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Leandro Vilar

quarta-feira, 6 de julho de 2016

A Ditadura Militar Brasileira (1964-1985) foi realmente uma ditadura?

Em tempos de crise política no Brasil, vi e li várias pessoas - o que incluiu alguns intelectuais como historiadores - os quais alegaram que a Ditadura Militar brasileira não foi uma ditadura de fato, mas apenas um regime militar com algumas "restrições". Essas mesmas pessoas também alegaram que a Ditadura não foi algo ruim, a qual foi uma época de segurança, desenvolvimento econômico, investimentos na infra-estrutura, estradas, setor energético, educação, etc. Alegaram que as pessoas que foram perseguidas, presas, torturadas e mortas, eram todos "comunistas" e guerrilheiros, os quais "tentavam" derrubar o governo militar e instalar um "governo comunista". 

Essas mesmas pessoas em alguns casos, defenderam que não houve perseguição, nem tortura ou assassinato, que isso teria sido tudo invenção da oposição para manchar a imagem do regime militar. Alegaram também que numa ditadura não há direito a democracia, e essa seria regida por um único governante, e pelo fato que no Brasil houve oito governantes e eleições para vereadores, deputados e prefeitos, isso não teria sido uma ditadura. 

Diante de tais comentários, visivelmente as pessoas que comentaram isso nunca leram nada a respeito do que seria uma ditadura, ou se leram, não devem ter prestado atenção na leitura ou se recusam a reconhecer tal fato. 

Já vi filósofos, historiadores, sociólogos, etc., dizerem que os historiadores devem procurar serem imparciais, mas como estamos falando de humanos, dificilmente isso tende a ocorrer. Ainda assim, independente de que posição política e econômica um historiador escolher, ele não pode ficar cego para sua escolha. Seja um historiador que defenda regimes militares ou que defenda regimes socialistas, uma coisa é certa: se foi (ou for) uma ditadura, que seja necessário dizer que sim. Por mais que isso possa desagradá-lo, possa ir de encontro aos seus princípios, ideologias e preceitos, não podemos negar a realidade.

Já vi pessoas chamarem governos democráticos de ditatoriais e governos ditatoriais de democráticos. Sendo assim, a proposta deste texto é apresentar os fundamentos teóricos do que seria uma ditadura, e com isso delinear suas características pelas quais as usaremos para analisar o caso da Ditadura Militar Brasileira, além de tomar outros exemplos para fazer contraponto e interlocução. Ao término desse texto espero que possamos chegar a uma conclusão ou conclusões, as quais confirmem ou refutem a minha pergunta título. 



1) Origem do conceito de ditadura: 

A palavra ditadura é bastante antiga, existe há mais de dois mil anos e é de origem latina, dictatura. A chamada ditadura romana ou ditadura constitucional, era algo bem diferente de hoje em dia. Na concepção do direito romano da época da República (509-27 a.C), ditadura consistia num cargo político o qual os dois cônsules o concediam em caráter de urgência, a um homem capacitado (geralmente político e/ou militar), o qual por um prazo determinado, passaria a deter grande autoridade. 



“A Ditadura romana era um órgão extraordinário que poderia ser ativado conforme processos e dentro de limites constitucionalmente definidos, para fazer frente a uma situação de emergência. O ditador era nomeado por um ou por ambos os cônsules, em conseqüência de uma proposta do Senado, ao qual cabia julgar se a situação de perigo fazia realmente necessário o recurso à Ditadura. O cônsul não podia autonomear-se ditador, nem este último podia declarar o estado de emergência. O fim para o qual se nomeava um ditador era claramente definido e o ditador a ele deveria ater-se. Geralmente, tratava-se da condução de uma guerra (dictatura rei gerendae causa), ou da solução de uma crise interna (dictatura seditionis sedandae et rei gerendae causa). Os poderes do ditador eram muito amplos: exercia o pleno comando militar; os cônsules eram a ele subordinados; seus atos não eram submetidos à intercessio dos tribunos; gozava do jus edicendi e, durante o período no qual exercia o cargo, seus decretos tinham o valor de lei; e, finalmente, contra suas sentenças penais, o cidadão não podia apelar. Assim mesmo, não eram poderes ilimitados. O ditador não podia revogar ou mudar a Constituição, declarar a guerra, impor novos ônus fiscais aos cidadãos romanos, assim como não tinha competência na jurisdição civil”. (grifos meu) (STOPPINO, 1998, p. 368). 

Para evitar que os poderes outorgados na ditadura pudessem ser abusados e levar a corrupção daquele que detinha a ditadura, ela era limitada a no máximo seis meses de duração. O filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) ao comentar acerca da ditadura romana em seu famoso livro Do Contrato Social (1762), salientou que se tratava de uma medida urgente e ousada, principalmente utilizada no começo da República, época que o Estado republicano ainda era imaturo e não estava consolidado. Todavia, a ditadura romana foi empregada de forma recorrente entre os séculos V a.C ao III a.C, depois passou décadas suspensas até retornar no século I a.C. 


Para Rousseau (2009, p. 140), limitar em seis meses, era uma medida de segurança para evitar abusos e levar ao surgimento de uma tirania. Lembrando que inicialmente a ditadura não possuía uma regulamentação definitiva. Todavia, os cargos públicos tinham em geral duração de um a dois anos. O que significava que um ditador não passaria muito tempo no poder. 


Todavia, houve casos que o "ditador" passou mais tempo que deveria, como no governo de Lúcio Cornélio Sula, o qual governou como ditador em 82 a.C, mas extrapolou os seis meses. O segundo caso é mais conhecido, foi do general Caio Júlio César, nomeado em 48 a.C, ditador, mas acabou permanecendo até 44 a.C, quando foi assassinado durante uma conspiração tramada por alguns dos senadores. 



Busto de Caio Júlio César (100-44 a.C). Militar, político, estadista e advogado romano, governou de forma ditatorial durante quatro anos. César geralmente confundido de forma errônea como tendo sido um imperador, na verdade foi um dos mais notórios ditadores da república romana. 
No entanto, o governo de quase quatro anos de Júlio César levou anos depois a criação do conceito Cesarismo, o qual passou a designar um tipo de ditadura.


“O termo Cesarismo tem sua origem histórica no regime instaurado na Roma antiga por Caio Júlio César. A idéia de um poder forte, que soubesse desvincular-se dos interesses dos grupos e dos indivíduos e aliar-se estreitamente ao exército com o fim de articular uma política equilibrada que correspondesse mais aos interesses globais da comunidade, se apresenta repetidas vezes na literatura medieval e moderna”. (GUARNIERI, 1998, p. 159-160). 

2) Conceitos atuais de ditadura: 

Aqui nos encontramos no penúltimo ponto de estudo desse trabalho. Após ver o conceito original de ditadura, e outros conceitos que se aproximam de governos ditatoriais, embora que haja ditaduras autoritárias ou totalitárias, veremos outros conceitos que caracterizam em termos gerais o que seria um regime ditatorial, podendo ser este de origem civil, militar, hereditária, burocrática, etc. Para isso, optei dividir os conceitos de acordo com alguns estudiosos selecionados. 


Ditadura segundo o Dicionário de Conceitos Históricos: 


De acordo com os autores do dicionário (SILVA; SILVA, 2009, p. 106), poderia-se classificar três tipos de ditaduras:

  1. ditadura simples, na qual o poder é exercido por um ditador que se baseia nos meios tradicionais de coerção da sociedade pelo Estado, que são a política, a burocracia, o exército e o judiciário. Nessa categoria estão os ditadores do Terceiro Mundo no século XX, como Idi Amin em Uganda, Papa Doc no Haiti e Pol Pot no Cambodja. Tais ditadores, por controlarem países pobres, precisaram basear seu poder, sobretudo na coerção policial, e não criaram meios de manipulação de opinião muito sofisticados. 
  2. A segunda categoria de ditadura é a chamada “cesarista” ou “bonapartista”, na qual o poder do ditador vem principalmente do apoio popular. Tal poder depende do carisma do político e pode ser exemplificado nas ditaduras latino-americanas do século XX, como a de Getúlio Vargas no Brasil e a de Perón na Argentina
  3. O último tipo de ditadura é o totalitário, em que um partido controla o Estado, utilizando também o apoio popular. Esse é o caso das ditaduras da Europa no século XX, o fascismo italiano, o nazismo alemão e o stalinismo soviético.
Para os autores do dicionário, ditaduras seriam formas de governo surgidos geralmente a partir de golpes de Estado, mas apresentados como uma "via legal" para se instaurar os novos governantes, fosse este o representante de um único partido ou de um conjunto de partidos, ou um chefe militar, supostamente apartidário, alegando que estes governantes estariam promovendo a "restauração" ou uma "revolução" política para melhorar o país. 


“Apesar de existirem diferentes formas de ditadura no mundo contemporâneo, algumas características básicas são compartilhadas por todas: o cerceamento de direitos políticos e individuais, a ampla utilização da força pelo Estado contra sua própria sociedade e o fortalecimento do poder executivo em detrimento dos outros poderes”. (SILVA; SILVA, 2009, p. 108). 

Ditadura segundo Mario Stoppino:


O cientista político italiano Mario Stoppino escreveu acerca da história dos governos opressores, autoritários, totalitários, ditatoriais, despóticos, tirânicos, etc., apresentando distintas características para tais formas de governo, mas no que se refere aos governos ditatoriais, embora ele reconheça a existência de especificidades para distintas ditaduras, ainda assim, ele apontava algumas características comuns para as ditaduras. 



“Na "Ditadura revolucionária", portanto, o poder ditatorial não é apenas um poder concentrado e absoluto, tal como ocorre tanto na Ditadura romana como na moderna; ele, além disso, se instaura de fato e não suporta limites preestabelecidos, como só acontece na Ditadura moderna. Acrescente-se que a "Ditadura revolucionária" prenuncia outra característica possível da Ditadura moderna: o poder não estava necessariamente nas mãos de um só homem (o ditador), podia também estar nas mãos de um grupo (uma convenção, uma assembléia, um partido revolucionário). [...]. O ponto em que a "Ditadura revolucionária" parece ainda divergir da moderna e aproximar-se mais da romana é seu caráter temporário, sua limitação no tempo. Mas, em primeiro lugar, é de notar que tal caráter temporário não está mais garantido ab externo pela Constituição, mas assenta na vontade mutável do próprio grupo revolucionário: neste sentido, também há Ditaduras modernas que se autoproclamam inicialmente como temporárias, para depois permanecer de forma mais ou menos duradoura. É de observar, em segundo lugar, que mesmo nas Ditaduras modernas que não proclamam sua temporariedade existe um traço peculiar que, de algum modo, evoca um caráter temporário: a debilidade ou precariedade das regras de sucessão no poder. (STOPPINO, 1998, p. 370). 

“A Ditadura apresenta, preferivelmente, uma ruptura da tradição. Instala-se utilizando a mobilização política de uma grande parte da sociedade, ao mesmo tempo que subjuga com a violência uma outra parte. E não pode garantir sua continuidade, de modo ordenado e regular, nem com o processo democrático, de que é a negação, nem com o princípio hereditário, que contrasta com as condições políticas objetivas e com sua pretensão de representar os interesses do povo. Daí o caráter precário das regras de sucessão no poder”. (STOPPINO, 1998, p. 371). 

Para Stoppino, a tirania grega consistia numa forma de governo que assemelha-se em alguns aspectos as ditaduras do século XX, as quais ele chama de "ditaduras modernas". 


“Tal como as Ditaduras modernas, as tiranias gregas nasciam, geralmente, das crises e da desagregação de uma democracia ou de um regime político tradicional, no qual surgia a ampliação do interesse e da participação política. Tal como o ditador moderno, o tirano não era um monarca legítimo, mas sim o chefe de uma facção política, que impunha com a força o próprio poder a todos os outros partidos. Da mesma forma que os ditadores modernos, os tiranos exerciam um comando arbitrário e ilimitado, recorrendo amplamente a instrumentos coercitivos. Com o tempo, todavia, o conceito de tirania transformou-se, afastando-se em parte do seu sentido originário e dando maior ênfase à maneira cada vez mais exclusiva de exercer o poder”. (grifos meu), (STOPPINO, 1998, p. 371). 

Stoppino prossegue apontando três características básicas para definir governos ditatoriais modernos:
  • Concentração do poder: numa ditadura, os poderes de comando e de mando estão concentrados num único homem (o ditador), ou numa oligarquia de comandantes, generais, políticos, etc. Tais homens passam a estar acima das leis, a modificarem ou alterarem a Constituição em benefício próprio. O Poder Executivo se sobrepõe aos poderes Legislativo e Judiciário, o que permite o ditador ou ditadores agirem sem necessidade de consulta ou consentimento de um Parlamento, Senado, Câmaras, Assembleias ou da própria população. As leis são alteradas para ampliar e justificar a autoridade do governo ditatorial, assim como, permitir que ele use de meios lícitos ou ilícitos para controlar a população e a oposição política. 
  • “O Governo ditatorial não é refreado pela lei, coloca-se acima dela e transforma em lei a própria vontade. Mesmo quando são mantidas ou introduzidas normas que resguardam nominalmente os direitos de liberdade, ou limitam de outra forma o poder do Governo, estas normas jurídicas são apenas um véu exterior, com escassa ou nenhuma eficácia real, que o Governo ditatorial pode ignorar com discrição mais ou menos absoluta, recorrendo a outras leis que contradizem as primeiras ou que criam exceções, utilizando poderosos organismos políticos subtraídos ao direito comum ou invocando diretamente pretensos princípios superiores que guiam a ação do Governo e que prevalecem sobre qualquer lei”. (grifos meu), (STOPPINO, 1998, p. 373). 
  • Fundo social e político: os governos ditatoriais normalmente surgem a partir de períodos de crise econômica e política, onde o povo abalado, deprimido e revoltado acaba sendo manipulado por um ou mais homens que se valem do contexto, para promover mudanças, revoltas, revoluções, e consequentemente ele ou o seu grupo, acabam alcançando o poder, e passam a alegar que vão trazer melhorias ao país. Stoppino (1998, p. 373-374) assinala, que as ditaduras modernas podem ocorrer tanto em países bastante industrializados e desenvolvidos economicamente e socialmente, mas também em países "em desenvolvimento" ou "subdesenvolvidos". Ele salienta que em alguns casos as propostas eram boas e nobres, mas a alcançarem o poder, tais homens eram corrompidos. 
  • Problema de legitimação do poder: um dos grandes problemas nas ditaduras é perpetuar seu regime autoritário ou totalitário de forma que o povo não encontre meios de derrubar o governo. No caso das ditaduras de um único líder como o Nazismo e o Fascismo, com a morte de seus ditadores, os governos ditatoriais foram derrubados, embora adeptos e seguidores tenham migrado para a clandestinidade. No caso de Stalin e de Mao Tsé-tung, após a suas mortes, as ditaduras continuaram, pois outros líderes assumiram. No caso das ditaduras militares na América Latina, havia sucessão de cargo. Alguns ditadores eram nomeados para permanecerem tantos anos no poder, então eram sucedidos por outros. No caso da Coreia do Norte e de Cuba, vemos um caso particular de ditadura hereditária. Fidel renunciou ao governo em 2008, mas passou o comando para seu irmão Raúl Castro. Já na Coreia do Norte, pai, filho e neto governam o país sucessivamente desde os anos 50. 
  • “Partem também deste princípio todos os artifícios que as Ditaduras adotam para mostrar que detêm a anuência do povo: desde os plebiscitos às grandes reuniões de massa em contato direto com o chefe e com seus representantes, até chegar à imposição capilar e coercitiva da aceitação entusiástica do regime por toda a população. Assistimos então a uma espécie de democracia subvertida, onde o povo é forçado a manifestar uma completa adesão à orientação política do ditador, a fim de que este possa proclamar que sua ação apóia-se na vontade popular. Todas estas técnicas, porém, não conferem à Ditadura a legitimidade democrática, porque não podem eliminar o fato crucial de que a autoridade política é transmitida do alto para baixo, e não vice-versa. Mesmo quando prescindimos de certas Ditaduras de pura exploração, consideradas radicalmente ilegítimas, a legitimação popular dos Governos ditatoriais parece sempre incerta e ambígua”. (grifos meu), (STOPPINO, 1998, p. 374). 
Os três generais da Ditadura Argentina (1966-1973). Da esquerda para a direita: Juan Carlos Ongania, Marcelo Levingston, Alejandro Lanusse. 
Ditadura segundo Norberto Bobbio: 


O filósofo, historiador, cientista político e senador italiano Norberto Bobbio (1909-2004), escreveu distintas obras abordando a política na teoria e na prática, entre alguns de seus trabalhos, ele abordou a democracia e a ditadura. Sendo assim, vejamos algumas de suas percepções para o que seriam governos ditatoriais. 

Em seu livro Democracia e Ditadura (1989, p. 162-163), Bobbio defende que as ditaduras podem ser exercidas apenas por um homem (o ditador), ou por um conjunto de ditadores ou por instituições, sendo essas militares, civis, jurídicas, etc. Ele comenta o caso de que Napoleão em seu mandato como cônsul, exercia um poder ditatorial, mas usava a instituição do Consulado (1799-1804) para isso. Maximiliem de Robespierre fez o mesmo entre 1793 e 1795, ao se apossar do Comitê de Segurança Pública, durante a Revolução Francesa (1789-1799). Em ambos os casos, Napoleão e Robespierre foram "eleitos" para assumir cargos públicos, mas acabaram abusando de sua autoridade, instaurando governos autoritários. 

Porém, havia diferenças. Napoleão teria promovido seu governo com base na força militar, pois era um respeitado e temido general, algo que Bobbio aponta como alguns dizerem que se tratava de uma "ditadura militar". Por sua vez, Robespierre alegava estar defendendo a "revolução" (uma "ditadura revolucionária"), e agia de acordo com os preceitos civis (embora que os jacobinos tenham suspendido a Constituição de 1793 e proposto uma revisão dessa, em 1795). Uma coisa evidente é que tanto Napoleão quanto Robespierre não escondiam sua opinião de que para poder retornar a França a sua estabilidade, usariam a força para isso. 

Bobbio (1989, p. 164-166) também salienta que algumas ditaduras surgiram com caráter de revolução, daí a origem do termo "ditadura revolucionária". Algumas ditaduras chamadas de revolucionárias ocorreram na França, Alemanha, Rússia, China, Coreia do Norte, Cuba, Venezuela, Chile, Argentina e Brasil, e alegavam serem legais, não usurpações do poder. Em tais países os ditadores e seus partidos ou instituições, alegavam terem assumido o poder, para impedir golpes de Estado, para solucionar crises econômicas, políticas, sociais; para combater regimes políticos decadentes, e assim, eles se apresentavam como instauradores de uma nova ordem, de mudanças que levariam o país para melhor. De início, alegavam que a intervenção seria momentânea, mas acabavam permanecendo anos ou décadas no governo. 


Propaganda chinesa do governo de Mao Tsé-tung (1945-1976), mostrando o povo unido sob os preceitos das ideias do proletariado. É importante mencionar que Mao como outros líderes ditos comunistas, alteraram as ideais originais sobre socialismo, comunismo e até do marxismo. 
Norberto Bobbio em seu livro O futuro da democracia (1986) aponta que teóricos franceses, ingleses e alemães nos séculos XVIII e XIX, em parte defendiam a instauração de "ditaduras temporárias" para reorganizar o país. O problema apontado por ele é que essa temporalidade não era respeitada. Aqueles que assumiam o poder, não tardavam a serem corrompidos e abusar dele, perpetuando-se como ditadores. No entanto, ele ressalvava que algumas ditaduras foram mais brandas e outras foram mais opressoras. Para ele, o Fascismo foi menos radical e sangrento que o Nazismo, mas isso não o desqualifica como tendo sido uma ditadura.  

“Que a ditadura soberana, ou constituinte, seja exercida por um indivíduo, como César ou Napoleão, ou por um grupo político, como os jacobinos ou os bolcheviques, ou ainda por uma classe inteira conforme a concepção marxista do estado, definido como ditadura da burguesia ou do proletariado, não altera nada quanto à natureza do governo ditatorial como governo no qual o homem ou os homens se contrapõem à supremacia das leis transmitidas. O que pode mudar é o seu significado axiológico: geralmente positivo com respeito à ditadura comissária; ora positivo ora negativo com respeito à ditadura constituinte, segundo as diversas interpretações — a ditadura jacobina e a ditadura bolchevique, ora exaltadas ora vituperadas”. (grifo meu), (BOBBIO, 1985, p. 168). 

Escrevendo a partir da segunda metade do século XX, Bobbio reconhecia que ditaduras temporárias eram inviáveis, não seriam uma solução sábia, pois a História mostrava que onde se tentou isso, as consequências não foram boas. Talvez as únicas exceções tenham ocorrido na Antiguidade, com a ditadura romana, pois aquela era autorizada, limitada e fiscalizada, embora que alguns ditadores como Sula e César tenham se excedido no cargo.


Josef Stalin (1878-1951) em fotografia de 1945. Governou com mãos de ferro a Rússia e a União Soviética de 1924 a 1953. 
No livro Igualdade e Liberdade (1993, p. 140-141), Bobbio salienta que os Estados totalitários surgidos no século XX, após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), eram atualizações do despotismo aplicado a monarquias e repúblicas do século anterior. A diferença é que enquanto monarquias despóticas e repúblicas despóticas eram reconhecidos legalmente, os governos totalitários assumiam o controle como "ditaduras revolucionárias" ou golpes de Estado, e instauravam governos de exceção e opressão

Bobbio reconhecia que nem toda ditadura era totalitária, mas ainda assim, as ditaduras não totalitaristas possuíam características em comum, como o fato de restringir os direitos civis e jurídicos dos cidadãos; censurar e controlar os meios de comunicação; incentivar o militarismo ou restringir o acesso da população as armas; criar instituições e polícias para espionar e punir opositores, etc. 

Ditadura segundo Carl Schmitt: 

O jurista, filósofo político e professor alemão Carl Schmitt (1888-1985) publicou um importante livro chamado Ditadura (1921), obra que serviu de referência a vários autores por longos anos, além do fato de que até o fim da vida, ele atualizou seu trabalho. Na sua obra, Schmitt reconhecida dois tipos de ditaduras: a ditadura comissária, a qual era pautada principalmente na concepção do filósofo francês Jean Bodin, que viveu no século XVI. 

Por sua vez, seu conceito se aproximava da ditadura romana, pois Schmitt defendia a ideia de que em alguns casos, a Constituição deveria ter uma lei que autorizasse um "Estado de exceção", no qual um "ditador" autorizado e limitado pela lei, pudesse agir. Por outro lado, o seu segundo tipo era a ditadura soberana, a qual ele reconhecia como um governo ilegítimo, autoritário e opressor. 

Neste caso, devido ao conceito de ditadura comissária ser próximo de ditadura romana, não abordarei o assunto, mas tratarei das noções dadas por Schmitt quanto as ditaduras soberanas, as quais ele argumentou que se espalharam pelo mundo no século XX. 

Para Carl Schmitt (2013, p. 117), enquanto a ditadura comissionada seria autorizada pelo Estado, a ditadura soberana seria uma usurpação, na qual um líder legalmente eleito ou golpista assumiria o poder, com caráter provisório, mas acabava perpetrando-se no poder indefinitivamente e até mesmo permitindo que sucessores fossem eleitos para dar continuidade aquela política. 


Schmitt toma como exemplo, os casos de Oliver Cromwell (1599-1658), nobre, militar e político inglês que na época da crise parlamentarista, mobilizou um golpe de Estado e foi eleito Lorde Protetor do chamado Protetorado, um governo temporário até que a monarquia parlamentarista fosse restabelecida. O outro exemplo é o já conhecido de Napoleão Bonaparte, o qual em 1799 participou do Golpe de 18 de Brumário, o qual destituiu o Diretório (1795-1799) e convocou eleições para um Consulado, as quais foram fraudadas para que Napoleão vencesse. 



Retrato de Oliver Cromwell (1599-1658), comandante militar e membro da Câmara dos Lordes, o qual usou sua influência no Exército e na política, para ser proclamado Lorde Protetor da Inglaterra, e posteriormente tentou abolir a monarquia e instaurar uma república, a qual acabou se tornando uma breve ditadura. 
Schmitt (2013, p. 118) salienta que as ditaduras eram medidas de auto-defesa, ou seja, elas não eram apenas medidas de ação, mas também de reação. Muitos dos ditadores que deram início a ditaduras ou foram sucessores de outros ditadores, em geral alegavam que estavam fazendo aquilo para combater problemas internos e externos, assim eles alegavam que a forma de poder "salvar" o país era assumindo o controle e agindo de forma enérgica e autoritária para por tudo em ordem. 

Não obstante, enquanto numa ditadura comissária, o ditador estava submisso a Constituição, numa ditadura soberana o ditador poderia se opor a Constituição e até mesmo estar acima dela. Nesse ponto Schmitt (2013, p. 119-120) apontava uma ambiguidade no discurso ditatorial: alegavam estar servindo a Constituição do país, no intuito de legitimar sua permanência no poder e seus atos, mas agiam sem depender ou obedecê-la e em alguns casos até mesmo a suspendiam e criavam outra, como ocorreu em 1793 e 1804 na França, em 1934, 1937 e 1967 no Brasil.
 


Ditadura segundo Zevedei Barbu: 


Para Zevedei Barbu (2002, p. 117-120) as ditaduras poderiam ser pautadas em um único líder, o qual em geral representava-se como chefe de um partido, como Hitler e o Nazismo, Mussolini e o Fascismo, Stalin e o Partido Comunista. Em tais ditaduras imperavam uma centralização do poder não propriamente nas mãos do partido, mas nas mãos do ditador, chegando até mesmo a se desenvolver uma idolatria ao líder, algo principalmente visível com Hitler e Mussolini, os quais usavam os títulos de Führer e Duce, respectivamente. Nessas ditaduras também imperavam ideologias nacionalistas, políticas e de outras crenças, além de haver uma forte ou não militarização do país, devido a tendência expansionistas. 


Por exemplo, o Nazismo construiu uma forte ideologia nacionalista pautada no mito da "raça ariana", a qual alegava que os alemãs pertenceriam a uma "raça" superior, e por causa disso deveriam governar as "raças" inferiores. No Fascismo, Mussolini procurou resgatar a glória do Império Romano. No Stalinismo, Josef Stalin deturpou a doutrina comunista e alegava estar plantando as bases da reforma proletária. Não obstante, Zabre (2002, p. 140-141) assinala que na maioria das ditaduras, o governante ou governantes procuram realizar reformas econômicas, políticas, sociais, culturais, etc., pelas quais promovem seus governos, usando isso como propaganda política para ocultar seus crimes e desfeitas, mas também como forma de proporcionar uma justificativa para que continuem no poder. 



Propaganda nazista mostrando Adolf Hitler como o grande líder e responsável por guiar a Alemanha no caminho de glória. 
O fato de Hitler ter retirado a economia alemã de um marasmo do período entre guerras, foi bem recebido pela população alemã. O fato de Fidel Castro ter derrubado o ditador Fulgêncio Batista e restaurado a independência de Cuba, foi um grande ato para a história do país, mas o problema que para cada boa ação, outras dez más ações eram ocultadas. 

Ditadura segundo Paul Brooker: 


Paul Brooker em seu livro Defiant Dictatorships (1997), aponta que as ditaduras não são monarquias e nem democracias, mas são governos com características próprias, as quais tendem a permitir uma ilusória sensação democrática, por permitir que eleições ainda continuem a serem realizadas, por não retirarem completamente o direito de sufrágio da população, por permitir que partidos políticos ainda continuam a existir (isso em países que não foram dominados por um único partido). 



Brooker (1997, p. 1) também prossegue defendendo que em países regidos por ditaduras, o governo ditatorial se não terminasse com a morte do ditador, era passado para sucessores nomeados diretamente por ele ou por seu partido ou instituição. Neste caso, as ditaduras socialistas e as ditaduras militares são dois bons exemplos de como os partidos socialistas e as forças armadas perpetravam seus regimes autoritários, nomeando em reuniões privadas aqueles que dariam continuidade a tal regime. 

Paul Brooker (1997, p. 4) assinala que algumas das principais causas que permitiam a instauração de ditaduras eram três: 

  • a) problemas nas relações externas, como no caso da transição do colonialismo para a independência em alguns países africanos, no que resultou na origem de guerras civis, as quais foram usadas por alguns generais para tomar o poder; 
  • b) estruturas políticas e ideologias, neste caso, a política em crise ou a implementação de ideologias, foram meios pelos quais alguns ditadores alcançaram o poder, como no caso de Saddam Hussein (1937-2006), o qual foi eleito presidente em 1979, mas acabou usurpando o poder e manteve-se como ditador até 2003. Hussheim defendeu a implantação do nacionalismo árabe, mas de vertente sunita, combatendo os xiitas e a etnia dos curdos. Também difundiu reformas sociais e culturais conservadoras e defendia uma política externa militarista e expansionista. 
  • c) políticas econômicas, as quais durante o auge da Guerra Fria (1945-1991) nos anos 60 e 70, levaram a expansão da União Soviética (URSS) sobre o leste europeu e a Ásia Central. A Alemanha é um caso bem interessante, pois o icônico Muro de Berlim começou a ser construído nessa época, separando a Berlim Ocidental de viés capitalista, da Berlim Oriental de viés socialista. O modelo político-econômico foi um dos fatores para essa separação. 
Ditadura segundo Daron Acemoglu e James Robison:

Autores do livro Economic origins of Dictatorship and Democracy (2006), os dois estudiosos defendem que os governos ditatoriais seriam governo não-democráticos, no sentido de não serem verdadeiras democracias, mas sim governos que através da limitação do sufrágio, alegavam serem democráticos. 



Para Acemoglu e Robison (2006, p. 118) numa democracia, o cidadão possui o direito de votar em qualquer candidato apto, votar em branco ou votar nulo, e até mesmo ser candidato. Num governo não-democrático, o sufrágio é restringido apenas para se eleger determinados cargos e em alguns casos, até mesmo se suspendem a votação pública, passando esta ser realizada internante por congressos, assembleias, câmaras, grupos, etc. Além disso, as pessoas que podem ser candidatas, estão restritas a se candidatarem, havendo motivos impostos ou legais para censurar campanhas e candidatos. Existe também a tendência de se limitar a quantidade de partidos, onde em casos radicais, reduz-se a apenas um partido. Os autores citam os casos de Ruanda, do Brasil e do Congo, países que vivenciaram governos não-democráticos. 

Além da restrição do voto e da candidatura, Acemoglu e Robison (2006, p. 118-119) apontam outros motivos como: a concentração da economia sob um determinado grupo, o qual está diretamente ligado ao Estado. A limitação das políticas econômicas para favorecerem apenas a elite. O combate a oposição política, seja essa proveniente de outros partidos ou da própria população militante. Restrição dos direitos civis. Políticas voltadas para a elite, excluindo-se ou marginalizando as minorias, pois na teoria a democracia é um governo do povo, pelo povo, para o povo. E o "povo" é formado pelas maiorias e minorias. Criação de polícias especiais para fiscalizar, monitorar, censurar, investigar, vigiar e punir os "subversivos", sobre isso, os autores apontam que tal fato ocorreu na Argentina, Brasil, Venezuela e em outras ditaduras da América Latina. 



Ditadura segundo Gene Sharp: 

Em seu livro From dictatorship to democracy (2010, p. 2), Sharp trabalha com a perspectiva de definir países livres, parcialmente livres e não-livres. De acordo com sua pesquisa, no ano de 2008, 34% da população mundial, na época estimada em 6,68 bilhões de seres humanos, o que significava que pelo menos 2,271 bilhões de pessoas viviam em Estados "não-livres", ou seja, viviam em países governados por ditaduras, tiranias, políticas autoritárias ou intervencionismo estrangeiro. 


Gene Sharp assinala que na História ouve tanto ditaduras de esquerda como o Nazismo e as ditaduras socialistas/comunistas e ditaduras de direita como o Fascismo e várias das ditaduras militares. A ideia de que as ditaduras de esquerda foram mais severas do que as de direita não é uma verdade plena, pois houve casos de várias ditaduras militares na América Latina e na África que mataram milhares. Alguns podem alegar que somente os nazistas, soviéticos e chineses tenham exterminado milhões, de fato isso é verdade, mas o que torna uma ditadura severa não é apenas a quantidade de mortos, mas várias outras de suas características. 


Sharp (2010, p. 6-8) assinala que nas ditaduras o direito ao voto e os direitos civis são restritos e até mesmo removidos dos cidadãos. Em alguns casos, aqueles que tendem a se opor aos regimes ditatoriais ou partem para auto-exílio ou são forçados a serem exilados, ou são perseguidos, presos e mortos. Outro aspecto é que se convencionou-se em alguns países no século XX, a chamar os opositores dos regimes ditatoriais pela expressão terroristas, desordeiros, rebeldes, revoltosos, guerrilheiros, subversivos, etc., várias expressões para ser referir a aqueles que protestavam pacificamente ou com o uso da força e da violência, mas todos eram taxados como inimigos do Estado. Inclusive as ditaduras promoveram campanhas para tornar atos de protesto como escandalosos e criminosos, como forma de se levar a população a não se rebelar e a se posicionar contrário a aqueles que se rebelavam


Para Sharp (2010, p. 8) a demora de alguns países em se livrarem de suas ditaduras, algo que começou a aumentar nos anos 80 e 90 deveu-se a falta de união entre a população, em se apoiar as alas militantes. Essa falta de apoio pode ser explicado de distintas formas: medo da opressão gerada pelo Estado; desconfiança de que as manifestações ou outros tipos de ações dariam certo; opinião de que os manifestantes eram criminosos, ou comunistas (na América Latina, foi comum considerar que os manifestantes fossem adeptos do comunismo) ou anarquistas; alguns achavam que apenas pela luta armada conseguiria-se derrubar o governo. 


Ditadura segundo Jennifer Gandhi:


Após revisar o desenvolvimento do conceito de ditadura desde a Antiguidade com os romanos, Jennifer Gandhi em seu livro Political Institutions under Dictatorship (2008) decidiu reavaliar o conceito de ditadura, partindo da análise das instituições políticas. Para Gandhi (2008, p. 8-10), alguns conceitos de ditadura são minimalistas, pois reduzem-se a noção de que um governo ditatorial seria um governo que restringe a democracia e onde o ditador ou ditadores abusam do poder. Para ela, deve-se ampliar este escopo. As instituições políticas republicanas e democráticas não são totalmente abolidas numa ditadura, no entanto, são subjugadas pelo poder Executivo, este concentrado nas mãos do ditador. 


Essas instituições não dizem respeito apenas as assembleias, concelhos, câmaras, senados, parlamentos, tribunais, ministérios, mas também as forças armadas, universidades, bancos, secretárias, departamentos, centros de pesquisa, laboratórios, escolas, hospitais, etc., tudo que esteja sob domínio público e também em alguns casos sob o domínio privado (mas que mantenha relações diretas com o Estado), passa a ser influenciado pelo regime ditatorial o qual pode ser um regime militar em ditaduras militares ou um regime civil e ditaduras civis. 


Para Jennifer Gandhi (2008, p. 9) restringir o sufrágio não define uma ditadura, pois em alguns países as mulheres ainda são proibidas de votar ou de se candidatar a cargos públicos. Além disso, em outros países o voto não é obrigatório, além do fato de haver casos que as eleições são restritas e necessariamente isso não os torna ditaduras. Por outro lado, Gandhi chama a atenção para uma inversão neste caso. Em ditaduras, o ditador não está suscetível as leis, inclusive ele pode alterá-las (em alguns casos ao seu bel-prazer), e em outros casos ele pode suprimir as estâncias políticas e jurídicas, e atuar como promotor, juiz, júri e carrasco como nos casos de Josef Stalin e Muammar al-Gadaffi. Para Gandhi isso seriam características contundentes para definir uma ditadura.



Jennifer Gandhi (2008, p. 10) ainda prossegue apontando outro aspecto acerca das ditaduras, nestes governos o povo não apenas perde o direito de voto, mas também restringe-se a atuação das instituições democráticas (câmaras, assembleias, parlamento, senado), pois o ditador passa a não necessitar da aprovação de tais instituições para realizar mudanças, aprovar decretos, medidas, leis, etc. Inclusive a política econômica, social e cultural também não passa a ser votada e nem verificada, pois o ditador detém autoridade para fazer isso e até mesmo fechar os órgãos públicos.

Um terceiro aspecto (GANDHI, 2008, p. 16-18) sobre as ditaduras é que elas negam a si mesmo, ou seja, o ditador não se refere a si como ditador, mas como presidente; um tirano, não se referi a si como tirano, mas como rei (ou título monárquico similar). Porém há casos nos quais os ditadores adotam títulos. Idi Amim de Uganda, chegou a se autoproclamar-se "Rei da Escócia"; Al-Gadaffi adotou por vários anos o título de "Líder da Revolução", Hitler adotou o título de Führer ("líder, chefe, guia, condutor"); Mussolini passou a ser referido como Il Duce ("líder"). 


Um governo ditatorial não se refere a si como ditatorial, mas como republicano, democrático, monárquico, parlamentarista, revolucionário, etc. Por exemplo, a Ditadura Argentina foi chamada por si de "Revolução Argentina". Mao Tsé-tung quando assumiu o poder em 1949, rebatizou o nome do país de República da China para República Popular da China, e na nova constituição aprovada em 1954, lia-se a seguinte frase pela qual se referia ao atual governo: "uma ditadura democrática popular". Adolf Hitler passou a chamar a Alemanha de Terceiro Reich ("Terceiro Império ou Terceiro Reinado") e a partir de 1943, de Grande Reich Alemão (Großdeutsche Reich). 



Caso os meios de comunicação usassem termos como ditadura, ditador, autoritarismo, totalitarismo, etc., eram imediatamente censurados. A censura da informação, do ensino e do conhecimento, foi algo que fez parte dos governos ditatoriais, assim como, a pregação de doutrinas nacionalistas, ideológicas sociais, políticas, culturais e religiosas. 

3) Estudo de caso: a ditadura militar brasileira:


Após ver essa série de comentários e descrições do que seriam ditaduras, passaremos para a etapa final deste trabalho, a qual tratou-se de aplicar tais conceitos e definições ao caso brasileiro, a fim de averiguar se existe respaldo no que foi dito ao longo do texto, como forma de concluir se o regime militar brasileiro entre 1964 a 1985 foi uma ditadura ou não. 


Para facilitar essa análise, farei a interpretação de forma pontual, neste caso, com base na lista abaixo de principais características acerca dos governos ditatoriais, iremos analisar ponto por ponto sua correlação com o caso brasileiro. Recapitulemos as principais características:

  • Supressão de parte do direito ao sufrágio; 
  • Supressão de instituições públicas;
  • Supressão da autonomia de órgãos públicos ligados ao poder Executivo, Legislativo e Judiciário;
  • Concentração excessiva de autoridade nas mãos do ditador; 
  • Manutenção de governos ditatoriais através da escolha de sucessores;
  • Emprego de ideias nacionalistas ou de outros tipos de ideologias;
  • Emprego da força para coerção, vigilância, punição, investigação e execução;
  • Combate a movimentos opositores;
  • Negação de crimes como violência, sequestro, cárcere ilegal, trabalho escravo, tortura e assassinato;
  • Censura aos meios de comunicação e ao ensino;
  • Suspensão arbitrária de direitos civis e políticos;
  • Argumento de que se tratava de um governo revolucionário, justo e verdadeiramente democrático;
  • Argumento de que se combateu um golpe de Estado, ou se evitou uma invasão, ou uma crise. 
  • Alegação que o governo revolucionário era para "salvar" o país;
  • Argumento de que seria uma intervenção temporária;
  • Propaganda política para exaltar o governo e acobertar falhas e crimes;
  • Propaganda de tornar a oposição em terroristas, rebeldes, criminosos;
Diante de tais pontos podemos iniciar a análise, sendo que alguns destes pontos se correlacionam, podendo ser trabalhados no mesmo tópico. 

1) Uma "revolução" para barrar o "golpe comunista": 


Ainda hoje há pessoas que acreditam que havia um complô "comunista" que com o apoio dos cubanos e dos soviéticos pretendiam tomar o país. O fato do presidente João Goulart (1961-1964) ter viajado à China, para tratar de negócios econômicos (até hoje o Brasil possui acordos econômicos com os chineses), e de ter feito uma parceria com uma universidade russa para intercâmbio (algo que se manteve até 1968), foi visto com suspeita, pois acreditava-se que o então presidente estava comungando com os comunistas.


O problema é que os partidos comunistas brasileiros, o PCB (Partido Comunista Brasileiro) e o PCdoB (Partido Comunista do Brasil) estavam divididos entre si, possuíam poucos membros, poucos militantes e grande parte da população nem sabia o que era o comunismo. Logo, dizer que havia um grande complô é algo que carece de fundamento, pois enquanto na Rússia e na China, a população, principalmente a classe trabalhadora e membros do exército, receberam instrução quanto as propostas socialistas e comunistas, além de ter havido líderes bastante ativos como Lenin, Trotsky, Stalin e Mao, no Brasil não havia isso. 
Mesmo que alguns possam dizer que líderes guerrilheiros como Marighela e Lamarca tiveram influência, ainda assim, foi uma influência diminuta. 


“Para a doutrina da Escola Superior de Guerra, a ameaça (comunista) vinha não da invasão externa, mas dos sindicatos trabalhistas de esquerda, dos intelectuais, das organizações de trabalhadores rurais, do clero e dos estudantes e professores universitários. Todas essas categorias representavam séria ameaça para o país e por isso teriam que ser todas elas neutralizadas ou extirpadas através de ações decisivas”. Estavam de acordo com essas ações decisivas os membros que compunham o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Conselho Superior das classes produtoras (CONCLAP) que vão desenvolver e divulgar, juntamente com setores militares, a necessidade de moderação nas reformas político-econômicas em nome de uma responsabilidade democrática que serviria como uma espécie de subsídio para o suposto ideário de democracia que o regime militar se debateria para elaborar no seu intento de construir sua legitimidade, no intento de construir sua legitimidade. O IPES, por exemplo, ajudava a sedimentar os pilares de uma suposta responsabilidade democrática ao divulgar que seu objetivo era contribuir para a “educação cultural, moral e cívica dos indivíduos” no sentido de contribuir para o “progresso econômico, o bem-estar social e o fortalecimento do regime democrático do Brasil””. (grifos meu), (REZENDE, 2013, p. 66-67). 

Os defensores dessa conspiração alegam que os cubanos e os russos haviam implementado através do "marxismo cultural" os ideários e planos para uma revolução comunista no Brasil. Espalhando esses planos pelas universidades, ligas camponesas e sindicatos. Até hoje há carência de evidências sobre que planos seriam estes. Não se sabem se realmente existiram de fato, como chegaram ao Brasil e como eram "distribuídos". Por outro lado, os apoiadores dessa teoria, também apontam que os cubanos e soviéticos teriam enviado dinheiro e até armamento para se formar guerrilhas brasileiras. Novamente as evidências sobre isso são praticamente existentes. 

Não obstante, mesmo que tenha havido essa pretensão para se formar guerrilhas brasileiras, isso teria sido suficiente para confrontar as Forças Armadas brasileiras? Em geral os adeptos dessa conspiração usam o caso cubano como referência, lembrando que os Castro e Che Guevara comandaram guerrilhas para tomar o controle de Cuba. Mas na arte da guerra é preciso ter mais cautela antes de sair afirmando coisas. Cuba é uma pequena ilha com 110.160 km2, já o Brasil é um país continental com seus 8.515.767 km2, uma diferença colossal. O uso de guerrilhas em Cuba era favorável pelas dimensões do território e a quantidade do exército local. 

Mas, as Forças Armadas brasileiras em 1964, eram centenas de vezes superiores a dos cubanos, sem contar que táticas de guerrilha usadas em Cuba, não surtiriam o mesmo efeito no Brasil, devido a sua grande dimensão e a quantidade de policiais e soldados para defendê-lo. Sendo assim, se houvesse pretensão para um golpe comunista naquele tempo, escolher a tática de guerrilha era tolice. O modelo russo e chinês eram os que deveriam ser considerados para tal intento, já que Rússia e China apresentam territórios enormes, inclusive maiores do que o Brasil, é uma grande quantidade populacional e de contingente militar e policial. Mas aqui esbarramos em outro problema que em geral os conspiracionistas de 1964, deixam de fora: na Rússia e na China a tática para impor uma revolução comunista foi diferente do caso cubano. 

Os russos e chineses levaram anos para criar uma estrutura de conscientização de parte da sociedade, civil e militar, urbana e rural, para depois poder pôr em prática a revolução ou golpe de Estado. No caso do Brasil isso não existia. Ideias comunistas, socialistas e marxistas eram difundidas por e para uma pequena parcela da população; não havia uma conscientização dos trabalhadores rurais e urbanos quanto a promover uma revolução, em geral eles pensavam mais em questões sindicais necessárias para o momento. Por outro lado, também não havia adesão de alas das Forças Armadas a tais ideias, diferente do que ocorreu na Rússia e na China, onde alas do Exército e da Marinha defendiam ideários socialistas e até cogitavam a luta armada. Militares brasileiros que fossem simpatizantes dessas ideias, eram rechaçados, perseguidos e até banidos da corporação. 

Diante desses comentários breves, observa-se que a sustentação de um golpe comunista no Brasil em 1964, tem vários problemas. Se desconhece documentação que sustente as pretensões desse suposto golpe, e mesmo que haja documentos que apresentem planos para o mesmo, a operacionalidade tática era ineficaz ou inexistente. Mas apresentado esses comentários, passemos para comentar outro aspecto desse primeiro ponto: a ideia de um contra-golpe, ou como ficou mais conhecido na época "a revolução de 1964". 

De qualquer forma, lembrando o que foi dito por Stoppino (1998), Bobbio (1989, 1993), Gandhi (2008) e Schmitt (2013), as chamadas "ditaduras revolucionárias" eram governos interventores os quais assumiam o controle do Estado, alegando que estavam "protegendo" a nação contra ameaças internas ou externas; que estavam fazendo isso para sanar crises políticas, econômicas, sociais, etc. Que estavam combatendo governos corruptos e decadentes, a fim de implantar uma nova ordem, uma revolução. Defendiam estarem agindo com base na Constituição, obedecendo suas leis e decretos. 


Vejamos o que documentos da época revelam a respeito. O primeiro consiste no Ato Institucional número 1 (AI-1), primeiro documento oficial aprovado pelo regime militar interino, em 9 de abril de 1964, oito dias após as tropas do exército terem ocupado o Rio de Janeiro, onde se encontrava o presidente em serviço. 



"É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro. O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução.

A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação.

A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória.

Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o único titular. O Ato Institucional que é hoje editado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em nome da revolução que se tornou vitoriosa com o apoio da Nação na sua quase totalidade, se destina a assegurar ao novo governo a ser instituído, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa Pátria.

A revolução vitoriosa necessita de se institucionalizar e se apressa pela sua institucionalização a limitar os plenos poderes de que efetivamente dispõe.

O presente Ato institucional só poderia ser editado pela revolução vitoriosa, representada pelos Comandos em Chefe das três Armas que respondem, no momento, pela realização dos objetivos revolucionários, cuja frustração estão decididas a impedir. Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo, que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País.

Destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do Poder no exclusivo interesse do País. Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte relativa aos poderes do Presidente da República, a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas.

Para reduzir ainda mais os plenos poderes de que se acha investida a revolução vitoriosa, resolvemos, igualmente, manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes, constantes do presente Ato Institucional.

Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação.


Em nome da revolução vitoriosa, e no intuito de consolidar a sua vitória, de maneira a assegurar a realização dos seus objetivos e garantir ao País um governo capaz de atender aos anseios do povo brasileiro, o Comando Supremo da Revolução, representado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica resolve editar o seguinte". (grifos meu) (Preâmbulo do AI-1, 9 de abril de 1964). 

O AI-1 era formado por onze artigos os quais deliberavam principalmente diretrizes para o presidente interino até que a próxima eleição presidencial, a qual foi marcada para 5 de outubro de 1965, pudesse ocorrer. Ao ler a introdução do AI-1 notamos em vários momentos nos quais foram grifados por mim, a tentativa dos militares legitimarem o discurso que estavam fazendo aquilo para proteger e salvar o país. Em vários momentos eles nem chegam a usar o termo intervenção, mas já falavam de uma "revolução vitoriosa", e que foi realizada com "o interesse e vontade da Nação". O problema é que a Nação não sabia que um golpe comunista estava supostamente em andamento, e tão pouco estava ciente de sua ameaça, como é que pode-se dizer que a "revolução" foi feita com base no interesse nacional ou do povo? A não ser que nacional e povo, se referissem ao Estado, ou alas do Estado. 


Por outro lado, o AI-1 afirmava mais de uma vez, que com base no Poder Constituinte, aquela revolução estava sendo executada e legitimada. Em termos gerais, o Poder Constituinte é o direito pelo qual se cria, modifica, revisa e revoga uma Constituição. Porém, num governo de Estado de Direito legítimo, uma Constituinte deve ser votada e aprovada para ter suas atividades iniciadas. Em 1964, o golpe ocorreu na madrugada de 31 de março, mas no dia 9 de abril já se falava em revolução legitimada pelo Poder Constituinte? No próprio AI-1 o documento informava que a revolução detinha por si só, esse direito constituinte e se legitimava por si mesma. Pois ele também declarava que a constituinte era expressada pelo sufrágio popular ou por uma revolução, então eles adotaram o segundo caso, já que não houve um sufrágio, plebiscito ou consulta pública para deliberar se a intervenção militar - chamada de revolucionária - deve-se ocorrer. Posteriormente o AI-1 informava que o Poder Constituinte era direito do Povo, o qual estava sendo exercido pelos revolucionários, e emanava apenas do Povo, não devendo nenhuma justificativa ao Congresso. 

O ponto final do parágrafo anterior é interessante. Os ditos revolucionários tomaram o poder de surpresa, aprovaram em menos de 10 dias, um novo presidente interino, em uma eleição fechada, mesmo que legalmente já estivesse um presidente interino tendo tomado posse; anunciaram um novo governo alegando apoio popular e constitucional, mas sem ter consentimento da população e sem ter que prestar contas ao Congresso, o qual não teve tempo de avaliar tudo isso. Mas pelo contrário, a promulgação do AI-1 servia de documento que legitimava a dita "revolução", como estava escrito nele. No tocante a tudo isso, uma ressalva interessante deve ser feita: os  alegados revolucionários diziam que se fundamentavam na Constituição de 1946, para terem deposto João Goulart e iniciado o governo revolucionário interino para salvaguardar o país. 

No documento do AI-1 está escrito que os "meios legais constitucionais foram ineficazes" para barrar a suposta "ameaça comunista", logo, as Forças Armadas decidiram "intervir" por conta própria, pois era seu dever de fazer isso. Pela Constituição de 1946, o artigo 177 diz que as Forças Armadas devem assegurar a lei, a ordem e os poderes constitucionais da nação. Porém, o artigo 176 diz que as Forças Armadas não poderiam agir sem prestar conta ao Presidente da República, que por direito era autoridade suprema e tinha a obrigação de dirigir o Conselho de Segurança Nacional, para deliberar sobre ameaças internas e externas ao país. Isso é ditado no artigo 179. Ora, se os militares em 1964 alegavam ter evidências de um golpe comunista em andamento, que estava contando com o apoio do presidente João Goulart, por que não houve a convocação do Conselho de Segurança Nacional? 

Alguns leitores poderão alegar que como era de responsabilidade do presidente dirigir o Conselho de Segurança Nacional, sendo ele um criminoso ou conspirador, não teria feito isso, para não autoincriminar-se. No entanto, a lei não dizia que era de competência do presidente convocar o Conselho, mas de dirigi-lo. Sendo assim, o Conselho poderia ter sido convocado pelo Congresso Nacional e as Forças Armadas para analisar denúncia de conspiração contra João Goulart. Não obstante, o artigo 179 também informava no inciso 1, que na condição do Presidente da República não poder dirigir o conselho, ele deveria delegar um substituto para isso. Entretanto, o Conselho nunca foi convocado para deliberar as supostas acusações que os militares alegavam ter contra Goulart.

Por outro lado, também era dever da Câmara dos Deputados analisar denúncias de abuso de poder ou uso indevido do cargo e função política atribuídos ao Presidente da República, como declarado no artigo 88 da Constituição de 1946. Caso a Câmara por avaliação e votação decidisse abrir investigação contra o presidente, esse deveria ser afastado de suas funções, e dependendo do crime que era acusado, ele seria investigado pelo Supremo Tribunal Federal ou o Senado Federal

À vista disso, o presidente tendo sido indiciado, seria acusado mediante a Lei N. 1079, de 10 de abril de 1950, que complementava os artigos 88 e 89 da Constituição de 1946. Dentre as acusações que o presidente poderia ser acusado em 1964, com base na legislação, estavam as seguintes: 
  • Art. 5º São crimes de responsabilidade contra a existência política da União:
  • 1 - entreter, direta ou indiretamente, inteligência com governo estrangeiro, provocando-o a fazer guerra ou cometer hostilidade contra a República, prometer-lhe assistência ou favor, ou dar-lhe qualquer auxílio nos preparativos ou planos de guerra contra a República;
  • 2 - tentar, diretamente e por fatos, submeter a União ou algum dos Estados ou Territórios a domínio estrangeiro, ou dela separar qualquer Estado ou porção do território nacional;
  • 4 - revelar negócios políticos ou militares, que devam ser mantidos secretos a bem da defesa da segurança externa ou dos interesses da Nação;
  • 5 - auxiliar, por qualquer modo, nação inimiga a fazer a guerra ou a cometer hostilidade contra a República;
  • 6 - celebrar tratados, convenções ou ajustes que comprometam a dignidade da Nação.

As supostas acusações que os militares em 1964 tinham contra João Goulart, de ele estar tramando com os cubanos, soviéticos e talvez chineses, para promover uma "revolução comunista" ou um "golpe comunista" no Brasil, entravam de concordância com o que poderia ser denunciado mediante o artigo 5, da Lei N. 1079. Entretanto, nunca houve um processo desse tipo contra ele, naquela época. Ora, isso é demasiadamente bastante estranho. Se João Goulart era suspeito de conspiração contra a União e a Nação, por que não houve uma abertura de investigação pelo Congresso ou pelo Conselho Nacional de Segurança? E se não houve essa tentativa legal de investigar as acusações contra o presidente, como é que os militares podiam afirmar no AI-1 que a lei foi ineficaz? Se não houve tentativa de aplicá-la? 

Ainda mais estranho de não ter havido essas tentativas legais de investigar as supostas acusações contra Goulart, foi o fato de tropas do Exército terem se mobilizado de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, sem autorização do presidente, como dita o artigo 87 da Constituição. E sem consentimento do Conselho de Segurança Nacional. Não obstante, as tropas mobilizadas só poderiam se descolar de um estado ao outro em caso de missão definida, como treinamento, apoio ou outro trabalho necessário. Mas nada disso foi feito. E para completar, após os eventos de 31 de março e 1 de abril, na madrugada de 2 de abril foi convocada na calada da noite, uma sessão extraordinária da Câmara dos Deputados para comunicar que o presidente havia fugido e o governo interino era iniciado. Somente no dia 3 de abril foi comunicado oficialmente o início do governo interino. Isso tudo, quase quatro dias depois do ocorrido. 

Alguns leitores poderão alegar que isso tudo é tolice, pois uma revolução não se anuncia quando irá ocorrer ou se pede autorização. Em 1789 os franceses não avisaram ao rei Luís XVI que ele seria deposto. Em 1917 os russos não avisaram que Nicolau II seria deposto. No entanto, há um porém: nessas duas revoluções, o povo não detinha meios legais para investigar e processas os monarcas, que eram absolutistas. Já no caso do Brasil, havia meios legais para que isso ocorresse, mas eles estranhamente foram ignorados. Se quisermos citar os casos da Revolução Cubana (1959) ou da Revolução Mexicana (1910-1920), pois ambas ocorreram em países que eram republicanos, também há um porém: Cuba e México no momento dessas revoluções, vivenciavam governos autoritários e ditatoriais, cujos líderes passavam por cima das leis, e não aceitariam acusações do Congresso. No caso do Brasil isso não existia. Goulart não foi um presidente autoritário, tão pouco se via acima da lei. 

Diante dos comentários acima apresentados é cada vez mais estranho a ação da "suposta revolução" de 1964, que teve que agir por conta própria, já que os "meios legais não funcionavam". Mas deixando de lado essa investigação, retomemos ao AI-1. Nas novas atribuições emergenciais ao cargo de Presidente Interino da República, destacavam-se os artigos 3, 4 e 5 do AI-1, pelos quais permitia que o presidente interino pudesse promover emendas constitucionais e projetos de lei ao Congresso Nacional, e se ditava urgência na apreciação de tais solicitações

Foi através destes três artigos, que o presidente interino, o general Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1967), pôde assumir o governo e baixar novos decretos, os quais serão comentados adiante. De qualquer forma, se percebe que no próprio discurso do AI-1, algo que seria retomado na Constituição de 1967, estava presente a ideia de que não se tratava de um golpe de Estado e nem de uma ditadura, mas de uma revolução promovida pelos militares, os quais alegavam um governo interino até o ano de 1966, quando tomaria posse o novo presidente e vice-presidente da república, só que isso nunca ocorreu. 


Vejamos alguns jornais dos primeiros dias de abril de 1964, os quais a maioria defendeu a intervenção militar, posteriormente apresentada como revolução. 



Página inicial do jornal O Globo, 2 de abril de 1964. 
A notícia principal anunciava a saída de João Goulart e a posse de Mazzilli, Presidente da Câmara dos Deputados, como Presidente da República interino, até que o cargo fosse passado para Castelo Branco, algo muito estranho, já que Mazzilli por lei deveria permanecer na presidência interina, porém, uma eleição fechada foi convocada pelo Comando Supremo Revolucionário, o qual sem consentimento da população, elegeu o general Castelo Branco para um "segundo governo provisório", pois as eleições derradeiras foram marcadas para 1965. Nota-se que em menos de 15 dias, o Brasil perdeu seu presidente oficial e teve eleito dois presidentes interinos, um de forma legal e outro de forma extra-oficial e sem consulta popular

Além disso, o Globo noticiava que a democracia estava de volta, que Castelo Branco vinha defender a lei e não a baderna, ou seja, que o Exército surgia como restaurador da democracia e da ordem.



Página inicial do jornal Última Hora, 16 de abril de 1964. 
Na manchete do jornal Última Hora, o então presidente Castelo Branco, recém eleito, discursava acerca de se combater a "direita reacionária", a qual pretendia dominar o país. Isso é curioso, pois naquele momento o grande adversário da consolidação do governo militar não era a "esquerda comunista", que supostamente tramava um "golpe de Estado", mas sim a "direita reacionária", a qual não aceitava o governo interino. Aqui nota-se um problema grande: qual era a posição política dos militares? Se eles não eram de esquerda e nem de direita? Seriam de centro? 

Sobre o discurso de posse de Castelo Branco, vejamos alguns trechos de sua fala:



"Cumprirei e defenderei ambos com determinação, pois serei escravo das leis do país e permanecerei em vigília para que todos as observem com exação e zelo. Meu governo será o das leis, o das tradições e princípios morais e políticos que refletem a alma brasileira. O que vale dizer que será um governo firmemente voltado para o futuro, tanto é certo que um constante sentimento de progresso e aperfeiçoamento constitui a marca e também o sentido de nossa história política e social. Nem exagero ao dizer que nessa caminhada para o futuro deveremos nos empenhar com a paixão de uma cruzada, para a qual, com energia, e sobretudo, com o meu próprio exemplo, espero a adesão de todos os concidadãos a esse propósito, que será a garantia suprema de todos os homens e mulheres deste país.

Meu procedimento será o de um chefe de Estado sem tergiversações no processo para a eleição do brasileiro a quem entregarei o cargo a 31 de janeiro de 1966. Sustentarei, com todas as forças, a união, a integridade e a independência desta Pátria, dentro e fora de seus limites territoriais. Não apenas a herança admirável da unidade nacional, mas a concórdia de todos os brasileiros. Serei o presidente de todos eles e não o chefe de uma facção.


Farei quanto em minhas mãos estiver para que se consolidem os ideais do movimento cívico da nação brasileira nestes dias memoráveis de abril, quando se levantou unida, esplêndida de coragem e decisão, para restaurar a democracia e libertá-la de quantas fraudes e distorções a tornavam irreconhecível. Não através de um golpe de Estado, mas por uma Revolução que, nascida nos lares, ampliada na opinião pública e nas instituições e decisivamente apoiada nas Forças Armadas, traduziu a firmeza das nossas convicções e a profundidade das nossas concepções de vida. Convicções e concepções que nos vem do passado e deveremos transmitir aprimoradas às gerações futuras. Foi uma revolução a assegurar o progresso sem renegar o passado". (grifos meu) (Trechos do discurso de posse de Castelo Branco, 16 de abril de 1964). 

Percebe-se na fala do presidente Castelo Branco em reafirmar o discurso de que se tratava de uma revolução (e não de um golpe de Estado) para "salvar" o país do "bolsão comunista" e da "pestilência bolchevique", e assim assegurar a ordem e o progresso. Também nota-se o comprometimento do novo presidente em respeitar as leis e a Constituição, embora que o AI-1 já fosse de encontro com isso, pois consistia numa emenda constitucional convocada as pressas e sem apreciação do Congresso Nacional de forma devida. Não obstante, o presidente se comprometia em deixar o cargo no dia 31 de janeiro de 1966. 


“Na "Ditadura revolucionária", portanto, o poder ditatorial não é apenas um poder concentrado e absoluto, tal como ocorre tanto na Ditadura romana como na moderna; ele, além disso, se instaura de fato e não suporta limites preestabelecidos, como só acontece na Ditadura moderna. Acrescente-se que a "Ditadura revolucionária" prenuncia outra característica possível da Ditadura moderna: o poder não estava necessariamente nas mãos de um só homem (o ditador), podia também estar nas mãos de um grupo (uma convenção, uma assembléia, um partido revolucionário)". (STOPPINO, 1998, p. 370). 


O comentário de Stoppino é bem interessante, pois Castelo Branco dizia representar a "vontade do povo e da nação" que foi "guiada pelas Forças Armadas". Em momento algum ele se refere ao Congresso, a União ou as Instituições Oficiais. Seu discurso como também o AI-1, pretende legitimar de qualquer maneira que a "revolução" teve anseio popular, embora que na prática isso não existiu. Como dito por Stoppino e outros dos autores comentados anteriormente, as "ditaduras revolucionárias" sempre buscam se legitimar como revoluções justas, apelando para o apoio popular, liberdade, igualdade, ordem,  progresso, restauração, ânsias da nação, expectativas do povo, etc. As quais buscam corrigir os problemas atuais. 

Porém, uma última coisa a ser dita, é que Castelo Branco disse que seria presidente até 1966, mas anteriormente o AI-1 cogitava convocar eleição aberta para 1965. Naquele ano de 1965 não houve eleição aberta, mas novamente uma eleição a porta fechadas. E não foi um civil eleito, como Castelo Branco sugeriu que seria, mas outro militar, o general Costa e Silva. A intervenção que deveria durar um ano, passou para dois, passou para três e por fim durou vinte e um anos. Algo bem estranho. 

2) Alteração no direito de sufrágio, intervenção nos direitos civis e políticos:


Vimos que antes do dia 16 de abril de 1964, data na qual Humberto Castelo Branco assumia o poder oficialmente, houve duas votações extraordinárias, pois substituiu-se o presidente interino de direito, através de uma eleição fechada e sem consulta popular e aprovou-se uma emenda constitucional sem devido tempo de análise e debate, pois normalmente uma emenda para ser aprovada na Câmara dos Deputados, depois no Senado Federal, para finalmente ser sancionada, levava de 30 a 90 dias, porém o AI-I foi promulgado no dia 9, oito dias após a retirada de Goulart do poder e sete dias após Ranieri Mazzili assumir interinamente. 


Mas se alguns podem contestar se a votação de Castelo Branco e do AI-1 foram ou não ilegais com base na Constituição de 1946, a qual estava vigente na época, vejamos o caso do Ato Institucional número 2 (AI-2), aprovado em 27 de outubro de 1965, menos de um mês após a eleição presidencial a qual não foi geral, mas novamente fechada e promovida pelo Congresso Supremo Revolucionário, o qual elegeu o general Arthur Costa e Silva (1967-1969) para o cargo. 


Mas além dessa nova eleição presidencial a portas fechadas e sem consulta popular, ou seja, não houve propaganda política para apresentar os candidatos, no dia 27 de outubro o AI-2, com seus 33 artigos, veio para modificar o direito sufragista. Em seu preâmbulo dedicado à Nação, o AI-2 voltava a defender o discurso de revolução:



Não se disse que a revolução foi, mas que é e continuará. Assim o seu Poder Constituinte não se exauriu, tanto é ele próprio do processo revolucionário, que tem de ser dinâmico para atingir os seus objetivos. Acentuou-se, por isso, no esquema daqueles conceitos, traduzindo uma realidade incontestável de Direito Público, o poder institucionalizante de que a revolução é dotada para fazer vingar os princípios em nome dos quais a Nação se levantou contra a situação anterior.

A autolimitação que a revolução se impôs no Ato institucional, de 9 de abril de 1964 não significa, portanto, que tendo poderes para limitar-se, se tenha negado a si mesma por essa limitação, ou se tenha despojado da carga de poder que lhe é inerente como movimento. Por isso se declarou, textualmente, que "os processos constitucionais não funcionaram para destituir o Governo que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País", mas se acrescentou, desde logo, que "destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo Governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do poder no exclusivo interesse do País".


A revolução está viva e não retrocede. Tem promovido reformas e vai continuar a empreendê-las, insistindo patrioticamente em seus propósitos de recuperação econômica, financeira, política e moral do Brasil. Para isto precisa de tranqüilidade. Agitadores de vários matizes e elementos da situação eliminada teimam, entretanto, em se valer do fato de haver ela reduzido a curto tempo o seu período de indispensável restrição a certas garantias constitucionais, e já ameaçam e desafiam a própria ordem revolucionária, precisamente no momento em que esta, atenta aos problemas administrativos, procura colocar o povo na prática e na disciplina do exercício democrático. Democracia supõe liberdade, mas não exclui responsabilidade nem importa em licença para contrariar a própria vocação política da Nação. Não se pode desconstituir a revolução, implantada para restabelecer a paz, promover o bem-estar do povo e preservar a honra nacional”. (Preâmbulo do AI-2, 27 de outubro de 1965).

Como o AI-2 era bastante extenso, decidi comentar alguns artigos específicos. Os artigos 2, 3, 4 e 5 reformulavam o sistema de aprovação de emendas constitucionais, cobrando celeridade da Câmara dos Deputados e do Senado para que os projetos fossem votados em até 45 dias, declarando que tanto o presidente como deputados federais e os senadores poderiam propor emendas, e só se necessitava de 1/4 de votos para que a emenda fosse aceita para ser votada, necessitando 1/2 dos votos de maioria absoluta para sua aprovação (e de preferência que fosse votada e eleita no mesmo dia, sem postegar para análise). O Presidente da República passava a dispor de direito de cobrar da Câmara e do Senado que em caso de urgência a votação ocorresse em até 30 dias. Além disso, foi instituído que o projeto de lei da Câmara ao Senado, não poderia extrapolar dez dias para ser votado.

Nota-se nessas decisões a necessidade do governo interino, em encontrar meios de aprovar rapidamente suas medidas, lembrando que o governo aprovou 17 atos constitucionais e vários outros decretos ao longo dos anos, mas em tempo curto se comparado a outros períodos de governo. 

Os artigos 6 e 7 deliberavam acerca da criação do Tribunal Superior Militar, sua organização e obrigações, como também deliberava alguns crimes de ordem política e civil que seriam julgados pelos tribunais militares. 

O artigo 9 deliberava sobre a eleição indireta para presidente e vice-presidente, a qual deixava de ser de caráter geral, passando a estar restrita ao Congresso Nacional. Por duas vezes os militares haviam suspendido as eleições presidenciais de forma direta. Em que tipo de democracia isso ocorre? Como se pode alegar que a democracia estava sendo feita, se por duas ocasiões o povo foi impedido de eleger seu líder máximo? Sem contar que após o AI-2 foi abolido até 1985, o direito de eleger o Presidente da República. Existem democracias onde o presidente pode ser reeleito mais de uma vez ou ter o mandato de mais de 5 anos, mas que tipo de democracia nega ao povo o direito de eleger seu líder máximo durante vinte anos?

O artigo 16 ampliava o artigo 10 do AI-1, o qual deliberava sobre a suspensão dos direitos políticos, apresentando o seguinte: 
  • I - a cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
  • II - a suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
  • III - a proibição de atividade ou manifestação sobre assunto de natureza política;
  • IV - a aplicação, quando necessária à preservação da ordem política e social, das seguintes medidas de segurança:
    • liberdade vigiada;
    • proibição de frequentar determinados lugares;
    • domicílio determinado.
    O artigo 18 decretava a extinção dos partidos políticos e a criação de novos partidos. As diretrizes para os novos partidos haviam sido propostas meses antes com a Lei 4.740, de 15 de julho de 1965, a qual instituiu novas regras para a fundação de partidos, mas não declarava o cancelamento dos partidos anteriores, mas o governo militar voltou atrás e com o AI-2, em outubro, decidiu abolir todos os partidos. Que tipo de democracia abole todos os partidos?

    E como os novos partidos encontraram dificuldades e oposição para serem criados, em 1966, apenas dois conseguiram atender a lei, e surgiram a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Com a aprovação dos dois partidos o governo não decidiu permitir que outros tentassem ser aprovados, então substituiu o pluripartidarismo pelo bipartidarismo ainda em 1966. Tratava-se de uma medida cirúrgica. Quanto menos partidos para formar oposição, seria mais fácil controlar o cenário político. 

    Jornal Folha de São Paulo, 29 de outubro de 1965, o qual anunciava a aprovação do AI-2. 
    O jornal Folha de São Paulo em manchete de outubro de 1965, já reconhecia que o AI-2 aumentava consideravelmente a autoridade do governo provisório, como também reformulava o Legislativo e o Judiciário, com a criação de novos tribunais; mexeu profundamente no direito de voto, aboliu os partidos, decretou novas regras para as eleições municipais e estaduais de 1966, continuou a subtrair da população o direito de votar no presidente e vice-presidente, o que revela uma medida de controlar a sucessão no poder, política adotada por algumas ditaduras. 

    Segundo o AI-1, o então presidente eleito, Humberto Castelo Branco deveria deixar o cargo no dia 31 de janeiro de 1966, passando o governo para o general Arthur Costa e Silva, eleito indiretamente em 5 de outubro de 1965, no entanto, o governo voltou atrás e decidiu prorrogar a permanência de Castelo Branco no poder até 1967, e em contra-partida o governo com o Ato Institucional número 3, de 5 de fevereiro de 1966 voltou a mexer nas eleições municipais e estaduais, as quais ocorreram em 1966. 

    Para se ter noção, foi instituído pelo AI-3 que os governadores não seriam eleitos mais pelo povo, mas em votação exclusiva da Assembleia Legislativa, além disso, o ano de 1966, foi o último no qual houve eleições diretas para governador, algo que só retornou em 1982. Posteriormente, o direito de votar nos prefeitos das capitais também foi suspenso, passando os prefeitos serem nomeados pelos governadores. Novamente volto a fazer a seguinte pergunta: que tipo de governo democrático é esse que além de negar o sufrágio direto para presidente e vice-presidente, passou a negar o sufrágio para se eleger governadores e alguns prefeitos? 

    Jenniffer Gandhi (2008) comenta que suspender parte do sufrágio não significa que um governo tornou-se ditatorial, pois há democracias onde a votação é indireta para distintos cargos, porém, fazer isso várias vezes seguidas e com vários cargos é algo suspeito e que afeta a democracia. Por sua vez, Acemoglu e Robison (2006) comentam que repentinas e sucessivas ações que alterem o direito de voto, são sinais de governos não-democráticos e instáveis. Por fim, Paul Brooker (1996) apontava que em alguns governos ditatoriais para se transmitir a ideia ilusória que eles seriam democráticos, o sufrágio era mantido no mínimo possível, apenas para dar uma falsa impressão que o povo detivesse ainda direito e autoridade para intervir na política de alguma forma. 

    Ato Institucional número 4, de 7 de dezembro de 1966, convocava assembleia constituinte para se votar uma nova constituição, a qual foi aprovada no ano seguinte e acrescida de todos os Atos Institucionais e Complementares até então aprovados desde 1964. Por sua vez a Constituição de 1967, era uma outra forma de legitimar o novo governo que se apresentava como "revolucionário".
    Notícia do jornal O Globo, 25 de janeiro de 1967, noticiando a promulgação da nova constituição. Na página destacava-se também a matéria na qual o partido da ARENA, acusava o partido MDB de manobra política ao se contestar as mudanças políticas, lembrando que a MDB era a "oposição" do governo militar. 
    A nova constituição legitimava o governo antes dito provisório, pois inicialmente alegou-se que as eleições de 1966 para presidente seriam diretas, e os militares deixariam o poder, porém, Castelo Branco permaneceu no cargo até 15 de março de 1967, quando foi sucedido por Arthur Costa e Silva, e foi durante seu governo que a opressão se instaurou definitivamente, pois enquanto Castelo Branco acreditava que estava servindo por uma causa nobre, e assim se considerava um presidente apenas provisório para reestruturar o Estado, Costa e Silva assumia com caráter autoritário e com o intuito de perpetuar o então regime em voga. E isso veio com o mais temido de todos os atos, o AI-5

    O Ato Institucional número 5, de 13 de dezembro de 1968, publicado numa fatídica sexta-feira 13. Coincidência ou não, o AI-5 foi o mais severo dos Atos Institucionais publicados durante o governo dos militares. Composto de 12 artigos, vejamos alguns deles. 

    • Art. 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.
      • § 1º - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios.
      • § 2º - Durante o período de recesso, os Senadores, os Deputados federais, estaduais e os Vereadores só perceberão a parte fixa de seus subsídios.
      • § 3º - Em caso de recesso da Câmara Municipal, a fiscalização financeira e orçamentária dos Municípios que não possuam Tribunal de Contas, será exercida pelo do respectivo Estado, estendendo sua ação às funções de auditoria, julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos.
    • Art. 3º - O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição.
      • Parágrafo único - Os interventores nos Estados e Municípios serão nomeados pelo Presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam, respectivamente, aos Governadores ou Prefeitos, e gozarão das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixados em lei.
    • Art. 4º - No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais
      • Parágrafo único - Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem seus mandatos cassados, não serão dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos.
    • Art. 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em: (Vide Ato Institucional nº 6, de 1969)
      • I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
      • II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
      • III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;
      • IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:
        • a) liberdade vigiada;
        • b) proibição de frequentar determinados lugares;
        • c) domicílio determinado,
          • § 1º - O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados(Vide Ato Institucional nº 6, de 1969)
          • § 2º - As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário. (Vide Ato Institucional nº 6, de 1969)
    • Art. 6º - Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo.
      • § 1º - O Presidente da República poderá mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregado de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço.
      • § 2º - O disposto neste artigo e seu § 1º aplica-se, também, nos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
    • Art. 7º - O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo.
    • Art. 8º - O Presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.       
      • Parágrafo único - Provada a legitimidade da aquisição dos bens, far-se-á sua restituição.
    • Art. 9º - O Presidente da República poderá baixar Atos Complementares para a execução deste Ato Institucional, bem como adotar, se necessário à defesa da Revolução, as medidas previstas nas alíneas d e e do § 2º do art. 152 da Constituição.
    • Art. 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
    • Art. 11 - Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.

    Primeira página do Jornal do Brasil, de 14 de dezembro de 1968, noticiando a aprovação do AI-5, e informando que o Congresso foi fechado pelo presidente por tempo ilimitado.
    "Com o AI-5, o presidente passou a deter maior autoridade sobre os estados e municípios, assim como, sobre o Congresso, as Assembleias, as Câmaras, o Senado e os Tribunais. Em termos práticos, o Presidente da República poderia passar por cima de todos estes órgãos federais, não necessitando de aprovação destes e até mesmo contrariando suas decisões, e ameaçando de suspender suas atividades, afastar, demitir e cassar os funcionários. Ele também passava a deter o poder judiciário e legislativo em mãos, podendo julgar pessoas e decretar leis, por conta própria". (VILAR, 2015). 

    Se para uma República e Democracia se faz necessário a harmonia entre os Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), algo bastante salientado por Montesquieu, como explicar que um regime pudesse ser chamado de democrático, quando o Executivo se sobrepujava sobre o Legislativo e o Judiciário, retirando deles sua autonomia?

    "Por outro lado, o poder Executivo se tornou mais ferrenho ao ponto de negar habeas corpus (para alguns casos), decretar vigilância e restrições aos cidadãos; decretar demissões ou aposentadorias compulsórias, como também retirava o direito judicial dos presos. Em outras palavras, qualquer pessoa que fosse enquadrada como "subversivo" (termo que eles gostavam de usar), ou declarado "comunista" ou "terrorista", e que estivesse atentando contra a Segurança Nacional, era preso e tinha seus direitos civis, políticos e judiciais subtraídos. Se você fosse preso, não teria direito a um advogado ou a um julgamento, era simplesmente interrogado a base de torturas". (VILAR, 2015).
     


    Outro aspecto que aponto no AI-5, que para além do poder interventor sobre os estados e municípios, as Assembleias, Câmaras e o Congresso, e a autoridade para remover ou suspender direitos civis e jurídicos, o presidente também poderia agir dessa forma sem estar limitado a Constituição. Isso é algo muito importante a ser destacado. Numa democracia de Estado de Direito, o Presidente da República e qualquer outro político, tem suas funções, autoridade e poderes limitados pela lei expressa na Constituição que é a carta magna legal de um país atualmente. Além da Constituição existem outras leis que também delegam limites e expressam fiscalização e controle dos atos políticos. 

    Porém, o AI-5 extrapolava isso. Ele nos artigos 4 e 5 autorizava que o presidente pudesse decretar intervenções aos estados e municípios, além de cassar cargos políticos, direitos civis e jurídicos sem estar limitado pela Constituição. Ora, como posso dizer que há democracia, quando existe uma lei na qual permite um chefe de governo extrapolar os limites determinados para assegurar que ele não abuse de seu poder e autoridade? Como posso falar em democracia se o presidente baixa um decreto-lei autorizando ele a ter direitos que extrapolam as atribuições constitucionais a ele atribuídas, e com o detalhe de ele não necessitar que seu decreto-lei fosse avaliado pelas autoridades legislativas? Stoppino (1998) e Gandhi (2008) concordam entre si, ao dizer que em ditaduras, as leis são alteradas deliberadamente para favorecer a autoridade do líder ou de seus governantes a ele subordinados. Essa alteração na maioria das vezes era feita para beneficiar o governante e o Estado, aumentando seu poder de controle e censura. 

    3) Censura:

    Embora a censura não seja uma prática exclusiva de governos ditatoriais, no entanto, numa ditadura, a censura é aplicada de forma que a imprensa perca sua liberdade de expressão e de informação; que ideias transmitidas por outros meios de informação sejam censurados, principalmente se abordarem ideias políticas, sociais e culturais, consideradas contrárias as prerrogativas do governo vigente. 


    Napoleão Bonaparte durante seu governo como cônsul e imperador (1799-1814), foi gradativamente censurando não apenas os jornais, mas também os livros, tendo criado uma comissão de censura atribuída ao Ministério da Polícia. Quando subiu ao poder como cônsul em 1799, havia dezenas de jornais em Paris, desde os grandes até alguns de pequena circulação. Em 1811, só havia quatro jornais em Paris, um para cada departamento que a cidade estava dividida. (MARKHAN, 1963, p. 96). 


    As ditaduras nazista, fascista, soviéticas, socialistas, civis e militares também fizeram isso. No caso do Brasil, demorou alguns anos para que o "governo revolucionário provisório" decide-se instituir a censura. 


    a) Censura nas universidades:


    Em 1964 ocorreu um episódio curioso em Brasília, o qual já marcava a posição autoritária do novo regime que se instalava. O então reitor da Universidade de Brasília (UnB), Anísio Teixeira (1900-1971), um dos grandes nomes da educação brasileira, membro do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, nos anos 30; Conselheiro da UNESCO, nos anos 40; Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), nos anos 50; fundou em dirigiu a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (atual CAPES) em 1951; e um dos idealizadores da fundação da Universidade de Brasília, em 1961; era reitor da universidade que ajudou a criar, quando em 1964, mostrando-se abertamente contrário a eleição de Castelo Branco, algo que ele considerava um golpe de Estado, foi obrigado a renunciar a reitoria. 


    Em agosto de 1964, o reitor, pró-reitores e demais cargos de direção e coordenação da UnB foram obrigados por decreto presidencial a se demitirem. Como a medida não foi acatada de imediato, a polícia militar invadiu o campus da UnB. Estudantes, funcionários e professores protestaram contra a invasão e foram presos, embora alguns foram agredidos na ocasião. Essa foi a primeira de quatro invasões que ocorreriam a UnB ao longo do regime militar. 



    Fotografia de 29 de agosto de 1964, o dia que a Universidade de Brasília foi invadida pelos militares. Na imagem, estudantes em fila, sendo conduzidos como prisioneiros, por terem protestado contra a invasão.
    Se o caso da invasão (intervenção segundo o governo na época) a UnB, foi um episódio fatídico no contexto das universidades federais brasileiras, não significou que a censura não voltou a agir. A UnB seria novamente invadida em 1968. E até o final do regime militar, seria novamente invadida mais duas vezes.

    Por mais que o governo militar tenha fundado algumas poucas universidades, investido no crescimento de campis, na criação da departamentalização das universidades e investido no desenvolvimento de pós-graduações e no aperfeiçoamento dos professores universitários, isso não significou que eles não estivessem observando o que se passava nas universidades. E isso ficou mais claro com o Decreto-lei n. 477, de 26 de fevereiro de 1969, o qual dizia o seguinte: 

    • Art. 1º Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que:
      • I - Alicie ou incite à deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento;
      • II - Atente contra pessoas ou bens tanto em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dêle;
      • III - Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dêle participe;
      • IV - Conduza ou realize, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer natureza;
      • V - Seqüestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro de corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de autoridade ou aluno;
      • VI - Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública.
        • § 1º As infrações definidas neste artigo serão punidas:
          • I - Se se tratar de membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino com pena de demissão ou dispensa, e a proibição de ser nomeado, admitido ou contratado por qualquer outro da mesma natureza, pelo prazo de cinco (5) anos;
          • II - Se se tratar de aluno, com a pena de desligamento, e a proibição de se matricular em qualquer outro, estabelecimento de ensino pelo prazo de três (3) anos.
        • § 2º Se o infrator fôr beneficiário de bolsa de estudo ou perceber qualquer ajuda do Poder Público, perdê-la-á, e não poderá gozar de nenhum dêsses benefícios pelo prazo de cinco (5) anos.
        • § 3º Se se tratar de bolsista estrangeiro será solicitada a sua imediata retirada de território nacional.
    • Art. 2º A apuração das infrações a que se refere êste Decreto-lei far-se-á mediante processo sumário a ser concluído no prazo improrrogável, de vinte dias.
      • Parágrafo único. Havendo suspeita de prática de crime, o dirigente do estabelecimento de ensino providenciará, desde logo a instauração de inquérito Policial.
    • Art. 3º O processo sumário será realizado por um funcionário ou empregado do estabelecimento de ensino, designado por seu dirigente, que procederá às diligências convenientes e citará o infrator para, no prazo de quarenta e oito horas, apresentar defesa. Se houver mais de um infrator o prazo será comum e de noventa e seis horas.
      • § 1º O indiciado será suspenso até o julgamento, de seu cargo, função ou emprêgo, ou, se fôr estudante proibido de freqüentar as aulas, se o requerer o encarregado do processo.
      • § 2º Se o infrator residir em local ignorado, ocultar-se para não receber a citação, ou citado, não se defender, ser-lhe-á designado defensor para apresentar a defesa.
      • § 3º Apresentada a defesa, o encarregado do processo elaborará relatório dentro de quarenta e oito horas, especificado a infração cometida, o autor e as razões de seu convencimento.
      • § 4º Recebido o processo, o dirigente do estabelecimento proferirá decisão fundamentada, dentro de quarenta e oito horas, sob pena do crime definido no Art. 319 do Código Penal, além da sanção cominada no Item I do § 1º do Art. 1º dêste Decreto-lei.
      • § 5º Quando a infração estiver capitulada na Lei Penal, será remetida cópia dos autos à autoridade competente.
    O Decreto-lei 477, foi baixado inicialmente em resposta aos estudantes e professores universitários, mas acabou sendo aplicado a todos os níveis de ensino, tanto público quanto privado. Sendo assim, professores e alunos de escolas também estavam sujeitos a mesma lei. 

    Ao longo do governo militar, as eleições para reitor e vice-reitor foram suspensas. Os reitores e seus vices eram nomeados pelo Presidente da República, e em geral eram militares ou filhos de militares. Seus mandatos as vezes extrapolavam os quatro anos. Além de nomear a coordenação e o diretório das universidades, os professores, estudantes e funcionários eram espionados por agentes à paisana, os quais eram incumbidos de registrar manifestações, ideias contrárias ou atividades subversivas. 


    Os cursos de História, Sociologia, Ciência Política e Filosofia estiveram entre os mais vigiados. Ideias e ideologias contrárias ao regime, ou eram proibidas de serem lecionadas ou eram ensinadas de forma simplória e consideradas perniciosas. Professores e funcionários que promovessem pensamentos contrários ao regime eram aposentados, demitidos e em alguns casos presos e até desapareciam. No caso dos estudantes estes poderiam ser suspensos, expulsos e até mesmo presos. 


    b) censura da imprensa:


    No ano de 1967, a situação começou a mudar. Naquele ano, o então presidente Castelo Branco promulgou a Lei 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, a qual ficou conhecida como a "Lei de Imprensa"


    A Lei 5.250 possuía 77 artigos, por ser longa não irei abordá-la aqui, mas curiosamente ela se iniciava no artigo 1, defendendo a liberdade a informação, de manifestação do pensamento e o direito de procurar por informações. Depois determinava que mensagens de ódio, de guerra, racistas e preconceituosas seriam combatidas. Também determinava a regulamentação do registro da imprensa, para combater jornais, revistas, rádios clandestinas. A lei também garantia direito de resposta, como penalizava os responsáveis por infringirem a lei, publicando notícias escandalosas, imorais, falsas, desonestas, etc. 


    Na prática a lei não era tão ruim, pois regulamentou a imprensa brasileira (novamente), todavia, o problema era como o governo militar determinava o que ele chamava de "subversão da ordem política e social". Basicamente após a lei entrar em vigor e posteriormente o AI-5 em 1968, a censura a imprensa definitivamente se instaurou no país. Os jornais começaram a serem visitados com frequência; as notícias impressas, nas rádios e na televisão eram censuradas, não se podia manifestar opiniões contrárias ao governo, não se podia defender a oposição e a militância. Jornais e revistas foram confiscados ou impedidos de saírem, até que as alterações tivessem sido feitas durante a editoração. Jornalistas e repórteres foram advertidos, demitidos ou presos. 



    Protesto em 23 de outubro de 1968, em São Paulo, contra a censura da imprensa. 
    Para reafirmar a legislação da Lei de Imprensa, o general Humberto Castelo Branco baixou o Decreto-Lei n. 314, de 13 de março de 1967, o qual instituiu uma nova Lei de Segurança Nacional, a qual dessa vez originou a Doutrina de Segurança Nacional, medida que vigorou de 1967 até o fim da ditadura, embora foi atualizada nesse tempo. De qualquer forma, a Lei de Segurança Nacional de 1967, já instituía o que era considerado crime a Segurança Nacional, e a forma de como julgar e penalizar os criminosos:


    CAPÍTULO I
    Disposições Preliminares
    • Art. 1º Tôda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional, nos limites definidos em lei. 
    • Art. 2º A segurança nacional é a garantia da consecução dos objetivos nacionais contra antagonismos, tanto internos como externos. 
    • Art. 3º A segurança nacional compreende, essencialmente, medidas destinadas à preservação da segurança externa e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra revolucionária ou subversiva
      • § 1º A segurança interna, integrada na segurança nacional, diz respeito às ameaças ou pressões antagônicas, de qualquer origem, forma ou natureza, que se manifestem ou produzam efeito no âmbito interno do país. 
      • § 2º A guerra psicológica adversa é o emprêgo da propaganda, da contrapropaganda e de ações nos campos político, econômico, psicossocial e militar, com a finalidade de influenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos estrangeiros, inimigos, neutros ou amigos, contra a consecução dos objetivos nacionais. 
      • § 3º A guerra revolucionária é o conflito interno, geralmente inspirado em uma ideologia ou auxiliado do exterior, que visa à conquista subversiva do poder pelo contrôle progressivo da Nação.
    CAPÍTULO II
    Dos Crimes e das Penas
    • Art. 6º Entrar em entendimento ou negociação com govêrno estrangeiro ou seus agentes, a fim de provocar guerra ou atos de hostilidade contra o Brasil: Pena - reclusão, de 5 a 15 anos. 
    • Art. 8º Aliciar indivíduos de outra nação para que invadam o território brasileiro, seja qual fôr o motivo ou pretexto: Pena - reclusão, de 3 a 10 anos. 
    • Art. 11. Redistribuir material ou fundos de propaganda de proveniência estrangeira, sob qualquer forma ou a qualquer título, para a infiltração de doutrinas ou idéias incompatíveis com a Constituição: Pena - reclusão, de 1 a 5 anos. 
    • Art. 13. Promover ou manter, em território nacional, serviço de espionagem em proveito de país estrangeiro ou de organização subversiva: Pena - reclusão, de 2 a 10 anos. 
      • § 1º Obter ou procurar obter, para, o fim de espionagem, notícia de fatos ou coisas que, no interesse do Estado, devam permanecer secretas: Pena - reclusão, de 1 a 5 anos. 
      • § 2º Destruir, falsificar, subtrair, fornecer ou comunicar a potência estrangeira, organização subversiva ou a seus agentes ou, em geral, a pessoa não autorizada, documentos, planos ou instruções classificados como sigilosos por interessarem à segurança nacional: Pena - reclusão, de 3 a 10 anos. 
      • § 3º Entrar em relação com govêrno estrangeiro, organização subversiva ou seus agentes, para o fim de comunicar qualquer outro segrêdo concernente à segurança nacional: Pena - reclusão, de 1 a 5 anos. 
    • Art. 14. Divulgar, por qualquer meio de publicidade, notícias falsas, tendenciosas ou deturpadas, de modo a pôr em perigo o bom nome, a autoridade o crédito ou o prestígio do Brasil: pena - detenção, de 6 meses a 2 anos. (complementa a Lei de Imprensa)
    • Art. 16. Violar imunidades diplomáticas, pessoais ou reais, ou de Chefe ou representante de Nação estrangeira, ainda que de passagem pelo território nacional: Pena - reclusão, de 6 meses a 2 anos. 
    • Art. 21. Tentar subverter a ordem ou estrutura político-social vigente no Brasil, com o fim de estabelecer ditadura de classe, de partido político, de grupo ou de indivíduo: Pena - reclusão, de 4 a 12 anos. 
    • Art. 22. Promover insurreição armada; ou tentar mudar, por meio violento, a Constituição, no todo ou em parte, ou a forma de govêrno por ela adotada: Pena - reclusão, de 4 a 12 anos. 
    • Art. 23. Praticar atos destinados a provocar guerra revolucionária ou subversiva: Pena - reclusão, de 2 a 4 anos. 
    • Art. 25. Praticar massacre, devastação, saque, roubo, seqüestro, incêndio ou depredação, atentado pessoal, ato de sabotagem ou terrorismo; impedir ou dificultar o funcionamento de serviços essenciais administrados pelo Estado ou mediante concessão ou autorização: Pena - reclusão, de 2 a 6 anos.
    • Art. 32. Promover greve ou lock-out, acarretando a paralisação de serviços públicos ou atividades essenciais, com o fim de coagir qualquer dos Podêres da República: Pena - reclusão, de 2 a 6 anos. 
    • Art. 33. Incitar publicamente: 
      • I - à guerra ou à subversão da ordem político-social; 
      • II - à desobediência coletiva às leis; 
      • III - à animosidade entre as Fôrças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; 
      • IV - à luta pela violência entre as classes sociais; 
      • V - à paralisação de serviços públicos ou atividades essenciais; 
      • VI - ao ódio ou a discriminação racial: Pena - detenção, de 1 a 3 anos. 
        • Parágrafo único. Se o crime fôr praticado por meio de imprensa, panfletos, ou escritos e de qualquer natureza, radiodifusão ou televisão, a pena, será aumentada de metade. (complementa a Lei de Imprensa)
    • Art. 36. Fundar ou manter, sem permissão legal, organizações de tipo militar, seja qual fôr o motivo ou pretexto, assim como tentar reorganizar partido político cujo registro tenha sido cassado ou fazer funcionar partido sem o respectivo registro ou, ainda associação dissolvida legalmente, ou cujo funcionamento tenha sido suspenso: Pena - detenção, de 1 a 2 anos. 
    • Art. 38. Constitui, também, propaganda subversiva, quando importe em ameaça ou atentado à segurança nacional(complementa a Lei de Imprensa)
      • I - a publicação ou divulgação de notícias ou declaração; 
      • II - a distribuição de jornal, boletim ou panfleto
      • III - o aliciamento de pessoas nos locais de trabalho ou de ensino; 
      • IV - cômico, reunião pública, desfile ou passeata
      • V - a greve proibida; 
      • VI - a injúria, calúnia ou difamação, quando o ofendido fôr órgão ou entidade que exerça autoridade pública, ou funcionário em razão de suas atribuições; 
      • VII - a manifestação de solidariedade a qualquer dos atos previstos nos itens anteriores; Pena - detenção, de 6 meses a 2 anos. 
    • Art. 39. Se a responsabilidade pela propaganda subversiva couber a diretor ou a responsável de jornal ou periódico, o Juiz poderá impor, ao receber a denúncia, a suspensão da circulação dêste até trinta dias, sem prejuízo de outras comunicações previstas em lei(complementa a Lei de Imprensa)
    • Art. 40. A responsabilidade penal ou civil pela propaganda subversiva é autônoma e não exclui a dos autores ou responsáveis por outros crimes, na forma dêste decreto-lei ou de outras leis. (complementa a Lei de Imprensa)
    Diante da Lei de Segurança Nacional de 1967 é visível os artigos que complementavam a Lei de Imprensa, mostrando motivos a mais para que a imprensa e seus funcionários fossem censurados. 

    Com o estabelecimento da censura, parte dos jornais adotaram tais diretrizes, mas aqueles que decidiram desobedecê-las, foram fechados e seus funcionários foram demitidos, perseguidos, presos ou mortos. Um caso bastante conhecido ocorreu em 1975, quando o jornalista e professor Vladimir Herzog (1937-1975), na época, diretor de telejornalismo na TV Cultura. Herzog no passado havia sido militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas com a clandestinidade do partido, o bipartidarismo e toda a repressão do governo, ele decidiu abandonar seus dias de militante, mas não abandonou seu ímpeto de militância. 


    Herzog não concordava com o governo e tão pouco sentia-se bem em ter que censurar notícias, para não falar dos problemas do país e outros crimes cometidos pelo regime militar. Em 1975, após ser delatado, Herzog foi preso em casa, e enviado ao Doi-Codi de São Paulo. No Doi-Codi ele foi torturado e assassinado. Na época disseram que ele havia cometido suicídio, se enforcando. 



    Notícia sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog, no Jornal da Tarde, de 27 de outubro de 1975. 
    A censura a imprensa, somente começou a diminuir nos anos 1980, já na fase final do governo militar. E neste tempo a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), fundada em 1906, mas que passou alguns anos silenciada durante o regime militar, começava a despontar e a combater a censura. Ao mesmo tempo em que pequenos jornais como O Pasquim, Opinião, O Movimento, Ex, Repórter, Versus, etc., começaram a se mobilizar para denunciar os crimes de Estado e mostrar a população brasileira a farsa empreendida pelo chamado "governo revolucionário". 


    Capa de uma das edições do jornal Versus, criado em 1975. 
    c) censura as artes:

    A censura as artes não foi uma novidade imposta pelos militares durante seus 21 anos de governo. Durante o Estado Novo (1937-1945), Getúlio Vargas já havia decretado censura as artes e isso foi retomado pelos militares. 


    A Lei 4483, de 16 de novembro de 1964, a qual havia criado O Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), o qual antecedia em quatro anos a Lei de Segurança Nacional, já apresentava em seu artigo 1, letra f, a censura a diversões públicas, principalmente aos filmes. Todavia, apenas quatro anos depois é que essa censura passou a ser aplicada de fato. 


    Em 1967, deu-se início a censura a Imprensa, posteriormente foi promulgado a Lei de Segurança Nacional e o AI-5, ambos puniam a difusão de ideias consideradas "perniciosas" e "subversivas" ao regime vigente. Para completar tais leis foi publicada Lei 5.536, de 21 de novembro de 1968, chamada de Lei de Censura


    Algumas das diretrizes da Lei de Censura ainda são válidas hoje em dia, como a questão da faixa etária, ou seja, peças teatrais, filmes, novelas que por seu conteúdo, seriam inapropriados para determinadas idades; a lei também instituía a obrigatoriedade dos teatros, cinemas e emissoras de televisão, além das produtoras de publicar a faixa etária permitida para suas obras. A lei também criticava obras que incentivassem o ódio, o racismo, o preconceito, a violência, o crime, a sexualidade depravada, etc., algo que ainda hoje se ver (em alguns casos).


    No caso dos filmes e telenovelas, algumas das questões que a censura criticava eram:

    • Sexualismo depravado;
    • Homossexualismo;
    • Violência exagerada;
    • Nudez excessiva para horários impróprios;
    • Linguajar vulgar;
    • Ideias políticas contrárias ao governo;
    • Ideologias políticas de esquerda ou de direita, mas que não fossem bem recebidas pelo governo;
    • Comportamento depreciativo e inapropriado das personagens;
    • Ideias racistas (embora que o racismo contra negros e indígenas fosse velado)
    • Ideias de intolerância religiosa (principalmente quando se afrontasse o cristianismo, já as demais religiões não importava);
    • Incentivo a guerra, rebelião ou revolta;
    • Incentivar o desrespeito a Lei de Segurança Nacional;
    • Afrontar ou zombar o Estado;
    • Desmoralizar a família;
    • Incentivo ao uso de drogas;
    • Abrandamento do crime;
    Todavia, a censura em alguns casos era contraditória. As pornochanchadas, filmes com teor erótico, pornografia leve (sem sexo explícito) e cômicos foram bastante populares na década de 1970, o auge da censura do regime militar. Além disso, as pornochanchadas abordavam temas criticados pela censura da época como o adultério, bigamia, vadiagem, malandragem, homossexualismo, virgindade, conquista amorosa, safadeza, consumo de bebidas e drogas, etc. Além disso, a Revista Playboy começou a ser publicada no Brasil em 1975 (embora que nos anos 1980, tentaram proibir revistas eróticas). 


    Apesar da censura, curiosamente o gênero da pornochanchada foi bastante popular durante os anos 1960 e 1970, contrariando algumas das medidas de censura impostas pelo governo a produções audiovisuais. 
    Mas se por um lado o cinema erótico e cômico brasileiro não sofreu tanto nas mãos da censura, novelas, livros, peças teatrais, filmes e músicas que não tinham esse lado erótico e humorado, foram censurados. 

    A diferença que se encontra na Lei de Censura criada para regulamentar as peças teatrais e os filmes, dizia respeito que nenhuma obra que abordasse temas de caráter político, social, moral, cultural e religioso, que questionassem a integridade e valores defendidos pelo regime militar, deveria ser censurado para que pudesse ser exibido. Caso o conteúdo, mesmo após os cortes ainda fosse considerado pernicioso ou subversivo, era restrito sua veiculação. Não obstante, a Lei de Censura estabelecia a criação do Conselho Superior de Censura, criado a 22 de novembro de 1968, órgão responsável por fiscalizar a censura no país. 


    Para complementar a Lei de Censura foi publicado o Decreto-lei n. 1.077, de 26 de janeiro de 1970. Desde 1967, jornais, revistas, programas de rádio, televisão e filmes estavam sendo censurados, embora que a situação começou a se tornar mais controladora com a Lei de Censura, agora reforçada com a Lei da censura prévia

    • Art. 1º Não serão toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes quaisquer que sejam os meios de comunicação.
    • Art. 2º Caberá ao Ministério da Justiça, através do Departamento de Polícia Federal verificar, quando julgar necessário, antes da divulgação de livros e periódicos, a existência de matéria infringente da proibição enunciada no artigo anterior.
      • Parágrafo único. O Ministro da Justiça fixará, por meio de portaria, o modo e a forma da verificação prevista neste artigo.
    • Art. 3º Verificada a existência de matéria ofensiva à moral e aos bons costumes, o Ministro da Justiça proibirá a divulgação da publicação e determinará a busca e a apreensão de todos os seus exemplares.
    • Art. 4º As publicações vindas do estrangeiro e destinadas à distribuição ou venda no Brasil também ficarão sujeitas, quando de sua entrada no país, à verificação estabelecida na forma do artigo 2º dêste Decreto-lei.
    • Art. 5º A distribuição, venda ou exposição de livros e periódicos que não hajam sido liberados ou que tenham sido proibidos, após a verificação prevista neste Decreto-lei, sujeita os infratores, independentemente da responsabilidade criminal:
      • I - A multa no valor igual ao do preço de venda da publicação com o mínimo de NCr$ 10,00 (dez cruzeiros novos);
      • II - À perda de todos os exemplares da publicação, que serão incinerados a sua custa.
    • Art. 6º O disposto neste Decreto-Lei não exclui a competência dos Juízes de Direito, para adoção das medidas previstas nos artigos 61 e 62 da Lei número 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. (Lei de Censura)
    • Art. 7º A proibição contida no artigo 1º dêste Decreto-Lei aplica-se às diversões e espetáculos públicos, bem como à programação das emissoras de rádio e televisão.
      • Parágrafo único. O Conselho Superior de Censura, o Departamento de Polícia Federal e os juizados de Menores, no âmbito de suas respectivas competências, assegurarão o respeito ao disposto neste artigo.
    • Art. 8º Êste Decreto-Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
    Com a aprovação das duas leis de censura e da criação do Conselho Superior de Censura, o governo militar censuro as artes no país até a década de 80, e como comentado, algumas obras que hoje julgamos não possuírem conteúdo para confirmar a censura e até mesmo a proibição de ser vinculado, naquele tempo foram proibidos. 

    O livro Repressão e Resistência: Censura a livros na Ditadura Militar (2011) de Sandra Reimão, traz uma longa lista de quase 500 livros que foram censurados pelo regime militar, a maioria de autores estrangeiros, no entanto, mais de cem obras, foram de autores brasileiros, incluindo até mesmo livros de literatura. 



    Alguns livros proibidos durante o governo militar. 
    Aqui está uma lista de livros, filmes, novelas, peças teatrais e músicas censuradas, publicada pelo Parque Público Virtual (2014). 


    Livros:
    1. O mundo do socialismo, de Caio Prado Júnior, (1962)
    2. História Militar do Brasil, de Nelson Werneck Sodré (1965)
    3. Torturas e torturados, de Marcio Moreira Alves (1966)
    4. Revolução Brasileira, de Caio Prado Júnior (1966)
    5. O casamento, de Nelson Rodrigues (1966)
    6. Dez histórias imorais, de Aguinaldo Silva (1967)
    7. Copacabana - Posto 6, de Cassandra Rios (1972)
    8. Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca (1975)
    9. Zero, de Ignácio de Loyola Brandão (1975)
    10. Mister Curitiba, de Dalton Trevisan (1976)
    11. O cobrador, de Rubem Fonseca (1979)

    Peças de teatro:
    12. Liberdade, liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel (1965)
    13. Papa Highirte, de Oduvaldo Vianna – Vianninha (1968)
    14. O abajur lilás, de Plínio Marcos (1969)
    15. Roda viva, de Chico Buarque (1967)

    Músicas:
    16. Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando), de Geraldo Vandré (1968)
    17. Cálice, de Chico Buarque (1973)
    18. Disparada, de Geraldo Vandré e Théo Barros (1966)
    19. Alegria, alegria, de Caetano Veloso (1967)
    20. O bêbado e o equilibrista, de Aldir Blanc e João Bosco (1969)
    21. Mosca na sopa, de Raul Seixas (1973)
    22. É proibido proibir, de Caetano Veloso (1968)
    23. Apesar de você, de Chico Buarque (1973)
    24. Acender as velas, de Zé Keti (1965)
    25. Que as crianças cantem livres, de Taiguara (1973)
    26. Jorge Maravilha, de Chico Buarque (1974)
    27. Carcará, de Maria Bethânia (1965)
    28. Acorda, amor, de Leonel Paiva e Julinho da Adelaide (1974)
    29. Animais irracionais, de Dom e Ravel (1974)
    30. Aquele abraço, de Gilberto Gil (1969)
    31. Cartomante, de Ivan Lins e Vitor Martins (1978)
    32. Opinião, de Zé Keti (1964)
    33. A primeira noite de um homem, de Odair José (1974)
    34. Bolsa de amores, de Chico Buarque (1971)
    35. Milagre dos peixes, de Milton Nascimento (1973)
    36. Hoje é dia d'El Rey, de Márcio Borges e Milton Nascimento (1973)
    37. Comportamento geral, de Gonzaguinha (1973)

    Novelas:
    38. Roque Santeiro, de Dias Gomes e Aguinaldo Silva (censurada em 1975, foi ao ar em 1985)
    39. Selva de pedra, de Janete Clair (1972)
    40. O Bem-Amado, de Dias Gomes (1973)
    41. Pecado capital, de Janete Clair (1975)

    Filmes:
    42. O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla (1968)
    43. Laranja mecânica, de Stanley Kubrick (filme estrangeiro censurado, considerado violento) (1971)
    44. Terra em transe, de Glauber Rocha (1967)
    45. Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade (1969)
    46. Como era gostoso o meu francês, de Nélson Pereira dos Santos (1971)
    47. Opinião Pública, de Arnaldo Jabor (1967)
    48. A freira e a tortura, Ozualdo Ribeiro Candeias (1983)
    49. Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho (1984)

    Publicação:
    50. Revista Fradim (1971-1980)


    As atrizes Tônia Carreiro, Eva Vilma, Odete Lara, Norma Bengell e Ruth Escobar em passeata contra a censura (atrás de Ruth, o crítico de arte Mário Pedrosa), Correio da Manhã, 1968.
    O livro Cale-se: a MPB e a Ditadura Militar (2011) de Manu Pinheiro, aborda o movimento musical de alguns cantores, músicos e compositores como Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Raul Seixas, Geraldo VandréIvan Lins, Taiguara, João Bosco, Elis Regina, os quais desafiaram o regime da época com suas canções, o que lhes rendeu má fama pelo Estado, exílio, boicote e até mesmo prisão para alguns. 


    Caminhando (Pra não dizer que falei das flores), Geraldo Vandré. Música vencedora do Festival de Música Brasileira da TV Record, em 1968. Posteriormente foi proibida pela Lei de Censura. 

    d) censura nas escolas:


    A censura de livros e músicas passou a imperar nas escolas. Na cidade do Rio de Janeiro, em 1969, no Colégio de Aplicação (CAP), onde em certa ocasião, o professor de geografia Antônio Rodrigues foi demitido, porque abordava com os alunos a música de Geraldo Vandré, Caminhando (Pra não dizer que falei das flores), na época embora famosa devido ao festival do ano anterior, havia sido censurada. O professor Rodrigues foi acusado de estar fazendo "proselitismo político". (DUARTE, 2014). 


    "Um dos livros mais visados foi “História das sociedades”, do professor Rubim Aquino, conta sua ex-mulher, a professora Lucia Naegeli. Além da proibição de sua obra em muitos colégios do país, o próprio Aquino, já falecido, sofreu perseguição: estava no grupo de professores demitidos do São Vicente em 1983 e foi preso e “colocado num quarto escuro, gelado, com cobra e som de gente sendo torturada”, diz Lucia.

    Em Diamantina (MG), Paulo Freire era vedado nos colégios de 2º grau de formação de professores, conta o pedagogo Sinésio Bastos:

    Era uma obra tão proibida que uma vez , em 1971, fui acusado de pregar revolução armada por ter falado de Freire na faculdade de filosofia da cidade.

    O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) conta que também teve um livro proibido no período:

    — Foi “História da sociedade brasileira”, que escrevi com Lucia Carpi e Marcus Ribeiro. Falava de tortura, trazia poema de preso político — diz Alencar, lembrando outra forma de perseguição a professores de 1º e 2º graus: 

    Todo professor que passasse em concurso público precisava apresentar um “nada consta” do Dops. O meu levou seis meses para sair.

    O professor de geografia Antonio Rodrigues escondeu livros na casa da sogra, “pendurados entre o teto e o telhado”, numa época em que era vigiado pelo regime. Chegaram a revistar sua casa:

    Levaram livros de capa vermelha. Acho que “Geografia da fome” (Josué de Castro) foi por isso. Deviam achar que era “O livro vermelho”, de Mao.

    Em Volta Redonda, terra da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), não foi fácil ser professor durante o regime militar. A cidade era considerada “de segurança nacional”, lembra Maria das Dores Pereira Mota, então professora de 1ª a 4ª série na Escola Municipal Macedo Soares e Silvaconstruída já durante o regime, afirma a professora, com salas de aula que contavam com escutas embutidas nas paredes.


    — Eu dava aula para a 4ª série. Um dia, em 1968, um aluno perguntou o que era imperialismo americano. Expliquei de forma geral. E disse que o país vivia, naquele momento, um regime que estava sendo sustentado por este imperialismo — conta Maria das Dores. — Quando acabou a aula, o então presidente da Fundação de Educação de Volta Redonda, que era um coronel, estava na porta da sala me olhando. Eu tomei aquilo como uma intimidação". (grifos meu), (DUARTE, 2014). 

    e) censura da propaganda política:


    Já foi visto neste texto que oes militares em sua "revolução", negaram ao povo brasileiro o direito de escolher seu presidente da república e vice-presidente, primeiro em 1964 e depois em 1965, e tal medida se manteve até 1985. Não obstante, em 1966, foi subtraído do povo o direito de eleger os governadores  e posteriormente até mesmo os prefeitos das capitais estaduais, restando a eleição dos prefeitos das demais cidades, vereadores, dos deputados e dos senadores. 


    Em 1970, ano que deveria ocorrer as eleições municipais, o Governo Federal suspendeu o sufrágio, adiando as eleições para 1974, e neste data, alguns dos candidatos a vereador, deputado estadual e federal, prefeito e senador de cidades no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, os maiores colégios eleitorais do Brasil, eram políticos do MDB, partido considerado a "oposição do regime". Diante desse resultado, o qual mostrava que parte da população não era favorável a política do regime, representada pelo seu partido a ARENA, dois anos depois, foi criada uma lei de censura prévia para a propaganda política, a Lei n. 6.339, de 1 de julho de 1976, redigida por Armando Falcão, então Ministro da Justiça, ficando conhecida como Lei Falcão

    • Art. 1º O artigo 250 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, alterado pelo artigo 50 da Lei nº 4.961, de 4 de maio 1966, passa a vigorar com a seguinte redação: 
      • "Art. 250. Nas eleições gerais, de âmbito estadual, as emissoras de rádio e televisão, de qualquer potência, inclusive as de propriedade da União, Estados, Territórios e Municípios, reservarão, nos 60 (sessenta) dias anteriores à antevéspera do pleito, duas horas diárias para a propaganda eleitoral gratuita, sendo uma hora à noite, entre vinte e vinte e três horas, sob a fiscalização direta e permanente da Justiça Eleitoral. 
      • § 1º Nas eleições de âmbito municipal, as emissoras reservarão, nos 30 (trinta) dias anteriores à antevéspera do pleito, uma hora diária, sendo trinta minutos à noite entre vinte e vinte e três horas, para a propaganda gratuita, respeitada as seguintes normas: 
        • I - na propaganda, os partidos limitar-se-ão a mencionar a legenda, o currículo e o número do registro dos candidatos na Justiça Eleitoral, bem como a divulgar, pela televisão, suas fotografias, podendo, ainda, anunciar o horário local dos comícios; 
        • II - o horário da propaganda será dividido em períodos de cinco minutos e previamente anunciado; 
        • III - a propaganda dos candidatos às eleições em um município só poderá ser feita pelas emissoras de rádio e televisão, cuja outorga tenha sido concedida para esse mesmo município, vedada a retransmissão em rede; 
        • IV - o horário de propaganda destinado a cada partido será distribuído em partes iguais, entre as suas sublegendas; 
        • V - o Diretório Regional de cada partido designará comissão de três membros para dirigir e supervisionar no município a propaganda eleitoral através do rádio e da televisão. 
      • § 2º O horário não utilizado por um partido não poderá ser transferido ou redistribuído a outro partido. 
      • § 3º As empresas de rádio e televisão ficam obrigadas a divulgar, gratuitamente, comunicados da Justiça Eleitoral, até o máximo de 15 minutos, entre as dezoito e as vinte e duas horas, nos 45 (quarenta e cinco) dias que precederem ao pleito, nas eleições de âmbito estadual, e nos 30 (trinta) dias anteriores à eleição, nos pleitos municipais."
    • Art. 2º O artigo 118 da Lei número 5.682, de 21 de julho de 1971 passa a vigorar com a seguinte redação: 
      • "Art. 118. Os partidos terão função permanente através: 
        • I - da atividade contínua dos serviços partidários, incluindo secretaria e tesouraria; 
        • II - da realização de palestras e conferências nos setores subordinados aos diversos órgãos de direção partidária; 
        • III - da promoção de congressos ou sessões públicas para a difusão do seu programa, assegurada a transmissão gratuita, pelas empresas de rádio e televisão; 
        • IV - da manutenção de cursos de liderança política e de formação e aperfeiçoamento de administradores municipais, promovidos pelos órgãos dirigentes - nacional ou regional; 
        • V - da criação e manutenção de instituto de doutrinação e educação política destinado a formar, renovar e aperfeiçoar quadros e lideranças partidárias; 
        • VI - da organização e manutenção de bibliotecas de obras políticas, sociais e econômicas; 
        • VII - da edição de boletins ou outras publicações.
        • Parágrafo único. Na transmissão gratuita pelas emissoras de rádio e televisão dos congressos ou sessões públicas referidos no inciso III, observar-se-ão as seguintes normas:  
          1. as emissoras são obrigadas a realizar, para cada um dos partidos, em rede e anualmente, uma transmissão de 60 (sessenta) minutos em cada Estado ou Território, e duas em âmbito nacional, por iniciativa e sob a responsabilidade dos Diretórios Regionais e Nacionais;
          2. os congressos ou sessões públicas serão gravados e transmitidos a partir de vinte e quatro horas depois;
          3. não será permitida a transmissão de congressos ou sessões públicas realizados nos anos de eleições gerais, de âmbito estadual ou municipal, nos 180 (cento e oitenta) dias que antecedam as eleições e até 45 (quarenta e cinco) dias depois do pleito;
          4. na transmissão destinada à difusão do programa partidário, não será permitida propaganda de candidatos a cargos eletivos, sob qualquer pretexto;
          5. cada transmissão será autorizada pela Justiça Eleitoral, que fará a necessária requisição dos horários às emissoras de rádio e televisão, mediante requerimento dos partidos, com antecedência de, pelo menos 30 (trinta) dias da data da realização do congresso ou sessão pública." 
    Em meio aos regulamentos propostos pela Lei Falcão a fim de determinar o horário e tempo de duração da propaganda política eleitoral gratuita, a grande mudança inserida encontra-se no ponto 1, do inciso 1 do artigo 250, no qual determinava que qualquer candidato estava proibido de apresentar suas propostas de campanha. Se pensarmos que nos anos 1970 e 1980, pois a Lei Falcão vigorou até 1985, a televisão já era o principal meio de comunicação e de difusão de informações em parte do mundo, proibir que os candidatos apresentassem suas propostas na propaganda televisionada, foi um duro golpe.



     Propaganda eleitoral já censurada pela Lei Falcão. 


    No ano de 1977, o então presidente Ernesto Geisel (1974-1979) tomou uma nova medida para frear o crescimento da oposição do MDB na política. Se não bastasse a Lei Falcão, ele suspendeu o Congresso Nacional e decretou  seis decretos-leis, quatorze emendas e três artigos novos. Tais medidas ficaram conhecidas como o "Pacote de Abril". Pelo fato de serem bastante amplas, não irei detalhá-las, mas em geral as medidas estavam relacionadas a questões políticas referentes ao sufrágio, a legenda parlamentar, a Lei Falcão, ao quorum para votação de projetos de lei, assim como, aumentava o mandato de presidente de cinco para seis anos. Mas um dos marcos do "Pacote de Abril", foi a criação do chamado "senador biônico".


    Matéria do Jornal do Brasil, de 15 de abril de 1977, noticiando que após as medidas do "Pacote de Abril", a eleição para senador passava a ser indireta. 

    Com as novas medidas, o governo aumentou o número de cadeiras dos deputados estaduais, federais e de senadores em estados menores, principalmente naqueles onde a ARENA dominava a política local. Com isso, em 1978, foram convocadas eleições extraordinárias para o Senado, mas a diferença é que enquanto em 1974, o povo elegeu seus senadores, no que repercutiu em vários candidatos do MDB terem sido eleitos, em 1978, a eleição foi indireta, tendo sido realizada por um colegiado eleitoral de ambos os partidos, no que resultou na vitória esmagadora da ARENA no Senado.

    Para Acemoglu e Robison (2006, p. 118) numa democracia, o cidadão possui o direito de votar em qualquer candidato apto, votar em branco ou votar nulo, e até mesmo ser candidato. Num governo não-democrático, o sufrágio é restringido apenas para se eleger determinados cargos e em alguns casos, até mesmo se suspendem a votação pública, passando esta ser realizada internante por congressos, assembleias, câmaras, grupos, etc. Além disso, as pessoas que podem ser candidatas, estão restritas a se candidatarem, havendo motivos impostos ou legais para censurar campanhas e candidatos. Existe também a tendência de se limitar a quantidade de partidos, onde em casos radicais, reduz-se a apenas um partido


    Não obstante, contemplando ainda a censura política estavam as censuras impostas pelo Governo Federal aos demais meios de comunicação, os quais eram proibidos de passar informações que questionassem o regime, que o criticassem, que indagassem suas falhas, omissões e erros. Por outro lado, imperou entre 1968 e 1973, uma imagem de um Brasil forte e próspero, algo que veremos a seguir. 

    4) Ideologia nacionalista:


    Ainda em 1964, após o Comício da Central do Brasil realizado pelo então presidente João Goulart, em 19 de março, em São Paulo, foi promovido pelo deputado federal Antônio Silvio da Cunha Bueno, convocou a chamada Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Na época, alegava-se que o então presidente João Goulart estava de "pacto" com os russos e chineses e pretendiam instalar o "comunismo" no Brasil. Assim, o deputado Cunha Bueno entrou em contato com o governador de São Paulo, Ademar de Barros, o vice-governador Laudo Natel, a freira militante Ana de Lourdes (neta de Ruy Barbosa), empresários, militares e representantes de grupos feministas como Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), União Cívica Feminina (UCF), grupos trabalhistas como Sociedade Rural Brasileira, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), etc. 

    Com tais lideranças e grupos arregimentados, a marcha ocorreu no dia 19 de março, e segundo os jornais da época contou com 300 a 500 mil participantes. A pessoas protestavam contra as supostas ideias comunistas, ateias, imorais que o presidente Goulart pretendia por em prática nas medidas que estava por lançar. 



    Fotografia de 1964, mostrando integrantes da Marcha da Família com Deus pela Liberdade. 
    "Em 19 de março 500 mil desfilaram da praça da República à praça da Sé em São Paulo, na "Marcha da Família com Deus pela Liberdade". A manifestação terminou "com uma missa 'pela salvação da democracia'. Durante o trajeto foi distribuído o Manifesto ao povo do Brasil, convocando a população a reagir contra Goulart".
                
    Essa não foi, contudo, uma reação isolada. Conforme a avaliação de Quartim de Moraes, sabia-se que: “marchas semelhantes estavam programadas para outros grandes centros urbanos. O golpe veio antes, transformando a mobilização da direita em desfiles de triunfo. Ela provara, de qualquer modo, antes do 31 de março, que podia pôr na rua muito mais gente que a esquerda. A superioridade da mobilização reacionária de massas sobre a das forças progressistas resultou de um enorme esforço de organização [por parte do] Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), na verdade uma vasta organização política do patronato, dirigida por um Estado-Maior composto por plutocratas e prepostos de alto nível, formando a cúpula do aparelho ideológico do capital no Brasil de então”.

    Precisamente, as Marchas da Família com Deus pela Liberdade foram atos públicos organizados por setores católicos da classe média urbana e impulsionados por políticos conservadores (a Ação Democrática Parlamentar, em primeiro lugar), pela elite empresarial (reunida no IPES) e pelos movimentos femininos que reuniram milhares de pessoas às vésperas do 31 de março nas principais cidades brasileiras. Condenavam genericamente a política "populista" (isto é, "a demagogia, a desordem e a corrupção") e o "comunismo" (seja seu caráter "materialista e ateu", seja o risco que o "totalitarismo" poderia representar à propriedade privada e à democracia). Fazendo eco ao clima de guerra fria, comunismo e populismo eram considerados posturas simetricamente "antidemocráticas"". (grifos meu), (CODATO; OLIVEIRA, 2004). 

    Schmitt (2013, p. 118) salientava que as ditaduras eram medidas de auto-defesa, ou seja, elas não eram apenas medidas de ação, mas também de reação. Muitos dos ditadores que deram início a ditaduras ou foram sucessores de outros ditadores, em geral alegavam que estavam fazendo aquilo para combater problemas internos e externos, assim eles alegavam que a forma de poder "salvar" o país eram assumindo o controle e agindo de forma enérgica e autoritária para por tudo em ordem

    Os militares haviam apoiado as marchas antes de assumirem o poder, e após tendo feito isso, promoveram novas marchas no intuito de legitimar sua ação, apresentando-a ao país como forma "legítima" de salvaguardar a nação da "ameaça comunista". 

    Fotografia da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 2 de abril de 1964, no Rio de Janeiro. Na época se comemorou a decaída do presidente João Goulart e a intervenção dos militares. 
    “Tanto os militares quanto os civis que integravam o grupo de poder a partir do movimento militar de 1964 apareciam como legítimos defensores de uma dada forma de democracia que, segundo eles, buscava a normalização da legalidade. O gal. H. de Alencar Castello Branco, em pronunciamento no Congresso que foi convocado para elegê-lo, dizia-se incumbido de cumprir “plenamente os elevados objetivos do movimento vitorioso de abril, no qual se irmanaram o povo inteiro e as Forças Armadas na mesma aspiração de restaurar a legalidade, revigorar a democracia, restabelecer a paz e promover o progresso e a justiça social””. (REZENDE, 2013, p. 68).

    A partir do ano de 1969, a censura ao ensino foi instaurado. O Decreto-lei n. 869, de 12 de setembro de 1969, decretava a criação da disciplina de Educação Moral e Cívica e da Comissão Nacional de Moral e Civismo (CNMC):
    • Art. 1º É instituída, em caráter obrigatório, como disciplina e, também, como prática educativa, a Educação Moral e Cívica, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País. 
    • Art. 2º A Educação Moral e Cívica, apoiando-se nas tradições nacionais, tem como finalidade:    
      • a defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus;
      • a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valôres espirituais e éticos da nacionalidade;
      • o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solidariedade humana;
      • a culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e aos grandes vultos de sua historia;
      • o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação à família e à comunidade;
      • a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento da organização sócio-político-ecônomica do País;
      • o preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas com fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva, visando ao bem comum;
      • o culto da obediência à Lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade.
      • Parágrafo único. As bases filosóficas de que trata êste artigo, deverão motivar: 
        • a ação nas respectivas disciplinas, de todos os titulares do magistério nacional, público ou privado, tendo em vista a formação da consciência cívica do aluno;
        • a prática educativa da moral é do civismo nos estabelecimentos de ensino, através de tôdas as atividades escolares, inclusive quanto ao desenvolvimento de hábitos democráticos, movimentos de juventude, estudos de problemas brasileiros, atos cívicos, promoções extra-classe e orientação dos pais.
    • Art. 3º A Educação Moral e Cívica, com disciplina e prática, educativa, será ministrada com a apropriada adequação, em todos os graus e ramos de escolarização
      • § 1º Nos estabelecimentos de grau médio, além da Educação Moral e Cívica, deverá ser ministrado curso curricular de "Organização Social e Política Brasileira." 
      • § 2º No sistema de ensino superior, inclusive pós-graduado, a Educação Moral e Cívica será realizada, como complemento, sob a forma de Estudos de Problemas Brasileiros," sem prejuízo de outras atividade culturais visando ao mesmo objetivo. 
    • Art. 4º Os currículos e programas básicos, para os diferentes cursos e áreas de ensino, com as respectivas metodologias, serão elaborados pelo Conselho Federal de Educação, com a colaboração do órgão de que trata o artigo 5º, e aprovados pelo Ministros da Educação e Cultura. 
    • Art. 7º A formação de professôres e orientadores da disciplina "Educação Moral e Cívica," far-se-á em nível universitário, e para o ensino primário, nos cursos normais. 
      • § 6º Até que o estabelecimento de ensino disponha de professor ou orientador, regularmente formado ou habilitado em exame de suficiência, o seu diretor avocará o ensino da Educação Moral e Cívica, a qual, sob nenhum pretexto, poderá deixar de ser ministrada na forma prevista
    • Art. 8º É criada a Cruz do Mérito da Educação Moral e Cívica a ser conferida pelo Ministro da Educação e Cultura, mediante proposta da CNMC, a personalidades que se salientarem, em esforços e em dedicação à causa da Educação Moral e Cívica. 

    Folha do Jornal Estado de São Paulo, de 17 de setembro de 1969, falando da obrigatoriedade da disciplina de Educação Moral e Cívica.
    Incentivar a democracia, o respeito, o civismo, o trabalho, o solidarismo, o amor a Pátria, não são ideias ruins, o problema é que a disciplina de Educação Moral e Cívica foi usada para alienar os estudantes. Você não deveria questionar os atos e ações do governo. Não deveria pensar diferente. Vale lembrar que em governos como o de Hitler e o de Mao Tsé-tung, foram investidos milhões para a elaboração de material didático a fim de doutrinar a população para as ideologias de seus governos. Mesmo governo democráticos costumam fazer isso hoje em dia.  

    Se tal disciplina tivesse seguido um caminho não voltado para alienar o povo a realidade do regime militar, ela ainda estaria em voga hoje em dia, pois em 1988, foi retirada dos currículos escolares e universitários. Lembrando que alguns importantes educadores brasileiros como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire tiveram suas obras censuradas durante o governo militar, mesmo que eles falassem de patriotismo, nacionalismo, solidarismo, respeito, desenvolvimento, progresso etc., mas o fato de incentivarem o pensamento crítico e de pesquisa, ia de encontro a tendência do regime de não querer cidadãos questionando suas medidas

    E hoje disciplinas como História, Filosofia e Sociologia, as quais possuem sua responsabilidade de ensinar tais questões não são levadas a sério. As aulas de história são encaradas como decoreba de datas, e as aulas de filosofia e sociologia ou inexistem em várias escolas e quando há, os alunos não dão importância. Além do fato de haver um grande preconceito contra os historiadores, acusando-os de serem na sua maioria marxistas e adeptos do comunismo e socialismo. 


    Em 1970, o país entrava numa nova fase. O governo vinha censurando a imprensa, o ensino as artes, havia decretado o AI-5 que lhe concedia poderes autoritários, estava na hora de promover a propaganda política para assegurar o regime, já que entre 1966 e 1969, houve protestos contra o governo, o acusando de ser usurpador, autoritário e até mesmo uma ditadura. A saída para se combater essa visão negativa, era intensificar a perseguição, algo que será comentado adiante, mas construir uma imagem nacionalista e agradável para a população. 



    Slogan político bastante usado durante o governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). 
    O governo do general Médici marca uma incoerência pertinaz: foi a época do "milagre econômico", mas também a fase dos chamados "anos de chumbo". Progresso e violência andaram lado a lado nestes quase cinco anos de seu mandato. 

    Como forma de reafirmar que o AI-5, havia sido uma "medida boa" e necessária para assegurar a manutenção da "revolução", nos anos 70, começou-se a se produzir propaganda política para exaltar o governo, o nacionalismo, o ufanismo, como também dizer que quem não estava contente com o regime, que fosse embora (antes que a situação piorasse para o lado dele). 


    Todavia, enquanto músicas eram censuradas, outras eram criadas para valorizar o nacionalismo e o patriotismo como a música Eu Te Amo, Meu Brasil (1970) de Dom e Ravel e Pra Frente Brasil! (1970) de Miguel Gustavo, ambas tiveram forte repercussão, pois naquele ano o Brasil foi campeão da Copa do Mundo do México, tendo se tornado tricampeão. A vitória foi amplamente comentada, televisionada e celebrada no país, e com isso o governo usou essa euforia e ânimos exaltados para disseminar sua política. 



    Outro slogan do governo Médici. Dessa vez pautado no "milagre econômico". 
    Mas além de canções e de futebol, se fazia necessário algo mais para passar aquela imagem de que tudo estava ocorrendo bem e que o país era próspero e promissor, e isso veio com o desenvolvimento econômico ocorrido entre 1968 e 1973, o qual ficou conhecido como "milagre econômico". Nesse período, o governo investiu massivamente nas indústrias de base: metalurgia, siderurgia, petroquímica, eletricidade e construção civil, como também incentivou a indústria automobilística e de aparelhos domésticos (televisores, fogões e geladeiras eram vendidos aos montes). 

    Ao mesmo tempo deu início a grandes projetos como o Programa Nuclear Brasileiro, iniciado em 1972 com a construção da Usina Angra 1; na ideia de integrar a Região Norte ao restante do país, foram criados vários programas como a Rodovia Transamazônica, concluída em 1972 (mostrou-se um fiasco posteriormente), a Zona Franca de Manaus em 1968 (que mostrou grande êxito), o Poloamazônia, a Ponte Rio-Niterói em 1973 (entregue após quatro anos de atraso), o Plano de Integração Nacional (PIN) de 1970, etc. 



    "Do início de 1964 ao final de 1984, portanto no período que cobre o ciclo de governos militares com um deslocamento temporal de três meses dita pela disponibilidade das estatísticas das Contas Nacionais, o Brasil cresceu em média 6,15% ao ano, contra os 7,12% ao ano registrados entre 1948 e 1963". [...]. Trocando-se o parâmetro temporal pelo parâmetro geográfico, concluiu-se que o Brasil não fez feio entre 1964 e 1985. É bem verdade que a taxa média de inflação de 58% ao ano, medida pelo deflator implícito do PIB (ou de 60,05% medida pelo IGP-DI), coloca o país numa posição claramente inferior à taxa média mundial de 9,4% ou às taxas de 20,2% dos países em desenvolvimento e de 39% do país da América Latina. Por outro lado, o crescimento médio brasileiro de 6,15% ao ano, entre 1964 e 1985, suplantou em muito o crescimento médio mundial de 3,66% bem como as taxas de 4,78% e 4,75%, respectivamente, dos países em desenvolvimento da América Latina". (CYSNE, 1993, p. 186).


    Propaganda política do governo Médici, em referência ao "milagre econômico".
    O êxito do crescimento econômico foi bem utilizado pelo governo entre 1970 e 1973, pois diferente do que se pensa, o milagre durou menos de cinco anos. Inegavelmente ele deu certo e teve êxito nesse período, o que proporcionou uma qualidade de vida boa para determinados setores da sociedade, pois outros ainda continuaram a viverem no nível da pobreza, além do fato de que os salários não cresceram significativamente entre 1966 e 1975, além de que embora a produção estivesse em alta, não significava que os produtos fossem tão baratos assim. 

    Em países como a Alemanha, Rússia e China, o investimento econômico foi massivo ao ponto destes países tornarem-se potências econômicas (o que não foi o caso do Brasil naquela época), porém, isso tudo teve um alto preço. Quando o crescimento foi barrado pela crise que começou a surgir em 1973-1974, a economia continuaria em crise até 1985, oscilando por altos e baixos. O governo militar investiu massivamente ao longo de quase cinco anos, no entanto, não soube administrar bem seus gastos e a renda, e isso influenciou no crescimento do país no restante da década de 1970 e na primeira metade dos anos 1980. 



    Renda Per Capita no Brasil entre 1962 e 1979. O "milagre econômico" ocorreu entre 1968 e 1973. 
    “O denominado “milagre econômico” era enfatizado como a ratificação dos propósitos da ditadura de construção de uma nação em que prevalecesse a sua suposta democracia com responsabilidade. Enquanto elemento importante de busca de legitimidade pelo regime, o crescimento econômico era constantemente divulgado como algo que se projetava para a hipotética forma de democracia social em que o movimento de 1964 teria, segundo os seus condutores, pautado seus objetivos”. (REZENDE, 2013, p. 115).

    Na década de 1980, o governo militar adotou uma nova forma de propaganda política: por um lado ele continuava a defender sua justeza e integridade, embora que a crise econômica já não permitisse mais defender os slogans de "Brasil Grande", "Brasil Potência", "Ninguém segura este país", etc., mas a diferença encontrava-se em medidas que procuravam recompor a imagem do regime frente a sociedade, a qual estava bastante abalada.
     



    Ao assumir como presidente da República em 15 de março de 1979, João Batista Figueiredo em seu discurso de posse, jurava que faria uma "democracia". Ora, mas o regime desde 1964, não dizia ser uma democracia? 
    “Visando encontrar meios de construir uma consciência coletiva favorável às suas estratégias nas diversas esferas sociais, o regime invocava, como no seu início, a sua vocação e intenção de proteger a família dos males provocados por alguns grupos não-comprometidos com os seus valores fundantes. As medidas tomadas pelo governo, no início da década de 80, eram apresentadas como a única forma de manutenção da ordem e da disciplina que interessava, segundo ele, à maioria da população brasileira. O regime divulgava até os seus últimos dias que continuava havendo conexidade entre os valores do regime e os valores que eram mantenedores da ordem social brasileira. Buscava-se, assim, aceitabilidade e adesão para as suas ações afirmando que as diversas reivindicações, daquele momento, eram prejudiciais não somente à abertura proposta pelo último presidente militar, mas sim à família, à pátria e à sociedade em geral”. (REZENDE, 2013, p. 240). 

    Durante o governo de Figueiredo ocorreram alguns atentados terroristas, a maioria sem vítimas fatais, tendo sido realizados por civis e militares (conservadores). Os mais conhecidos são da "carta-bomba" entregue ao vereador Antônio Carlos Carvalho (PMDB/RJ) e Eduardo Seabra Fagundes, na época presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O outro atentado ocorreu em 30 de abril de 1981, no Rio Centro, com a explosão de um carro-bomba, que vitimou dois militares. Nos últimos anos foi revelado que o crime foi realizado pela ala conservadora do próprio Exército e não foi um ataque de civis, como pensado na época. 


    No entanto, mesmo diante da crise econômica e política, Figueiredo, o qual não contava com pleno apoio das Forças Armadas, pois sua política de dar continuidade a medida de "distinção" iniciada por Geisel, não agradava os setores mais conservadores das Forças Armadas, mas ainda assim ele aboliu o AI-5 em 1979, no mesmo ano também decretou a anistia para os exilados e presos políticos, além de conceder anistia aos próprios militares (muitos envolvidos com crimes de sequestro, tortura e assassinato).



    Jornal do Brasil de 2 de novembro de 1979, noticiando a aprovação da Lei da Anistia. 
    Em 1980 o bipartidarismo foi abolido, retomando-se o multipartidarismo. A ARENA tornou-se o Partido Democrático Social (PDS) e o MDB tornou-se o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Em 1982, foi permitido a eleição para governador, mas a eleição para prefeito das capitais e para senador ainda eram indiretas. Não obstante, ainda no mesmo ano, uma petição encaminhada ao Congresso Nacional solicitava eleições para a presidência, mas o pedido foi recusado. 

    Nos dois anos seguintes ocorreram as campanhas das Diretas Já, ainda assim, o governo militar negou-se a atender as campanhas, acatando-a apenas em 1984, pois estava próximo do fim do mandato de Figueiredo, e esse pretendia que seu candidato pelo PDS, Tancredo Neves fosse eleito, dando continuidade as ideais do regime, mas agora vestidas em trajes civis. De fato Tancredo venceu as eleições de 1984, mas morreu antes de assumir, e seu vice José Sarney do PMDB, tornou-se presidente da república em 1985. Em termos teóricos, os militares haviam negociado a saída do poder, mas o PDS (a antiga ARENA), estava incumbida de dar continuidade a seus preceitos, mas com o agravamento da saúde de Tancredo, isso não aconteceu. 



    Folha de São Paulo, de 16 de janeiro de 1985, noticiando a vitória do candidato do PDS (antiga ARENA, partido do governo militar), Tancredo Neves. A matéria destacava que com Tancredo chegava ao fim o ciclo autoritário dos militares. 
    O presidente Figueiredo também foi crítico dos movimentos sindicais, os quais voltaram a se tornar mais coesos a partir das greves de 1979 e se intensificaram nos anos seguintes, gerando centenas de greves pelo país. Figueiredo utilizou a crise econômica como argumento de que suas medidas de austeridade, o faziam ser um bom gestor, como o caso de recusar sediar a Copa do Mundo de 1986. De fato a recusa foi uma escolha certa, porém seus planos econômicos, sua proposta de reforma agrária na Região Norte, a revalorização do salário mínimo não surtiram o efeito desejado. Nem mesmo os minérios e o ouro de Serra Pelada, explorados pelo projeto Grande Carajás ajudou a reverter o problema da crise econômica iniciada pelos próprios militares, apenas acarretou em alguns paliativos. Além disso, 1979, 1981 e 1983 foram marcados por intensas greves no país. 

    Todavia, Figueiredo chegou ao término de seu mandato, apresentando um status de bom governante, tendo sido "piedoso" com a oposição, por ter posto fim ao AI-5, promulgado a Anistia, retomado o multipartidarismo, investido na agricultura, construção civil e na exploração de minérios. No entanto, as restrições políticas ainda continuaram, inclusive a Lei Falcão e as censuras ainda se mantiveram até o término de seu mandato. O presidente João Figueiredo utilizou sua política de "reconciliação" para gerar uma "sensação" que o regime militar se fosse para acabar, que ele terminasse com a "imagem limpa", procurando novamente recusar todo o lado negativo dos anos anteriores.
     


    5) Perseguição, repressão e opressão: 

    Algumas pessoas reclamam dizendo que na época dos militares a disciplina de Educação Moral e Cívica gerava cidadãos de bem, até poderia ser, mas vale lembrar que além dessa singela disciplina, o governo já havia impostos várias censuras, criado uma Lei de Segurança Nacional e polícias especializadas para espionar, combater e silenciar os focos de oposição, além do fato de que em 1969, o Decreto-lei 898, de 29 de setembro de 1969, havia instituído as penas de prisão perpétua e de morte para alguns crimes contra a Lei de Segurança Nacional. De 1968 a 1974 imperou os chamados "anos de chumbo", época mais atroz do regime militar. 

    Todavia, nessa parte final do texto, falta ainda abordar outros aspectos acerca da repressão realizada pelo governo militar. Alguns deles já foram vistos com as censuras impostas ao ensino, a imprensa, a política e as artes, vejamos agora outras formas de repressão. 


    a) Perseguição aos estudantes e professores:


    Destacam-se nesse âmbito da luta não armada, os movimentos estudantis e os movimentos trabalhistas, ambos operaram em diferentes épocas do regime, mas vamos comentar alguns aspectos gerais sobre estes, primeiro acerca do movimento estudantil.


    Ainda no ano de 1964, os estudantes já se demonstravam em parte receosos quanto as propostas da intervenção dos militares no controle do Estado. Para alguns, a postura que o novo governo estava assumindo, tornou-se mais clara em 1 de abril de 1964, quando a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, foi metralhada e incendiada de madrugada. 



    Fotografia de 1 de abril de 1964, mostrando o incêndio na sede da UNE, no Rio de Janeiro. 
    Doze dias após o ataque a sede da UNE, a Universidade de Brasília (UnB) foi invadida, como comentado. Após tais atos, estudantes em diferentes cidades do país, mas principalmente no Rio, devido a sede nacional, começaram a protestar contra o governo. Alguns já usavam o termo ditadura para se referir ao chamado "governo revolucionário provisório". Em resposta aos protestos, o governo decretou o fechamento da UNE em 27 de outubro de 1964


    Fotografia de um protesto da UNE, mostrando o uso do termo "baixo a ditadura". 
    Além de decretar o fim da UNE, o governo expediu a Lei n. 4.464, de 9 de novembro de 1964, conhecida também como Lei Suplicy, em referência ao seu autor, o então Ministro da Educação Flávio Suplicy de Lacerda. A lei deliberava que os movimentos e grêmios estudantis perdiam sua autonomia e passavam a estarem subordinados diretamente ao Ministério da Educação. 

    A lei instituía a criação dos Órgãos de Representação dos Estudantes, o que originou os Direitos Estudantis universitários. Além de declarar que a UNE e demais grupos e grêmios estudantis estavam abolidos e proibidos de atuarem. Por mais que a Lei Suplicy alegasse que sua proposta era visar a representatividade estudantil do ensino superior, na prática foi uma forma de inibir que manifestações contrárias ao governo ocorressem, no entanto, ainda na clandestinidade, a UNE e outros grupos continuaram a agir. 


    Em fevereiro e março de 1965, estudantes da Universidade de São Paulo (USP), estavam em greve, como protesto ao governo. A polícia militar invadiu os alojamentos, agredindo e prendendo alguns dos grevistas. No mesmo ano ocorreu a segunda invasão a Universidade de Brasília. Menos de um após o ataque em 1964. 



    "A segunda invasão aconteceu no ano seguinte. Em 8 de setembro de 1965  os professores entraram em greve por 24 horas. A greve foi uma resposta à demissão dos professores Ernani Maria de Fiori, Edna Soter de Oliveira e Roberto Décio de Las Casas, afastados por “conveniência da administração”.  O clima de apreensão tomou conta do campus, e outros docentes temiam ser demitidos de forma arbitrária.

    No sábado, os alunos também aderiram ao movimento. Nesse mesmo dia, o reitor Laerte Ramos de Carvalho solicitou o envio de tropas militares ao campus. Segundo ele, a greve era uma falta grave e pichações que apareceram na UnB revelavam “ameaças de depredação aos prédios”.

    As tropas chegaram na madrugada do dia 11 de outubro e cercaram as entradas do campus. Alunos e professores eram impedidos de entrar. Os soldados ficavam na entrada dos edifícios, proibiam qualquer agrupamento de pessoas e não permitiam nem a entrada nos laboratórios para que animais envolvidos em pesquisas fossem alimentados.

    Uma semana depois, o reitor demitiu quinze professores, alegando que eles eram os responsáveis pelo ambiente de perturbação. Esses professores, segundo o reitor, haviam se manifestado de forma subversiva durante assembleia e Zeferino justificou as demissões como “medida disciplinar”. Entre os demitidos estava Sepúlveda Pertence, que mais tarde seria presidente do Supremo Tribunal Federal.


    Houve reação: 223 dos 305 professores da Universidade demitiram-se em seguida.  O professor Roberto Salmeron conta em seu livro A universidade interrompida: Brasília 1964-1965, que os professores estavam fartos do clima de instabilidade que havia se instalado na Universidade". (grifos meu), (Site da UnB: invasões). 

    Mesmo na ilegalidade a UNE continuou a realizar reuniões, e em 22 de setembro de 1966, foi instituído o Dia Nacional de Luta contra a DitaduraEm resposta as ações clandestinas da UNE, na tarde de 23 de setembro de 1966, a Faculdade de Medicina da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), em Praia Vermelha, foi cercada pela polícia. Os militares decretaram que os militantes saíssem. Parte dos alunado que não fazia parte da militância se retirou, mas os militantes se recusaram a sair, então de madrugada a faculdade e seu alojamento foram invadidos. O local foi vandalizado e dezenas de estudantes foram agredidos. No dia seguinte, 600 estudantes foram conduzidos as delegacias e fichados como subversivos. O incidente ficou conhecido como "Massacre da Praia Vermelha"


    Policiais correndo durante a invasão da Faculdade de Medicina, em Praia Vermelha, Rio de Janeiro. 
    O ano de 1968 foi marcado por alguns confrontos entre estudantes e a polícia. Em 28 de março ocorreu outro confronto entre a polícia os estudantes, e dessa vez houve vítima fatal. Na ocasião, grupos estudantis localizados no restaurante Calabouço, situado no Bairro do Flamengo, o qual atendia principalmente estudantes universitários, estavam protestando contra a precariedade do ambiente, a qualidade da comida e o aumento no custo das refeições. 

    A polícia sabendo do pequeno protesto agiu com violência e invadiu o local para prender os manifestantes, na ocasião, tiros foram disparados e um estudante secundarista, que ajudava na faxina do restaurante, chamado Edson Luís, com seus 17 anos, foi morto com um tiro no peito a queima-roupa. O assassinato de Edson Luís repercutiu nacionalmente e prejudicou a imagem da polícia militar do Rio de Janeiro, como foi usado para inflar a revolta estudantil.



    Manchete do Jornal do Brasil, de 29 de março de 1968, trazendo como notícia de capa, o assassinato do estudante de 17 anos, Edson Luís durante operação da polícia no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. 
    Estudantes do Rio e de alguns outros estados começaram a promover greves contra o governo. Durante o velório, pelo menos 50 mil pessoas foram estimadas que participaram do adeus a Edson Luís. Todavia, na missa de sétimo dia, realizada na Igreja da Candelária, no centro da cidade, algumas pessoas que em solidariedade haviam ido assistir a missa, foram agredidas por policiais no local, alguns montados a cavalo. 


    Polícia reprimindo e agredindo pessoas que iam assistir a missa de sétimo dia do estudante Edson Luís, realizada na Igreja da Candelária. Na ocasião, alguns estudantes aproveitaram para fazer protesto nas cercanias, e foram reprimidos e presos.
    A morte de Edson abalou a imagem do governo perante a sociedade carioca, como também foi usada para inflar outros movimentos grevistas e de passeata. O então Ministro da Justiça, Game e Silva, ordenou que a polícia fosse mais severa para impedir que novos protestos ocorressem no restante do país. Em resposta ao decreto do ministro, foi criada a Lei n. 5.439, de 22 de maio de 1968, a Lei da maioridade penal. Devido a participação de estudantes secundaristas em algumas das manifestações e greves, mas o fato de terem menos de 18 anos, faixa etária que no Brasil corresponde a maioridade penal e legal, o governo decidiu enquadrar os menores infratores e com isso baixou a lei 5.439 que dizia o seguinte:
    • Art. 1º Os menores de 18 anos ficarão sujeitos, pela prática de fatos considerados infrações penais, às normas estabelecidas nesta Lei.
    • Art. 2º São as seguintes as medidas aplicáveis aos menores de 14 a 18 anos
      • I - se os motivos e as circunstâncias do fato e as condições do menor não evidenciam periculosidade, o Juiz poderá deixá-lo com o pai ou responsável, confiá-lo a tutor ou a quem assuma a sua guarda, ou mandar interná-lo em estabelecimento de reeducação ou profissional e, a qualquer tempo, revogar ou modificar a decisão;
      • II - se os elementos referidos no item anterior evidenciam periculosidade, o menor será internado em estabelecimento adequado, até que, mediante parecer do respectivo diretor ou do órgão administrativo competente e do Ministério Público, o Juiz declare a cessação da periculosidade.
        • § 1º Completada a maioridade sem que haja sido declarada a cessação da periculosidade, observar-se-ão os §§ 2º e 3º do art. 7º do Decreto-lei número 3.914, de 9 de dezembro de 1941.
        • § 2º O Juiz poderá sujeitar o menor desligado em virtude de cessação de periculosidade à vigilância, nas condições e pelo prazo que fixar, e cassar o desligamento no caso de inobservância das condições, ou de nova revelação de periculosidade”.
    • Art. 4º Quando se tratar de menor de 14 anos, a autoridade policial, logo que tiver conhecimento da ocorrência, fará apresentar o menor e as testemunhas ao Juiz competente que procederá, sem prejuízo do disposto nesta Lei, na forma dos artigos 68 e seus parágrafos e 79 do Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927 (Código de Menores), com audiência do Ministério Público.
    • Art. 6º A decisão definitiva do Juiz ficará sujeita a reexame do Conselho de Justiça do Distrito Federal, ou de órgão judiciário correspondente nos Estados, a pedido do Ministério Público, ou do pai ou responsável.
      • Parágrafo único. O pedido de reexame terá efeito devolutivo e será apresentado dentro de 10 (dez) dias, contados da intimação, devendo os autos subir no prazo de 5 (cinco) dias, após ouvidos, em tríduo o Ministério Público, e, quando fôr o caso, o pai ou responsável. O órgão revisor poderá determinar as diligências que entender convenientes para seu esclarecimento”.

    Ironicamente no mesmo dia que a lei foi decretada, no país ocorriam manifestações de estudantes secundaristas, os quais foram os primeiros a serem enquadrados como subversivos. As manifestações eram principalmente contra as demissões arbitrárias de professores e a proposta de impor mensalidades em universidades públicas. 

    Seguindo essa onda de protestos iniciado no final de maio, entre 19 e 20 de junho, ocorreram protestos de estudantes e professores na reitoria da UFRJ e do Ministério da Educação no Rio. Nas duas ocasiões a polícia interviu e levou manifestantes presos. Porém a situação foi pior no dia seguinte. 


    Em 21 de junho de 1968, na ocasião, alguns estudantes realizavam uma passeata na Avenida Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro. Eles reivindicavam melhorias para a educação, mas a polícia fechou a avenida ao longo de oito horas e o conflito entre estudantes e policiais ocorreu nesse meio tempo, resultando em 26 civis mortos, dezenas de feridos e pelo menos mil presos. O acontecimento ficou conhecido como a "Sexta-feira Sangrenta"
    . 



    Polícia militar marchando na Avenida Rio Branco, em 21 de junho de 1968, contra a passeata estudantil. Na imagem, alguns transeuntes assistem a investida dos policiais. Ao centro um homem se preparava para atirar uma pedra. 
    Tentando se redimir das mortes ocorridas em 21 de junho, no dia 26, foi autorizado uma passeata, a qual reuniu 100 mil pessoas no centro do Rio de Janeiro. A Marcha dos 100 mil pedia o fim da ditadura. Todavia, o governo não acatou nenhuma das medidas solicitadas pela marcha que contou com movimentos estudantis, professores, artistas, intelectuais e civis no geral. Rejeitou-se a anistia aos estudantes presos. Rejeitou-se o abrandamento da censura as organizações estudantis. 

    Em 29 de agosto de 1968 a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi fechada, devido a manifestações estudantis, o governou decidiu suspender todas as atividades da universidade. Na mesma época ocorreu a terceira invasão a Universidade de Brasília, tendo sido a invasão mais violenta das três. 



    "Com o decreto, agentes das polícias Militar, Civil, Política (Dops) e do Exército invadiram a UnB e detiveram mais de 500 pessoas na quadra de basquete. Ao todo, 60 delas acabaram presas e o estudante Waldemar Alves foi baleado na cabeça, tendo passado meses em estado grave no hospital.

    Depois desse período conturbado, no dia 25 de março de 1971, o professor e pesquisador Amadeu Cury assumiu a reitoria com uma proposta de reestruturação da universidade. Iniciava-se a etapa de consolidação acadêmica e física da UnB.

    Mas o clima de reconstrução e calma durou poucos anos. Com a posse do professor, doutor em Física e oficial da Marinha, José Carlos de Almeida Azevedo, em maio de 1976, as manifestações recomeçaram. Um ano após a mudança na reitoria, multiplicaram-se os protestos de alunos contra a má qualidade do ensino, a ociosidade nos laboratórios e a falta de professores.

    A crise política da UnB ultrapassou os limites do campus. O Senado criou uma comissão para interferir no conflito. Cerca de 150 professores entraram como mediadores entre a reitoria e os estudantes.

    Novamente, em 6 de junho de 1977, tropas militares invadiram a UnB, prenderam estudantes e intimaram professores e funcionários. O estopim, dessa vez, foi a greve que estudantes e professores declararam para dar um fim às agressões que sofriam. “Foi uma luta pela dignidade da UnB, para dizer que aqui não aceitaríamos mais esse tratamento”, explica Antônio Ramaiana,  autor do livro UnB 1977: O Início do Fim". (grifos meus), (Site da UnB: invasões). 

    Alunos presos durante a terceira invasão a UnB, em 29 de agosto de 1968. A concentração dos revoltosos foi feita na quadra de basquete. 
    Não obstante, nos meses seguintes novas passeatas ocorreram, resultando em um número elevado de presos e feridos, e até de mortos. Movimentos ocorridos nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco foram rechaçados. Destacaram-se o confronto entre estudantes da USP e da Mackenzie, na rua Maria Antônia, em São Paulo. 

    Os estudantes da Faculdade de Filosofia da USP eram contrários ao regime, por sua vez, os estudantes da Mackenzie eram a favor, então eles se desentenderam na rua, pois alguns estudantes da USP cobravam "pedágio" para ajudar a UNE, o que levou a polícia intervir, agredir e prender os estudantes de ambos os lados, embora não estivessem fazendo manifestação na ocasião. Além de vários feridos, alguns estudantes foram mortos, como José Carlos Guimarães, de 20 anos, alvejado na cabeça. O prédio da Faculdade de Filosofia da USP, situado na rua, foi depredado e incendiado pela polícia. O incidente ficou conhecido como a "Batalha da Maria Antônia"



    Estudantes ocupando a rua Maria Antônia, São Paulo, em 2 de outubro de 1968, na chamada "Batalha da Maria Antônia". 
    Em 30 de outubro de 1968, o 30o Congresso da UNE, realizado em Ibiúna, no estado de São Paulo, foi descoberto pela polícia. Os participantes, os quais contavam mais de mil pessoas, foram presos e agredidos. 1.240 pessoas foram presas, o que incluiu o então presidente da UNE, Luís Travassos e outras lideranças como Vlamidir PalmeiraJosé Dirceu e Jean Marc von Der Veid. A UNE permanece desestruturada por três anos, até que um novo presidente fosse eleito em 1971, Honestino Guimarães, o qual havia sido preso em 1968, durante a terceira invasão a UnB. Todavia, Honestino foi assassinado em 1973.

    Em 1 de abril de 1970, ocorreu o "Massacre de Manguinhos". Na ocasião oito pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), em Manguinhos, Rio de Janeiro, foram demitidos. Posteriormente outros dois cientistas também foram demitidos. Além de cientistas eles também eram professores, todavia, devido a sua posição política e ideológica, foram considerados uma "ameaça". No entanto, os dez pesquisadores demitidos foi uma perda lastimável a fundação, a qual originada em 1900, é uma das mais renomadas do país e da América Latina. Dedicada ao estudo da sanitário e da saúde. 


    Em 14 de março de 1971, o corpo do educador Anísio Teixeira foi encontrado no fosso de um elevador, de um prédio em Botafogo, Rio de Janeiro. Anísio estava desaparecido há alguns dias. Na época a família suspeitou que ele foi sequestrado pelos militares e executado. De fato, Anísio havia sido demitido da reitoria da UnB em 1964, além de ter obras censuradas e de ter sido repreendido pelo governo. O governo negou qualquer envolvimento com a misteriosa morte do famoso educador. Enquanto Anísio teve uma morte misteriosa, outros importantes educadores como Darcy Ribeiro e Paulo Freire devido a perseguição política, haviam se exilado ainda em 1964. Todavia, suas obras foram censuradas no Brasil. 

    Com a severidade do AI-5, o movimento estudantil ficou estagnado por quase dez anos, apenas em 1977, ele retornou: Em 30 de março, estudantes da USP realizaram passeata em protesto a ditadura. Em 19 de maio, a UnB foi invadida pela quarta vez, devido a greve dos professores e estudantes em protesto a precariedade do ensino e a censura. Em agosto, grupos estudantis espalhados pelo Brasil, tentaram reerguer a UNE e as UEE (União Estadual dos Estudantes). 

    Em 22 de setembro, a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo foi invadida. 800 estudantes foram presos, vários ficaram feridos, alguns locais foram incendiados, ferindo duas estudantes gravemente. Em 18 de março de 1978, 11 professores de uma escola em Curitiba, capital do Paraná, foram presos por estarem fazendo "doutrinação marxista". 

    Estudantes da PUC-SP, condicionados durante a invasão da faculdade em 22 de setembro de 1977. 
    Em 1979 a UNE começou a se recuperar, mas em resposta, no ano seguinte o governo ordenou a demolição da antiga sede da UNE, no Flamengo, Rio de Janeiro. Na ocasião houve passeata contra a ordem de demolição. Os manifestantes foram agredidos e alguns foram presos. A destruição do prédio da UNE, era um ato de repúdio simbólico do governo a representatividade estudantil. 

    Fotografia do processo de demolição do prédio da UNE, Praia do Flamengo, n. 132, Rio de Janeiro, em 1980. 
    Em 26 de abril de 1984, estudantes vinculados a UNE protestaram em Brasília, pela derrota da Emenda Dante de Oliveira, a qual convocava eleições presidenciais diretas. Era a época das Diretas Já! Enquanto protestavam contra o governo negar-se a aprovar as eleições diretas a presidência, o general Newton Cruz ordenou cerco a passeata e a prisão dos manifestantes. Esse foi o último ato do regime militar contra movimentos estudantis. 

    b) repressão aos sindicatos trabalhistas: 

    A repressão ao movimento sindical começou ainda cedo durante o regime militar com a Lei n. 4.330, de 1 de junho de 1964, a qual ficou conhecida como Lei Antigreve, composta de trinta artigos determinava o que seria greve, como ela deveria ser estruturada, organizada e notificada, assim como, deliberava ações que tornariam as greves ilegais. 


    Basicamente a Lei Antigreve determinava que toda a proposta grevista deveria passar pelas mãos de uma assembleia legislativa sindicalista, para ser votada e assim determinar a realização da greve. O problema residia no fato de que muitos sindicatos foram subornados por empresários e até por políticos, para recusar aprovar as petições dos trabalhadores. Não obstante, funcionários públicos eram proibidos de fazerem greve. Além de dificultar a realização de greves e enfraquecer a autonomia dos sindicatos, o governo aboliu o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), organização intersindical nacional, a qual representava sindicatos de várias áreas do país. 


    Em consequência da Lei Antigreve, os sindicatos que recusaram a reconhecê-la ou obedecê-la, foram fechados, alguns de seus membros foram presos. Não obstante, o governo também expandiu sua repressão ao sindicalismo, saindo da cidade para o campo. Os movimentos rurais chamados de Ligas Camponesas, surgidos no Nordeste nos anos 50, foram no regime militar abolidos. 


    Após quatro de anos de greves suspensas, ocorreu em Contagem-MG e Osasco-SP, duas greves, as quais puseram em questão a Lei Antigreve e o arrocho salarial imposto pelo governo desde 1964. Isso significava que o salário mínimo não recebia reajuste a quatro anos. Primeiro ocorreu a greve de Contagem iniciada por 1200 trabalhadores da siderúrgica Belgo-Mineira, os quais reivindicavam um aumento salarial de 25%. 


    Os representantes da empresa recusaram a proposta e a greve durou 11 dias, mesmo tendo sofrido ameaças por parte do governo. Nesse tempo, trabalhadores de outras indústrias se aliaram aos grevistas da Belgo-Mineira, aumentando para mais de dois mil grevistas. Em 26 de abril a greve chegou ao fim, sem êxito aparentemente. No entanto, em 1 de maio, o presidente Costa e Silva anunciou reajuste salarial de 10% no salário mínimo, a fim de impedir que outras greves ocorressem. 



    Grevistas em Contagem, Minas Gerais, durante uma reunião do sindicato siderúrgico da Belgo-Mineira, em abril de 1968. Foi a primeira greve desde o decreto da Lei Antigreve. 
    Embora, o presidente tenha oferecido um aumento salarial geral, ainda assim, os sindicalistas não estavam satisfeitos. No mesmo dia 1 de maio, durante a comemoração do Dia do Trabalho em São Paulo, ocorria um comício na Praça da Sé, o qual contou com a presença do governador Abreu Sodré. Manifestantes subiram no palanque com cartazes e bandeiras e começaram a protestar contra a lei Antigreve e a ditadura. O governador Sodré na época disse que o protesto era válido, pois o Brasil vivia uma "democracia". Mas essa "democracia" parece que não era para todos. 

    Em 16 de julho ocorreu em Osasco, uma greve de 3 mil operários da siderúrgica Cobrasma. A Grande Greve de Osasco de 1968, durou três dias e atingiu seis das onze maiores empresas da região, mobilizando embora de forma desordenada, milhares de operários e trabalhadores. O movimento era liderado por José Ibrahim, líder do Sindicato de Osasco ao movimento Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Entretanto, enquanto em Contagem os grevistas tiveram direito a negociação, em Osasco, o Ministério do Trabalho ordenou intervenção policial. Dezenas ficaram feridos e 400 operários da Cobrasma foram presos. As reivindicações foram negadas e o Sindicato de Osasco foi suspenso. Pelos dez anos seguintes não haveriam greves no país e o arrocho salarial além de outras medidas trabalhistas continuariam. 



    Operários grevistas da Cobrasma, sendo conduzidos presos pela polícia, na greve de Osasco, em 1968. 
    Em de setembro de 1977, após quase dez anos sem greves e o silenciamento dos sindicatos trabalhistas, na cidade de São Bernardo dos Campos, na região do ABC Paulista, cinco mil trabalhadores do sindicato metalúrgico de São Bernardo e Diadema se uniram para iniciar greve por reajuste salarial, solicitando aumento de 34,1%. Desde 1968, o salário deles não recebia reajuste. Embora dessa vez o governo tenha se apresentado receptivo e moderado, as propostas foram recusadas. No ano seguinte novas greves começaram a serem mobilizadas, e entre as lideranças estava o metalúrgico pernambucano Luís Inácio Lula da Silva


    Lula discursando durante uma assembleia da Grande Greve do ABC Paulista, iniciada em 13 de março de 1979. 
    A Grande Greve do ABC Paulista de 1979, mobilizou pelo menos 200 mil trabalhadores de cinco municípios da região, como também serviu para a deflagração de outras greves menores no estado de São Paulo e em outros estados. Enquanto a Grande Greve do ABC era promovida pelos metalúrgicos, no mesmo ano eclodiu greves dos bancários, dos professores e dos jornalistas. Lembrando que naquele tempo, o ensino e a imprensa ainda eram censurados, e algumas das reivindicações dos grevistas era o fim da censura. 

    Não obstante a greve do ABC, conseguiu uma vitória grande. Na época reivindicou-se 78% de aumento no reajuste salarial, mas as empresas concederam 63%, ainda assim, um valor assombroso nos dias de hoje. Embora que desde 1968, não havia reajuste salarial naquela categoria, o valor alto tinha que compensar todos os aumentos dos últimos dez anos. 


    Com a vitória da greve no ABC, no mesmo ano, mais de 200 greves ocorreram no Brasil. E a década de 80 foi palco de novas greves. Muitas reivindicavam além de melhorias salariais, o fim do regime militar. Nos anos 80, o governo em crise econômica e política, havia abrandado a Lei de Antigreve, permitindo as manifestações de ocorrerem. No entanto até que o governo reconhecesse que o arrocho salarial não havia sido uma medida justa, foram dez anos de repressão. Não obstante, seu abrandamento não significou plena tolerância, líderes sindicalistas como Lula, foram presos em 1980 pelo DOPS de São Paulo, acusados de irem contra a Lei de Segurança Nacional. 


    c) Órgãos de repressão: 


    Todo governo hoje em dia possui seu órgão de repressão que é a polícia. Mas a polícia além de reprimir os maus atos, ela zela pela segurança, encaminha os criminosos e infratores a justiça e os prende. Porém, em determinados governos, foram criados órgãos especiais de repressão, operação e investigação como o grupo paramilitar da Schutzstaffel (SS) e a Gestapo (tipo de polícia secreta), ambas do governo nazista; o Comitê de Segurança de Estado (KGB em russo) dos soviéticos; o Departamento Central de Questões Sociais (DCQS) dos chineses; A Organização para Vigilância e Repressão do Anti-fascismo (OVRA) dos italianos. No caso do Brasil, havia também polícias secretas e órgãos de investigação e repressão. 


    No começo do regime militar foi instituído pela Lei 4.341, de 13 de junho de 1964, o Serviço de Nacional de Informações (SNI), o primeiro serviço que comporia o Plano de Segurança Nacional. O serviço de informação, contra-informação e espionagem foi concebido pelo general Golbery de Couto e Silva, importante nome durante o regime, tendo participado diretamente do governo Geisel e parte do governo de Figueiredo. 

    • Art 1º É criado, como órgão da Presidência da República, o Serviço Nacional de Informações (SNI), o qual, para os assuntos atinentes à Segurança Nacional, operará também em proveito do Conselho de Segurança Nacional.
    • Art 2º O Serviço Nacional de Informações tem por finalidade superintender e coordenar, em todo o território nacional, as atividades de informação e contra informação, em particular as que interessem à Segurança Nacional.
    • Art 3º Ao Serviço Nacional de Informações incumbe especialmente:
      • a) assessorar o Presidente da República na orientação e coordenação das atividades de informação e contra-informação afetas aos Ministérios, serviços estatais, autônomos e entidades paraestatais;
      • b) estabelecer e assegurar, tendo em vista a complementação do sistema nacional de informação e contra-informação, os necessários entendimentos e ligações com os Governos de Estados, com entidades privadas e, quando for o caso, com as administrações municipais;
      • c) proceder, no mais alto nível, a coleta, avaliação e integração das informações, em proveito das decisões do Presidente da República e dos estudos e recomendações do Conselho de Segurança Nacional, assim como das atividades de planejamento a cargo da Secretaria-Geral desse Conselho;
      • d) promover, no âmbito governamental, a difusão adequada das informações e das estimativas decorrentes.
      • Art 4º O Serviço Nacional de Informações compreende uma chefia (Chefe do Serviço e Gabinete), uma Agência Central no Distrito Federal e Agências Regionais.
        • § 1º Fica incorporada ao SNI, como Agência Regional com sede no Rio de Janeiro (Guanabara), o Serviço Federal de Informações e Contra-Informações (SFICI) que atualmente integra a Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional.
        • § 2º O Serviço Nacional de Informações está isento de quaisquer prescrições que determinem a publicação ou divulgação de sua organização, funcionamentos e efetivos.
    • Art 5º O Chefe do SNI, civil ou militar, da confiança do Presidente da República, terá sua nomeação sujeita à aprovação prévia do Senado Federal.
      • § 1º As funções de Chefe do SNI não podem ser desempenhadas cumulativamente com as de qualquer outro cargo.
      • § 2º Ao Chefe do SNI são devidas as honras e prerrogativas de Ministro de Estado.
      • § 3º O Chefe do SNI perceberá vencimentos iguais ao fixado para os Chefes de Gabinete da Presidência da República.
    • Art 6º O pessoal civil e militar necessário ao funcionamento do SNI será proveniente dos Ministérios e outros órgãos dependentes do Poder Executivo, mediante requisição direta do Chefe do Serviço
      • § 1º Além desses servidores requisitados poderá ser admitido pessoal sob o regime da legislação trabalhista, mediante processo seletivo próprio disciplinado em regulamento.    
      • § 2º O Chefe do SNI poderá promover a colaboração, gratuita ou gratificada, de civis ou militares, servidores públicos ou não, em condições de participar de atividades específicas.
    • Art 7º Os serviços prestados ao SNI pelo pessoal civil ou militar constituem serviços relevantes e título de merecimento a ser considerado em todos os atos da vida funcional.
      • § 1º Enquanto exercerem funções no SNI, os civis são considerados, para todos os efeitos legais, em efetivo exercício nos respectivos cargos.
      • § 2º Os militares em serviço no SNI são considerados em comissão militar.
      • § 3º Os civis e militares em serviço no SNI farão jus a uma gratificação especial fixada, anualmente, pelo Presidente da República.     
    Logotipo do Serviço Nacional de Informação (SNI), criado em 1964 para auxiliar nas investigações e na espionagem interna e externa. 
    Utilizando as informações fornecidas pelo SNI, o governo nos primeiros dois anos tratou de cassar mandatos políticos, afastar ou demitir militares que fossem contrários ao regime; caçar membros de movimentos rebeldes e de militância socialista e comunista; reprimir protestos estudantis, artísticos e trabalhistas contra o governo. Isso ocorreu entre 1964 e 1966, porém foi constante até os anos 80, o que revelava o papel do SNI no regime militar. No entanto, para complementar suas atividades foi reformulado a Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), criada em 1924, operante durante o governo de Vargas (1930-1945), abandonada nos anos 50, esse departamento especial de polícia foi trazido de volta para operar no governo dos militares. 

    Cada estado da federação brasileira nos anos 60, 70 e começo dos 80, possuía seu DOPS, sendo que o mais famoso foi o DEOPS de São Paulo, alvo de grande investigação devido aos crimes de tortura ali perpetrados. Todavia, a função dos DOPS era de investigar o comportamento da população no geral, identificar guerrilheiros, rebeldes, militantes perigosos, descobrir grupos de militância, locais de reunião; impedir que ideias contrárias ao regime fossem disseminadas; fichar as pessoas suspeitas de infringir a Lei de Segurança Nacional, e dependendo da gravidade da infração, prendê-las e em alguns casos interrogá-las. 


    Além disso, para se conseguir emprego público, era preciso apresentar um atestado de antecedente criminal comum e outro atestado de antecedente criminal emitido pelo DOPS, o qual assegurava que você não estava envolvido com "manifestações ideológicas". Não obstante, o DOPS também fichou como "subversivo" adolescentes e até crianças! Com a Comissão Nacional da Verdade (CNV) iniciada em 2011, a qual iniciou as investigações sobre os crimes no regime militar, foram revelados vários documentos dos DOPS, e algumas pessoas descobriram que haviam fichas suas lá, embora nunca tenham sido militantes, mas devido ao local onde trabalhavam e seus conhecidos, foram considerados suspeitos. 


    No presidente Costa e Silva foram criados dois órgãos de espionagem: o Centro de Informações do Exército (CIE) em 1967, e o Serviço de Informações da Aeronáutica (1968), rebatizado no ano seguinte para Serviço de Informações de Segurança da Aeronáutica, vindo a se tornar o Centro de Informações da Aeronáutica (CISA) em 1970. O CIE e o CISA atuavam em parceira do Centro de Informações da Marinha (CENIMAR), criado em 1957 e absorvido pelo governo militar. Estes três serviços especiais cuidavam da investigação e espionagem, cabendo as polícias especiais do DOPS e do Doi-Codi, realizarem o trabalho sujo. 


    Em 1968 a situação de repressão se tornou mais severa com a publicação da Lei de Segurança Nacional e o Ato Institucional número 5, ambos já comentados anteriormente, com isso, a censura não apenas se acirrou, mas o governo decidiu ampliar sua atuação de investigação e de repressão, criando em 29 de junho de 1969 a Operação Bandeirante (Oban), cuja principal função era combater os grupos de esquerda, tanto armados ou não. 



    "Na presença do governador de São Paulo, Abreu Sodré, e dos comandantes locais da Marinha e da Aeronáutica, o comandante do 2° Exército, general José Canavarro Pereira, lança a Operação Bandeirante – Oban, que viria a ser o maior centro de tortura e assassinatos na ditadura.

    O projeto do general Canavarro Pereira foi financiado por grandes empresários de São Paulo e empresas multinacionais, com apoio da Federação das Indústrias (Fiesp). Há registros de contribuição financeira e apoio material por parte de bancos como o Bradesco e Mercantil de São Paulo, das automobilísticas Ford e GM e dos grupos Ultra (Ultragás) e Folha, que emprestava carros de entrega de jornais para camuflagem dos agentes da Oban. 

    O governador Abreu Sodré cedeu a 36ª delegacia policial, na esquina das ruas Tutóia e Tomás Carvalhal, bairro do Paraíso, para sediar o centro de torturas. Colocou à disposição da operação policiais militares, delegados, agentes e escrivães da Polícia Civil. O prefeito Paulo Maluf mandou asfaltar o pátio da delegacia e as ruas de acesso. O comandante da Oban era o major Waldyr Coelho, mas o torturador mais famoso, em sua primeira fase, foi o delegado do Dops Sérgio Paranhos Fleury

    O órgão serviria de modelo para a posterior criação dos Destacamentos de Operações de Informação – Centros de Operações de Defesa Interna, os DOI-Codi. Ele substituiriam a Oban em São Paulo e se converteriam nos centros do terror do Estado no Rio de Janeiro, Recife, Brasília, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador, Belém, Fortaleza e Porto Alegre". (grifos meu), (Site Memorial da Democracia, Oban). 

    Documento reservado da Seguração Pública do estado de São Paulo, noticiando acerca da Operação Bandeirante (Oban). 
    Para auxiliar nas atividades a Oban, em 1970 foram criados dois novos órgãos de investigação, espionagem, contra-informação e repressão, o Destacamento de Operações e de Informações (DOI) e Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), os quais passaram a atuar conjuntamente, ficando conhecidos como DOI-CODI. O DOI-CODI teve centros em quase todo o país, mas sua "sede" ficava em São Paulo, onde foi comandada por algum tempo pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Foi no DOI-CODI de São Paulo, que o jornalista Vladimir Herzog ficou preso e foi torturado e morto. 

    Quartel do 1 Batalhão da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro. Na época do regime militar foi usado como sede do DOI-CODI, no estado. 
    "O departamento se tornaria conhecido como a central de tortura e assassinato dos adversários do regime. Apenas pelo DOI-Codi do 2° Exército (São Paulo) passaram mais de 6.700 presos, dos quais pelo menos 50 foram assassinados sob custódia entre 1969 e 1975, segundo o pesquisador Pedro Estevam da Rocha Pomar. Nesse período, foram totalmente desarticuladas, por assassinatos e prisões, organizações como Ação Libertadora Nacional (ALN), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e Ala Vermelha, entre outras. 

    Esse aparelho militar de repressão foi criado na esteira do sequestro do embaixador dos EUA realizado por comandos da ALN e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Espelhando-se na estrutura das Forças Armadas, a organização cobria todo o país. Além de pessoal do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, empregava policiais civis e militares, os Dops estaduais e até soldados dos corpos de bombeiros. Em São Paulo, o órgão utilizou as instalações da Oban, no bairro do Paraíso, e, no Rio, o quartel da Polícia do Exército, na Tijuca". (Site Memorial da Democracia, DOI-CODI). 

    O SNI, a Oban e o DOI-CODI até 1974, conseguiram desmantelar todos os grupos da luta armada no Brasil. Marighella havia sido emboscado e fuzilado em São Paulo em 1969, Carlos Lamarca que era militar mas discordava do regime, e assim entrou para a oposição foi morto em 1971, no interior da Bahia. Membros de movimentos estudantis ligados a UNE, foram presos ou mortos. Professores, estudantes, sindicalistas urbanos e rurais também nesse meio tempo foram presos ou mortos.

    Em 16 de dezembro de 1976, o DOI-CODI dando seguimento a sua política de caçar os antigos integrantes do PCB e do PCdoB, realizou uma chacina na ocasião. Após a reunião dos integrantes, os policiais do DOI-CODI e do DOPS, invadiram a casa e metralharam os militantes. A ordem era clara, não interessava prender para interrogatório, a ordem era executar. 

    "Agentes do DOI-Codi e do Dops invadem uma casa no bairro da Lapa, em São Paulo, e assassinam a tiros de metralhadora dois dirigentes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Pedro Pomar e Ângelo Arroyo. Um terceiro, João Batista Franco Drummond, preso horas antes, foi torturado e morto na sede do DOI-Codi. Outros quatro líderes que haviam deixado a casa durante a madrugada foram seguidos, presos e  torturados. Depois de matar 10 dos 29 dirigentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) entre 1974 e 1976, a ditadura liquidou na Lapa o comando do PCdoB.

    A chacina da Lapa foi uma das últimas ações de extermínio executadas pelo aparelho repressor da ditadura. Balanço da ação do DOI-Codi do 2° Exército informa que entre 1969 e 1977 foram presas na área 3.455 pessoas e 54 foram mortas. Os dados fazem parte de monografia preparada pelo do coronel Freddie Perdigão para a Escola de Comando do Estado-Maior do Exército, em 1978. Perdigão foi um notório torturador e participou de ações terroristas até os anos 1980". (grifos meu), (Site Memorial da Democracia, Chacina da Lapa em 1976). 

    Cena do crime da Chacina da Lapa, 16 de dezembro de 1976. 
    As atividades dos órgãos de informação, espionagem e repressão se mantiveram até meados do governo de Figueiredo, quando antes do término do regime, foi decretado o fim destes órgãos e suas polícias. Ainda assim, combate aos movimentos sindicais ainda foram feitos, além do fato de que em 13 de dezembro de 1982, 91 militantes do PCB, foram presos após o 31o Congresso do partido, ocorrido em São Paulo. Em 26 de outubro de 1984, os DOPS e DOI-CODI haviam chegado ao fim, no entanto, as polícias civil, militar e federal ainda continuaram a existir, e naquela ocasião a PF prendeu 39 membro do PCdoB. 

    D) Movimentos armados de direita:

    Da mesma forma que havia grupos armados de esquerda e de extrema-esquerda, o oposto existiu, e estes grupos também cometeram seus atentados terroristas, embora pelo fato de estarem apoiando a situação do governo, foram pouco noticiados e seus atos as vezes nem eram comentados devido a censura da imprensa, embora fossem ataques terroristas também, com direito a sequestros, invasões, depredação, assassinatos e ataques com bomba. Porém, embora tais grupos paramilitares não estivessem subordinados diretamente ao governo, ainda assim contou com o apoio de militares dos DOPS e do DOI-CODI. 

    O principal grupo armado de extrema-direita era o Comando de Caça aos Comunistas (1963), criado pelo policial e estudante de Direito, Raul Nogueira de Lima, o qual mais tarde entrou para o DOPS. No entanto, a liderança do CCC era feita pelo advogado João Marcos Monteiro Flaquer. Muitos dos membros do CCC eram estudantes universitários da Faculdade Mackenzie e da PUC, ambos em São Paulo, e da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, no Rio de Janeiro. Além dos estudantes havia civis de outros ofícios, provenientes de grupos pró-governo, como também policiais e membros do exército. 

    Além do CCC havia outros três grupos: a Associação Anticomunista Brasileira (AAB), a Frente Anticomunista (FAC) e o Movimento Anticomunista (MAC). Nota-se que todos os quatro grupos paramilitares mais expressivos de extrema-direita, carregavam como "bandeira" estarem combatendo a ameaça comunista. Isso reflete bem o cenário e contexto da Guerra Fria. O problema tanto para esses grupos, quanto para o governo militar, toda esquerda era considerada vinculada ao comunismo, socialismo e marxismo, mas em muitos casos as pessoas não pertenciam a tais ideologias, apenas discordavam da rigidez do governo. 

    De qualquer forma, o CCC ficou conhecido por alguns casos particulares de violência. Em 1964, membros do grupo invadiram e incendiaram a Rádio MEC, no Rio de Janeiro. Considerado seu primeiro ato oficial de ataque. Em 18 de julho de 1968, o Salão Galpão, onde ficava o Teatro Ruth Escobar, estava exibindo a peça Roda Viva, escrita por Chico Buarque e que contava entre os atores com a presença da famosa atriz Marília Pêra. A peça havia caído na malha fina da censura, mas ainda não havia sido proibida. O teatro foi invadido sob liderança militar, no que ocasionou na agressão dos atores, depredação das cadeiras, dos camarins, destruição dos cenários e danos ao figurino e adereços. 

    Camarim do Teatro Ruth Escobar, após ataque do CCC. Fotografia de 19 de julho de 1968. 
    Ainda em julho, o Teatro Maison de France, no Rio, o qual exibia a peça O Burguês Fidalgo, do famoso dramaturgo francês Jean-Baptiste Molière (1622-1673), foi alvo de ataque. Ainda no Rio, no dia 5 de agosto foi a vez do Teatro Gláucio Gil, o qual exibia a peça Juventude Cristã, ser atacado. Não obstante, antes da proibição da peça Roda Viva, o CCC e outros grupos paramilitares promoveram o boicote a peça e ameaçaram os atores de encená-la em outros estados, como no caso do Rio Grande do Sul. 

    Entretanto, os ataques não terminaram por aí. Em parceria da FAC e do MAC, novos teatros no Rio de São Paulo foram alvos de ameaças e depredação, outro caso notório foi a explosão de uma bomba em frente ao Teatro Opinião, em 2 de dezembro de 1968, no Rio de Janeiro. 

    Além do ataque a teatros, os grupos paramilitares pró-governo também atacaram jornais e editoras. No Rio de Janeiro, o Correio da Manhã, um depósito do Jornal do Brasil, a Editora Civilização Brasileira e a Editora Forense foram alvos de ataques e até de explosões. Em 22 de julho de 1968, uma bomba foi explodida na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio. 

     Jornal Diário da Noite, de 15 de outubro de 1968, noticiando o atentado a bomba na Editora Civilização Brasileira, no Rio de Janeiro. Atentado realizado por grupo radical de direita o CCC. 
    Foi também de responsabilidade do CCC e de grupos parceiros, o ataque a casa de Dom Helder Câmara, bispo e arcebispo de Olinda e Recife, o qual publicamente se manifestou contra o governo e acusou de crimes de violência e tortura. Sua casa no Recife teve o muro alvejado. Posteriormente, o arcebispo passou a receber ameaças de morte e um auxiliar seu, o padre Antônio Henrique Pereira, foi sequestrado e morto pelo CCC, em 26 de maio de 1969

    Além do sequestro do padre pernambucano, o CCC e demais grupos paramilitares também sequestraram outras pessoas como a atriz Elizabeth Gasper e seu marido Zelão, sequestrados em 5 de outubro de 1968, em Porto Alegre. E a atriz Norma Bengell foi sequestrada em São Paulo, também em outubro do mesmo ano, tendo sido levada para interrogatório. 

    Nos anos 70, as ações do grupos paramilitares de direita se encerraram, pois parte de seus integrantes aderiram ou as forças armadas ou as polícias. Não obstante, alguns achavam que com o AI-5, a Lei de Segurança Nacional e as leis de censura, isso inibiria a difusão do comunismo. Além disso, após 1968, intensificou-se a perseguição aos grupos armados de esquerda, como também artistas, intelectuais e militantes se exilaram fora do país. Porém, nos anos 80, com a crise econômica e a crise política, e o enfraquecimento da censura e abolição do AI-5, os grupos de direita voltaram a agir. 


    Em julho de 1980, novos atentados terroristas de grupos de direita começaram a ser executados. Primeiro uma banca de revista, a qual vendia jornais de esquerda, foi incendiada em São Paulo, no dia 21 de julho. No entanto o incidente mais grave ocorreu em 27 de agosto, quando uma bomba explodiu na sede da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), vitimando a secretária Lyda Monteiro da Silva. Além dessa bomba, outras foram enviadas para o gabinete do vereador do Rio, Antônio Carlos de Carvalho e para o jornal Tribuna da Luta Operária. Sem causarem vítimas fatais. 



    Jornal Folha de São Paulo, de 28 de agosto de 1980, noticiando a explosão de uma bomba na sede da OAB, no Rio de Janeiro. 
    Em 26 de março de 1981, bombas foram enviadas para o jornal Tribuna da Imprensa, no Rio, mas sem causar vítimas fatais. Em maio, foi a vez do jornal Hora do Povo, em São Paulo e Tribuna da Vitória, no Rio, serem atacados. Após os incidentes de 1981, não voltaram a ocorrer outros do tipo, pelo menos não oficialmente reconhecidos a grupos de direita. 

    E) Governo nega acusações de crimes:

    Como apontado por Acemoglu e Robison (2006), Sharp (2010) e Gandhi (2008), em governos ditatoriais, seus líderes e comandos procuravam negar todos os crimes, assim como, insuflar a opinião pública a considerar tais acusações como calunias, difamação da oposição e até mesmo atos cometidos por grupos rebeldes contrários ao governo. 


    Em 28 de outubro de 1966, foi criada a Frente Ampla, movimento de esquerda encabeçado por Juscelino Kubitschek (ex-presidente do Brasil), Carlos Lacerda (ex-governador do Rio de Janeiro) e João Goulart (ex-presidente do Brasil). O projeto da Frente Ampla era mobilizar a população a lutar contra o governo interventor dos militares, mas a ideia foi duramente combatida pelo regime e em 1968 foi proibida. 



    Jornal do Brasil, de 6 de abril de 1968, noticiando a proibição da Frente Ampla. 
    Em 1967 foi publicado o livro Quarup do jornalista Antônio Callado. Romance de teor sociológico, Callado chegou a mencionar crimes de sequestro e tortura ocorridos ainda em 1965, ano que termina a história de seu livro. A obra foi posteriormente censurada, por ser considerada caluniosa e uma afronta ao regime. No mesmo ano, o premiado filme de Glauber Rocha, Terra em Transe (1967), vencedor de prêmios no Festival de Cannes, o qual contava a história de um país fictício na América do Sul, mas cujo contexto político era uma analogia ao contexto do Brasil da época, foi proibido de ser exibido no Brasil, por ser considerado "subversivo". 

    Em 22 de julho de 1967, dois dias após o acidente aéreo que matou Humberto Castelo Branco, na época ex-presidente, o jornalista Hélio Fernandes em coluna para o jornal Tribuna da Imprensa, disferiu um discurso mordaz ao falecido general, dizendo que ele era "frio, impiedoso, cruel, calculista, implacável, etc". Hélio Fernandes foi preso logo em seguida. Depois disso, todos aqueles que criticassem os presidentes de alguma forma, eram presos. 


    De 1966 a 1968, havia ocorrido protestos de estudantes, professores, operários, artistas, intelectuais, cientistas, etc., contra o regime, os quais uns já chamavam de ditadura. Todavia, em todos os casos o governo os negou e reprimiu de forma pacífica ou violenta. Em resposta foi criada leis de censura, as quais já vistas neste texto. Mesmo a Marcha dos 100 mil, ocorrida em 26 de junho de 1968, no centro do Rio, a qual contou com autorização da prefeitura, não significou que não houve gente que foi presa e agredida durante a manifestação. 


    No dia 5 de julho, em resposta aos protestos ocorridos naquele ano, o Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, proibiu a realização de manifestações públicas no território nacional. Além dessa portaria, Gama e Silva foi responsável pela elaboração de uma lista de professores da USP, ligados a causas políticas e partidários de ideologias socialistas como Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso. Além disso, ele participou da redação do AI-5 e foi seu locutor. Tais características são importantes, pois no mesmo ano que o ministro proibiu as manifestações públicas contra o governo, também foi decretado a Lei de Segurança Nacional e o AI-5. 


    Em reação a restrição do direito de protesto, durante a 9o Assembleia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ocorrida em julho, os bispos brasileiros rogaram por liberdade e o fim da violência e repressão. Quase um mês depois da assembleia, em 17 de agosto, em João Pessoa, o bispo de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara em visita a capital paraibana condenou o emprego da violência nos movimentos estudantis, inclusive o fato de ter havido estudantes assassinatos. 


    Dom Helder ficaria marcado pelo regime, chegando a sofrer ameaças de grupos paramilitares de direita. De qualquer forma, nota-se que havia uma divisão quanto a postura da Igreja Católica no Brasil, pois em 1964, alguns clérigos apoiaram a subida dos militares ao poder, mas quatro anos depois, alguns deles já se mostravam relutantes e talvez arrependidos do apoio que deram. 


    Em 14 de dezembro de 1968, num sábado, um dia após a promulgação do AI-5, na sexta-feira 13, o proeminente advogado e militante político Sobral Pinto, foi preso. 



    Advogado e ativista pelos direitos humanos Heráclito Fontoura Sobral Pinto, lutou contra a ditadura e por sorte não foi assassinado. 
    "Conservador e anticomunista, o criminalista Heráclito Fontoura Sobral Pinto, um dos principais advogados do país, é preso no dia seguinte à publicação do Ato Institucional n° 5 (AI-5). Notório defensor dos direitos humanos, o jurista de 75 anos preparava-se para ser o paraninfo de uma turma de formandos em Goiânia, quando recebeu ordem de prisão de quatro militares. Depois de dizer que não recebia ordens de general e que não os acompanharia, foi levado à força para uma delegacia em Brasília.

    Segundo relato do próprio Sobral Pinto, os militares temiam que suas declarações pudessem enfraquecer o Ato Institucional recém-promulgado. Com o AI-5, os militares criaram um instrumento legal que suprimia qualquer esperança de defesa para seus opositores. Ele introduzia a pena de morte e acabava com o habeas corpus e a maioria das liberdades civis, autorizava a cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos – e, diferentemente dos atos anteriores, não tinha duração pré-determinada.

    Em uma entrevista histórica a "O Pasquim", quase dez anos após sua prisão, Sobral contou que os militares tentaram se justificar alegando que estariam gestando uma "democracia à brasileira". "Ora, tenha paciência. Não existe democracia à brasileira. Existe é peru à brasileira. A democracia é universal", respondeu o advogado a seus algozes". (Site Memória da Democracia, Sobral Pinto). 

    Em 25 de outubro de 1969, a freira Maurina Borges da Silveira, acusada de ter vínculo com o grupo Forças Armadas da Libertação Nacional (FALN), foi presa e torturada em Ribeirão Preto, no estado de São Paulo. Ela permaneceu cinco meses presa, tendo sofrido torturas e outros abusos, antes de ser deportada para o México. Na ocasião da sua soltura, Maurina foi negociada numa troca de reféns, para se resgatar o cônsul japonês Nobuo Okushi, das mãos da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). A prisão e tortura de irmã Maurina foi denunciada no México, mas o governo brasileiro negou todas as acusações. 



    Fotografia da irmã Maurina Borges da Silveira. Ficou presa por 5 meses, tendo sido torturada na ocasião. É reconhecida como a única freira oficialmente a ter sido vítima da opressão da ditadura. 
    Em novembro de 1969, o ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes, em exílio na Argélia, decidiu denunciar os crimes do governo militar e assim ele criou a Frente Brasileira de Informações (FBI), incumbido de difundir entre  alguns países os crimes cometidos e omitidos pelo Estado brasileiro. O boletim do FBI foi traduzido para o francês, inglês, belga, holandês, italiano, espanhol entre outras línguas tendo sido distribuído principalmente na Europa em países como França, Portugal, Itália, Bélgica e Holanda. O FBI continuou em circulação até 1975, continuamente publicando depoimentos de vítimas de perseguição, tortura e de prisão, além de trazer depoimentos de pessoas que testemunharam atos de violência e repressão no Brasil. 


    Capa de uma edição do boletim da Frente Brasileira de Informações (FBI), criada por Miguel Arraes, na Argélia, para denunciar crimes contra os direitos humanos, na época da ditadura no Brasil. 
    Em 2 de julho de 1970, o Brasil foi alvo de acusações de crimes contra os direitos humanos. Denúncias de políticos, lideranças estudantis, artistas, professores, intelectuais, exilados ou que estavam no país, chegaram a tribunais e órgãos representantes da justiça internacional. A Comissão Internacional de Juristas, em Genebra, Suíça, e a Organização dos Estados Americanos (OEA), acusavam o Brasil de praticarem tortura, assassinato, de omitir esquadrões da morte, de violar os direitos civis e jurídicos, etc. O caso era tão delicado, que em 1971, os representantes brasileiro na comissão da OEA daquele ano, negaram-se a assinar a proposta de combate ao terrorismo, pois isso punha em xeque as ações do governo militar brasileiro. 


    O governo militar proibira a entrada da entidade nas prisões do país. As denúncias de torturas constituíam o maior problema da diplomacia brasileira sob a ditadura. Autoridades em viagem ao exterior eram alvo frequente de manifestações, como ocorreu com o presidente da Câmara, Flávio Marcílio (Arena), no Congresso da União Parlamentar Internacional, na Holanda. No jantar oficial do encontro, Marcílio e comitiva foram confrontados por uma jovem que denunciou torturas no país. “Não há presos políticos no Brasil, apenas criminosos comuns”, disse o deputado, repetindo o discurso oficial.

    O governo atribuía as denúncias a uma “campanha para denegrir a imagem do Brasil no exterior”. Em 9 de maio, a Presidência da República divulgou nota, afirmando: “Não há tortura em nossas prisões. Também não há presos políticos. (...) Essa intriga, na sua desfaçatez, buscar gerar discórdia entre nações democráticas, amigas e aliadas (...) Provêm, inequivocamente, de grupos esquerdistas”.


    Na viagem de três dias que fez aos Estados Unidos, em 1971, o presidente Emílio Garrastazu Médici cancelou o tradicional encontro de chefes de Estado estrangeiros com o Clube de Imprensa de Washington. O general não queria enfrentar as inevitáveis perguntas sobre tortura e repressão no Brasil, denunciadas pelo senador democrata norte-americano Edward Kennedy, entre outros”. (grifos meu), (Site Memória da Democracia, Brasil tem imagem de país da tortura). 

    Em 1 de novembro de 1970, o arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, amigo da freira Maurina Borges, presa e torturada naquele mesmo ano, decidiu ir a público e denunciar os crimes do governo.



    "Uma de suas primeiras iniciativas foi visitar o Presídio Tiradentes, onde havia cerca de 400 presos políticos e também centenas de prisioneiros comuns – todos pobres e submetidos a maus tratos. D. Paulo foi responsável pela criação da Comissão Justiça e Paz, dedicada à proteção das vítimas da repressão e aos perseguidos políticos, tornando-se uma das mais expressivas lideranças religiosas do país.

    Sem abrir mão de denunciar as violações de direitos, o arcebispo foi integrante discreto da Comissão Bipartite. Coordenada pelo intelectual católico Cândido Mendes, a Bipartite promoveu durante a ditadura encontros entre religiosos e representantes do governo para discutir a situação dos presos políticos no país. As reuniões eram sigilosas porque, oficialmente, o governo não admitia a prática de torturas nem a existência de presos políticos". (Site Memória da Democracia, D. Paulo assume luta por justiça e paz). 


    Capa do livro O Cardeal da Resistência, de Ricardo Carvalho. A obra conta a história da militância do arcebispo, posteriormente eleito cardeal D. Paulo Evaristo Arns contra a tortura e outros crimes cometidos durante a ditadura. 
    Em 14 de junho de 1971, ocorreu um caso que comoveu o país e pôs novamente em questão o governo militar. O militante Stuart Angel Jones, membro do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), foi preso pelos militares do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa), em Grajaú, no Rio de Janeiro. Ele foi enviado para um quartel da aeronáutica onde foi torturado até a morte. Segundo os relatos ele foi arrastado por um jipe e sufocado com o gás carbônico do cano de escape, depois disso sumiram com seu corpo. Até hoje ele nunca foi encontrado. 

    Sua mãe, a famosa estilista Zuzu Angel, reconhecida internacionalmente, na época foi aos jornais e a televisão questionar publicamente o que havia ocorrido com o filho, dado como desaparecido. Devido a Stuart ser filho de um americano, Zuzu entrou em contato com seu ex-marido Norman Jones, para que este mobilizasse contatos americanos que pudessem auxiliar numa explicação para o desaparecimento do filho. O governo brasileiro negou qualquer envolvimento com o "sumiço" de Stuart Angel. 



    Notícia de revista, na qual Zuzu Angel questiona o governo quanto ao desaparecimento de seu filho, o militante Stuart Angel. 
    Sem jamais descobrir o paradeiro dos restos mortais do filho, Zuzu ainda continuou a pressionar o governo e as autoridades internacionais por uma resposta, nos anos seguintes, tornando-se militante contra os crimes da ditadura. Em 30 de novembro de 1973, a viúva de Stuart, Sônia Maria, foi sequestrada e morta pelos militares, em São Paulo. Três anos depois, em 14 de abril, Zuzu Angel morreu num acidente de carro, no Rio de Janeiro, após estar sendo perseguida. Dias antes de morrer, ela havia redigido cartas, nas quais dizia que estava sendo vigiada e ameaçada de morte. Caso algo ocorresse com ela, seria culpa dos militares. Uma das cartas foi endereçada ao seu amigo o cantor Chico Buarque, o qual compôs a música Angélica, em sua memória. 


    No ano de 1975, a ex-prisioneira política Therezinha Zerbini, presa em 1970, por suposto envolvimento com a UNE, além do fato de que seu marido, Euryales Zarbini, embora fosse general, foi contra o regime militar, tendo sido cassado, demitido e preso; criou o Movimento Feminino Pela Anistia (MPFA), durante o Congresso do Ano Internacional da Mulher, realizado na Cidade do México e promovido pela ONU.  


    Cartaz do Movimento Feminino Pela Anistia (MFPA). 
    Na ocasião, Zerbini denunciou publicamente os crimes cometidos pelo regime militar brasileiro e tentou promover que o país aprovasse uma lei de anistia. O MFPA conseguiu apoio da CNBB, do MDB e de outros grupos, ele não foi reprimido, porém, suas petições foram negligenciadas pelo governo, por quatro anos. Apenas em 1979, o presidente Figueiredo decidiu aprovar a Lei de Anistia, embora que nos últimos dois anos, havia crescido os protestos pedindo anistia. 

    Em 15 de outubro de 1976, ocorreu a morte do padre jesuíta João Bosco Burnier, o qual trabalhava como missionário no Conselho Indigenistas Missionário (Cemi), e atuava na proteção dos direitos humanos. Na ocasião, ele e o bispo Pedro Casaldáliga, estavam numa delegacia em Ribeirão Cascalheira, no Mato Grosso, tentando salvar duas mulheres presas, que estavam sendo torturadas na ocasião na delegacia. Os policiais tentaram remover a força o padre e o bispo. João Bosco foi agredido e morto com um tiro na nuca. 




    Na época o governo reconheceu isso como uma fatalidade, um ato exagerado do policial, porém, negou que as mulheres estivessem sendo torturadas, apenas estavam sendo "interrogadas". O assassinato do padre João Bosco gerou manifestação da igreja, de grupos religioso, de grupos estudantis e de pessoas em geral, que comovidas com a frieza pela qual ele foi morto, fizeram protestos em alguns cantos do país. 33 anos depois, foi reconhecido que o assassinato do padre foi promovido por questões políticas e ideológicas, pelo fato dele ser contrário ao regime militar. 

    Em 17 de fevereiro de 1977, ocorreu a 15a Assembleia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), foi apresentado o documento Exigências Cristãs de uma Ordem Política. O texto condenava a violência do governo, a censura, a repressão, as perseguições políticas e  ideológicas, a tortura, os assassinatos, como exigia a volta da democracia, o pluripartidarismo, o fim da ditadura. Devido a influência da CNBB, o governo federal se viu em calças justas para dialogar. 


    Todavia, no mesmo ano, o presidente Geisel cedeu uma entrevista a rádio e canal francês Jacques Chancel, entrevista gravada em Brasília, e depois publicada pelo jornal brasileiro O Povo, em junho. Na extensa entrevista o jornalista indagou ao presidente brasileiro acerca de política, sociedade, economia, questões sociais, geografia, crimes de Estados, etc. Vejamos alguns trechos da fala de Geisel, quanto a situação política brasileira:



    "JORNALISTA: Nós, da Europa Ocidental, adquirimos o hábito de criticar os governos sul-americanos. Isso o incomoda? O senhor considera válida essa crítica? Aceita-a com espírito esportivo? Creio que o senhor poderia esclarecer ao mundo ocidental algumas acusações que fazem ao Brasil, como por exemplo, sobre torturas e prisioneiros políticos.

    GEISEL: Quem vive no Brasil sabe que o Brasil é um País livre, onde todos podem viver livremente e exercer todos os seus direitos. No Brasil não se admite que haja subversão. Mas essa questão que se apresenta, de torturas, de sofrimentos e de ação terrorista contra aqueles que não apóiam o Governo brasileiro, absolutamente não é verdade. E eu, pessoalmente, como Presidente, tenho-me empenhado, sinceramente, em que todas as denúncias que se verificam nesse sentido sejam devidamente apuradas. Mas é preciso compreender que o Brasil é País muito grande, muito extenso. É um País que tem um regime federativo, em que os governos estaduais exercem sua autonomia.


    É evidente que, como em toda parte do mundo, ocorrem fatos que não nos agradam. De vez em quando há crimes, assassinatos, roubos, mas isso ocorre na Europa, ocorre nos Estados Unidos. E não significa absolutamente que se possa admitir que aqui não exista segurança, que aqui os direitos individuais não sejam respeitados e que este seja um País diferente dos outros. O Brasil vive um regime democrático dentro de sua relatividade. Não se pode querer transplantar para o Brasil a democracia americana ou a democracia inglesa, porque a democracia brasileira tem características próprias. Todos os poderes existem e funcionam livremente". 

    Republicação da entrevista de Geisel ao jornal francês em 1977. O Povo, 15 de fevereiro de 2000. 
    Nessa entrevista cedida em maio de 1977, o presidente Ernesto Geisel negava que houvesse um regime de exceção, repressão, opressão no Brasil; ignorava a presença das leis de censura, ao dizer que "todos podiam viver livremente e exercer todos os seus direitos". Negava as acusações de tortura, perseguição política, sequestro, assassinato, se desde 1968, o Brasil era alvo de denúncias lá fora por crimes contra os direitos humanos. E para completar sua fala, ele dizia que "todos os poderes existem e funcionam livremente", só que um mês antes, ele havia decretado recesso do Congresso Nacional por duas semanas, para poder aprovar suas medidas conhecidas como "Pacote de Abril". 

    Outra questão a ser avaliada na entrevista de Geisel dizia respeito ao fato de que ele havia dito que "não havia questões raciais no Brasil". Que negros tinham as mesmas oportunidades do que os brancos, assim como, os estrangeiros não sofriam descriminação. Vejamos a fala do presidente:


    JORNALISTA: Seu País, de acordo com a opinião de sociólogos e políticos, teve um êxito marcante no caldeamento dos povos. Sua integração é reconhecida por todos. Há ausência total de problemas raciais. Não é o mesmo, entretanto, o que ocorre com os preconceitos sociais, porque a divisão, como o senhor sabe, é principalmente um problema de classes. Os negros, é preciso reconhecer, ocupam os degraus menos elevados da hierarquia social. O brasileiro se considera como um povo de transição entre a Europa e a África? 

    GEISEL: O Brasil é, de fato, um País que se caracteriza, singularmente, por não ter questões raciais. Acredito mesmo que o Brasil seja um exemplo único no mundo, nesse sentido. Aqui vivem brancos, negros, índios, asiáticos, árabes, judeus, numa convivência sem problemas, sem conflitos. Não se tem memória de conflitos raciais no Brasil. Inclusive a nossa legislação, antiga nesse sentido, pune, severamente, todo aquele que faça alguma discriminação racial também se estendem ao campo religioso e mesmo ao campo social.

    O Brasil é um País que se caracteriza por uma extraordinária mobilidade social no sentido vertical. Uma pessoa, por mais humilde que seja a sua origem, pode ingressar na sociedade e conviver em qualquer camada social, desde que, pelas suas condições pessoais de trabalho, de conhecimento, de cultura e comportamento, a ela se ajuste. Nós não temos camadas sociais estratificadas. Consequentemente, a mobilidade social no sentido vertical é muito grande.

    No que se refere propriamente aos negros, eles convivem harmoniosamente com todos e se não atingiram camadas mais altas e os pontos mais importantes do País, em sua generalidade, é porque eles chegaram um pouco tarde. Eles conseguiram sua libertação, saindo de um estado de escravização, tardiamente. A libertação dos escravos no Brasil ocorreu em 1888, talvez tenha sido um dos últimos países do mundo ocidental a libertar seus escravos. 

    Mas eles, hoje em dia, estão e desenvolvendo, freqüentam livremente as nossas escolas, as nossas universidades, formam-se em diferentes ramos da ciência e das atividades liberais, ingressam na política e nas Forças Armadas e têm franco acesso em toda parte. Nós temos, no Exército, generais negros; nós temos, na política, deputados negros; nós temos médicos negros; e toda vez que estudarem e se habilitarem para suas profissões, eles têm o caminho aberto. 

    Em 7 de julho de 1978, ocorreu em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, uma manifestação contra o racismo. Na ocasião, estudantes, artistas, atletas, profissionais liberais, etc. se mobilizaram para protestar contra o racismo praticado contra os negros brasileiros, o qual era velado e considerado inexistente pelo presidente Geisel, em entrevista dada no ano anterior. 


    Manifestantes no protesto de 7 de julho de 1978, São Paulo. Na ocasião, protestava-se contra o racismo velado e negligenciado no Brasil. Lembrando que devido a censura aos movimentos sociais, o Movimento Negro, ficou silenciado por vários anos.
    “Militantes de grupos negros, estudantes, atletas, artistas e representantes de organizações culturais realizam em São Paulo uma grande manifestação contra o racismo. Em frente às escadarias do Teatro Municipalmais de 2 mil pessoas protestaram indignadas contra episódios recentes de violência contra negros. O ato foi o marco da criação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR), depois rebatizado simplesmente de MNU.

    Em maio, a polícia militar assassinara sob tortura Robson Silveira da Luz, um jovem de 22 anosRobson havia sido preso, acusado de roubar frutas numa feira em Guaianazes, na zona leste de São Paulo. À sua mulher grávida, a polícia disse que ele sofrera um acidente. Em outro acontecimento, quatro jogadores de vôlei negros foram impedidos de entrar no Clube Tietê por sua cor. O caso de Robson, a discriminação aos atletas e o assassinato de outro cidadão negro, o operário Newton Lourenço, morto pela polícia no bairro da Lapa, causaram forte comoção entre os militantes negros.

    A manifestação histórica do dia 7 de julho rompeu o silêncio do movimento negro. Foi distribuída no ato uma carta aberta que denunciava as condições de vida dos negros no Brasil. O protesto teve o apoio de entidades de São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Pará, Pernambuco e Rio de Janeiro. Prisioneiros da Casa de Detenção enviaram um documento de apoio ao movimento. Desde então a data entrou para o calendário das lutas contra a discriminação racial”. (Site Memorial da Democracia, Ato reorganiza o Movimento Negro). 

    Meses depois, em 27 de outubro de 1978, o juiz Márcio Jose de Moraes, abriu um processo contra o governo federal, acusando-o de ter agido ilegalmente e criminosamente ao sequestrar, prender, torturar e matar o jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975. Lembrando que no ano anterior o presidente Geisel havia negado crimes de tortura, o processo do juiz Márcio José de Moraes, o qual por sua vez, a repercussão do processo logo chegou aos jornais. 


    Desembargador Federal Márcio José de Moraes, o qual em 1978, abriu processo contra o governo militar, acusando-o de ter sido responsável pela morte do jornalista Vladimir Herzog. Assassinado em 1975, no prédio do DOI-CODI, em São Paulo.
    "O magistrado Márcio José de Moraes determina a apuração de torturas ocorridas há 3 anos, no Doi-Codi.

    O juiz Márcio José de Morais, da 7a Varra da Justiça Federal de São Paulo deu, ganho de causa, ontem à família de Vladimir Herzog, responsabilizando a União pela prisão ilegal, pelas torturas e pela morte do jornalista, nas dependências do DOI-CODI do 2o Exército no dia 25 de outubro de 1975. O juiz determinou também que a Justiça Militar apure todas as torturas sofridas por vários jornalistas e que são mencionadas nos autos do processo.

    Diante dos fatos e das provas, o juiz concluiu primeiramente que Vladimir Herzog "estava preso nas dependências do DOI-CODI do 2o Exército e faleceu nessas condições".

    Na sua sentença o juiz concluiu também que o jornalista estava preso ilegalmente, o mesmo acontecendo com outras testemunhas que depuseram no processo, porque nem no IPM (Inquérito Policial Militar), nem no processo, "não há sequer menção à existência de inquérito em que Vladimir Herzog tenha sido indiciado, ao mandado de prisão, à autoridade competente que o tenha expedido e mesmo à comunicação da prisão ao juiz competente".

    "Mas o que importa —ressaltou o juiz— é que, estando Vladimir Herzog preso nas dependências do 2o Exército, a União Federal assumiu o dever legal de zelar pela sua integridade física e moral".

    O juiz também derrubou a tese da União de que Vladimir Herzog teria responsabilidade exclusiva por seu suposto suicídio. Caso quisesse sustentar essa tese —argumentou o juiz— a União teria que provar primeiramente que ocorreu o suicídio.

    No entanto, a União não conseguiu prová-lo pois, segundo o juiz, a prova documental principal —o laudo médico-legal— ficou prejudicada com o testemunho de um dos dois médicos que o assinaram —Harry Shibata—, que admitiu não ter visto o corpo e assinado o parecer "em confiança".

    Em segundo lugar, porque a única prova testemunhal apresentada pela defesa, foi o de uma testemunha que concluiu pelo suicídio tendo apenas lido o laudo médico referido. Da mesma forma, o laudo complementar preparado a pedido do presidente do IPM sobre o caso, general Cerqueira Lima, também baseou-se no primeiro documento, perdendo seu valor jurídico.


    "Embora esse Juízo não possa categoricamente afirmar que o suicídio de Vladimir Herzog não ocorreu, o certo é que a União Federal não logrou comprová-lo... e permanece íntegra a sua responsabilidade civil pela morte de Vladimir Herzog" - afirma a sentença. (Folha de São Paulo, 28 de outubro de 1978). 

    Como de costume, o governo negou que tivesse havido responsabilidade pela morte de Herzog, e continuou a defender que ele havia cometido suicídio. De qualquer forma, outra manobra do governo ocorreu em 1979, quando foi promulgada a Lei de Anistia. Durante os protestos, pediu-se anistia para todos, uma lei irrestrita, porém o governo apresentou uma proposta com restrições e que favorecia os militares acusados de crimes de sequestro, tortura e assassinato, enquanto deixava de fora os "terroristas" de esquerda que ainda tinham pena a cumprir. 


    Folha de São Paulo, de 28 de junho de 1979, noticiando a anistia parcial e restrita, proposta pelo governo. 
    Enquanto todos os acusados ou suspeitos por crimes que trabalhavam para as forças armadas ou para as polícias, seriam beneficiados pela lei de anistia, aqueles que cometeram terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal, não seriam agraciados com a anistia. De fato, muitos dos que foram anistiados eram exilados políticos. Os que estavam presos no Brasil, tiveram que aguardar mais alguns anos. Assim, percebe-se que o governo apresentou sua anistia, mas não irrestrita e para todos, apenas par alguns e de preferência que beneficiasse a ele mesmo. 

    No ano de 1982 a 1985, ocorreram massivas queimas de arquivo pelo país. Em 1982, o governador do Rio Grande do Sul, Amaral de Souza (PDS), ordenou o fechamento do DOPS do estado, localizado na capital Porto Alegre. Tendo sido o primeiro DOPS a ser fechado no país. Na mesma época do fechamento foi ordenado que todos os arquivos do departamento fossem esvaziados e queimados. Em 1983, o DEOPS de São Paulo também foi fechado e sua documentação ou foi guardada em sigilo, escondida ou queimada. No mesmo ano, outros DOPS começaram a serem fechados e a desaparecer com seus arquivos. De fato, o muito que se tem hoje de arquivos, na verdade é uma parcela ínfima, se pensarmos que tais departamentos atuaram por quase vinte anos. 



    Fotografia de 1982, em Porto Alegre, mostrando um caminhão sendo carregado com os arquivos do DOPS-RS. 
    Não obstante, a atitude de se fechar os DOPS e sumir com arquivos se deveu em parte pelo fato de que em 1982, ocorreu eleições para governador, e alguns governadores eleitos eram da oposição. O governo temia que os governadores abrissem inquéritos e auditoriais contra os deparamentos, logo, antes deles tomarem posse, ordenou que os arquivos fossem movidos ou incinerados. A decisão era uma forma de ocultar todos os crimes, os quais pudessem vir a serem motivos e provas para revelar todas as falcatruas e barbaridades cometidas pelo regime. É válido lembrar que nos governos nazista, fascista e soviético, houve queima de arquivos também. 

    Nas eleições para governador em 1982, no Rio de Janeiro, os candidatos eram Leonel Brizola do PDT, Moreira Franco do PDS e Miro Teixeira do PMDB. Próximo do dia da eleição, o Tribunal Eleitoral Regional (TRE) e a TV Globo, apresentavam os dados das intenções de voto para governador, apresentando que Franco, o qual pertencia a situação do governo, estava em primeiro lugar e por sua vez Brizola estava em terceiro. Desconfiando de fraude nas pesquisas, Brizola entrou com um processo, o que ficou conhecido como Caso Proconsult


    Na época, a empresa Proconsult foi escolhida para contar os votos da eleição para governador do Rio de Janeiro. Todavia, durante a apuração, a qual levava alguns dias, Brizola e a liderança do PDT no Rio, desconfiaram de fraude na contagem dos votos. Antes da votação ser realizada, o PDT e PMDB haviam convocado novas pesquisas de intenção de voto, e nestas pesquisas, Leonel Brizola aparecia em primeiro como pelo menos 180 mil votos afrente de Moreira Franco. Para piorar a situação, no dia 27 de novembro, o Jornal do Brasil, o qual havia recorrido a outros sistemas para contagem de votos, noticiou fraude eleitoral. Brizola acusou os militares de quererem roubar as eleições, só para ele ou Miro Teixeira, não ganharem, pois ambos eram da oposição. 



    Jornal do Brasil, de 28 de novembro de 1982. Um dia após a denúncia de fraude eleitoral, o TRE pediu desculpas por "falha técnica", então ordenou a recontagem dos votos. E Leonel Brizola foi eleito vencedor do pleito.  
    “A lentidão na contagem oficial de votos encobria o desvio de votos nos computadores da Proconsult, empresa contratada pelo TRE para totalizar as urnas no Estado. A tentativa de fraude seria denunciada pelo “Jornal do Brasil” na edição de 27 de novembro. A empresa estava transferindo votos brancos e nulos para o candidato oficial. Após a denúncia, a Justiça Eleitoral suspendeu o trabalho da Proconsult e reiniciou a contagem de votos, confirmando a vitória do PDT por 180 mil votos. A imprensa descobriu que pelo menos um dos sócios da empresa tinha ligações com o Serviço Nacional de Informações (SNI). A Polícia Federal abriu inquérito para apurar a denúncia, que não chegaria a nenhuma conclusão. De todos os líderes que voltaram ao país com a Lei da Anistia, Leonel Brizola era o mais temido pelos militares e civis que apoiaram o golpe de 1964”. (Site Memorial da Democracia, Brizola desmonta fraude eletrônica). 

    No ano de 1982, outra "bomba" estourou para o governo. O jornalista e escritor Alexandre von Baugmarten, foi encontrado morto com quatro tiros no peito, na Praia da Macumba, no Rio de Janeiro, em 1982. No entanto, Baugmarten havia sido agente do Serviço Nacional de Informações (SNI), além de estar ligado a outros assuntos e negócios extra-oficiais com o governo. Em seu dossiê publicado pela revista Veja, três meses depois de sua morte, Baugmarten sabia que estava marcado para morrer, mencionava o nome dos chefes que deveriam dar a ordem, como também contava ações ilegais, perseguições, manipulação de informações, envolvimento com negócios duvidosos e ilícitos, etc. 

    Jornal Cidade Estado de 1984. Noticiando que o Caso Baumgarten parecia uma novela, pois estava longe de acabar. 
    De fato, foi descoberto posteriormente que algumas dessas acusações eram verídicas, mas ainda assim, o SNI negou todas as acusações e considerou o Dossiê Baugmarten, calunioso e difamador. Um dos principais comprometidos foi o general Newton Cruz, diretor do SNI na época, o qual posteriormente teve o nome ligado a um caso de corrupção da Capemi, fundo de pecúlio dos militares. 

    No ano de 1984, ocorreu algo que poucos imaginavam que ainda poderia se suceder. Desde 1982, havia petições para eleições presidenciais diretas e em 1983, o movimento das Diretas Já, havia se iniciado, ainda assim, o governo negou-se a atender as manifestações e os pedidos de políticos como do deputado Dante de Oliveira. Em 1984, novamente a emenda do deputado Dante de Oliveira foi levada para votação. Das outras vezes ela foi recusada, mas agora com a influência dos movimentos nas ruas, o governo acreditava que a emenda fosse aprovada, assim entre 18 a 25 de abril, o presidente Figueiredo ordenou que nenhuma manifestação seria autorizada em Brasília, disponibilizou tropas do Exército na capital, em Goiânia e em outras cidades vizinhas. A imprensa foi proibida de cobrir a votação. 

    Alguns manifestantes e jornalistas que estavam na capital, acabaram sendo presos. O general Newton Cruz, o mesmo que foi acusado por Alexandre Baugmarten dois anos antes, de estar envolvido em negócios ilícitos, ainda estava no cargo e foi incumbido pelo presidente de comandar a tropa de guarda na capital. No dia 23 de abril, Newton Cruz desfilou em cavalo branco, seguido de tropas e tanques de guerra. Testemunhas dizem que o general agiu com autoritarismo, inclusive esbravejava com quem buzinasse para ele. 

    General Newton Cruz, montando em cavalo branco, liderando a guarda de emergência em Brasília, durante a votação da Emenda Dante de Oliveira, a qual decidiria pelas eleições presidenciais diretas. 
    Mesmo com o o perímetro de isolamento da área e o governo acreditando que não haveria manifestações em frente ao Palácio do Planalto e no Congresso Nacional, na noite do dia 24, moradores em torno, começaram a bater panelas ("panelaço"). Na manhã do dia 25, milhares de pessoas surgiram pelas ruas e ocuparam o gramado em frente ao Congresso Nacional. Mesmo com ameças de agressão e de prisão, os manifestantes permaneceram ali. O barulho foi até de noite, pois a sessão de votação terminou as 2 horas da madrugada do dia 26 de abril. 

    Manifestantes ocupando o gramado, rampa, teto e dependências do Congresso Nacional, em 25 de abril de 1984. Naquele dia, o governo havia proibido manifestações na capital federal, mas o povo indignado com a ditadura decidiu ainda assim se arriscar e foram protestar. 
    Embora tenha saído de madrugada o resultado da votação, mas como a imprensa foi proibida de cobrir a sessão, apenas de dia foi que o país soube do resultado daquela aguardada votação, mas o resultado não foi nada bom. A emenda para ser aprovada necessitava de 320 votos, mas apenas obteve 298, sendo que 113 deputados faltaram a sessão, sendo eles a maioria do PDS, partido do governo. O resultado foi considerado uma jogada política.Nos jornais e nas ruas, começou-se a novamente reclamações e protestos acusando a ditadura de não querer entregar a faixa presidencial


    Jornal do Brasil de 26 de abril de 1984, noticiando o resultado da votação pelo voto direto a presidência. 
    Embora o Congresso tenha rejeitado mais uma vez as Diretas Já, o PDS estava dividido. Parte dos 298 votos a favor, eram de deputados do partido, o que revelava que uma ala do governo era favorável pelas eleições. Por outro lado, Líderes políticos como Ulysses Guimarães (PMDB), Leonel Brizola (PDT), Lula (PT), Tancredo Neves (PP), Paulo Maluf (PDS), entre outros, se mobilizaram para negociar com o governo, a convocação de eleições para 1985. Assim, foi acordado entre o governo de Figueiredo a convocação extraordinária para uma eleição presidencial indireta, ou seja, a população não teria direito de escolher seu presidente. Na ocasião só foi permitido para a disputa eleitoral a indicação de dois candidatos a presidência e dois para vice-presidência. 

    Na oposição tínhamos Tancredo Neves do PMDB, então governador de Minas Gerais, e para vice-presidente José Sarney da Frente Liberal (FL). Por sua vez, o candidato a favor dos militares era Paulo Maluf do PDS, então governador de São Paulo, e seu vice era Flávio Marcílio também do PDS. Ironicamente a chapa eleitoral para presidência retomava o cenário da velha "política do café com leite", onde os candidatos a presidência sempre eram governadores ou senadores de Minas e de São Paulo. A disputa eleitoral foi acirrada, inclusive houve acusações de tentativa de fraude eleitoral e compra de votos. Um dos casos marcantes ocorreu contra a candidatura de Paulo Maluf. 

    No final de 1984, o deputado federal do Rio de Janeiro pelo PDT, o indígena xavante Mário Juruna, denunciou publicamente o empresário Calim Elid (1923-1999), o qual havia sido chefe da Casa Civil de São Paulo, de ter oferecido 30 milhões de cruzeiros como propina para Juruna fazer campanha eleitoral para Paulo Maluf. Na época o escândalo foi abafado. Elid nunca foi julgado por tal acusação, embora pesasse contra ele acusações contra outros crimes. Por sua vez, Maluf também negou as acusações, embora ele mesmo tenha sido alvo de acusações relacionadas a uso indevido de verba pública, recebimento de propina, lavagem de dinheiro etc. Todavia, até hoje não foi condenado por isso. 


    Fotografia de 1984, mostrando o deputado federal Mário Juruna (PDT), apresentando os maços de dinheiro recebido como propina para fazer campanha eleitoral a Paulo Maluf. 
    Mesmo Maluf tendo se safado de mais acusações envolvendo seu nome, o candidato dos militares nacionalmente não estava bem visto. Inclusive ele tentou em sua campanha política reavivar o sentimo patriótico e nostálgico acerca do regime militar, mostrando que a ditadura não havia sido algo severo, mas uma boa época para o país. Inclusive é também notória a acusação de Maluf ao comunismo, ao ponto de sua propaganda eleitoral vincular propaganda anticomunista, dizendo que cristãos não deveriam permitir que candidatos de esquerda fossem eleitos. De qualquer forma os apelos de Maluf não deram certo. O governo militar estava visivelmente desgastado e as tentativas de tentar estendê-lo se esgotavam. A única saída seria aceitar o fim da ditadura, ou promover um novo golpe de Estado para permanecer no controle. 

    Em 15 de janeiro de 1985, o colégio eleitoral elegeu com 480 votos o candidato Tancredo Neves (PMDB), contra 180 votos de Paulo Maluf (PDS). A aclamação foi grande na época, pois a vitória de um candidato da oposição mostrava que os rumos da política nacional estavam para mudar. Todavia, no dia 14 de março, véspera da posse de Tancredo Neves como presidente, o mesmo sofreu repentinas fortes dores abdominais, sendo internado as pressas. Devido a sua incapacidade física, seu vice-presidente, José Sarney tomou posse em seu lugar. Na ocasião o general João Batista Figueiredo então presidente formal do país, não compareceu a cerimônia como recomendava o protocolo. Sarney assim era empossado por voto indireto, o primeiro presidente civil a ser eleito desde 1964. No entanto, Tancredo Neves não pode assumir seu cargo, pois a doença lhe tirou a vida em abril daquele ano. 


    Jornal do Brasil de 18 de março de 1985, noticiando a posse de José Sarney e seus ministros. 
    Como desfecho para essa história, em 15 de julho daquele ano, foi lançado o livro Brasil: Nunca Mais, obra coordenada pelo arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016), o rabino Henry Sobel e o pastor Jaime Wright, o livro era um resumo do Projeto: Brasil Nunca Mais, o qual de 1979 a 1985, coletou informações de diversas partes do país e até do de outros países, acerca dos crimes da ditadura.  


    Capa da 11a edição de Brasil: Nunca Mais (1985). O livro que escancarou a ditadura logo após o seu fim. 
    A obra foi lançada como forte impacto na época, pois revelava muitos crimes que a sociedade desconhecia, devido aos anos de censura e negações das autoridades, além de documentos que comprovavam sequestros, prisões e até mesmo torturas. Na época, foi levantado os dados que mais de 100 pessoas haviam sido assassinadas e quase duas mil haviam sido torturadas. Mas devido ao fato dos arquivos terem sido escondidos e destruídos, dificilmente chegaremos a valores totais.

    Conclusões:


    Após essa longa trajetória histórica pelos 21 anos do governo militar brasileiro, talvez uma jornada cansativa para alguns leitores, talvez para outros uma jornada de descobrimento, surpresas e adversidades, as conclusões que cheguei com este trabalho são que definitivamente o Regime Militar Brasileiro (1964-1985), que vigorou sob nome de revolução, democracia, democracia relativa, etc., não foi nada democrático, mas na prática uma ditadura descarada e hipócrita. 


    Para aqueles que ainda contestam que o regime militar não foi uma ditadura, basta procurar pelos conceitos de democracia e de ditadura, seja de autores de esquerda ou de direita, então aplicá-los a nossa história, e tirem por conta própria a conclusão do inegável. Como dizer que um governo que suprimiu o sufrágio várias vezes, que adiou eleições, que até o último momento recusou-se a sair do poder, quase que indo a vias de um novo golpe, era uma democracia de direito?


    Como dizer que um governo pode ser democrático, se políticos foram cassados as centenas de forma arbitrária, por serem contra o governo? Como dizer que havia democracia se o Congresso Nacional foi suspenso algumas vezes? Se os tribunais foram manipulados, se juízes foram afastados de processos? Como dizer que havia liberdade de expressão se tantas censuras imperaram nos direitos trabalhistas, nos movimentos sociais, nas artes, na imprensa e na educação? 


    Como dizer que havia prosperidade, se o salário mínimo ficou dez anos congelado? Se greves eclodiram massivamente entre 1979 a 1985, resultados de uma crise que o mesmo governo que defendia com orgulho seu "milagre econômico", foi responsável por jogar o país num período de recessão? Além do fato de que esse crescimento econômico nem cinco anos durou, ou seja, no total do tempo que a ditadura vigorou, menos de um quarto dela foi testemunha de melhorias econômicas. Mas melhorias para quem?


    Como dizer que as pessoas tinham liberdade, se eram monitoradas nas escolas, universidades, trabalhos, nas ruas, etc? Fichadas sem ao menos saber. Consideradas subversivas por que não concordavam com alguma medida política? Consideradas subversivas porque liam livros proibidos ou cantavam músicas censuradas? 


    Como dizer que havia respeito a educação, se estudantes e professores eram agredidos e alguns foram mortos? Se universidades e faculdades eram invadidas? Se professores eram arbitrariamente demitidos? Se as escolas eram monitoradas com escutas policiais? Se professores eram impedidos de ensinar outras ideologias? Se os alunos eram obrigados a dizer "sim, senhor", sem se perguntar por que digo isso? Se o ensino escolar começou a ser privatizado e sucateado? E até mesmo houve ameaça de privatizar as universidades federais? 


    Como dizer que aqueles eram anos seguros, de pouca criminalidade e violência, se o próprio governo executava presos nas cadeias? Financiava e apoiava grupos terroristas de direita, os quais serviam a seus ideais? E depois faziam vista grossa aos seus atos, pois terrorismo era somente de esquerda. Como dizer que eram anos seguros, se as pessoas eram sequestradas nos trabalhos ou nas próprias casas, claro que foram poucos casos, ainda assim, ocorriam. Era a violência legitimada. Aquele que não andasse com a cabeça baixa, estava passível de receber uma porretada na cabeça. 


    Como dizer que havia liberdade de expressão, se passeatas eram reprimidas com violência e até com mortes? Se manifestações foram proibidas de ocorrer? Se jornais foram censurados ou sofreram atentados a bomba? Se artistas foram ameaçados de morte ou presos, por suas peças, livros, filmes e músicas?


    Como dizer que não havia questões raciais, se negros eram mortos descaradamente? Se indígenas tiveram terras invadidas e foram mortos aos montes, por fazendeiros, grileiros e posseiros, os quais a polícia fazia vista grossa para seus atos? Que índios foram enviados para campos de trabalho forçado? Como atesta o Relatório Figueiredo, documento referente a todos os crimes conhecidos praticados pela ditadura contra os povos indígenas. Além do caso do sumiço do povo waimiri-atroari, quase exterminado na década de 1970, por se opor a ter suas terras invadidas, a se submeter a trabalho semi-escravo, além de terem sido acusados de serem guerrilheiros. 


    Como dizer que havia respeito a dignidade humana, se pessoas eram torturadas de formas brutais? E alguns disseram que se não havia marcas de tortura é porque não ocorreu. Mas essas pessoas que pensam assim, talvez nunca leram nada sobre tortura ou não foram torturadas. Havia torturas que eram psicológicas, outras eram usadas técnicas para se evitar deixar marcas, arranhões, manchas. Inclusive a técnica preferida eram os choques elétricos, os quais não deixavam marcas e eram terrivelmente dolorosos. 


    O que dizer de um padre que tentou salvar duas mulheres vítimas de agressão, foi morto por causa disso, sendo acusado de ser subversivo? Que uma freira foi torturada por supostamente estar vinculada a um grupo de esquerda? Que um arcebispo recebeu ameaças de morte por denunciar a violência?


    Diante de tantas perguntas, das quais foram respondidas ou pelo menos apresentadas suas histórias e consequências neste texto, e até de forma bem mais detalhada em livros, fica difícil defender que a ditadura não foi uma ditadura, e mesmo que alguns digam que sim, foi uma ditadura, e que digam que concordam com seus ideais de Guerra Fria, de combater o comunismo e de ter promovido uma "revolução que salvou o país", não tentem negar seus horrores, e procurem repensar o que estão dizendo. A Guerra Fria acabou em 1991. Mas para alguns brasileiros ela nunca acabou, e todo o seu ódio ainda vive.


    Referências Bibliográficas:
    ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James A. Economic Origins of Dictatorship and Democracy. New York: Cambridge University Press, 2006. 
    BARBU, Zevedei. Democracy and Dictatorship: their psychology and patterns of life. New York, Routledge, 2002. 
    BOBBIO, Norberto. Democracy and Dictatorship: the nature and limits of state power. Translated by Peter Kennealy. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1989. 
    BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 6a edição. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 1986. 
    BOBBIO, Norberto. Igualdad y Libertad. Barcelona: Ediciones Paidós, 1993. 
    BROOKER, Paul. Defiant Dictatorships: communist and Middle-Eastern Dictartoships in a Democratic Age. London: Macmillan Press LTD, 1997. 
    CODATO, Adriano Nervo; OLIVEIRA, Marcus Roberto de. A marcha, o terço e o livro: catolicismo conservador e ação política na conjuntura do golpe de 1964. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 24, n. 47, 2004. 
    GANDHI, Jennifer. Political Institutions under Dictatorship. New York: Cambridge University Press, 2008. 
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    MARKHAN, F. M. H. Napoleão e o despertar da Europa. Tradução de Affonso Blacheyre. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1963. (Coleção Homens que fizeram época). 
    REZENDE, Maria José de. A ditadura militar no Brasil: repressão e pretensão de legitimidade (1964-1984). Londrina: Eduel, 2013. 
    ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Tradução Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2009. 
    SCHMITT, Carl. Dictatorship. Translated by Michael Hoezl and Graham Ward. Cambridge: Polity Press, 2014. 
    SHARP, Gene. From Dictatorship to Democracy: a conceptual framework for liberation. 4th edition. United Station of America: The Albert Einsten Institution, 2010. 
    SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 2a ed. São Paulo: Contexto, 2009. 
    SOARES, Gláucio Ary Dillon; D'Araujo, Maria Celina (org.). 21 anos de regime militar: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1994. 
    STOPPINO, Mário. Ditadura. In: BOBBIO, Norberto et. al (org.). Dicionário político. Brasília: Editora da UnB, 1998. p. 368-379. 


    Referências dos jornais:

    CIDADE Estado, de 1984.
    DIÁRIO da Noite, de 15 de outubro de 1968.
    ESTADO de São Paulo, de 17 de setembro de 1969.
    FOLHA de São Paulo, de 29 de outubro de 1965.
    FOLHA de São Paulo, de 28 de junho de 1979.
    FOLHA de São Paulo, de 28 de agosto de 1980.
    FOLHA de São Paulo, de 16 de janeiro de 1985.
    O GLOBO, 2 de abril de 1964. 
    O GLOBO, 25 de janeiro de 1967.
    JORNAL do Brasil, de 29 de março de 1968.
    JORNAL do Brasil, de 6 de abril de 1968.
    JORNAL do Brasil, de 14 de dezembro de 1968.
    JORNAL do Brasil, de 15 de abril de 1977.
    JORNAL do Brasil de 2 de novembro de 1979.
    JORNAL do Brasil, de 28 de novembro de 1982.
    JORNAL do Brasil, de 26 de abril de 1984.
    JORNAL do Brasil, de 18 de março de 1985.
    JORNAL da Tarde, de 27 de outubro de 1975.
    O POVO, 15 de fevereiro de 2000.
    ÚLTIMA Hora, 16 de abril de 1964. 

    Referência da Internet:

    DUARTE, Alessandra. Repressão da ditadura militar também invadiu as salas de aula. Disponível em: http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/repressao-da-ditadura-militar-tambem-invandiu-as-salas-de-aula-11896867. 17 de março de 2014. 
    ENTREVISTA de Ernesto Geisel à televisão francesa. Disponível em: http://www.opovo.com.br/app/acervo/entrevistas/2012/09/19/noticiasentrevistas,2921958/entrevista-de-ernesto-geisel-a-televisao-francesa.shtml. 19 de setembro de 2012. 
    MORI, Letícia. 50 anos do AI-5: a história dos 6,5 mil militares perseguidos pela ditadura. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46532955. 13 de dezembro de 2018. 
    O SUMIÇO dos waimiri-atroati durante a ditadura militar. Disponível em: https://www.viomundo.com.br/denuncias/o-sumico-dos-waimiri-atroatri-durante-a-ditadura-militar.html. 10 de abril de 2012. 
    VILAR, Leandro. 50 anos do golpe civil-militar no Brasil: reflexões para serem revistas. Disponível em: http://seguindopassoshistoria.blogspot.com.br/2014/03/50-anos-do-golpe-civil-militar-no.html. 31 de março de 2014. 




    3 comentários:

    Bruno disse...

    Seu blog é sensacional, cara, vastos e excelentes textos de diferentes temas, com ótimas referências bibliográficas e muito bem explicados. Já aprendi muito lendo somente seus artigos, o que só me fez ficar mais interessado e curioso em aprender sobre história.

    Espero que você continue o seu ótimo trabalho! Sucesso!

    Leandro Vilar disse...

    Bruno, muito obrigado pelo seu reconhecimento. Realmente alegro-me que o trabalho que venho fazendo desde 2009, esteja ajudando as pessoas de alguma forma. Quando decidi me tornar historiador e professor, coloquei como meta de vida, compartilhar o meu conhecimento, além de mostrar que estudar história não é algo chato ou que seja mera decoração de datas. A história é o livro da humanidade.

    Marcos Soares disse...

    De fato foi uma ditadura. Só que infelizmente muitos dos mesmos que repudiaram e repudiam a Ditadura Militar, hoje apoiam a ditadura de Nicolás Maduro.
    Parabéns pelo seu trabalho!