os séculos XVIII e XIX. 

Considerações finais

O sistema burocrático dos mandarins perdurou no império chinês de 605 a 1905, totalizando 1.300 anos de duração, consistindo em uma das organizações burocráticas mais longevas da História, condição essa que outros países adotaram esse sistema, mas com algumas adaptações e por bem menos tempo. 

Na Coreia o cargo de mandarim era chamado de yangban, estando em voga durante  algum período do reinado da Dinastia Joseon (1392-1847). No Japão tentou-se aplicar o conceito de mandarim, o qual esteve em voga no Período Heian (794-1185), mas acabou sendo abolido pelos xogunatos, que privilegiavam funcionários escolhidos a dedo ou por comissão. Na Indonésia colonial dos séculos XVII ao XIX, existia o cargo de kapitan cina, baseado nos mandarins. O Vietnã entre os séculos XVI ao XIX, também adotaram um modelo parecido com os mandarins. 

Por outro lado, os mandarins acabaram influenciando no idioma e na escrita dos chineses, fato esse, que ainda hoje se fala em língua mandarim, isso se deve a uma interpretação dos portugueses no século XVI, pois os mercadores tinham que resolver com mandarins questões legais e administrativas, sendo que esses funcionários usavam a língua culta, pautada no padrão gramatical no qual eles eram instruídos. Porém, acabou se espalhando a ideia de que na China se falava mandarim, não o chinês. Sendo que na China existem outros idiomas e dialetos também, porém, o chamado mandarim era o idioma da corte, da capital e da burocracia, vindo a ser reconhecido como idioma oficial do país, mais tarde. 

No começo do século XX, com a grande influência inglesa na China, em 1905, o concurso para mandarim foi abolido, assim como, o sistema hierárquico e administrativo foi substituído por modelos ingleses, isso a nível civil e militar. Vale ressaltar que o império chinês vivenciava crise de poder, autoridade e legitimidade no final do XIX, e isso foi se alastrando até seu fim em 1912. 

Três mandarins com seus filhos e assistentes. Fotografia de 1902. 

NOTA: O pato mandarim (Aix galericulata) ganhou esse nome por conta de sua imagem ser uma das aves que ilustravam as insígnias dos mandarins civis, especificamente os de nível 7. 

NOTA 2: No século XIX, em alguns países europeus, a palavra mandarim era usada para se referir a funcionários públicos soberbos, vaidosos, as vezes preguiçosos e inadimplentes.  

NOTA 3: O Mandarim (1880) é o título de uma novela do famoso escritor português Eça de Queiroz. Na trama, o protagonista assassina um mandarim e passa a arcar com as consequências de seu ato. 

NOTA 4: Mandarim é o nome de um vilão clássico do Homem de Ferro, surgido em 1964, sendo criado por Stan Lee e Don Heck. Trata-se de um personagem estereotipado. 

NOTA 5: Os Mandarins (1954) é um romance da escritora e filósofa Simone de Beauvoir, o qual acompanha um grupo de intelectuais franceses na década de 1950. O título faz referência a noção de mandarim como burocrata vaidoso. 

NOTA 6: No romance Jornada ao Oeste (séc. XVI) de Wu Cheng'en, o pai do protagonista Tang Sanzang é um mandarim que foi aprovado no concurso em primeiro lugar. 

Referências bibliográficas:

FAIRBANK, John King. The Cambridge history of China. Cambridge, Cambridge University Press, 2008.

ICHISADA, Miyazaki. China’s Examination Hell. Tokyo/New York, s.e, 1976.

TWITCHETT, Denis Crispin. The birth of the Chinese meritocracy. Bureaucrats and examinations in T’ang China. Londres, s. e, 1976.

Links relacionados: 

Sun Tzu e a Arte da Guerra

Confúcio

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Uma história da cerveja

A cerveja é a bebida alcoólica mais consumida no mundo na atualidade, superando o vinho e os destilados. No entanto, ela ainda fica atrás do café, do chá e dos sucos. Ainda assim, a cerveja teve um papel importante ao longo da História para diferentes povos e culturas. Essa bebida foi tratada como alimento básico (pois as cervejas antigas eram espessas), uma bebida usada em rituais e cerimônias; gerou problemas com o governo; disputas de terras; foi receitada como remédio; foi acusada de ser nociva a saúde (mesmo consumida em pequena dose); gerou problemas com embriaguez, alcoolismo, distúrbios sociais, violência doméstica, vadiagem etc. O presente texto contou alguns aspectos dessa bebida que encanta a muitos e gera repúdio para outros. 

Cervejas pale ale, pilsen, bock e stout.  

Definição

A cerveja consiste numa bebida alcoólica fermentada a partir de um processo natural ou controlado de fermentação, utilizando-se fermentos biológicos ou químicos. A cerveja normalmente é feita com base em cevada e lúpulo, embora existam cervejas feitas de milho, trigo, arroz, e uma variedade de outros ingredientes utilizados para conceder novos sabores, colorações e aromas. Essa diversidade de novos sabores cresceu principalmente com as chamadas cervejas artesanais, as quais vêm se destacando nos concursos e ganhando espaço na indústria cervejeira de alguns países. 

Uma tigela com grãos de cevada.

A fermentação é a chave para a produção da cerveja, pois dependendo de como ela é feita, isso altera a cor, o sabor, o aroma, o tipo, a acidez, a amargura, a consistência, o teor alcoólico etc. Em geral as cervejas costumam ter um teor alcoólico de 5 graus para os padrões atuais, mas ao longo da História esse teor variou de 1 grau a 10 graus, dependendo da época, lugar e a preferência dos consumidores. 

No quesito etimológico a palavra cervejacerveza (espanhol), cervesa (catalão), cervexa (galego) advém do latim cerevisia, como sugerem alguns estudiosos, alegando se tratar de um termo associado com Ceres, a deusa romana da agricultura e fertilidade. Por outro lado, aponta-se que serivisia seria uma palavra oriunda do gaulês, usada pelos gauleses para se referir a bebida. 

Todavia, outros países europeus utilizam as palavras beer (inglês), biér (francês), birra (italiano), byra (grego), bier (alemão, holandês), bira (búlgaro), beoir (irlandês), bira (turco), bere (romeno) etc. para se referir a cerveja. Essas palavras adviriam do proto-germânico beuza, que significaria "cevada" ou "levedura de cerveja". 

No entanto, os países da Europa oriental utilizam termos como pivo (russo, tcheco, croata), piwo (polonês), pyvo (ucraniano), piva (bielorrusso) etc. advém da palavra do eslavo antigo piwwo, usada para se referir a cevada.  

E ainda existe um quarto termo empregado para cervejas na Europa, que é a palavra ale, advinda do proto-germânico que era usada para designar uma bebida amarela ou amarga. Embora que os países escandinavos como Suécia, Noruega e Dinamarca utilizem öl (cerveja) que advém de ale. Já nos países bálticos temos alaus (lituano), olut (estoniano), alus (letônio) e olut (finlandês). 

Quando seguimos para países asiáticos, africanos e americanos, as palavras para cerveja variam, embora que do século XX alguns países asiáticos adotaram palavras advindas de beer, algo visto como: bira (japonês), bia (vietnamita), bir (indonésio, malaio), beiyr (tailandês), biyara (nepalês). 

A origem da cerveja

Não se sabe quando as primeiras cervejas foram produzidas, mas as evidências arqueológicas de locais de produção, remontam a oito mil anos atrás na Mesopotâmia, tendo os Sumérios como o primeiro povo a produzir regularmente essa bebida. Inclusive por muito tempo a cerveja sumeriana que era chamada sikaru, era produzida pelas mulheres, pois sua produção era considerada uma das tarefas femininas, já que os homens estavam ocupados com outros ofícios ou bebendo. (PAREDES, 2012, p. 3).

O trigo (Triticum spp) e a cevada (Hordeum vulgare) foram domesticados entre 10 mil e 9 mil anos atrás, sendo utilizados para o fabrico de pão, massas e mingaus. Por conta disso, quando se começou a produzir cerveja, o conhecimento para o cultivo da cevada já era conhecido a pelo menos mil anos, condição essa que povos como os sumérios, já detivessem um profundo saber agrícola de como cultivar diferentes tipos de cevada, assim como, fazer farinha e produzir fermento natural. (MAZOYER, ROUDART, 2010, p. 99). 

A cerveja daquele tempo apesar de ser feita de cevada e outros grãos misturados, era bastante diferente das de hoje em dia, a começar pela condição de não haver filtragem, fermentos químicos, aparelhos para fermentação, além da água, a terra e o ar serem mais limpos, não haver plantas transgênicas, fertilizantes artificiais e pesticidas. Soma-se a isso a condição de que a cerveja sumeriana era mais espessa e escura, por conta disso, era bebida em vasilhas. 

Por não haver um processo de filtragem adequado a sikaru as vezes poderia conter restos de grãos, por conta disso, algumas pessoas com dinheiro, a consumiam usando canudos feitos de junco e até mesmo adornados com prata, ouro e joias. Pois assim evitava-se sugar essas impurezas residuais. Com isso, os sumérios foram o primeiro povo que se conhece, a utilizar canudos para beber. (PAREDES, 2012, p. 4).

Ilustração baseada num alto-relevo sumeriano retratando dois homens tomando cerveja usando canudos. 

Os sumérios desenvolveram o hábito de consumir cerveja regularmente e até de se reunir com familiares e amigos para beber em casa. Uma das práticas era encher um vaso ou panela, então os homens se sentavam ao redor do recipiente e usavam vasilhas ou canudos de junco para beber, enquanto conversavam, contavam histórias, piadas, anedotas, fofocas etc. As mulheres não costumavam beber publicamente, somente em casa, e as vezes separadas de um grupo de homens, exceto se a bebedeira ocorresse em bordéis ou tavernas. 

Montanari (2004, p. 7) recorda que a cerveja era considerada a bebida por excelência que expressava a civilidade para os sumérios, enquanto que os bárbaros bebiam água e leite. Montanari cita o caso do mito da Epopeia de Gilgamesh, em que o rei semideus para testar Enkidu, o homem selvagem, enviou uma prostituta a qual para domesticar o lado animal dele, o ensinou a comer pão e tomar cerveja. Depois de uma semana se alimentando dessa forma, Enkidu já apresentava traços de comportamento mais "humano". Isso era reflexo do papel social e cultural da cerveja naquela sociedade. 

A sikaru se tornou bebida tão importante na cultura sumeriana que ela era creditada como sendo algo divino, pois os deuses beberiam cerveja também. Inclusive Ninkasi era a deusa da cerveja, da colheita, da fertilidade e do amor. Seus nove filhos personificavam elementos associados a produção e consumo de cerveja. Os sacerdotes e poetas compuseram hinos e poemas celebrando Ninkasi pela dadivosa bebida que ela teria criado. Alguns templos produziam sua própria cerveja para consumo dos sacerdotes e funcionários, e para o uso nas oferendas e rituais, havendo cervejeiros e cervejeiras contratados especificamente para isso. (SMITH, 2014, p. 11). 

A cerveja também teve um papel ligado ao desenvolvimento da escrita. Os sumérios que são considerados até então o povo mais antigo a desenvolver uma escrita, criaram o alfabeto cuneiforme e os números escritos para poderem administrar a produção agrícola, pecuária, bens de consumo, pagamentos, tributos. Há mais de quatro mil anos, os sumérios desenvolveram as bases da administração pública. No caso, a produção de cerveja já entrava nos relatórios do período, pois era a principal bebida produzida e comercializada. 

Outros povos mesopotâmicos como os acadianos, babilônios, assírios, caldeus e elamitas acabaram adotando a produção e consumo de cerveja dos sumérios, com isso, a bebida espalhou-se pela Mesopotâmia e terras vizinhas. A cerveja com o tempo se tornou bebida regular desses povos, sendo feita em casa ou por taverneiros, um outro ponto importante a ser salientado. 

No século XVIII a.C o famoso Código de Hamurabi, um dos mais importantes conjuntos de leis dos babilônios, instituído pelo rei Hamurabi entre 1780 e 1770 a.C, decretava entre suas centenas de leis algumas para cerveja. 

  • Lei 108: instituía que as taverneiras deveriam cobrar o preço da cerveja com base no valor do cereal, mas caso se vendesse o produto em dinheiro, o valor não poderia ser abaixo do valor do cereal. Se isso ocorre-se, ela seria condenada a morte por afogamento. A medida era uma forma de controlar o preço do produto e evitar grandes variações dos preços. 
  • Lei 109: se uma taverneira abrigasse conspiradores ou criminosos, ela seria considerada cúmplice e punida de morte junto a eles.
  • Lei 110: uma sacerdotisa não poderia frequentar tavernas, caso fizesse, seria condenada a morte.  
  • Lei 111: essa lei está incompleta, mas informava sobre o fornecimento de bebida e o recebimento do pagamento em cereais, de acordo com o peso estipulado. 

Smith (2014, p. 42) comenta que na época de Hamurabi, havia a exportação de cerveja para o Egito, em que os ricos egípcios compravam alguns tipos dessa bebida que não eram produzidos em seu país. Todavia, estima-se que a produção de cerveja no Egito tenha começado por volta de cinco mil anos atrás. 

Os egípcios ao longo de sua história produziram vários tipos de cerveja, utilizando a cevada e trigo para isso, mas também adicionando o gengibre, o açafrão, o zimbro e outras ervas. A cerveja egípcia chamada heget era descrita com um tom amarelo-escuro para o marrom, sendo encorpada e de gosto amargo forte, por conta disso, os ricos usavam especiarias para amenizar seu sabor. (SMITH, 2014, p. 42).

Assim como a cerveja era uma dádiva dos deuses como vista pelos sumérios e outros povos mesopotâmicos, os egípcios também a consideravam uma bebida sagrada. A cerveja era associada com Osíris, antiga divindade da fertilidade e da vegetação, antes de se tornar o juiz dos mortos. Por tal condição a cerveja era uma bebida usada em ritos religiosos, ofertada como oferenda aos deuses, os espíritos e os antepassados. (PAREDES, 2012, p. 5). 

No caso egípcio em distintas épocas a cerveja era produto tão importante que ela deixou ter apenas uma produção caseira e se tornou uma produção manufaturada, havendo cervejarias para isso, algo visto com os povos mesopotâmicos também. Os egípcios chegavam a pagar os trabalhadores que atuavam nas obras públicas com pão e cerveja. Até soldados também chegavam a receber a cerveja como parte de seu soldo. Pois como o uso de moedas era escasso, o pagamento era feito em alimento. Por conta disso temos a expressão "trabalhar pelo prato de comida". (PAREDES, 2012, p. 6). 

Escrava serve cerveja para sua senhora. Datação não identificada. 

O consumo de cerveja no Egito Antigo foi marcante por milhares de anos, condição essa que quando o historiador Heródoto de Halicarnasso visitou o país no século V a.C, escreveu que os egípcios pouco consumiam o vinho e outros tipos de bebidas, sendo a cerveja a bebida preferida daquele povo. Um século depois, Alexandre, o Grande ao conquistar o Egito, também percebeu que os egípcios preferiam a cerveja, sendo o vinho importado da Grécia, Itália e da Ásia Menor pelos ricos. Tal fato se deve que o solo e clima egípcios eram propícios para o cultivo do trigo e cevada, diferente do solo e clima gregos, os quais facilitavam os vinhedos. 

Na China, Japão, Coreia, Tailândia, Índia e Sudeste Asiático a ausência da cevada não impediu o consumo de cerveja, embora essa fosse feita de trigo ou arroz em alguns casos. Todavia, tais povos preferiam por vinhos de arroz ou destilados, condição essa que em muitos lugares desses territórios não se achava cerveja ao longo da antiguidade, medievo e modernidade. (MONTANARI, 2004, p. 112). 

A cerveja na Europa antiga

A cerveja se espalhou da Mesopotâmia para outras regiões da Ásia e entrou na África pelo Egito, mas no caso europeu essa bebida teve uma difusão diferente. Não se sabe ao certo quando a cerveja passou a ser produzida na Europa, já que não existem relatos escritos tão antigos como vistos na Mesopotâmia e Egito. No entanto, na ilha de Creta, identificou-se que os minoicos há pelo menos 2200 a.C já produzissem um tipo de cerveja, além de produzirem vinho também. (NELSON, 2005, p. 14).

Os grego antigos conheciam a cerveja, mas não davam atenção a ela, pois a bebida preferida deles era o vinho, de sabor mais doce, coloração mais atrativa, além de ser associado ao deus Dionísio, aos homens poderosos e a filosofia. Os romanos também absorveram essa mentalidade dos gregos, no entanto, existia cerveja em ambos as localidades. Além disso, a cerveja não era considerada uma bebida sagrada como vista entre outros povos. 

No entanto, a cerveja para os romanos era vista de forma negativa, pois parte da população a considerava como sendo uma bebida de povos bárbaros como os celtas, germânicos e eslavos. E outros a viam como a bebida dos pobres, por sê-la mais barata. (PAREDES, 2012, p. 7). 

Mas se os gregos e romanos tinham um certo desprezo pela cerveja, em outras partes da Europa, os celtas, germânicos, escandinavos, eslavos, trácios etc. apreciavam cerveja, vinho, hidromel, sidra e outras bebidas. A cerveja produzida por esses povos era normalmente feita de cevada ou trigo, podendo levar lúpulo e ser maltada, o que originou a chamada cerveja ale, de coloração mais escura. No caso dos que tinham condições financeiras melhores ou acesso a outros ingredientes, acrescentavam frutas, mel e ervas para conceder outros sabores e aromas a cerveja, já que o lúpulo aumenta o amargor da bebida.

Ilustração de como seria um banquete germânico em que a cerveja era a principal bebida. 

A cerveja na Europa medieval

Por conta do Islão restringir ou proibir o consumo de bebidas alcoólicas, muitos povos da Ásia, África e alguns da Europa, deixaram de tomar cerveja, vinho e outras bebidas alcoólicas, embora que nem sempre essas restrições ou proibições fossem seguidas e impostas. Mas devido a tal condição, a produção de cervejas foi efêmera nos territórios islamizados, por sua vez, em outros territórios a cerveja não era tão apreciada, optando-se por outros tipos de bebidas, por conta disso, optou-se em focar o período medieval na Europa, em que a cerveja encontrou território fértil para se desenvolver, mesmo que passando por alguns problemas. 

Anteriormente vimos que o consumo de cerveja na Europa remonta a mais de quatro mil anos atrás, em que diferentes povos a produziam principalmente a base de cevada. Nos primeiros séculos da Idade Média a cerveja quase foi proibida também. Por conta das chamadas "invasões bárbaras" ocorridas nos séculos V ao VII, a Igreja Católica adotou o preconceito greco-romano de associar a cerveja como uma bebida de bárbaros e pagãos, por sua vez, o vinho era tido como a bebida de povos civilizados e cristãos. Diante desse antagonismo a Igreja tentou proibir o consumo de cerveja nos territórios cristãos, mas a medida acabou falhando, pois a cerveja já havia se enraizado culturalmente pela Europa a bastante tempo. (CIVITELLO, 2008, p. 54).

Mas enquanto o Cristianismo tentou proibir o consumo de cerveja, em outros territórios europeus ainda não cristianizados, a bebida seguia normalmente consumida. Um exemplo disso foi na Escandinávia da Era Viking (VIII-XI). Normalmente se pensa que os nórdicos (popularmente referidos como vikings) somente beberiam hidromel, no entanto, essa bebida era difícil de ser produzida em grande quantidade e cara; já o vinho era importado; no entanto, a cerveja era comumente produzida naquelas terras. Dessa forma ela era consumida regularmente. 

"A cerveja (bjórr, em nórdico antigo) era consumida todas as refeições e também ao longo do dia, substituindo em alguns momentos a própria água, que em determinadas regiões apresentava altos índices de contaminação, tornando-se uma grande disseminadora de doenças. Por ter um teor alcoólico baixo (algo em torno de 3 a 5 graus), também oferecia calorias e certa dose de nutrientes. A cerveja consumida tanto por vikings como por anglo-saxões possuía praticamente a mesma composição: cereais, água, levedura e ervas aromatizadas - que, além de conferirem um sabor especial à bebida, eram boas conservantes". (CAMPOS, 2015, p. 63).  

Um dado curioso é que na mitologia nórdica temos alguns mitos que citam a cerveja e não apenas o hidromel, o qual é mais lembrado pelo mito do hidromel da poesia. No caso da cerveja, o poema Hymirskvida (Canto de Hymir) que narra um mito com vários desdobramentos, apresenta em uma parte que os deuses pretendiam fazer um banquete e precisavam de um novo caldeirão para produzir cerveja, então Thor e Tyr se encarregam de encontrar um caldeirão. No poema Lokasenna (Escárnios de Loki), o gigante Aegir oferece um banquete aos deuses e elfos, e ele serve uma excelente cerveja, pois o gigante era conhecido por ser um hábil cervejeiro. Na Edda em Prosa, no mito da viagem de Thor e Loki a Utgard, um dos desafios que Thor teve que enfrentar era beber de um único gole um enorme chifre de bebida. 

Ilustração do XIX representando Thor bebendo cerveja num chifre. 

Apesar das tentativas da Igreja Católica de proibir o consumo de cerveja nos territórios cristãos e que estavam sendo cristianizados como o norte e leste da Europa, com o tempo essa tentativa foi abandonada e os próprios clérigos passaram a produzir cerveja e vinho. Tal condição é notável na França, Bélgica e Alemanha, em que vários mosteiros para ajudar nas finanças produziam sua cerveja, vinho, licor, queijo, pão, presunto, linguiça, salame e na Idade Moderna, doces e chocolate. Tais bebidas e alimentos eram produzidos para subsistência, mas o excedente era vendido. Os beneditinos e cisternces foram as principais ordens no medievo e modernidade na produção de cervejas e vinhos.

Pintura contemporânea de três monges brindando. 

A cerveja se tornou bebida popular na Europa cristã depois do ano mil, condição essa que surgiram alguns santos associados com a cerveja como São Arnaldo (1040-1087), monge belga que era cervejeiro e se tornou padroeiro dos cervejeiros na Bélgica; Santa Brígida da Irlanda (?-525) que teria realizado um milagre em multiplicar um barril de cerveja para dá-lo aos pobres; São Arnulfo (582-640), o qual se tornou padroeiro dos cervejeiros em parte da França; Santa Hildegarda de Bingen (1098-1179) pelos seus estudos sobre as propriedades do lúpulo, recomendou seu uso no preparo da cerveja para tornar a bebida mais saudável, e, de fato, ela estava certa; São Venceslau (907-935) foi Duque da Boêmia e protetor dos plantadores de lúpulo e cervejeiros, tornando-se seu padroeiro. 

"Sabe-se que a cerveja reina no norte e no leste da Europa, nos países onde o vinho não tem a função de fornecer calorias baratas para os trabalhadores braçais, sendo, ao contrário, a bebida das elites sociais. Como seu teor alcoólico geralmente era mais baixo do que o do vinho, era bebida em maiores quantidades. Na Polônia, o pessoal dos castelos consumia — dependendo do lugar e do ano — de 2,5 a 6 litros de cerveja por dia, e os camponeses dos pequenos folwarks de 1,2 a 2,7 litros. Aqui e ali davam-lhes uma cerveja fraca, em igual quantidade". (TEUTEBERG; FLANDRIN, 1996, p. 559). 

Civitello (2008, p. 74-75) comenta que durante o medievo europeu a cerveja em diferentes localidades recebia ingredientes extras para amenizar sua amargura, inicialmente os ingredientes mais utilizados eram o milefólio (Achillea milefolium), o alecrim selvagem (Rhododendron tomentosum) e a samouco (Myrica gale), mas em alguns casos também se utiliza mel. Entretanto, a autora chama atenção para que curiosamente no final da Idade Média o uso de lúpulo (Humulus lupulus) se tornou mais regular, sendo que o lúpulo concede um gosto amargo a cerveja. Isso revela que parte da população deixou de apreciar cervejas com ervas que concediam um gosto diferenciado e suave, para gostarem mais de cervejas amargas. 

A cerveja nas Américas

A história da cerveja nas Américas se divide em dois momentos: a produção de cerveja pelos nativos antes da chegada dos colonizadores; e a cerveja durante o colonialismo. Essa divisão existe por conta de que a forma como a cerveja era produzida pelos ameríndios e os europeus era diferente em alguns aspectos, principalmente quanto ao uso dos cereais. Nas Américas não existia o trigo e a cevada, mas em algumas localidades existia o milho (Zea mays), amplamente cultivado na América Central e nos Andes, era o cereal básico da alimentação de vários povos ao longo de milênios, por conta disso, as cervejas eram feitas a base desse cereal.

Uma das cervejas mais difundidas pelos povos andinos e alguns povos da América Central, é a chamada chicha, amplamente consumida durante o Império Inca (1438-1533), existindo distintas receitas, pois existem vários tipos de milhos, com cores e sabores diferentes, por conta disso, os incas e outros povos andinos desenvolveram diferentes tipos de chicha, algumas usadas apenas para fins religiosos. Além disso, a chicha no passado e ainda hoje, não era feita apenas de milho, mas também recebia outros ingredientes como batata, quinoa, amendoim, entre outras plantas. (CIVITELLO, 2008, p. 104-105). 

Sua produção não era tão diferente das cervejas feitas na Europa, África e Ásia, em que se deixava fermentar o cereal ou seu malte (grão germinado), depois misturava-se isso a outros ingredientes (se fosse o caso), passando-os por seções de fervura e mexidas até o líquido ganhar consistência e homogeneidade, para depois deixar descansar, em que continuava maturar, para finalmente estar pronto para ser bebido. Durante esse processo de fermentação que pode levar dias ou semanas, isso afeta o sabor, a cor e o teor alcoólico da cerveja. 

Uma cerveja chicha de jora servida numa tigela tradicional. 

Na América Central, os Astecas, além de consumirem cerveja de milho, também produziam uma cerveja feita de cacau, hoje referida como "cerveja de chocolate". O cacau para os astecas e outros povos mesoamericanos era uma fruta também sagrada, sendo usada até mesmo no comércio e para fins religiosos. O cacahualt era uma cerveja exclusiva das elites, pois, na sociedade asteca, ditava que somente ela detinha direito de consumir aquela cerveja amarga e apimentada, devido a condição de que os nobres e sacerdotes estavam mais próximos dos deuses. Inclusive receber o direito de provar o cacahualt era tido como uma honraria. (LEMPS, 1998, p. 614).

O caso do cacahualt é interessante, pois temos o exemplo de uma cerveja não produzida com grãos, mas com sementes de uma fruta. Por conta disso, alguns estudiosos não consideram essa bebida como sendo uma cerveja, mas uma bebida fermentada. 

Nativos americanos produzindo cacahualt. Autor desconhecido, 1681. 

Com o início da colonização no século XVI, o consumo de cerveja e vinho era algo raro, pois não havia plantações de trigo e cevada, nem vinhedos. Por conta disso, a cerveja e o vinho eram importados, o que os tornava itens caros e que demoravam meses para chegar. E a situação não mudou tanto nos duzentos anos seguintes, pois os colonos ainda no século XVIII reportavam a inexistência da produção de vinho e cerveja nas colônias, sendo necessária a importação. 

Alguns leitores podem estar se indagando porque não se plantava cereais para isso? Trigo, aveia, cevada foram cultivados, mas para a produção alimentícia, não para o fabrico de cerveja. Por outro lado, as colônias focavam nos latifúndios exportadores, cultivando cana de açúcar, tabaco, mais tardiamente o algodão e o café. Por se tratar de colônias cujo foco era exploração econômica agrícola, extrativista e mineradora, não houve interesse em desenvolver cervejarias e vinhedos, além de haver interesses de mercadores que exportavam essas mercadorias para as colônias. 

Se por um lado os colonos tinham que importar cerveja e vinho, a depender da localidade, eles bebiam outros tipos de bebidas. Nos Andes e na América Central tinha-se as chicha e outras cervejas de milho, como salientado; nos territórios produtores de cana de açúcar, como o o Brasil, produzia-se cachaça e garapa. No Caribe e arredores, fazia-se o rum. Mas nos territórios mais ao norte, que vieram a ser os Estados Unidos e o Canadá, a existência de bebidas alcoólicas nativas ou era rara, ou inexistia. Sobre isso, Civitello escreveu o seguinte sobre os colonos ingleses nas Treze Colônias

"A cerveja, familiar da Inglaterra, foi a primeira bebida das colônias. As mulheres eram as cervejeiras; eles fizeram cerveja de quase tudo que cresceu. Eles faziam cervejas vegetais de milho, tomate, batata, nabo, abóboras e alcachofras de Jerusalém. Elas fizeram cerveja de árvore da casca de bétula, abeto e sassafrás, e de seiva de bordo. Cervejas de frutas eram fabricadas a partir de caquis, limões, passas. Havia cerveja de ervas usando gualtéria e cervejas de especiarias feitas de gengibre, pimenta da Jamaica e canela. Até as flores viraram cerveja: cerveja rosa. Havia cerveja de melado. Elas faziam sua cerveja dois barris de cada vez, de oito ou nove alqueires de malte, doze libras de lúpulo, cinco litros de fermento e setenta e dois galões de água. [...]. Mas a cerveja era amarga até os alemães chegarem com as novas técnicas de fabricação de cerveja no século XIX". (CIVITELLO, 2008, p. 155). 

Pela citação acima se observa como os colonos ingleses tiveram dificuldades para produzir cerveja, pois o trigo era utilizado principalmente para se fazer farinha, o que sobrava era usado para fazer cerveja ou dado de ração ao gado. A cevada era escassa também. Por tais condições as colonas tiveram que adotar uma variedade de plantas para se fazer cervejas. 

Nas Américas o consumo de cerveja somente começou a se tornar mais regular e mais acessível a população a partir do século XIX com o estabelecimento de fábricas. Antes disso houve algumas cervejarias caseiras ou de pequeno porte. No caso do Brasil, a Bohemia foi a primeira cervejaria fundada no país, datada de 1853. Entretanto, o país americano que se destacou na produção cervejeira foi os Estados Unidos, o qual passou a possuir centenas de cervejarias, tornando-se o maior produtor de cervejas das Américas. A maior parte das cervejarias eram fundadas por alemães, ingleses, irlandeses, belgas e italianos. Os estadunidenses para compensarem ainda no XIX, a baixa produção de lúpulo e cevada, passaram a usar cereais como o milho, o trigo e o arroz, difundindo o fabrico de cervejas com mais de dois cereais.

Fábrica da Anheuser-Busch, em St. Louis, nos Estados Unidos, no final do XIX. 

A cerveja para o bem da saúde

É possível que o leitor já tenha ouvido a história de que no passado as pessoas bebessem mais cerveja devido a condição de a água não ser potável. Realmente isso é uma condição verdadeira. Ao longo da História a água coletada em poços, fontes, tanques, lagos e rios não era necessariamente potável, mesmo ela sendo transparente e não aparentando ter nenhum problema, por conta disso, as pessoas ao ingeri-la ficavam doentes. Para contornar esse problema, buscava-se fontes realmente potáveis, fervia-se a água ou acostumava a flora intestinal a isso. 

No entanto, outra medida era tomar cerveja, pois durante o processo de preparo a água utilizada é aquecida e passa pelo processo de fermentação, o qual "mata" alguns micro-organismos que estivessem na água e na mistura de grãos. Esse processo garantia que a cerveja fosse mais potável do que a água, por conta disso, desde logo cedo surgiu o hábito de beber cerveja regularmente, em lugares com a abundância do produto, as pessoas chegavam a optar em beber mais cerveja do que água. 

Outro fator que gerava primazia da cerveja sobre a água no passado, era a condição de que a cerveja em algumas épocas e lugares consistia em algo mais encorpado, podendo parecer um caldo ou mingau fino, por essa condição, a cerveja não apenas saciava a sede, mas nutria melhor do que hoje em dia. Além disso, os ingredientes utilizados, como especiarias e ervas, além de concederem sabor e aroma, também concediam vitaminas, aminoácidos, minerais e outros elementos. Por fim, tinha-se a condição calórica, necessária para as atividades do dia a dia. 

Entretanto, alguns leitores devem se indagar sobre a condição de já que as pessoas bebiam regularmente cerveja, isso não geraria alcoolismo ou embriaguez? A resposta era não. A cerveja consumida diariamente possuía baixo teor alcoólico, algo em torno de 1 a 2 graus, por conta disso, as chances de se embriagar eram difíceis. Fato esse que até o século XIX, crianças bebiam cerveja normalmente em alguns lugares do mundo, pois a cerveja era tão fraca que nem conseguia embriagar uma criança. Por outro lado, as pessoas que queriam celebrar ou beber por lazer, optavam por cervejas mais fortes e com outros sabores (caso tivessem condições para isso). 

No século VI credita-se a Santa Brígida da Irlanda alguns milagres envolvendo a multiplicação de cerveja, pois ela padecida pelos pobres que passavam fome, conseguiu de Deus o poder de realizar esses milagres. Pode parecer estranho hoje falar que uma santa ofereceu cerveja para desabrigados e famintos, mas no contexto da época, consumir cerveja era algo tão comum como se tomar café, leite, chá e suco de laranja hoje em dia. A cerveja fazia parte da alimentação diária, por conta disso, Brígida ofereceu cerveja aos pobres. 

Santa Brígida realizou milagres multiplicando cerveja para alimentar os pobres. 

No século XIV durante os surtos de Peste Negra, alguns médicos receitavam a população que evitasse beber água de poços, fontes e tanques, pois eles poderiam estar infectados com a peste. Logo, deveriam beber cerveja ou vinho. A ideia por trás disso pode parecer absurda, mas em algumas localidades da Europa, acreditava-se que a peste seria causada pelo "envenenamento" das fontes de água. 

Mas além dos benefícios apontados acima, no passado, a cerveja foi considerada como uma bebida ainda mais benéfica e até receitada para tratamento de saúde. Estudiosos como Hecateu e Plínio, o Velho comentaram que cerveja era receitada para tratar problemas de indigestão e como laxante. Embora que hoje se sabia que ela não funcione para isso. No entanto, os egípcios talvez sejam os campeões em usar a cerveja para fins medicinais. 

Em diferentes escritos encontra-se a menção ao uso de cerveja para tratar problemas de estômago, intestino, insônia, constipação, falta de apetite, enjoo, feridas na pele, cocheiras etc. Existiam receitas de uma pasta feita de mamona e cerveja para tratar calvície, ou para reduzir rugas, hidratar a pele etc. Salienta-se que em alguns casos não era a cerveja em si o ingrediente medicinal, mas o meio para se ingerir uma poção, pois a cerveja amenizaria o gosto do remédio. Por outro lado, existiam receitas específicas que bastava tomar cerveja, para ajudar a tratar algum problema de saúde. (DE PAULA, 1962). 

No entanto, não foi apenas na antiguidade e no medievo que a cerveja foi considerada benéfica para a saúde. No século XIX existiram médicos e estudiosos que defendiam esses supostos benefícios. Um deles foi o químico alemão Justus von Libieg (1803-1873), defensor de que o consumo de cerveja fazia bem para o sistema digestivo e proporcionava outras melhorias também. 

"O surgimento da teoria do álcool-alimento, desenvolvida nos anos de 1840, pelo químico alemão Liebig, comprova o quanto ainda era muito presente o uso das bebidas alcoólicas nas práticas médicas. Liebig acreditava nas propriedades energéticas do álcool considerando-o alimento termogênico, cuja função era estimular o funcionamento do aparelho digestivo. As próprias bebidas destiladas também entravam na composição de medicamentos prescritos pelos médicos como a Poção Todd, formulada pelo médico inglês Bentley por volta de 1860, que consistia numa mistura de água e aguardente indicada para tratar depressão, fraqueza física, febres, inflamações, pneumonia, escarlatina, erisipela, varíola, sarampo etc". (SALES, 2010, p. 179). 

A Poção Todd criada pelo médico Robert Bentley Todd (1809-1860), foi um dos grandes embustes medicinais do século XIX, pois era tida como eficiente para o tratamento de várias doenças. Embora Todd tenha deixado alguns estudos importante, mas sua obsessão de provar que bebidas alcoólicas poderiam serem usadas para tratar doenças, algo que era feito no passado, isso gerou oposição e apoio, já que no XIX e começo do XX, existiam médicos que defendiam o uso de bebidas alcoólicas no tratamento de diferentes tipos de doenças, embora não tivessem uma comprovação real. (SALES, 2010, p. 180). 

Hoje em dia esses supostos tratamentos não funcionam, pois sabe-se que a ingestão de bebidas alcoólicas podem afetar a ação de medicamentos. Além disso, a cerveja por si só não é milagrosa como já se acreditou em tempos antigos, tampouco possui um efeito medicinal por conta de seus ingredientes. Sendo assim, consumir cerveja não faz totalmente mal a saúde, desde que bebida com moderação, e a pessoa não tenha outros problemas de saúde como diabetes, colesterol alto, problemas nos rins, no fígado, na tireoide, intolerância a glúten etc. 

A lei da pureza da cerveja (1516)

A lei alemã para controlar a pureza da cerveja, conhecida no original como Reinheitsgebot, é uma das legislações mais antigas na Europa sobre o controle de qualidade dos alimentos. A lei foi instituída em 1516 por Guilherme IV, Duque da Baviera, região conhecida pela produção cervejeira. A lei surgiu de forma que o duque controla-se os ingredientes e o preço da cerveja. (SMITH, 2014, p. 45). Inicialmente a lei era apenas aplicada a província da Baviera, mas com o tempo cidades de outras províncias a adotaram também, sobretudo, os termos para os ingredientes. Mas vejamos o resumo dessa lei:

  • Controle de preço: De 29 de setembro a 23 de abril (período frio), o litro e copo de cerveja deveria ser baseado no preço do pfenning segundo a cotação de Munique (capital da Baviera). Em seguida, de 23 de abril a 29 de setembro (período quente), o litro deveria ser vendido a dois pfenning, e o copo seria vendido a três heller. 
  • Controle de ingredientes: a cerveja deverá ser produzida com cevada, lúpulo e água, variando a quantidade desses ingredientes, mas vedado o uso de outros ingredientes. 
Além desses dois controles, a lei também estipulava algumas punições para quem descumprisse isso, como o pagamento de multas e o confisco do produto. De qualquer forma, o aspecto mais marcante do Reinheitsgebot acabou sendo a determinação de que apenas cevada e lúpulo deveriam ser usados na produção de cerveja. Isso foi tão influente que em 1906 o governo republicano decretou que essa lei valeria para todo o país, ficando operante até a década de 1940. Posteriormente, a exigência foi revogada, no entanto, algumas cervejarias alemãs ainda mantém em prática essa observação. 

Selo comemorativo dos 450 anos da Reinheitsgebot.

A industrialização da cerveja

A Revolução Industrial teve início na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, iniciando pelas siderúrgicas, metalúrgicas, carvoarias, indústria têxtil, no entanto, no final daquele século, a indústria alimentícia e de bebidas já estava surgindo, e no XIX, ela se desenvolveu propriamente. No entanto, é preciso salientar que isso não marcou a origem das cervejarias, pois essas já existiam desde a Antiguidade, condição essa que na Mesopotâmia e no Egito já existiam cervejarias, essas se mantiveram ao longo da História em algumas localidades, como as cervejarias de mosteiros na Europa medieval e moderna. A diferença é que foi no XIX que surgiu a indústria cervejeira

Com o advento de grandes fornos indústrias movidos a carvão e vapor, as fábricas de cerveja se tornaram possíveis. Construiu-se enormes caldeiras e tachos para se preparar a mistura e depois ferve-la, enquanto alguns operários mexiam a mistura, depois disso, a cerveja era deixada para esfriar e descansar em grandes tonéis de metal ou até de madeira a depender da forma como eram produzidas. O maquinário também ajudou no processo de fermentação e criação de malte. Após a cerveja estar pronta para consumo, uma nova leva de operários envasavam a bebida, que em seguida era despachada para a entrega por carroças e no final do XIX, já se usava caminhões. 

Interior de uma fábrica de cerveja no século XIX. 

A industrialização também ajudou no uso de termômetros, hidrômetros, relógios, entre outros instrumentos de medição para ajudar no controle de produção, pois a temperatura de fervura, o tempo que ela leva, o tempo de maturação etc., interferem na produção de diferentes tipos de cerveja. Na segunda metade do XIX, algumas cervejarias adotaram a técnica da pasteurização para assegurar uma maior pureza dos ingredientes. No final do século, algumas fábricas inglesas, alemães e americanas já faziam uso de energia elétrica e até de refrigeradores. 

Com o aumento da produção de cerveja, isso contribuiu para um crescimento exponencial do número de consumidores, condição essa que a Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos se tornaram os maiores consumidores e produtores de cerveja do mundo. E mesmo no XIX, havendo a disponibilidade outros tipos de bebidas como o café, o chá, sucos, refrigerantes e bebidas doces, muitas pessoas (principalmente os homens) tinham o hábito de tomar cerveja diariamente. A cerveja inclusive se tornou a bebida que representava a classe operária. (PILCHER, 2015, p. 159-160). 

O historiador britânico Edward Thompson em seu famoso estudo sobre a classe operária inglesa no XIX, comenta sobre o papel da cerveja na sociabilização, lazer e cultura do operariado. Após o expediente ou durante a folga, muitos operários tinham o hábito de irem a pubs (public houses) para beber, comer lanches ou petiscos, conversar, as vezes jogar carteado, bilhar e dardos. No passado os pubs não costumavam ter atrações musicais, mas alguns possuíam serviço de prostituição. 

Os pubs no XIX eram principalmente frequentados pela classe baixa - o que incluía mulheres e até crianças -, onde era servido principalmente cervejas e sanduíches. Por sua vez, a burguesia e a elite iam aos clubes, cafeterias e casas de chá, locais mais requintados. Ali se bebia vinho, uísque, champanhe, gim e cervejas mais caras. Por conta disso, o pub se tornou um ambiente associado com os trabalhadores, principalmente operários devido a serem os principais clientes. Alguns desses homens passavam o dia produzindo cerveja para após o expediente, irem em muitos casos beber o resultado do seu trabalho. (PILCHER, 2015, p. 166).

Gravura do XIX mostrando o interior de um pub inglês. 
 
A cerveja, a embriaguez e o alcoolismo

A relação da cerveja com o alcoolismo é algo bastante antigo que remonta a própria Antiguidade, quando esse produto foi inventado, e as pessoas viram que consumi-lo em excesso gerava o estado de embriaguez, houve gente que passou a gostar desse estado, e outros o alcançava em consequência do vício na bebida. Por conta disso, a bebida gerou problemas sociais e morais em algumas culturas, em que algumas se condenava a embriaguez e em outras ela era celebrada. Os gregos, romanos, sumérios, babilônios, germânicos, celtas e outros povos comemoravam a embriaguez como um estado de alegria, apesar que considerassem falta de educação quando o bêbado se tornasse violento ou se excedia na algazarra. 

No Islã, o Corão em sua sura 5 (Al-Ma'ida - Mesa servida), nos versos 90 e 91 o profeta recomendava que os muçulmanos não consumissem bebidas alcoólicas, não jogassem jogos de azar e não recorressem a feitiçaria, pois tudo isso eram meios pelos quais Satanás (Íblis) arranjava para levar os homens a pecar. Apesar dessa instrução o consumo de álcool nunca foi proibido regularmente ao longo da história das nações islâmicas, embora que hoje em dia, muitos países adotem com mais vigor essa proibição. 

O Cristianismo também tentou proibir o consumo de bebidas alcoólicas na antiguidade e medievo, como visto anteriormente. Existem algumas passagens bíblicas como Provérbios 20,1 e Éfesios 5:18 que se condena a embriaguez, mas não necessariamente o consumo da bebida. Os próprios reis e profetas bebiam vinho e cerveja. Noé, no caso, excedeu-se e bebeu até se embriagar, por conta disso foi zombado por . No entanto, no Novo Testamento, Jesus tomava vinho e até realizou o milagre do vinho. Isso tornava a relação dos hebreus e cristãos com o vinho e outras bebidas, algo ambíguo. 

A embriaguez de Noé. Michelangelo, 1509. 

No Budismo algumas tradições proíbem o consumo de álcool, mas outras o permitem. Outras religiões ao longo da História, proibiram ou restringiram o consumo de bebidas alcoólicas por conta de preceitos religiosos de iniciação, abstinência, reclusão, jejum, punição, cerimônias etc. 

Mas fora do âmbito religioso não houve leis eficazes que proibissem o consumo de bebidas alcoólicas, fato esse que até crianças a bebiam normalmente, mesmo se tratando de cervejas fracas. As tentativas de vetar o consumo dessas bebidas sempre falharam e foram momentâneas. Por outro lado, piada com bêbados era algo recorrente na História. Os gregos e romanos antigos já faziam piadas do tipo, inclusive alguns filósofos gregos criticavam a embriaguez descontrolada, mas eram a favor do consumo de vinho para "abrir as ideias". 

Alguns clérigos, médicos e filósofos criticaram o consumo excessivo de álcool em diferentes épocas, mas nos séculos XVIII e XIX, alguns médicos e filósofos voltaram a defender os problemas da embriaguez e até a apontarem o vício como uma doença, o chamado alcoolismo. 

O médico, político e escritor Benjamin Rush (1746-1813) aderiu ao movimento de que reconhecia a dependência as bebidas alcoólicas como uma doença. Naquela época o consumo de cerveja nos Estados Unidos estava crescendo rapidamente, e a embriaguez começava a se tornar algo comum. Rush escreveu que algumas pessoas acabavam desenvolvendo a necessidade de terem que beber todos os dias por conta do vício, o que ele chamava de "doença da vontade", ou seja, a vontade de beber por impulso. (SALES, 2010, p. 176-177). 

Na Inglaterra no mesmo período, o médico Thomas Trotter (1760-1832) publicou o livro Essay Medical Philosophical and Chemical on Drukenness (1804), apresentando que o alcoolismo era uma "doença da mente". A Inglaterra era um grande produtor de bebidas alcoólicas principalmente cerveja e gim, e um grande importador de uísque escocês e irlandês. Trotter apontava que o consumo excessivo afetava psicologicamente as pessoas não apenas no estado de embriaguez, mas lhe comprometia o juízo de maneira que tornava o álcool uma necessidade, por conta disso, havia pessoas que tinham que beber regularmente, pois necessitavam daquele estado de estupor. (SALES, 2010, p. 177).

Entretanto, o melhor estudo que surgiu a respeito foi escrito décadas depois pelo médico sueco Magnus Huss (1807-1890) autor de Alcoholismus chronicus (1849), sendo o primeiro a usar a palavra alcoolismo para designar a doença que gera dependência química do consumo de bebidas alcoólicas. Huss defendia que o alcoolismo afetava o sistema nervoso, diminuindo a expectativa de vida e afetando funções motoras e mentais. Por conta da medicina não ser tão avançada ainda, Huss não identificou problemas específicos que vieram a serem descobertos posteriormente, no entanto, seu trabalho se tornou referência no estudo do alcoolismo. (SALES, 2010, p. 176-177).

O médico Magnus Huss inventou o termo alcoolismo. 

Embora fosse crítico do alcoolismo, Huss não abominava as bebidas alcoólicas. Para ele as bebidas como cerveja e vinho eram mais saudáveis e menos nocivas do que as bebidas destiladas, que segundo ele, seriam as principais causadoras do alcoolismo. De fato, bebidas fermentadas apresentam teor alcoólico menor do que as destiladas, entretanto, a cerveja era uma das principais responsáveis pelo alcoolismo por dois fatores básicos: sua produção era maior e ela era mais barata. Por conta disso, era mais comum encontrar pessoas consumindo cervejas do que bebendo vinho, uísque, vodca, gim, aguardente etc. Apesar que em algumas localidades a produção de destilados fosse até maior do que de fermentados, então a proporção variava.

Embora existissem estudos apontando os malefícios do alcoolismo, seu consumo não chegou a ser proibido, mas leis foram criadas para se combater brigas, a vadiagem e o escândalo, e até tentativas de diminuir o consumo exagerado. Leis como essas surgiram na Alemanha, Suécia, Noruega, França, Bélgica, Inglaterra e Estados Unidos. Consistiam em medidas públicas para encarecer as bebidas, limitar o horário de funcionamento dos bares, impedir a fundação de muitos estabelecimentos de venda de bebidas, vetar que crianças e adolescentes bebessem etc. (SALES, 2010, p. 195-196). 

No entanto, o país que mais se destacou no combate ao alcoolismo e a embriaguez foi os Estados Unidos. Nas últimas décadas do XIX, surgiram movimentos e associações que pediam restrição ao consumo de bebidas alcoólicas ou até mesmo a sua produção. Os EUA, na década de 1910, eram os maiores produtores de cerveja do mundo, além de serem grandes consumidores de uísque barato. Por conta disso, os índices de embriaguez, alcoolismo e problemas sociais gerados por isso eram altos a ponto que em 1919, o Senado aprovou a Lei Seca ou a Proibição

A Lei Seca dos Estados Unidos começou a valer em 17 de janeiro de 1920, se estendendo até dezembro de 1933. Foram quase 13 anos em que o país esteve proibido de fabricar, vender, comercializar, importar e exportar bebidas alcoólicas de qualquer tipo. O problema é que a fiscalização não era eficiente, parte das autoridades era negligente também. Isso levou ao surgimento da máfia da bebidas, de produtores ilegais, mercado ilegal, contrabando, sonegação de impostos, bares clandestinos etc. Embora a lei não tenha sido eficaz, ainda assim, ela durou mais de uma década na tentativa de convencer o povo estadunidense de se desapegar do consumo de álcool, mas esse nunca parou de ser consumido, pelo menos não legalmente. (RORABOUGH, 2018). 

Barris de cerveja sendo esvaziados na rua durante uma fiscalização da lei seca. 

Com o fracasso quase retumbante da proibição americana, outros países desistiram de promover leis que proibissem o consumo de bebidas alcoólicas, apesar que nações muçulmanas fazem isso, mas devido a tradição religiosa de séculos, isso gerou uma cultura de receio ao consumo dessas bebidas, diferente do caso dos Estados Unidos, em que não houve um programa de conscientização e instrução; a lei foi aprovada em 1919 e no ano seguinte já foi posta em prática, não havendo tempo para a população se acostumar com a mudança radical. 

Hoje em dia a Organização Mundial da Saúde considera que o melhor meio de combater o alcoolismo seja através da educação, não da proibição. Consumir bebidas alcoólicas não é algo nocivo (pelo menos se elas não estiverem contaminadas ou adulteradas), o grande problema é a ingestão excessiva que gera problemas hepáticos, fisiológicos e psicológicos, o que pode levar ao alcoolismo, e que também gera problemas sociais que podem acarretar em acidentes de trânsito, violência pública, violência doméstica, abusos, ferimentos, assassinatos, endividamento, furtos, roubos etc. A OMS aponta que anualmente milhões de pessoas falecem de problemas de saúde ou sociais gerados pelo consumo excessivo de álcool. 

Famílias e tipos de cerveja

Ao longo da História vários tipos de cerveja foram criados. Os babilônios como informam documentos do período, fabricavam mais de sete tipos de cervejas. Os egípcios produziam mais de quinze tipos. Em geral a diferença se devia aos ingredientes usados para conceder novos sabores. Entretanto, no século XX se desenvolveu estudos para classificar os tipos e estilos de cerveja. Essa classificação é usada até hoje.

A classificação das cervejas atualmente se vale de critérios como: ingredientes, tipo de fermentação, coloração, teor alcoólico, técnica de fabrico, localidade, entre outros fatores. Atualmente as cervejas são divididas em três grupos ou famílias: as lager, ale e as lambic.  

As cervejas lager são feitas com fermentação em baixa temperatura, algo entre 5 C a 12 C, e essa fermentação ocorre na parte inferior do tanque e demora mais tempo. Isso concede uma coloração clara para elas, sabor mais leve e teor alcoólico por volta dos 5 graus. Embora existam algumas variedades de lager de coloração mais escura. Normalmente são consumidas geladas. 

Já as ale são cervejas feitas com temperatura maior, entre 15 C e 25 C, e a fermentação ocorre na parte superior do tanque, isso as torna de cor mais escura, são encorpadas, maltadas, de sabor mais forte e teor alcoólico geralmente maior, acima dos 5 graus. Entretanto, existem variedades de ale de coloração mais clara. Seu tempo de produção é menor e normalmente são consumidas em temperatura ambiente.  

No caso das lambic elas geralmente são de fermentação baixa, utilizam técnicas de fermentação natural (sem controle de temperatura e de outros tipos), recebem normalmente lúpulo amadurecido, possuem coloração que variam entre o marrom e o vermelho-escuro, elas podem ser mais ácidas ou secas, podendo lembrar a textura do vinho tinto ou da sidra. São cervejas que surgiram na Bélgica, e seu processo de fabrico é demorado. 

Tipos de cerveja ale, lager e lambic. 

A cerveja lager do tipo pilsner ou pilsen, criada na República Checa em 1842, são as mais consumidas no mundo, pois devido a sua fabricação simples, a cor clara e a popularização na Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos ao longo do XIX, se tornaram referência na indústria. São conhecidas pela coloração dourada, sabor leve ou amargo, teor alcoólico por volta dos 5 graus. Na Europa, as pilsen costumam serem feitas de cevada e lúpulo, porém, nas Américas, África e Ásia é comum a adição de milho e arroz na receita. 

NOTA: No romance Germinal (1885) de Émile Zola, o qual retrata a vida difícil de mineradores e operários na França, mostra que o lazer daqueles homens estava principalmente nos bares. Embora seja uma obra de ficção, Zola se baseou na realidade da classe operária, chegando a conviver com alguns operários para estudar o cotidiano deles. 
NOTA 2: A cervejaria mais antiga do mundo em funcionamento é a Weihenstphan, situada em Fresing, na Alemanha, estando ativa desde 1040
NOTA 3: A espuma da cerveja (giste), em alguns casos, possui sabor diferente da bebida e até aroma próprio, isso se deve ao processo de fermentação. A diferença é mais marcante em cervejas aromatizadas. 

Fonte:

O Código de Hamurabi

Referências bibliográficas:

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Links relacionados:

A Lei Seca dos Estados Unidos (1920-1933)

História dos Alimentos