Pesquisar neste blog

Comunicado

Comunico a todos que tiverem interesse de compartilhar meus artigos, textos, ensaios, monografias, etc., por favor, coloquem as devidas referências e a fonte de origem do material usado. Caso contrário, você estará cometendo plágio ou uso não autorizado de produção científica, o que consiste em crime de acordo com a Lei 9.610/98.

Desde já deixo esse alerta, pois embora o meu blog seja de acesso livre e gratuito, o material aqui postado pode ser compartilhado, copiado, impresso, etc., mas desde que seja devidamente dentro da lei.

Atenciosamente
Leandro Vilar

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Uma reflexão sobre a cultura do estupro

Nos últimos tempos venho percebendo como a violência sexual principalmente contra as mulheres ainda é um problema alarmante, sendo essa violência manifestada de distintas formas, das quais algumas serão citadas neste texto. Todavia, diante de alguns casos nos últimos anos sobre crimes de estupro coletivo, pedofilia, sequestros, abuso de incapazes, sexismo, machismo, etc., decidi comentar acerca da chamada cultura do estupro, termo surgido nos anos 70, cujo objetivo foi denunciar uma forma de pensamento bastante incrustada nas sociedades atuais ao ponto de banalizar a violência sexual, como não sendo algo grave, e ao mesmo tempo torná-la algo que ocorre por culpa da vítima, a qual supostamente deixaria "brechas" para que o crime fosse praticado. 

Diante de tais sandices, não poderia deixar isso passar em vão ou continuar a ser banalizado como geralmente vem acontecendo. Nem toda expressão cultural é algo bom. 

Introdução:


A partir de janeiro de 1971, o New York Radical Feminists (NYRF) iniciou uma série de palestras e debates, realizados na Igreja Episcopal de St. Clement, em Nova York, cujo tema central era debater acerca do estupro. (SMITH, 2004, p. xv). O evento contou com mais de 300 participantes (o que incluiu homens também), alguns sendo importantes ativistas da época, autoridades femininas, e o depoimento de 40 vítimas de estupro. O evento foi o mais importante da época, sendo o primeiro daquela década a tratar abertamente de um crime que em geral era negligenciado pela sociedade americana, ao ponto de que existia apatia pelas vítimas, negligência contra os crimes, acobertamento dos estupradores, etc. 



Cartaz de informação sobre as palestras realizadas pelo New York Radical Feminists, no mês de abril na Igreja Episcopal de St. Clement, em Nova York. 
O evento repercutiu na elaboração de artigos e livros nos anos seguintes, pelos quais contribuíram para levar a sociedade, aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário uma realidade renegada e mau compreendida. Flora Davis em seu livro Moving the Mountain: The Women's Movement in America since 1960 (1991), a autora analisou como o estupro foi tratado nos Estados Unidos entre as décadas de 60 e 90, mostrando o ativismo feminista para denunciar tal crime que circulava de forma silenciosa na sociedade, como também apresentou depoimentos de vítimas, e as ações de algumas ativistas para tornar as leis mais rigorosas contra os estupradores etc. 

Todavia, Davis salientou que ainda nos anos 70, grande parte da sociedade americana achava que o incesto, a violência doméstica, o estupro e a pedofilia não fossem crimes recorrentes, mas casos isolados. Além disso, havia todo um estigma negativo quanto as vítimas de estupro, algo que ainda hoje perdura e que será comentado neste texto.


De qualquer forma, em 1974, Noreen Connel e Cassandra Wilson publicaram o livro Rape: The First Soucerbook for Women, sendo neste trabalho o primeiro apresentar o termo cultura do estupro (rape culture). Até então o termo estava ainda em estágio inicial de elaboração e circulava entre alguns grupos feministas. 



Capa do livro Rape: The First Soucerbook for Women (1974).
No ano seguinte o termo voltou a estampar as manchetes americanas. Margaret Lazarus e Renner Wunderlich apresentaram o documentário Rape Culture (1975), o qual denunciava a chamada cultura do estupro, a qual banalizava esse crime. No documentário foram apresentados os depoimentos de estupradores que foram presos, vítimas de estupro, feministas, jornalistas etc. Os estupradores entrevistados eram presos do Lorton Reformatory, na Virgínia, e outros faziam parte do grupo Prisoners Against Rape Inc (PAR), organização sem fins lucrativos criada em 1973, para debater os crimes de estupro. 

Ainda em 1975, foi publicado o mais importante trabalho da ativista Susan Brownmiller, Against Our Will: Men, Women and Rape. Embora tenha sido alvo de polêmicas raciais na época, ainda assim, a obra foi uma das mais importantes no século XX a debater a cultura do estupro, tratando-o como um mal social grave, mas que era neglicenciado pelas autoridades e bastante desconhecido pela sociedade, a qual diretamente ou indiretamente acabava contribuindo para a disseminação e continuidade dessa cultura. Nesta obra, Brownmiller tratou o estupro de um ponto de vista social, analisando preceitos políticos, morais, históricos e culturais.


Capa do livro Against our will: Men, Women and Rape (1975). 
Para Susan Brownmiller (1975, p. 14-15) a cultura do estupro era reflexo do machismo, do patriarcalismo e do sexismo, os quais tradicionalmente encorajam a supremacia do homem sobre a mulher, e o contrário também, a submissão das mulheres aos homens, além de "coisificar" as mulheres em "objetos sexuais". 

Não obstante, ela defendia que esse pensamento conservador e opressor contribuía para banalizar o estupro ao ponto de desconsiderar sua real severidade, como também procura culpar as vítimas por tais casos, retirando do estuprador a culpa ou amenizando a culpa dele. Sob tal perspectiva, o estuprador não seria o culpado pelo crime, ele apenas foi "tentado" pela vítima, e acabou cedendo a "tais incentivos ou tentações". Como veremos adiante, essa ideia de que a vítima de estupro é culpada pelo crime que lhe acometeu, ainda consiste num pensamento contemporâneo em distintas sociedades do mundo. 


O que é a cultura do estupro?


A palavra cultura possui um sentido bem amplo, e nos últimos cinquenta anos vem sendo modificada com mais regularidade. De qualquer forma apresentarei alguns conceitos entre os mais simples, sem adentrar debates teóricos mais complexos sobre a significação desse termo e seus empregos:


O antropólogo Edward Burnett Tylor em seu livro Primitive Culture (1871) definiu cultura como sendo: "todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade". (BURKE, 2006, p. 44). 


O antropólogo Clifford Geertz em seu livro Interpretação das Culturas (1973), definiu cultura como sendo: "um padrão, historicamente transmitido, de significados incorporados em símbolos, um sistema de concepções herdadas, expressas em formas simbólicas, por meio das quais os homens se comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atitudes acerca da vida". (BURKE, 2006, p. 51-52). 



“O significado mais simples desse termo afirma que cultura abrange todas as realizações materiais e os aspectos espirituais de um povo. Ou seja, em outras palavras, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideias e crenças. Cultura é todo complexo de conhecimentos e toda habilidade humana empregada socialmente. Além disso, é também todo comportamento aprendido, de modo independente da questão biológica”. (SILVA; SILVA; 2009, p. 85).

Diante destes três conceitos, podemos delinear um conceito simples do que seria cultura no geral, agora passemos para o conceito específico de cultura do estupro. Para isso, utilizei o conceito proposto por Merril Smith em seu livro Encyclopedia of Rape (2004). Neste caso, realizei a tradução do texto. 

“A cultura do estupro, de acordo com os editores de Transforming a Rape Culture, “é um complexo conjunto de crenças que encoraja a agressão sexual masculina e apoia a violência contra as mulheres”. A cultura do estupro acredita que a agressão sexual dos homens é biologicamente determinada, ao invés de comportamento aprendido. Por sua vez, considera que as mulheres sejam sexualmente passivas e destinam-se a ser dominadas pelos homens. Consequentemente, o encontro sexual normal é representado como um homem heterossexual forçando-se em cima de uma mulher. Assim, em uma cultura do estupro, o estupro é o modelo para a atividade sexual. A cultura do estupro suporta o estupro e a violência ao tolerar esse abuso". (grifos meu), (SMITH, 2004, p. 174).

"Em relação a justiça criminal, o número de agressões sexuais é alto, enquanto a taxa de prisões, processos e condenações de agressores é baixa. Desculpas são encontradas frequentemente para explicar porque os homens cometem estupro, ou porque a violência contra a vítima é justificada. Muitas vezes as ações do estuprador estão implícitas ou fora de seu controle: Ele simplesmente não se conteve. Este ponto de vista posiciona o estupro como uma expressão do desejo sexual em vez da promulgação de poder, controle e raiva. As mulheres são socializadas em acreditar que os homens são naturalmente agressores sexuais, e que é da mulher a responsabilidade de tomar precauções contra ser atacada. A cultura do estupro culpa o ataque às ações da vítima (como ela andar sozinha, beber álcool, ou estar sozinha em casa), em vez de questionar o comportamento do estuprador”. (grifos meu), (SMITH, 2004, p. 174-175). 

Diante desse amplo conceito apresentado por Merril Smith (2004), o qual engloba bastante a ideia geral de cultura do estupro, podemos complementar dizendo que essa cultura se pauta basicamente em três preceitos: o machismo, o sexismo e a banalização da violência

A cultura machista praticada principalmente pelos homens, mas também por mulheres, leva a construção de comportamentos, de discursos, ideologias e práticas que condicionam uma "natural" supremacia do homem sobre a mulher. Pode-se dizer que a ideia do homem ser o provedor do lar, ser o "pegador", o "macho alfa", o "controlador", o "chefe", o "senhor", advém da cultura do machismo, a qual por sua vez condiciona as mulheres a uma posição de inferioridade, submissão e servidão. O machismo também conota outros vários exemplos, que não cabe mencionar todos aqui, pois diariamente somos testemunhas deles. 


Tirinha mostrando as diferenças de opinião que normalmente se tem sobre um homem solteiro e uma mulher solteira, o que expressa a influência do machismo na sociedade. Como o texto está em português, adianto que para os leitores de outras línguas, a mulher solteira é descriminada socialmente, pois o machismo tende a obrigá-la a se casar e torna-se mãe, além de também alegar que mulheres sempre são super-sentimentais, e cobrar que devam sempre ser vaidosas.
Por sua vez, o sexismo em geral consiste na "coisificação" do sexo feminino, uma espécie de reducionismo ideológico no qual as mulheres são vistas como "objetos sexuais", os quais existem para fornecer prazer aos homens. Embora o sexismo possa também agir de forma contrária, atuando sobre os homens, mas sem o mesmo impacto e evidência que ocorre com as mulheres no geral. A pornografia é um dos principais meios de expressão do sexismo, principalmente a pornografia audiovisual e musical. 

Não obstante a "coisificação" da mulher como "símbolo sexual" encontra apoio na tendência do machismo de valorizar o homem libertino, conquistador, controlador, varão e viril, como também em outras expressões culturais ligadas a estética, a aparência e ao comportamento, o que leva homens e mulheres a procurar uma sobrevalorização da aparência, como também em agir socialmente com menos pudor. No caso dos homens, o machismo reforça o sexismo contra as mulheres, por incentivar comportamento relacionado a ideia do "macho viril", aquele homem que possui relação com várias mulheres, um galanteador, vadio, promíscuo, o qual não tem interesse em um relacionamento sério, apenas de gozar a vida sem compromisso.

Diante de tal comportamento, tais homens movidos pelo machismo e o sexismo tendem considerar as mulheres de acordo como elas se vestem e agem, criando categorias pelo visual, as quais condicionam erroneamente a uma suposição de que mulheres que se vestem com roupas curtas e/ou de forma sensual, que curtem danças sensuais, que possuem um pensamento mais livre quanto a sexualidade (não significa ser libertina, mas não estar presa a posturas conservadoras), seriam mais fogosas e mais fáceis de "pegar". 


Matéria da revista Super Interessante falando sobre a cultura do estupro. Na imagem eles apresentam com base no tamanho da saia que a mulher usa, como ela é vista socialmente pelos machistas. Neste caso, mulheres de saia curta, são vistas como de pouco pudor e fogosas. 
Já a banalização da violência, essa se aplica nas mais distintas formas de violência, mas em si consiste na condição de abrandar e minimizar atos e práticas violentas, retirando sua real severidade e dano. Sendo assim, algumas pessoas tendem a ver o estupro não como algo tão grave como de fato o é, mas o veem apenas como um caso qualquer de violência, e para alguns mais apáticos, ocorre até mesmo o desleixe pela vítima, além de que na cultura do estupro existe um "senso comum" que a vítima é culpada. 


Sátira a banalização da violência contra a mulher. Nessa charge o marido que se diz civilizado, fala que apenas deu um "tapa" em sua amada esposa. No entanto, o delegado o fita com repúdio, estando diante de um pedaço de carne ensanguentado (talvez uma perna ou um braço). 
Antes de concluir este artigo, li alguns comentários que diziam que a cultura do estupro não existia, era uma invenção de feministas radicais, de socialistas, marxistas, entre outras baboseiras mais. Uma invenção para desvalorizar o conceito de cultura, pois alguns dos autores destes comentários diziam que a sociedade não tolerava o estupro e os estupradores, pelo visto, essas pessoas que diziam que a cultura do estupro não existe, estejam repetindo o seu discurso, pois uma das características da cultura do estupro é negar a si mesma. 

Além disso, a cultura do estupro faz parte da cultura da violência. A filosofa Hannah Arendt em seu livro Da Violência (1968), dissertou acerca da manifestação da cultura da violência até meados do século XX, abordando-a principalmente através da política, da guerra, da indústria bélica, da violência urbana etc. Arendt não viveu para ver as transformações tecnológicas do final do século XX, pelas quais a cultura da violência se propagou pela televisão, cinema (embora já estivesse presente desde o começo de ambos), literatura, videogames e na internet.  


Arendt ao longo do livro chama atenção para a ambiguidade que as culturas e sociedades possuem acerca da violência, pois por mais que muitos se digam contrários a guerra, ao assassinato, a violência, a brigas, a tortura, ao estupro, etc., ainda assim, há gente que gosta disso, que vive disso, que promove tais atos e até mesmo que se diverte com isso. 


A violência foi e ainda é uma forma de entretenimento: condena-se o policial que mata um ladrão, mas ovaciona-se o assassino que mata vários policiais em um filme. Mesmo que alguns digam que filmes são mera ficção, que nada daquilo seja verdadeiro, a cultura se manifesta tanto pelo real quanto pelo ficcional, e chega a um momento em que o indivíduo não distingue mais com clareza e empatia a violência real da ficcional. Quando uma pessoa chega a este ponto, ela passa a banalizar a violência.


Hoje em dia o mundo está cheio de banalizações a violência. Pessoas que são agredidas nas ruas e ninguém decide ajudar; pessoas que sofreram algum tipo de agressão na rua e ali foram abandonadas, e os transeuntes apenas a ignoram; pessoas que durante um acidente, caso de assassinato, estupro, etc., forma-se uma multidão em torno da cena do crime e ficam tirando fotos ou filmando, e postando na internet como se fosse um espetáculo de rua. Pessoas que agridem animais ou outras pessoas e postam fotos e vídeos na internet ou em aplicativos sociais de celulares e smartphones, como se aquilo fosse divertido de se fazer. 


A cultura do estupro ao longo da História: 


Embora o termo e conceito cultura do estupro seja algo criado nos anos 70, no entanto, seu sentido e ideologias são bem mais antigos, remontando há milhares de anos na História da humanidade. A historiadora Merril D. Smith publicou o livro Encyclopedia of Rape (2004), e no início da obra, ela apresentou um quadro cronológico mencionando alguns acontecimentos históricos, mitológicos e alguns casos, os quais estavam associados a cultura do estupro. 


Entre 1780 a 1750 a.C, na Babilônia, o rei Hammurabi publicou o seu código de leis, que ficou conhecido como Código de Hammurabi. Nesta legislação a qual contava com mais de duzentas leis, uma delas criminalizava o estupro. Se uma mulher virgem fosse estuprada, o estuprador era condenado a morte. Porém, se uma mulher casada fosse estuprada, ela era considerada culpada, e tida como adúltera, devendo ser executada junto ao estuprador. 


No antigo Império Hitita, o rei Nesilim publicou um código de leis que imperou por pelo menos cem anos entre 1650 a 1500 a.C. Em seu código de leis, se uma mulher fosse estuprada dentro de sua própria casa, ela era culpada pelo crime e deveria ser executada junto ao estuprador. 


Por volta de 1075 a.C, o Código de Assura, o qual imperava entre os assírios, determinava que o marido tinha o direito de punir ou de matar sua esposa, caso ela fosse estuprada, pois isso era visto como adultério. 


Esses são relatos históricos de códigos legislativos os quais culpabilizavam as vítimas de estupro, no entanto, como estamos falando de cultura, lendas e mitos também entram na questão. 


Na Roma Antiga havia a lenda do Rapto das Sabinas, história supostamente ocorrida no século VIII a.C, a qual conta que devido a falta de mulheres em Roma, o rei Rômulo teria declarado guerra ao Reino dos Sabinos, e durante a invasão, várias mulheres foram sequestradas e estupradas, sendo levadas cativas para Roma, e obrigadas a se tornarem esposas dos romanos. Em algumas épocas da história romana, o Rapto das Sabinas era valorizado como uma façanha de vitória militar, mostrando a supremacia dos romanos sobre outros povos. Tal lenda inspirou vários artistas a partir da Renascença (séc. XIII-XVI), retratando isso como uma vitória de guerra. 



O Rapto das Sabinas. Nicolas Poussin, 1634-35. 
O sequestro de mulheres é algo recorrente em vários mitos e lendas, entre distintos povos do mundo. Tal fato se deve que em determinadas épocas até mesmo em períodos recentes, o sequestro de mulheres era algo "normal", fazia parte da cultura e sociedade de alguns povos. Na mitologia grega os heróis espartanos Castor e Pólux raptaram Hilíria e Febe, as quais eram noivas de Idas e Linceu. Os dois declararam guerra contra os gêmeos espartanos, vindo a matar Castor em combate, e com isso Pólux se rendeu (em outras versões, os dois foram mortos). 

Ainda na mitologia grega, temos a história de Zeus sequestrando a princesa fenícia Europa, e a história dele sequestrando o príncipe troiano Ganimedes, o qual de acordo com algumas versões, ele foi estuprado durante o rapto (sendo uma das poucas narrativas mitológicas a falar de estupro de um homem). Segunda uma versão contada pelo poeta romano Ovídio, o deus dos mares Poseidon estuprou a sacerdotisa Medusa, dentro de um templo dedicado a deusa Atena. A deusa indignada com Medusa, a transformou no monstro que conhecemos. 


Percebe-se que nesse mito, a culpa pelo estupro era da vítima. Susan Brownmiller no capítulo 10 de seu livro Against Our Will: Men, Women and Rape (1975), dedica tal capítulo a abordar as representações mitológicas sobre sequestro de mulheres, assédio sexual e estupro em distintas mitologias. 


Retornando a História, além do sequestro de mulheres, estupros ocorriam durante guerras e invasões. Na pintura abaixo o autor retratou o chefe gaulês Breno, o qual em 387 a.C invadiu e saqueou Roma. Na imagem, o pintor retratou de forma triunfante o líder gaulês adentrando uma casa com cinco mulheres romanas, a quais fariam parte de seus "espólios" de guerra (embora que homens também compusessem espólios de guerra). 



Breno. Paul Jamin, 1893. 
Durante as Cruzadas (séc. XI-XIII), alguns cruzados antes de partirem para a Terra Santa, recebiam as bençãos de padres ou de bispos, os quais lhe concediam proteção e em alguns casos perdão por seus pecados e pelos pecados que viriam a cometer. Assim, muitos cruzados estupraram cristãs, judias e muçulmanas sem se preocupar em serem condenados por seus atos, pois diante da guerra, aquilo era visto como "comum", e, além disso, eles haviam recebido o "perdão" por seus pecados. 

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), um dos mais conhecidos crimes contra as mulheres ocorreu no Oriente, entre o Exército Imperial Japonês, o qual enganou e sequestrou milhares de mulheres dos países vizinhos, as enviando para prostíbulos ou "casas de conforto". Tais mulheres eram chamadas de ianpu ("mulher de conforto") ou jogun-ianpu ("mulheres de conforto militar"). Após a guerra tal ato foi considerado um grave crime de guerra, por promover a escravidão sexual de milhares de mulheres, pois elas não eram prostitutas que recebiam dinheiro, mas verdadeiras escravas sexuais. No entanto, por décadas esse crime entre outros foram abafados. Apenas nos últimos anos é que o Governo Japonês reconheceu tal crime. 


Durante a Era dos Descobrimentos (séc. XV-XVIII), os europeus os quais começaram a desbravar os oceanos e continentes, cometeram os mais diversos crimes nestas viagens. Muitas africanas, ameríndias e asiáticas foram estupradas nestas invasões, guerras e colonizações. Se não bastasse já serem vítimas entre seus próprios povos e sociedades.


Não obstante, não podemos nos esquecer que a escravidão imperou no mundo ao longo de milênios, logo, desde que existe a escravidão, o senhor detinha grande autoridade sobre seus escravos e escravas, inclusive direito se tais pessoas viveriam ou não. Assim, não foi incomum que mulheres e homens escravizados fossem estuprados. E isso não é algo tão antigo assim. Até o século XIX, ainda ocorria nas Américas, África e Ásia, em países que a escravidão moderna não havia sido abolida ainda. 



Escolhendo a favorita. Giulio Rosati. Neste quadro vemos uma cena de escravas sendo vendidas. Neste caso, tratava-se de escravas sexuais, algo bastante comum na Ásia, entre distintos povos ao longo de séculos. Mesmo que alguns digam que elas teriam uma "boa vida", uma vida de luxo nos haréns, ainda assim, elas eram escravas!
Com o advento da tecnologia, a cultura do estupro ampliou seu alcance e manifestações. Vimos algumas pinturas representando isso, no entanto, em outras artes como a literatura, a música, a televisão, o cinema, os videogames e o teatro também retrataram essa cultura. Em alguns filmes o estupro é retratado como algo impactante, mas um motivador para que a vítima ou pessoas relacionadas a ela procurassem por justiça ou vingança, como nos filmes Acusados (1988), Irreversível (2002) e Sob o domínio do Mal (2004), mas em outros filmes o estupro aparece como algo bastante chocante, como no filme Saló ou os 120 Dias de Gomorra (1975), ao ponto do filme ter sido banido de alguns países. Em alguns filmes o estupro chega a ser ironizado, como no caso de Kika (1993). 

Não obstante, em algumas obras o estupro é apresentado de forma dúbia, ao ponto de não se saber se a mulher está consentido com o ato, ou no fim, ela realmente foi vítima, mas não reagiu. Alguns filmes, desenhos e hqs pornográficas apresentam essa questão, onde as mulheres são abordadas em distintos locais e acabam se relacionando com homens, mesmo que na história não mostre se elas necessariamente consentiram com isso. No entanto, em outras histórias a situação é bem mais explícita, a personagem deliberadamente é estuprada mesmo, inclusive, os personagens masculinos dizem que vão estuprá-la ou falam que ela foi estuprada, mas na história isso é tratado como algo normal. 



Campanha brasileira de combate ao assédio sexual, a violência feminina e ao estupro, retratados na pornografia. Não curta, não compartilhe, denuncie. 
Embora nem todos os homens consumam pornografia, a maioria ouve música, dos mais distintos gêneros musicais. E algumas músicas possuem letras as quais conotem a violência contra a mulher, assédio sexual, sexismo, machismo, misoginia etc. No Brasil, algumas pessoas dizem que é apenas o Funk que possui tais músicas, nos Estados Unidos, alegam que sejam o Pop e o Rap, mas tais características são vistas em distintos estilos musicais. Vejamos alguns exemplos de músicas brasileiras:

Se essa mulher fosse minha (Samba de roda)


Se essa mulher fosse minha

Eu tirava do samba já, já
Dava uma surra nela
Que ela gritava: Chega, Chega
Oh meu amor
Eu vou-me embora da roda de samba eu vou

Loira burra (Gabriel, o Pensador)



"À procura de carro, a procura de dinheiro / O lugar dessas cadelas era mesmo num puteiro (…) Não eu não sou machista, exigente talvez / Mas eu quero mulheres inteligentes, não vocês (…) E pra você me entender, vou ser até mais direto/ Loira burra, você não passa de mulher objeto"

Baile de Favela (MC João)
"Ela veio quente, e hoje eu tô ferveno
Que ela veio quente, hoje eu tô ferveno
Quer desafiar? Num tô entendendo
Mexeu com o r7 vai voltar com a xota ardeno (vai)...
... E a são Rafael, é baile de favela
E os menor preparado pra foder com a xota dela (o vai)"
Em 2016, no Brasil, uma iniciativa levou a criação de um aplicativo de celular, chamado Shazam, cujo intuito é alertar e combater a disseminação de violência contra as mulheres, da cultura do estupro e da pedofilia através da música. O aplicativo que começou a funcionar há poucos meses, já detectou mais de 300 músicas nacionais e internacionais que possuam incentivo ou banalização da violência feminina. O aplicativo alerta o usuário e apresenta depoimentos de vítimas de violência, estupro, assédio sexual, pedofilia, etc. Embora seja uma iniciativa recente, percebe-se que a cultura do estupro banalizou isso na música. 

Percebe-se que ao longo da História a cultura do estupro imperou. Embora que entre algumas sociedades o estupro fosse considerado um crime, em outras sociedades não havia essa noção, além do fato de que o estupro em alguns casos era permitido e até mesmo parte de aspectos culturais tolerados, como os estupros de guerra, o rapto de mulheres e o estupro de escravas e escravos. Por outro lado, na maior parte das vezes, as vítimas de estupro eram culpadas por tais crimes, seja na forma da lei ou no senso comum. 


Todavia, é preciso salientar que não podemos criticar ferozmente tais atitudes, pois o contexto social e cultural daqueles povos e épocas eram distintos. É preciso ter cautela para se julgar. Porém, no caso de hoje, no qual temos uma mentalidade mais crítica e desenvolvida acerca das questões sociais, deve-se lutar. 


Como a cultura do estupro se manifesta hoje em dia: 

Diante dos exemplos anteriores, é perceptível que essa cultura é bastante antiga e se encontra enraizada em distintas sociedades, apenas recentemente que é se deu nome a ela e se empenhou em combatê-la.


Nesta parte do texto, apresentarei algumas formas pelas quais a cultura do estupro se manifesta hoje nas sociedades do século XXI. 


a) comentários machistas, sexistas, misóginos e de ódio: 


Com o grande avanço dos meios de comunicação, principalmente no que se refere a expansão e acessibilidade aos computadores, a internet e a melhoria nos sistemas de telefonia móvel, as pessoas em grande parte do planeta estão cada vez mais conectadas a web e as redes sociais, as quais se popularizaram neste começo de século. Isso permitiu que muita gente passasse a ler e escrever, assim como manifestar suas opiniões. No entanto, essa liberdade digital é uma mão de via dupla: da mesma forma que podemos propagar coisas boas, também se difunde ignorância, mentira, preconceito, intolerância, bizarrices, futilidades, repúdio e ódio. 


Há alguns anos era necessário acessar sites pornográficos para ler comentários machistas e sexistas, hoje isso não é mais necessário. Basta acessar as redes sociais, sites de jornalismo, entretenimento e diversidades para se encontrar tais comentários presentes, embora que não tão ofensivos e vulgares como vistos em sites pornôs, mas ainda assim lascivos. 


As pessoas, em geral homens jovens entre 15 a 30 anos, utilizam gírias, metáforas e expressões imbuídas de machismo e sexismo, para expressar comentários e opiniões. Um caso recente que vi em maio de 2016, dizia respeito a uma notícia em uma comunidade sobre cinema, videogames, quadrinhos e livros, nesta comunidade, havia a notícia de que uma atriz publicou uma foto sensual, e nos comentários lia-se frases com conotação sexual. 


Outro exemplo, é acessar os perfis de atrizes e modelos nas redes sociais, principalmente daquelas mulheres consideradas "símbolos sexuais", lá se encontrará vários comentários sexistas a respeito. 


Já nos sites jornalísticos, quando lemos matérias falando sobre moda, sexualidade, estética, comportamento social, celebridades, assédio sexual e crimes sexuais (pedofilia, incesto e estupro), as opiniões são bem divergentes, mas a cultura do estupro está presente, principalmente quando se aborda a questão dos crimes, onde nos comentários as pessoas chegam quase a se dividir em condenar o estuprador, e culpar a vítima de ter sido estuprada. Em alguns casos mais apáticos, dos quais já li comentários que pareciam ser inimagináveis, havia gente que zombava do ocorrido, debochava da vítima. 



Comentário de deboche e banalização do crime de estupro, fotografado no perfil de um homem em uma rede social no Brasil, onde se ler: "amassaram a mina, entendeu ou não entendeu? kkk (risos)". 
Outro sério problema que se encontra na internet, são sites, blogs, chats, vídeos e até mesmo comunidades em redes sociais, as quais pregam o assédio sexual, e incentivam a promiscuidade (principalmente dos homens), algo que é conhecido na língua inglesa pela sigla PUA (Pickup artists). Tais conteúdos mostram homens em diferentes países, ensinando como "pegar" mulheres em festas, na escola, na universidade, na rua onde mora, no prédio onde vive, etc. Os defensores do PUA, dizem que isso não é nocivo, é apenas um "serviço social", um "manual de sedução", para ajudar principalmente os homens que não sabem como conversar e flertar. O problema é que muitos acabam usando isso de forma exagerada.


O machismo e a cultura do estupro difundem a ideia de que quando uma mulher diz não a cantada, xaveco, flerte, etc.,, na verdade ela está dizendo "sim". Mas essa mentira, leva os homens a continuarem a insistir no assédio, pois alegam que ela está se fazendo de "difícil". 
No entanto, existe algo bem mais grave. Enquanto muitos adeptos do PUA, procuram apenas ficar no flerte, alguns mais violentos, apresentam dicas de como conseguir levar uma mulher para cama (mesmo que seja a embriagando ou a dopando) e inclusive até mesmo se for o caso, de como estuprá-las. Tais conteúdos on-line necessariamente não ficam restritos a "deep web", a zona sombria da internet, eles estão presentes em blogs e nas próprias redes sociais, e nem por isso, a polícia ou os responsáveis pelos sites fazem algo para combater esse incentivo a violência. Por outro lado, há aqueles que curtem isso como algo engraçado e até mesmo compartilham, como se fosse algo normal. 

b) slut-shaming: 


Outra forma de disseminar a cultura do estupro, ocorre através de um termo em língua inglesa chamado "slut-shaming", que consiste no ato de difamar moralmente mulheres (em alguns casos isso ocorre com homens também), devido a roupa que usam, gestos que fizeram ou situações geralmente socialmente constrangedoras, envolvendo conotação sexual. Neste caso, alguns homens tendem a fotografar ou filmar tais atos constrangedores praticados por eles mesmos ou por outros, por considerarem aquilo imoral ou engraçado, então compartilham nas redes sociais. 



Cartaz em protesto a prática do slut-shaming e a cultura do estupro. 
Alguns casos de slut-shaming foram transmitidos pela TV. Um ocorreu em 2013, no Brasil, no qual uma repórter enquanto cobria o lançamento de um livro, foi assediada sexualmente pelo autor. Embora tenha sido duramente criticado, não foi punido, e ainda teve gente que culpou a repórter, por estar vestida sensualmente. Outro caso ocorreu na capital do México, em 2015, onde uma apresentadora foi assediada por seu colega de trabalho. No vídeo nota-se o constrangimento dela com a "suposta brincadeira", ao ponto de ela se retirar de cena. Posteriormente ela foi demitida e depois readmitida, mas na condição de dizer que tudo foi uma "brincadeira". Um caso mais recente, ocorreu na Alemanha, em 2016, onde durante uma filmagem ao vivo, uma jornalista que cobria um evento carnavalesco na cidade de Colonia, foi assediada por dois homens, e um deles tocou em um dos seios dela. 

Nestes três casos televisionados, as vítimas foram visivelmente constrangidas e assediadas sexualmente, sendo que no caso brasileiro e mexicano, os responsáveis pelo assédio estão impunes até hoje, mesmo sabendo suas identidades e onde residem.  

Também faz parte do slut-shaming a chamada "vingança pornô ou "pornografia de vingança", geralmente usada contra mulheres, as quais compartilhavam fotos ou vídeos eróticos com seus parceiros/companheiros, mas após o término do relacionamento, seus parceiro/companheiros que não aceitavam o fim da relação, as chantageavam ameaçando em publicar tais fotos ou vídeos, caso ela não retomasse a relação. Em muitos casos as imagens eram publicadas nas internet, ou porque a vítima se resistiu a chantagem ou porque o criminoso achando que ao publicar as imagens, isso seria um fator mais preponderante para coagir a mulher a aceitar o retorno. Inclusive sites pornográficos exibem tais imagens e vídeos como se fossem "produções caseiras". 


A consequência desse tipo de crime além de abalar psicologicamente a vítima, geralmente mulheres, também é estigmatizada pela cultura do estupro, pois começam a surgir comentários maldosos sobre a vítima, a chamando de vadia, promíscua, sem vergonha, por ter feito aquelas fotos ou filmagens. Alguns homens chegam a ir mais longe no deboche, chamando a vítima para fazer programa sexual, já que ela seria uma "puta". Neste casos, o criminosos é praticamente isento das ofensas, sendo estas recaindo sobre a vítima. 


Em casos mais abomináveis, vítimas de violência ou de estupro são fotografadas ou filmadas, e isso acaba sendo compartilhado na internet, como num caso ocorrido no Brasil, em maio de 2016, onde uma adolescente sofreu estupro coletivo, e as cenas foram parar na internet, com direito a deboche entre aqueles que compartilharam isso. Ainda em 2016, na Itália, uma mulher de 31 anos, vítima da vingança pornô, teve um vídeo seu íntimo com seu ex-namorado, compartilhado na internet. O vídeo teve milhares de acessos. No dia seguinte quando ela descobriu isso, cometeu suicídio. 

c) assédio sexual: 

Outra forma de se perceber a cultura do estupro ocorre no assédio sexual (90% das vezes é contra mulheres). Normalmente quando se fala em assédio sexual remete-se isso ao ambiente do trabalho, mas tal assédio pode ocorrer nos mais distintos lugares, até mesmo em casa. Mulheres que andam na rua e ouvem assovios ou cantadas, algumas irônicas e outras lascivas; mulheres que usam transportes públicos como ônibus e metrô, são assediadas não com palavras, mas com ações, como no caso do abusador se esfregar nela, algo que na gíria brasileira se chama "encoxar" ou "encoxada"



Cartaz de protesto ao assédio sexual nos ônibus. 
Isso ocorre tanto de forma descarada no transporte público, ou em filas, mas também ocorre de forma banalizada, principalmente em shows e até na televisão, onde atrizes, apresentadoras, cantoras são "encoxadas", mas tudo é levado na "brincadeira". Em alguns casos essa banalização é reforçada quando as próprias atrizes e cantoras fazem isso no palco ou na televisão, deixando se "encoxar", e isso leva alguns homens a pensar que seja algo normal. 

O assédio sexual também se manifesta nas escolas, universidades, igrejas, shoppings, lojas, etc. Homens que descaradamente lançam "cantadas" ou "xavecos", inclusive alguns chegam até mesmo a tocar nas vítimas, seja alisando seus cabelos, pegando na sua mão, alisando seus braços ou pernas. Alguns mais afoitos lhe tocam os seios ou a bunda. Em alguns casos, tais assediadores chegam a tirar fotos e depois compartilhar, se exibindo ou vangloriando de seu "ato". 


Normalmente assédios mais pesados ocorrem em bares, boates e em shows, locais que o abusador aproveita para agir, pois normalmente nestes cenários encontram-se mulheres alcoolizadas ou drogadas, as quais segundo a percepção da cultura do estupro, são "alvos mais fáceis".  



Nos últimos anos nos EUA e Brasil houve casos de mulheres assediadas e até mesmo estupradas durante calouradas nas universidades. Algumas estavam ligeiramente embriagadas ou drogadas, mas outras não tinham bebido, mas acabaram sendo encurraladas por vários agressores e ali foram violentadas. Alguns destes casos, a vítima chegou a ser assassinada posteriormente, para que assim não pudesse delatar os acusados, os quais em alguns casos eram colegas de turma. 

Já o assédio sexual em casa, normalmente está relacionado a casos de incesto e pedofilia, principalmente entre pais e filhas, mas também entre tios e sobrinhas ou sobrinhos, mas podendo ocorrer com outros parentes, amigos e até vizinhos. A ideia de que no lar a mulher e a criança estão totalmente seguros já foi desconstruída. Inclusive nos anos 70, Susan Brownmiller criticou o fato de que na época achava-se que o incesto não fosse algo comum, que o estupro doméstico e a pedofilia fossem raros e não ocorriam na própria casa, na escola ou na igreja. 



Cartaz de 1971 falando acerca da conferência sobre o estupro ocorrida em Nova York. Neste cartaz são apresentados estigmas pelos quais normalmente se acusam as vítimas de sofrem o estupro.
No entanto, o assédio sexual doméstico também pode ocorrer de marido para esposa, mesmo que a mulher esteja acostumada as carícias do marido, as vezes ela não está afim de beijá-lo ou fazer sexo, e isso pode levar a uma postura agressiva do marido, e em casos mais drásticos até mesmo a violência ou tentativa de estupro. Em alguns países na África e na Ásia, se o marido quiser ter relações sexuais com sua esposa, mas está não estiver disposta, ainda assim, ela é obrigada a fazer sexo, porque seria um "direito" do marido. 

O assédio sexual no lar faz parte da violência doméstica contra a mulher, um dos principais fatores de violência contra as mulheres em vários países, como também um dos principais motivos pelo assassinato de mulheres, pois em geral as mulheres que são mortas, são assassinadas por seus maridos, noivos, namorados, companheiros fixo ou parceiros. Para se combater essa violência que encontra respaldo no machismo e na cultura do estupro, no Brasil em 2006 foi criada a Lei n. 11.340 conhecida popularmente como Lei Maria da Penha


A Lei Maria da Penha foi um marco na legislação em favor da defesa e do bem-estar das mulheres, por conceder parâmetros legais para se combater a violência doméstica, como também punir os agressores e assassinos, além de fornecer amparo moral e psicológico as vítimas. No entanto, ainda hoje, passados dez anos da promulgação desta lei, ainda há mulheres que relutam em denunciar seus maridos, por terem medo ou serem coagidas por eles a não fazer isso. 


Relações entre amigos também pode levar ao assédio sexual e até ao estupro, principalmente quando estes "amigos" não são tão amigáveis assim. Há casos de amigos que se aproveitaram de uma amiga que estava bêbada, dormindo, dopada, triste, etc., para assediá-las ou até mesmo estuprá-las. Isso também ocorre entre namorados e namoradas, pois o homem achando que pelo fato de estarem juntos e se amando, ele detém autoridade sobre sua namorada, o que incluiria abusá-la sexualmente. 


O preconceito também é uma forma pela qual o assédio sexual se manifesta. Para alguns homens, uma prostituta, stripper e atriz pornô seriam naturalmente "vadias", mulheres "fáceis de pegar"; logo, quando diante de tais mulheres alguns homens agem de forma machista, petulante, arrogante, inconveniente, achando que pelo fato de tais mulheres trabalharem com sexo, isso significa que elas possam ser assediadas e até mesmo estupradas. Neste caso, o estupro não seria visto como uma ofensa e uma agressão, pois alegam que elas trabalham com sexo mesmo (embora que necessariamente algumas strippers não se prostituam). 


d) discurso de prevenção contra o estupro:


Esse é um dos mais comuns de se ouvir, tanto de homens quanto de mulheres, o qual define pressupostos comportamentais pelos quais se uma mulher seguir corretamente "não seria" alvo de estupro. 


Tais recomendações variam de pessoa para pessoa, algumas chegando a serem bem amplas e beirando a paranoia, mas em geral esse discurso preventivo se resume as seguintes características como apontadas por Melissa McEwan e seu artigo Rape Culture 101 (2009):

  • A mulher deve evitar usar roupas curtas e se vestir de forma sensual;
  • Deve evitar andar sozinha, principalmente de noite e em locais estranhos;
  • Deve evitar ir sozinha a festas;
  • Deve evitar beber ou beber muito, e de preferência não beber na companhia de estranhos;
  • Deve ter cuidado em visitar sozinha casas de estranhos ou em companhia de colegas ou amigos que pouco se conhece;
  • Caso more sozinha, não deve receber visitas masculinas, a não ser que sejam familiares ou amigos; 
  • Deve evitar dar seu número de telefone para qualquer homem;
  • Deve levar uma vida sexual pouco ativa, pois supõe-se que mulheres de vida sexual ativa tenham maior tendência de acabar se relacionando com potenciais estupradores; 
  • Caso more sozinha, deve procurar ter sistemas de segurança, para evitar uma possível invasão; 
  • Deve evitar ir a festas;
  • Deve frequentar a igreja;
  • Carregar spray de pimenta ou outros objetos para defesa;
  • Olhar com desconfiança para todos os homens, pois são potenciais estupradores. 
Diante de tais "recomendações", algumas fazem sentido por não apenas dizer respeito a questão do estupro, mas da própria segurança: como visitar a casa de estranhos, beber em companhia de estranhos (os quais podem te dopar, roubar ou sequestrar), ir a locais frequentados por criminosos ou passar por ruas nas quais o índice de assaltos seja alto; receber a visita de estranhos; Isso são recomendações gerais que qualquer pessoa tem o bom senso de receber e pensar acerca, todavia, tais recomendações não impedem que uma mulher seja estuprada. 

Há alguns anos uma aluna foi estuprada numa escola americana, ela estava vestida com o uniforme, era de dia, e se encontrava entre amigos e conhecidos, além de estar supostamente num local "seguro", ainda assim, a adolescente foi violentada no banheiro por alguns garotos. Em outros casos, a mulher enquanto se dirigia para o emprego, foi sequestrada e estuprada. No Brasil, houve um caso desse ocorrido há poucos anos, no qual uma adolescente enquanto seguia o caminho que fazia todos os dias para ir à escola, ela foi sequestrada, mantida em cárcere privado, estuprada várias vezes e finalmente assassinada. Recentemente descobriu-se que o estuprador era uma pessoa conhecida da família. 

Cartaz de protesto contra o discurso de prevenção ao estupro. Na imagem se diz que as coisas que causam o estupro não é a bebida, andar sozinha ou usar roupas sensuais, mas é o estuprador que faz isso. 
Por sua vez, o discurso de prevenção ao estupro também é usado para culpabilizar a vítima, pois aqueles que defendem tal discurso dizem que se a mulher foi estuprada é porque não seguiu tais recomendações, pois se tivesse as seguido, o crime não teria ocorrido. 

Os dois exemplos citados anteriormente nos mostram o contrário. O estupro ocorre pois o estuprador(es) ver/veem a possibilidade de cometer o crime e não serem punidos. É o estuprador que concebe a possibilidade de atacar a vítima. Se o estuprador ver que haja um local onde o crime possa ser realizado, no qual a vítima não consiga aparentemente fugir, ou não receba ajuda de imediato, que esteja sozinha, ele agirá. E isso inclui a própria residência, mesmo que se pense que o lar seja um local super seguro. 

No entanto, de fato atacar vítimas mais vulneráveis também facilita a realização desse crime, mas na maioria das vezes as vítimas de estupro não estão alcoolizadas ou dopadas, não estavam andando de noite, ou usando roupas sensuais, além do fato, de que alguns casos de estupro, o agressor era conhecido da vítima (RAPE AND SEXUAL ASSAULT, 2014, p. 1). Isso são estigmas que a cultura do estupro quer perpetuar como sendo fatores para que o estupro ocorra. 


Postagem de uma comunidade feminista brasileira, na qual mostra frases do discurso da cultura do estupro, e em amarelo casos de estupro que ocorreram no Brasil, os quais contradizem a "lista de recomendações" para que uma mulher não seja estuprada. 
e) culpabilização das vítimas: 

Uma das características centrais da cultura do estupro é amenizar a culpa do agressor e colocar toda a responsabilidade na vítima. Por outro lado, a cultura do estupro também em determinados casos tende a banalizar o ato, não o considerando um crime, mas até mesmo algo comum. 

Como visto na parte sobre a cultura do estupro na História, vimos que o estupro era legalizado na relação de senhor-escravo, conquistador-conquistado, invasor-invadido e até mesmo na relação marido-mulher. Além destas relações o estupro também era considerado para um viés de correção e de punição (BROWNMILLER, 1975, p. 16-20). 


Ainda hoje vemos alguns destes casos presentes. Por exemplo, em guerras ainda há estupros contra a população local (no caso de uma guerra civil) ou com a população de outro país. Nos anos 70 durante a segunda onda do movimento feminista americano, houve passeatas criticando os estupros cometidos por soldados americanos durante a Guerra do Vietnã. Não obstante, casos recentes como a guerra civil na Síria e em alguns países africanos, ainda se encontra casos de "estupro de guerra"


Embora a escravidão tenha acabado no século passado, hoje ainda existe o chamado "tráfico de mulheres" e a "escravidão sexual". Isso ocorre principalmente nas Américas, Europa e na Ásia, onde mulheres são sequestradas ou enganadas com promessas de emprego, e quando chegam no país, acabam sendo raptadas, tornando-se prostitutas ou até mesmo vendidas como escravas do sexo. 


Propaganda em língua espanhola sobre o tráfico de mulheres. 
No que se refere ao "estupro punitivo", durante a Ditadura Militar Brasileira (1964-1985) houve casos de mulheres que foram torturadas com estupros. Isso também foi visto em outros países que passaram por governos ditatoriais. Neste caso, a tortura por estupro necessariamente não consiste na penetração de um homem na mulher, mas no uso de outros objetos e até de animais para se fazer isso. As mulheres torturadas dessa forma foram taxadas pelos governos ditatoriais como subversivas a ordem pública, espiãs, "comunistas", "terroristas", guerrilheiras, etc. 

Entre algumas comunidades espalhadas pela América, África e Ásia, ainda existe a prática do "estupro punitivo". Alguns casos ocorreram na Índia, China, Somália, Sudão, Tanzânia, Congo, onde mulheres que deveriam ter se mantido virgens para o casamento ou se relacionaram com homens os quais a família desaprovava, foram estupradas por ordem dos pais, como forma de punição. 


No que refere-se ao "estupro de correção", alguns maridos chegaram a fazer isso com suas esposas, como forma de "puni-las" por alguma "desobediência" ou "ofensa", e ao realizar tal crime, isso seria uma forma de levá-las a não cometer os supostos "erros" que levaram a tal correção (ou punição também). Alguns dos casos mais comuns hoje em dia de "estupro de correção", são de pais que cometem incesto ao estuprarem as próprias filhas por essas serem lésbicas. Segundo estes pais, através do estupro isso faria que suas "filhas gostassem de homens". No entanto, o "estupro corretivo" também pode ser realizado por outros homens, inclusive desconhecidos, os quais descobrindo que a vítima é homossexual, decidem agir. 



Protesto ocorrido em 2012, na África do Sul, protestando contra o "estupro corretivo" de lésbicas. 
Existe também o chamado "estupro de chantagem", sendo esse mais raro de ocorrer, mas o qual consiste em uma mulher ser chantageada a manter relações sexuais com o chantagista. E esse chantagista não precisa ser necessariamente ser uma pessoa desconhecida, pode até mesmo ser o ex-namorado ou ex-marido. A "vingança porno" e o slut-shaming são meios pelos quais o chantagista pode se valer para chantagear seu alvo. 

Em todos estes casos acima citados, a culpa pelo estupro era da vítima. A mulher não soube se defender durante uma guerra ou uma invasão; a mulher desrespeitou seu marido, por isso foi estuprada; a mulher deixou brechas para ser chantageada; a mulher foi tola em cair numa mentira e assim foi feita escrava do sexo; a mulher foi torturada por ter se manifestado contra o governo opressor; a mulher por ter escolhido ser lésbica, foi estuprada pelo pai. 


Tal fato de culpabilização da vítima é bastante antigo. Retrocedendo neste texto a parte sobre a história da cultura do estupro, basta ver novamente algumas leis que datam de mais de três mil anos atrás, para perceber que naquele tempo as mulheres já eram culpadas por terem sido estupradas. E tal condição se desenvolveu ao longo da História. 



“Ao pesquisar as mudanças nas sensibilidades quanto ao estupro na França, Vigarello (1998) comenta que o tratamento dado ao sexo não consentido entre os séculos XVI e XVIII ainda negava à mulher um status de sujeito: os crimes eram sempre estudados do ponto de vista do tutor legal delas, isto é, a agressão ao corpo da mulher não era levada em consideração, mas a violência contra a propriedade do seu responsável legal. Tratava-se de um ataque à honra do “proprietário” da mulher, geralmente o pai ou o marido; e não um ataque a ela enquanto pessoa. Assim, o estupro entra para a lei pela porta dos fundos: como um crime contra a propriedade cometido por homens contra homens, com o consentimento da mulher sempre colocado sob suspeita e o seu “defloramento” posto como a tônica da violação. O que estava em jogo, aí, era a “honra da família””. (ROST; VIEIRA, 2015, p. 263). 

Merril Smith (2004, p. xiv) cita dois casos ocorridos nos EUA no século XIX: em 1838, o caso People v. Abbott, ocorrido no estado de Nova York, foi publicado uma matéria na qual a esposa de um ministro o acusava de tê-la estuprado. Devido a ser uma figura pública influente e importante, considerado de boa reputação, a acusação não deu em nada. A esposa foi acusada de ser mentirosa e sensacionalista, por tentar comprometer a imagem do marido, um homem socialmente de respeito.  


Para completar tal caso, Smith (2004, p. xiv) prossegue dizendo que no ano de 1854, outro jornal nova-iorquino publicou o caso People v. Morrisson, em cuja matéria a corte judicial da cidade de Nova York declarou que as mulheres deveriam resistir a violência sexual com todas as suas forças. Caso ela não conseguisse resistir ou escapar do agressor, a culpa seria dela. E o ato não seria considerado estupro, pois foi ela quem falhou em se defender. 


Por mais que ambos os casos mencionados por Merril Smith tenham ocorrido no século XIX, ainda hoje, casos similares ocorrem. Por exemplo, existem algumas celebridades e políticos nos Estados Unidos, Itália, França e Inglaterra acusados de terem cometido estupro e até mesmo pedofilia, mas devido a sua influência e status social, nunca foram julgados por isso e os casos foram abafados. No Brasil, existem pastores também acusados de cometer estupro, mas nunca foram condenados por tal crime. 


Em 2012, uma série de estupros coletivos ocorreram na Índia, e as vítimas além de serem culpadas, foram também negligenciadas. Uma das vítimas, a qual acabou falecendo posteriormente devido a ferimentos, foi estuprada dentro de um ônibus. Os demais passageiros e o motorista foram totalmente negligentes com o ato. O estupro dessa estudante de fisioterapia levou uma série de protestos pelo país, e em 2013, o governo indiano endureceu as leis que punem o estupro, ainda assim, os índices de mulheres estupradas é muito alto e a prisão dos culpados é baixa. 



Protestos ocorridos em 2012 na Índia, pedindo justiça pela estudante vítima de estupro coletivo dentro de um ônibus. 
Se fizermos um paralelo com a cultura do estupro, a qual diz que a mulher deve resistir ao máximo e a culpa é dela, como dizer que uma mulher possa se defender de um estupro coletivo? Lutar contra três homens, cinco, dez ou mais? Em maio de 2016, no Brasil, tivemos o caso de uma adolescente, a qual foi para uma festa, então foi dopada e depois abusada e violentada por vários homens. Mesmo que ela estivesse em plenas capacidades físicas e mentais, como poderia resistir e lutar contra tanta gente?

Não obstante, os defensores da cultura do estupro, mesmo que se digam não defender tal cultura, ainda assim acabam difundindo seus jargões tendenciosos, um bem comum é dizer que a mulher estava "tentando" o homem. A mulher foi estuprada pois ela havia exibido o decote, cruzado a perna, dançado de forma sensual, feito algum gesto obsceno, piscado o olho, mandado um beijo, etc. Mesmo que isso ocorra não significa que ela tenha que ser estuprada. A mulher que age dessa forma pode estar de fato flertando com o homem, ou brincando, debochando ou atiçando ele, mas isso não justifica a agressão. 


f) abrandamento do crime de estupro e acobertamento do estuprador: 


A cultura do estupro tanto culpabiliza as vítimas, mas também propõem justificativas para inocentar ou acobertar os estupradores, seja legitimando o ato do estupro como um direito machista, ou um direito pautado em "tradições", ou defendendo um argumento natural de que o homem detém autoridade sobre a mulher e pode forçá-la ao sexo, ou alegar que o criminoso não teve culpa, pois tinha problemas mentais ou foi "tentado pela vítima". Em alguns casos a própria família do estuprador procura acobertar o ocorrido, mesmo sabendo que ele cometeu um crime grave. 


Para piorar a situação, a cultura do estupro influência a polícia e a justiça a desconfiar da vítima. Nos anos 70, Susan Brownmiller (1975, p. 175), analisando dados do FBI sobre crimes de estupro, constatou que naquela época, apenas 15% dos casos de estupro eram denunciados, destes casos denunciados, 51% dos agressores eram presos, dos quais 76% eram processados, porém 46% acabava sendo inocentado. Mesmo que se alegue que o número de processos fosse alto, tal valor era relativo apenas aos casos denunciados e que a polícia aceitava como verossímil, ou seja, apenas 15% na época. 


E hoje em dia a situação não é tão diferente assim. Em um estudo publicado nos Estados Unidos no ano de 2014, relatou que uma a cada cinco mulheres em universidades americanas foi vítima de algum tipo de abuso sexual. Mesmo que estas alunas tenham denunciado a direção da universidade ou a polícia, os agressores não são presos ou são inocentados das acusações. 


Sobre isso, o mesmo estudo intitulado Rape and Sexual Assault (2014, p. 2), salienta que algumas das vítimas não denunciam o crime (principalmente quando são estupradas por familiares, amigos ou conhecidos), e quando denunciam, existe uma certa relutância da polícia em considerar a denúncia: o estudo diz que mulheres que não possuem marcas de agressão, que falam de forma histérica ou que não lembram de detalhes do ocorrido, são vistas como escandalosas e possíveis mentirosas. No entanto, dificilmente uma mulher que acabou de ser estuprada conseguirá manter pleno juízo para depor. 


Não obstante, o estudo prossegue dizendo que o "kits de estupro", criados para ser realizar o exame de corpo de delito especificamente para esse tipo de crime, ainda estão ausentes em muitas delegacias dos Estados Unidos, e em alguns casos, os policiais nem sabem como usá-los. 


Todavia, mesmo o exame de corpo e delito, e a coleta de sêmen do agressor ainda assim não consistem em provas irrefutáveis aos olhos de alguns advogados, delegados e juízes como aponta a doutora em sociologia Daniella Coulouris, a qual em um artigo intitulado Violência, gênero e impunida: a construção da verdade nos casos de estupro (2004), assinalou o seguinte: 



“O exame de corpo de delito dificilmente chega a comprovar a existência de uma violência sexual. O perito pode até detectar a existência de esperma, pode inclusive confirmar se a vítima manteve relação sexual recente ou não, mas não pode precisar se a relação foi forçada ou consentida e muito menos afirmar se o acusado foi ou não o homem envolvido no ato sexual. Mesmo assim o exame não pode ser considerado apenas uma formalidade necessária para beneficiar a vítima, e que por carências técnicas não consegue. Inclusive encontramos casos em que o exame chega a atestar o fato e os processos foram arquivados da mesma forma. Um elemento que é importante e que quase nunca é mencionado, é que o exame pode vir a funcionar como uma espécie de “contra-prova” justamente por nada provar. Além disso, nos processos analisados o exame de lesão corporal não está necessariamente vinculado ao exame de conjunção carnal. Isto significa que o fato de haver ferimentos não caracteriza a violência sexual em si, o que pode ser exemplificado com a afirmação do juiz a respeito de um caso: “[ ...] tudo demonstrando que não houve estupro, os ferimentos levíssimos nela verificados são incompatíveis com uma reação firme da vítima, não se sabendo se as amarras lhe foram postas antes ou depois do ato sexual [...]” (prc.36/96)”. (COULOURIS, 2004, p. 1-2).  

Coulouris (2004, p. 8), aponta outro problema para tratar das acusações e condenações por estupro, a ideia de que o estuprador seria um homem naturalmente mal, corrompido e até mesmo com desequilíbrio mental. Tais características foram usadas na cultura do estupro, para tentar justificar o crime. Se algum homem estuprou uma ou mais mulheres é porque ele é de má índole, é um criminoso, um "doente", um "monstro". 


Desde os anos 70 pesquisas vêm sendo desenvolvidas para mostrar que os estupradores na maior parte das vezes são homens sem problemas mentais ou comportamentais (paranoia, sociopatia, psicopatia, depressão, maníacos, obsessivos), mas que possuem uma noção deturpada sobre respeito, violência, sexo, etc. Ou seja, os estupradores são homens psicologicamente e socialmente normais, os quais moralmente e eticamente não consideram o estupro um crime ou algo errado. 


Na Encyclopedia of Rape (2004), Merril Smith assinala que embora homens das mais distintas proveniências, condições financeiras, sociais, nacionalidades, credos, etc., possam ser estupradores, no entanto, ela concebe cinco categorias específicas de estupradores. 

  • Celebridades: homens famosos, geralmente atores, cantores, diretores, produtores, escritores, atletas, apresentadores, políticos, empresários, etc. Alguns desses homens usam sua influência e dinheiro para contratar modelos e prostitutas de luxo, mas alguns preferem usar a violência e praticam o estupro. Nos Estados Unidos existem casos de celebridades acusadas de cometerem estupro, mas nunca foram condenados por tais crimes. 
  • Clérigos: Smith considera essa uma categoria especial, pois envolve homens ligados a instituições religiosas, tendo como principal exemplo a Igreja Católica e igrejas evangélicas. A ideia de que padres e pastores por serem homens dedicados a religião, seriam incorruptíveis e não cometeriam crimes é ilusória. Desde os anos 80, denúncias de assédio sexual e pedofilia circulam contra padres, e no caso dos pastores, há casos de pastores nos Estados Unidos e Brasil acusados de assédio sexual e de estupro. Todavia, esses homens se escondem atrás de suas instituições. 
  • Pedófilos: outro caso particular de estupro, o qual incide sobre crianças, tanto do sexo feminino quanto do masculino. 
  • Estupradores em série: considerados por Smith bastante perigosos, pois possuem uma obsessão em praticar o estupro com regularidade, atacando várias mulheres. Tais homens além de praticarem vários estupros, tendem também a agir de forma sádica algumas vezes, e até mesmo coletar objetos pessoais das vítimas para guardar de lembrança, como se fossem troféus. Tal tipo de estuprador é considerado tendo problemas psicológicos, sendo um maníaco sexual. Smith os compara aos assassinos em série, por sua frieza e obsessão. 
  • Predador sexual: considerado por Smith como o tipo de estuprador mais perigoso. Ele se assemelha ao estuprador em série, por ser obsessivo e maníaco, no entanto, age de forma bem mais violenta. Os predadores sexuais são definidos tendo problemas mentais, os quais o levam a sociopatia e a psicopatia. Tal tipo de estuprador tende também a atacar homens, principalmente meninos (logo, age como um pedófilo também). Mas além de cometer abuso sexual e estupro, o predador sexual pode ser sádico, masoquista e na maioria das vezes assassina a vítima. 
Todavia, Merril Smith chama a atenção que mesmo casos graves como de pedofilia, de estupros em série e de torturas sexuais, ainda assim, os estupradores tendem a ser acobertados ou possuem a pena abrandada. Outro problema é que estupradores em série, pedófilos e predadores sexuais embora sejam mentalmente abalados, ainda assim, não perderam o juízo; eles tendem a ser bastante cautelosos. Não agem por impulso ao delinear um cenário favorável para cometer o crime. No caso dos estupradores em série e dos predadores sexuais, eles tendem a procurar, escolher e rastrear suas vítimas até finalmente estarem confortáveis para agir. Sendo assim, tais tipos de estupradores tendem a ser cautelosos para não serem descobertos. 

Por mais que alguns digam que a sociedade odeie estupradores, ainda assim eles são acobertados, são inocentados do crime, são protegidos por algumas autoridades (principalmente quando são homens ricos ou influentes), alguns são inocentados pela própria comunidade, a qual acusa a vítima de ter sido culpada. Outros defendem o estupro punitivo e alguns até mesmo desdenham da real gravidade desse termo e contexto, usando-o como piada. Não obstante, o fato de alguns compartilharem fotos ou vídeos de estupro, já revela a falta de empatia pela vítima. Isso é a representação da banalização da violência nas sociedades. 

Dados estatísticos:


Nessa parte final do texto, apresentarei alguns mapas estatísticos e gráficos com dados sobre alguns países ou do mundo, acerca da violência contra a mulher, assédio sexual, crimes de estupro e condenação dos estupradores, a fim de mostrar a realidade que vivemos hoje em dia.


Vejamos alguns índices brasileiros dos últimos quatro anos:


Gráfico de 2012, mostrando os estados com as maiores e menores taxas de estupro no Brasil. 
"As estatísticas de segurança pública no Brasil apontam que, em 2012, os casos de estupro superaram os de homicídios dolosos (ou seja, com intenção de matar), com 50.617 ocorrências contra 47.136 assassinatos.

Os dados integram o 7º Anuário Brasileiro de Segurança PúblicaDe acordo com o levantamento, os dois crimes tiveram crescimento ano passado em relação a 2011. Entretanto, o percentual de alta foi maior entre os casos de estupro: em 2012, com as 50.617 ocorrências, foram 26,1 estupros por grupo de 100 mil habitantes -- 18,17% a mais que em relação a 2011, quanto a taxa era de 22,1.


Já os homicídios dolosos cresceram 7,8% em 2012 em relação a 2011, de modo que a taxa subiu de 22,5 mortes por grupo de 100 mil habitantes para 24,3 ano passado". (Estupros no Brasil crescem e superam número de homicídios, 2013). 

No ano de 2013, o índice de estupros cometidos no Brasil, pelos quais se teve notícia de denúncia foi de 51.090 crimes. Ou seja, mais de 51 mil brasileiras foram estupradas em 2013. No ano de 2014 o índice caiu para 47.646, todavia, isso não foi um indicativo tão bom, pois os valores ainda são altos, além do fato de que o número de tentativas de estupro em relação a 2013 foi superior, pois enquanto em 2013 foram registradas 4.897 tentativas de estupro, em 2014, o valor subiu para 5.042 tentativas (ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2015, p. 36). 



“Estudos de diferentes países demonstram que o crime de estupro é aquele que apresenta a maior subnotificação e, como consequência, é muito difícil afirmar que há uma redução do fenômeno no Brasil. Para se ter uma ideia do que isso significa, o U.S. Department of Justice produziu estudo que verificou que, em 2010, apenas 35% das vítimas nos EUA reportaram o crime à polícia. Já o Instituto de Criminologia Australiano divulgou no "The Women’s Safety Survey" que 15% das vítimas de violência sexual australianas reportaram o incidente à polícia no período de 12 meses anterior à pesquisa. A Pesquisa Nacional de Vitimização (2013) verificou que, no Brasil, somente 7,5% das vítimas de violência sexual registram o crime na delegacia. A mais recente pesquisa do gênero, “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde”, produzida pelo IPEA, fala em 10% de casos notificados e estima que, no mínimo, 527 mil pessoas sejam estupradas por ano no país”. (ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2015, p. 116).


Mapa produzido pela United Nations on Drugs and Crime (UNODC), apresentando os índices gerais de crimes de estupro cometidos em referência a populações de 100 mil habitantes, no ano de 2010. Os países que estão em cinza no mapa, não significa que não tenha ocorrido casos, mas que estes não foram quantificados com segurança. 
Na realidade os números de tentativa de estupro e de estupro são bem maiores, pois nem todas as vítimas acabam denunciando tais crimes ou tentativas de crimes, principalmente as tentativas. Em 2014, apenas 10% a 15% das mulheres vítimas de estupro na América Latina e Caribe faziam denúncias de que foram estupradas ou sofreram alguma tentativa de abuso sexual (90% das mulheres estupradas não denunciam o agressor, 2014). 

Os motivos pelo baixo número de denúncias são muitos, dentre os quais:

  • Nervosismo 
  • Transtorno pós-traumático
  • Vergonha pessoal e social (aumentada quando a vítima engravida)
  • Medo
  • Humilhação
  • Ameaça do estuprador (principalmente quando ele é conhecido)
  • Falta de apoio da família em incentivar a vítima a denunciar
  • Negligência de testemunhas (as quais em vários casos se negam a comparecer para depor)
  • Ideia de que a justiça não irá conseguir capturar o agressor
  • Desconfiança da polícia
  • Falta de informação
  • Estigma de culpabilização própria, reflexo da cultura do estupro (a vítima se sente culpada, e isso acaba a levando ignorar o agressor)
Tais dados de denúncia sofrem grande variação quando os estupros são cometidos por pedófilos, pois nestes casos, as vítimas são ameaçadas a não denunciarem e nem falarem nada para as pessoas. Na maioria dos casos de pedofilia é a família que denuncia, pois a criança traumatizada e com medo, acaba não contando nada. Não obstante, o artigo também aponta que quando a mulher acaba engravidando, 70% delas vão a polícia denunciar, o porém, que isso ocorre semanas ou meses após a agressão, o que prejudica as investigações. No caso de estupro de homens, embora seja menos comum, o número de denúncias é praticamente inexistente. A cultura machista é uma forte afronta a ideia de masculinidade, logo, um homem dizer que foi estuprado, dificilmente ocorrerá. 

Outro problema que compromete as denúncias de estupro diz respeito quando o estuprador é conhecido. Diferente do que se pensa, dependendo do país, a maioria dos casos de estupro, a vítima conhecida o agressor. E isso é mais alarmante em casos de pedofilia, pois embora hoje alguns pedófilos usem a internet para se comunicar com crianças e até marcar para se encontrar, ainda assim, muitos casos de pedofilia de pessoas próximas (parentes, amigos, colegas, vizinhos, etc.)

Gráfico do UNDOC, mostrando o grau de proximidade entre vítima e estuprador, em casos ocorridos nos Estados Unidos, em 2011. De acordo com este gráfico, 46% dos estupradores eram homens pelos quais as vítimas estavam apaixonadas ou interessadas. 22% dos estupradores eram amigos das vítimas. 19% eram conhecidos, 9% eram os próprios maridos e apenas 4% eram estranhos. 
Devido ao fato de que muitas vítimas acabam não denunciando os agressores ou demoram para realizar a denúncia, além de que em alguns casos o agressor é conhecido, isso reduz ainda mais o número de estupradores acusados, processados e presos. 

De acordo com este gráfico produzido pelo Reporting Rates RAINN (Rape, Abuse & Incest National Network), apenas nos Estados Unidos entre 2010-2012, a cada 100 estupros denunciados, apenas 2 estupradores efetivamente eram presos. Isso é um dado alarmante. 
Vejamos alguns dados sobre o crime de tráfico de pessoas no mundo.
  • Em 2011, do total de milhões de vítimas de tráfico humano no mundo, 49% eram mulheres, mas se somarmos com as estatísticas do tráfico de meninas, esse valor sobe para 60%. Ainda de acordo com os dados, entre 2010-2012, cerca de 45% das mulheres vítimas do tráfico, acabavam se tornando prostitutas ou eram vendidas como escravas do sexo. Os valores dependendo da parte do mundo variam, no entanto, os índices mais altos são na Europa e Ásia Central, África e Oriente Médio, onde a porcentagem passa de 50%, ou seja, a cada 100 mulheres traficadas para os países destas regiões, metade será condicionada a prostituição forçada. (GLOTIP, 2014, p. 5).
  • Entre 2010-2012, 72% dos traficantes de pessoas eram homens, 28% mulheres. (GLOTIP, 2014, p. 10).
  • Entre 2010-2012, o maior índice de tráfico de crianças era direcionado para países africanos e asiáticos do Oriente Médio, marcando uma taxa de 66%. Por sua vez, a Europa e Ásia Central são as regiões que mais recebem adultos, 82% do total de pessoas traficadas. (GLOTIP, 2014, p. 11).
Gráfico comparando as formas de exploração sofridas por homens e mulheres vítimas do tráfico humano, entre 2010-2012. O grande interesse de se traficar mulheres é usá-las para a prostituição forçada e a escravidão sexual. Inclusive se considera que tanta a prostituição forçada, quanto a escravidão sexual são considerados crime de estupro, pois a mulher é coagida a ter relações sexuais, caso contrário ela pode ser assassinada. 
No que se refere aos crimes de pedofilia, estes são mais comuns do que se imagina. Em 2015 no Brasil, 11,9% das mulheres chegaram ao SUS (Sistema Único de Saúde), devido a ferimentos causados por abuso sexual. Destes 11,9%, 29% foram meninas até 11 anos, vítimas de pedofilia. Os dados de 2015 também assinalam que de um total de 23.630 casos de abuso sexual, os quais as mulheres foram atendidas no SUS, 7.920 era meninas até 11 anos, e 9.256 era adolescentes entre 12 e 17 anos, o que revela que mais da metade das vítimas de abuso sexual no Brasil, atendidas pelo SUS, em 2015, eram mulheres menores de idade. (WAISELFISZ, 2015, p. 50). 

O estudo também acentua que mais de 75% das meninas até 11 anos, são agredidas dentro de casa, no caso dos meninos o valor também é alto, ficando em 68%. Aqui considera-se os mais variados tipos de agressão, todavia, os dados nos mostram que a maioria das vítimas de estupro, foram estupradas dentro de casa e por conhecidos. (WAISELFISZ, 2015, p. 51). 

Em reportagem dada em 2015, o advogado Ernie Allen, fundador do International Centre for Missing & Exploited Children (ICMC), uma das maiores instituições de combate a violência infantil e a exploração de crianças, em entrevista a BBC Brasil, alertou acerca dos dados alarmantes sobre o aumento da pornografia infantil, a qual é um dos fatores de motivação ao estupro e a pedofilia. 


Campanha brasileira de combate a violência infantil.
"A internet mudou o mundo e isto é fantástico. Com ela as crianças podem aprender, se divertir e entrar em contato com pessoas com os mesmos interesses", argumenta. "O lado negativo é a enorme exposição de menores de idade a imagens de conteúdo adulto, a comportamentos de agressão verbal e bullying, à pornografia, além da proliferação de crimes como roubo de identidade, uso inapropriado de dados pessoais, tráfico de armas, venda de drogas e redes de pedofilia."

Em 2002, o ICMEC criou um um sistema para tentar identificar as vítimas de pedofilia retratadas em imagens que circulam na rede. Segundo Allen, no primeiro ano de atividade, o centro recebeu cerca de 60 mil fotografias. Em 2014, o serviço recebeu mais de 24 milhões de imagens, entre fotos e vídeos. "E não estamos falando de fotografias com crianças em toalha de banho. Mais de 80% das imagens retratam a penetração sexual das vítimas."

O grande inimigo da segurança na rede, de acordo com o especialista, é o anonimato. "Sou advogado e defendo a liberdade de expressão e o direito à privacidade, mas considero o anonimato absoluto na internet um desastre".

Mapa do mundo mostrando os países que adotam normas internacionais de legislação de combate a pornografia infantil. Em azul os países que as leis são precárias, e em vermelho, os países que não possuem leis específicas para o combate a pornografia infantil. Fonte: ICMC, 2015. Lembrando que toda pornografia infantil é abuso sexual, e quando exibe relações sexuais, é estupro. 
Considerações finais: 

Após este texto espero que aqueles que diziam que a cultura do estupro nunca existiu, que não existe, que é uma invenção de feministas radicais, de moralistas, etc., repensem sua opinião. A cultura do estupro existe há milênios, é algo sério e grave, e profundamente impregnado nas sociedades do mundo. Tão marcante, que ainda hoje ela está viva e bem presente, adaptando-se ao desenvolvimento das sociedades e das tecnologias, contradizendo o avanço das leis e dos direitos humanos desenvolvidos ao longo do século XX, e das conquistas legais alcançadas pelas mulheres nos últimos 150 anos. 


Para combater a cultura do estupro não basta apenas endurecer as leis que punem o estupro, pois como visto, ainda hoje o número de denúncias é baixo, e o número de estupradores é ínfimo, e a situação piora, quando se trata de casos de pedofilia e de estupros cometidos por homens conhecidos. Tornar as penas mais severas é remediar o problema, pois além das dificuldades apontadas, há também a hipocrisia e negligência da sociedade em acobertar os agressores, abrandar suas penas e culpabilizar as vítimas. Além disso, há o fato de que muitos estupradores dificilmente conseguem ser pegos. 



A sociedade ensina: "não seja estuprada", ao invés de ensinar "não estupre". 
Para se combater a cultura do estupro e a violência contra mulher no geral, é preciso prevenir e não remediar. Alguns propostas para isso são:
  • Tornar mais rigorosa a fiscalização de conteúdos que circulam na internet, que incentivam a violência contra a mulher, seja sexual ou de outras formas, de maneira que a polícia consiga identificar os responsáveis pela produção de tais conteúdos e aqueles que os divulgam, e assim possam prendê-los por crime de incitação a violência;
  • Tornar mais rigorosa a fiscalização de conteúdos pornográficos que banalização o assédio sexual, a violência e o estupro, a fim de retirar estes conteúdos e punir seus autores e divulgadores;
  • Combater a pornografia infantil;
  • Educar desde o nível escolar fundamental, as crianças para que desenvolvam noções de ajuda, respeito, companheirismo, solidariedade;
  • Instrução moral e cívica para ensinar a real gravidade da violência e do crime;
  • Cobrar dos pais ou responsáveis pelas crianças e adolescentes, atenção na educação comportamental delas;
  • Combater a cultura do estupro no dia a dia, com campanhas, propagandas, conferências, palestras, etc., incentivando os homens e mulheres deixarem de difundir discursos machistas e sexistas, os quais colaboram com a cultura do estupro;
  • Melhorar o treinamento dos policiais para atender vítimas de estupro;
  • Conscientizar a população que acobertamento de estupradores é crime. Que a negligência é desumana;
  • Tornar a aplicação das leis mais justas, a fim de combater os estupradores que usam sua influência e dinheiro para escapar da cadeia;
  • Fornecer amparo psicológico as vítimas de estupro, além de suporte médico para caso a vítima tenha engravidado e/ou contraído doenças sexuais;
  • Promover a educação sexual de adolescentes, incentivando a terem mais pudor, cuidado e responsabilidade consigo e com o próximo. 
  • Conscientizar a população em não ser omissa, mas denunciar sites, blogs, perfis de redes sociais, conteúdos, etc., os quais promovem a cultura do estupro em seus diversos aspectos. 
A cultura do estupro é nociva, hipócrita, odiosa e ela mata.

Em distintos países do mundo, existem meios através de telefones, sites, etc., para se denunciar a polícia e a justiça conteúdos pornográficos inapropriados, pornografia infantil, violência, homofobia, racismo, xenofobismo, intolerância religiosa, abuso sexual, tráfico de pessoas, etc. Procure por tais meios e denuncie. A denúncia pode ser anônima, mas não use seu anonimato para ser negligente. Ajude a salvar vidas e a combater tais crimes.


NOTA: A história em quadrinhos Homem-Aranha & Gata Negra: O mal no coração dos homens (2002-2006), escrita por Kevin Smith e Terry Dodson, em como um dos temas polêmicos abordados na trama, a questão do estupro. Na história, alguns personagens foram estuprados. Não obstante, na história os estupros foram cometidos por pessoas conhecidas, e um deles foi na universidade. 

NOTA 2: The hunting ground (2015) é um documentário estadunidense o qual denuncia os altos índices de estupros nas universidades americanas, ao mesmo tempo em que procura incentivar as vítimas a não ficarem em silêncio e não terem medo de denunciar os estupradores, os quais em geral são homens conhecidos. 
NOTA 3: O livro The Warriors - Os Selvagens da Noite (1965) de Sol Yurick, narra a história de gangues de rua na cidade de Nova York. Apesar do livro ter gerado um filme que foi lançado em 1979, a trama do filme em vários aspectos é bem diferente. O livro é bem mais pesado, tenso e violento, por retratar espancamento até a morte, consumo de drogas, sexo explícito e dois estupros coletivos. No filme os produtores e optaram e amenizar a violência, focando apenas nas lutas, deixando de fora os estupros, uso de drogas e o homicídio. 
NOTA 4: O orfanato religioso escocês Smyllum Park Orphanage (1864-1981), apesar de ter sido fechado em 1981, nos últimos anos vem sendo alvos de denúncias de crimes de estupro, violência física e psicológica, maus tratos etc. 

Referências bibliográficas: 
ANUÁRIO Brasileiro de Segurança Pública, ano 9, 2015. São Paulo, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2015. 
ARENDT, Hannah. Da Violência. Tradução de Maria Cláudia Drummond. Brasilia, Editora da UnB, 1985. 
BROWNMILLER, Susan. Against our Will: men, women and rape. New York, Fawcett Columbine, 1975. 
BURKE, Peter. O que é história cultural? Tradução de Sérgio Goes de Paula. 2a ed. Rio de Janeiro, Zahar, 2008. 
CAIRES, Mariana de Sousa. A mídia do estupro: análise de notícias sobre violência sexual durante o mês de maio de 2015. Revista Anagrama, ano 10, vol. 1, p. 1-15, jan./jun. 2016. 
COULOURIS, Daniella Georges. Violência, gênero, e impunidade: a construção da verdade nos casos de estupro. Anais do XVII Encontro Regional de História - O lugar da História. ANPUH-SP-UNICAMP, Campinas, 6 a 10 de dezembro de 2004. Cd-rom. 
FARIA, Fernanda Cupolillo Miana de; ARAÚJO, Júlia Silveira de; JORGE, Mariana Ferreira. Caiu na rede é porn: pornografia de vingança, violência de gênero e exposição da "intimidade". Contemporânea, Comunicação e Cultura, v. 13, n. 3, p. 659-677, set/dez, 2015. 
GLOBAL Report on trafficking in persons, 2014. United States, New York, 2014. 
RAPE and Sexual Assault: a renewed call to action. Washington D.C, White House Council on Women and Girls, 2014. 
ROST, Mariana; VIEIRA, Miriam Steffen. Convenções de gênero e violência sexual: a cultura do estupro no ciberespaço. Contemporânea, comunicação e cultura, v. 13, n. 2, p. 261-276, maio/ago. 2015.   
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionários de conceitos históricos. 2a ed. São Paulo, Contexto, 2009. 
SMITH, Merril D (editor). Encyclopedia of Rape. London, Greenwood Press, 2004. 
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2015: Homicídios de mulheres no Brasil. Brasília, ONU/OPAS/OMS, 2015. 

Referências da internet: 
12 músicas que reproduzem machismo e violência contra a mulher. Disponível em: https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/12-musicas-que-reproduzem-machismo-e-violencia-contra-a-mulher/. 8 de março de 2016. 
70% das vítimas são crianças e adolescentes: sete dados sobre estupro no Brasil. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36401054. 27 de maio de 2016. 
90% das mulheres estupradas não denunciam agressor, diz especialista. Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2014-04-25/90-das-mulheres-estupradas-nao-denunciam-agressor-diz-especialista.html. 25 de abril de 2015. 
CAMPANHA pressiona poder público pelo fim da violência sexual contra crianças. Disponível em:http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2017-02-19/criancas.html. 19 de fevereiro de 2017. 
COSTA, Camila. Cultura machista faz com que vítimas de estupro não reconheçam violência, diz psicóloga. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36402034. 30 de maio de 2016. 
DESCRÉDITO e exigências de provas físicas: 5 obstáculos enfrentados por mulheres vítimas de estupro. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36414224. 30 de maio de 2016. 
ESTUPRADAS, agredidas e vendidas: meninas relatam abusos nas mãos do El. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150715_abuso_iazidi_ebc. 16 de julho de 2015. 
O ESTUPRO coletivo que chocou a Índia e mudou a lei. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/internacional-36400156. 27 de maio de 2016. 
ESTUPROS no Brasil crescem e superam número de homicídios, revela estudo. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/11/04/estupros-no-brasil-crescem-e-superam-numero-de-homicidios-revela-estudo.htm. 04 de novembro de 2013. 
MCEWAN, Melissa. Rape Culture 101. Disponível em: http://www.shakesville.com/2009/10/rape-culture-101.html. 09 de outubro de 2009.
O MÉDICO excomungado por aborto de menina de 9 anos vítima de estupro. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36402029. 27 de maio de 2016. 
MÚSICAS, que promovem violência contra a mulher serão denunciadas pelo aplicativo Shazam. Disponível em: http://www.tudocelular.com/android/noticias/n72078/shazam-campanha-violencia-mulher.html. 18 de maio de 2016.
PAI gera revolta ao dizer que filho condenado por estupro pagará "preço alto" por "ato de 20 minutos". Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/internacional-36464212. 6 de junho 2016. 
PONTO de vista: "Revolta contra estupro coletivo ainda fecha os olhos para a violência sexual mais comum no Brasil". Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36401058. 27 de maio de 2016.  
RELATÓRIO denúncia o uso de estupro como técnica de interrogação no México. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/internacional-36649479. 28 de junho de 2016. 
SUICÍDIO de vítima de "pornô de vingança" choca a Itália. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/internacional-37383852. 16 de setembro de 2016. 

LINKS:
Rape, Abuse & Incest National Network
International Centre for Missing & Exploited Children
ONU Mulheres
UN Women
The Hunting Ground - documentary