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Comunicado

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Leandro Vilar

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Nos últimos anos venho testemunhando como a ignorância sobre o papel dos direitos humanos vem tornando-se motivo para jargões ignorantes, preconceito, repúdio e ódio. Pessoas que repetem que "direitos humanos só serve para defender bandido", "direitos humanos é invenção da esquerda terrorista", "direitos humanos servem o desmantelo do politicamente correto", "direitos humanos devem servir apenas cidadão de bem", "agentes dos direitos humanos são vagabundos que protegem outros vagabundos", "direitos humanos não devem ser levado a sério, só pregam besteira e injustiça". Essas e outras sandices motivadas pela ignorância, a arrogância, o ódio, a alienação e a revolta criam um "senso comum" que não reflete o papel dessa declaração surgida em 1948, motivada para proteger o mundo de novos problemas, ainda mais após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Sendo assim, decidi postar aqui a declaração, e espero que as pessoas a leiam com atentamente e repensem sua opinião, ao invés de tomarem particularidades de agentes corruptos ou inescrupulosos e julgar com base na parte o todo, considerando os direitos humanos uma "facção criminosa ou terrorista", achando que ele deixa de ser um conjunto de leis para se tornar um "ser" racional que atua no mundo. 

Introdução:

John Peters Humphrey 
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi concebida na década de 1940 pelo jurista canadense John Peters Humphrey (1905-1996). Embora várias outras pessoas o auxiliaram na redação final da declaração, a ideia original foi sua. Humphrey era bacharel em Comércio, Artes e Direito, posteriormente fez mestrado na área de Direito Internacional, passando a exercer o cargo de jurista e também de professor de Direito. Pelo fato de ter vivido na época da Primeira Guerra (1914-1918) e Segunda Guerra (1939-1945), além de outros problemas políticos, sociais e econômicos daquele tempo, isso afetou bastante a percepção de Humphrey quanto ao papel do Direito Internacional, dos direitos humanos e da ONU, embora essa somente tenha sido criada em 1945. No ano seguinte, em 1946, o professor John Peters Humphrey que já colaborava com a ONU como assistente do secretário-geral, foi indicado para assumir a Secretária de Direitos Humanos. Nesse período ele deu início a elaboração da futura declaração. 

Aprovada em 10 de dezembro de 1948 na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, era reconhecida formalmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), composta por 30 artigos que versavam sobre os direitos básicos de qualquer ser humano como direito a vida, igualdade perante a lei, segurança, cultura, educação, saúde, lazer, trabalho, liberdade, justiça, matrimônio, divórcio, lar, família, bem-estar, propriedade, identidade, nacionalidade, asilo etc. A declaração também aponta crimes como justiça arbitrária, prisão ilegal, tortura, escravidão, tráfico humano, violência desmedida, perseguição política, ideológica ou motivada por intolerância e preconceitos; incentivo ao ódio, descumprimento das leis etc. A declaração tornou-se o modelo base para a criação de várias leis e constituições de diversos países, além de ser um dos documentos base para a atuação do Direito Internacional. Inclusive a declaração também inspirou outros projetos similares. 

Eleanor Roosevelt (1884-1962), foi primeira-dama dos Estados Unidos entre 1933 e 1945, embora seu marido Franklin D. Roosevelt tenha se envolvido em dilemas e polêmicas com a guerra, Eleanor optou por um caminho mais diplomático. Foi embaixadora e diplomata dos Estados Unidos, atuou como ativista pelos direitos humanos, atuou como feminista, presidiu a comissão para a criação da declaração dos direitos humanos. Eleanor é conhecida por ter dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos era a Carta Magna da Humanidade. 

Eleanor Roosevelt exibindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1949. 
A DUDH não é um documento de obrigatoriedade legal, mas um modelo que deveria ser seguido. Embora tenha inspirado pactos, acordos, declarações e constituições, os direitos humanos ainda continuam a ser desrespeitados diariamente e mal compreendidos. Os ignorantes tendem a tomar casos específicos e julgar que os direitos humanos somente serve para "proteger bandido", "fornecer apoio para refugiado", "dar assistencialismo aos pobres", "servir os vagabundos". A falta de conhecimento gera esse senso comum equivocado e esse preconceito que inclusive é destilado como ódio aos direitos humanos. Algo até equivocado.

Além disso, os serviços internacionais de ajuda humanitária como a Cruz Vermelha e o Médico Sem Fronteiras, são inspirados pelos direitos humanos. Também se somam o apoio de centenas de organizações não-governamentais (ONG), instituições filantrópicas, organizações religiosas de missionarismo, caridade e ajuda. Não obstante, combater a fome, a desnutrição, subnutrição, miséria, epidemias, desemprego, falta de moradia, insegurança, violência, guerras, danos ambientais etc., são prerrogativas dos direitos humanos. 

A ASSEMBLÉIA GERAL

Proclama

A PRESENTE DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS
DIREITOS HUMANOS

Como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo I

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo II

1 - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

2 - Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo III

Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo V

Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Artigo VI

Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.

Artigo VII

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo VIII

Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo IX

Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo X

Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo XI

1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII

Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo XIII

1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.

2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

Artigo XIV

1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.

2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XV

1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo XVI

1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.

2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.

3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

Artigo XVII

1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo XVIII

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.

Artigo XIX

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo XX

1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.

2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo XXI

1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.

3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
Artigo XXII

Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo XXIII

1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo XXIV

Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

Artigo XXV

1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.

Artigo XXVI

1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo XXVII

1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.

2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

Artigo XXVIII

Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo XXIX

1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.

2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XXX


Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

sábado, 10 de fevereiro de 2018

São Olavo, o primeiro santo viking

Ainda hoje é comum ouvir que todos os vikings haviam sido pagãos e que somente tiveram contato com o cristianismo fora da Escandinávia. Na verdade, a história não foi bem assim. Relatos já apontam a visita de missionários cristãos na Dinamarca, ainda no século IX. Um desses missionários foi o monge beneditino Ansgário de Hamburgo (801-865), que posteriormente visitou também a Suécia. No caso, Ansgário que foi canonizado com o nome de São Oscar, foi um dos principais missionários a difundir o cristianismo em terras nórdicas, inclusive promovendo a construção de igrejas e capelas. Logo, os nórdicos da Era Viking, ainda no século IX já haviam começado a aderir a fé cristã, não tendo sido algo feito no exterior ou séculos depois. O rei Haraldo Klak da Dinamarca é conhecido como o primeiro rei viking a ter se convertido ao cristianismo, ainda no começo do século IX. Inclusive teria sido o responsável por levar o monge Ansgário para a Dinamarca, durante o seu retorno do seu exílio na França. (BRAGANÇA JR; QUINTANA, 2010, p. 43). 

No entanto, embora algumas comunidades houvessem se convertido a fé de Cristo, e até mesmo alguns monarcas tenham tentado entre os séculos IX e X difundir o cristianismo em seus reinos, o cristianismo não se espalhou rapidamente pelos reinos nórdicos, ele somente começou a se firmar no século XI em diante. No caso de São Olavo ele como vários outros santos, somente foi canonizado após a morte, quando seus milagres ou martírio foram reconhecidos pela Igreja Católica Apostólica Romana. Algo que comentarei mais especificamente adiante, mas antes de chegar a canonização em si, precisamos conhecer quem foi esse homem. 

Neste caso, Olavo II Haraldsson foi um príncipe viking de origem norueguesa que viajou por parte da Europa ainda na sua juventude, antes de retornar para sua terra natal, a fim de disputar o trono norueguês. Porém, quando ele retornou, Olavo já havia se convertido ao cristianismo, então durante seu reinado, uma de suas missões foi tornar a Noruega um reino cristão. Sendo assim, veremos algumas fontes para se conhecer a vida desse rei viking que se tornou santo, e comentarei a respeito de alguns pontos importantes da sua vida, para concluir com sua canonização.


São Olavo, rei da Noruega. Capela de São Olavo, Itália. Piu Welonski, 1893. 
As fontes sobre Olavo II: 

Um dos problemas para se estudar a história viking, período que ocorreu entre o final do século VIII até meados do século XI, que cronologicamente ficou conhecido como Era Viking ou Idade Viking, diz respeito que as fontes escritas são escassas. Muito do material escrito da época pouco informa sobre a história, e algumas informações mais detalhadas advêm de estrangeiros, os quais em alguns casos não foram imparciais em suas descrições e comentários, e até mesmo repetindo e confirmando estereótipos. Por outro lado, as principais fontes escritas de origem nórdica, datam dos séculos XII ao XIV, ou seja, narrativas de cem, duzentos ou trezentos anos após os acontecimentos que elas narram. Logo devido a essa distância, as histórias sobre Olavo II devem ser lidas com cautela, pois além de conter imprecisões históricas, também estão passíveis de terem sido romanceadas. 

Olavo II teve a sorte de que algumas das narrativas que abordam seus feitos, datam de períodos não tão distantes da sua vida. No caso se destaca a produção literária do poeta Sighvart Tórdason (?-1043) o qual teria sido poeta na corte do rei Olavo. Tórdason é lembrado por ter composto um poema intitulado Nesjavísur, o qual celebra a vitória do rei Olavo na Batalha de Nesjar (1016), e o poema Víkingavísur que narra algumas das façanhas do monarca. Entretanto esse poemas são breves e pouco nos informam sobre outros momentos da vida desse rei. Não obstante, Olavo também é mencionado no Ágrip of Nóregskonungasögum (Sinopse da Saga dos Reis Noruegueses), documento incompleto que traça o nome dos monarcas que governaram a Noruega. Tal documento é datado do século XII e serviu de fonte para o catálogo de reis contido no livro Historia Norwegiae (XIII) O Ágrip também traz poucas informações sobre Olavo. 

Entretanto, as fontes mais detalhadas sobre Olavo, apresentam um caráter religioso. A primeira delas consiste na Antiga Saga de São Olavo (c. 1200), narrativa de autoria anônima que serviu de base para outras duas versões: uma encontrada no livro Heimskgringla, intitulada Ólafs saga helga (Saga de São Olavo), cuja autoria é atribuída ao poeta islandês Snorri Sturluson (1179-1231), possível autor também da Edda em Prosa e de outras obras. No caso da Heimskgringla, esse livro consiste numa coletânea de sagas de reis (Konungasögur) noruegueses, o que inclui genealogias, dinastias e até mesmo mitos sobre a origem de algumas famílias nobres. A outra versão inspirada pela antiga saga, trata-se da Legendária Saga de São Olavo, narrativa de autoria anônima e datada do século XIII. No caso, a Saga de São Olavo é a narrativa com maior número de informações sobre ele. 

Outra fonte de caráter religioso sobre Olavo II diz respeito a uma obra latina de caráter hagiográfico, intitulada Passio et miracula beati Olavi (Paixão e Milagre do abençoado Olavo), que consiste numa obra de autoria anônima e datada do século XII, a qual claramente já apresentava um discurso cristão e hagiográfico de enaltecimento desse santo norueguês. A obra é notória por apresentar um Olavo devoto a Cristo e que teria realizado milagres. Sobre ela comentarei mais adiante quando abordar a questão da canonização de Olavo.

Alguns acontecimentos relacionados a vida de Olavo II também foram mencionados brevemente na Crônica Anglo-saxãs (XII), mas sem detalhes. Todavia, no Gesta Hammaburgensis ecclesiae pontificum (XII) de Adam de Bremen, encontra-se algumas informações sobre Olavo, especialmente sobre o conflito entre ele e o rei Canuto, o Grande. A Historia Norwegiae (XIII) também traz algumas informações escassas sobre o monarca. Além dessas três crônicas, existem outros livros também que citam o monarca, mas de forma breve. 

Nesse estudo procurei comentar a vida de São Olavo principalmente através da Heimskgringla, da Historia Norwegiae e do Passio et miracula beati Olavi. Neste sentido, adianto que ambas as obras chegam a ser contraditórias sobre determinados acontecimentos, inclusive sugerem datas diferentes e até o fato que Olavo estaria em dois lugares ao mesmo tempo participando de batalhas. Mas isso não seria um milagre, mas um equivoco das fontes sobre as aventuras desse rei guerreiro. 

O jovem guerreiro 

Assim como outros governantes no passado, muitos aspectos sobre a infância e adolescência deles são desconhecidos, pois em geral os biógrafos tendiam a narrar a respeito da fase adulta destes homens. No caso de Olavo isso não foi diferente, embora que sua adolescência foi melhor comentada em algumas situações. Segundo a Saga de São Olavo na Heimskgringla, Olavo Haraldson (Ólaf Haraldson) nasceu em data incerta no ano de 995, sendo filho de Haroldo Grenske e Asta Gudbrandsdatter, tendo nascido em Ringerike como sugerem as fontes sobre sua vida. Era dito que por parte de pai ele descendia de Haroldo Cabelo Belo, o primeiro rei da Noruega unificada. 

Sobre seu pai pouco se sabe, mas era considerado o jarl (governante) de Vestfold. Embora que as fontes da época diga que Haroldo fosse rei. Provavelmente trata-se de um erro de interpretação, ao considerar que os jarl fossem monarcas. Haroldo Grenske acabou falecendo em data desconhecida e Asta casou-se com Sigurd Syr, jarl de Ringerike. Desse matrimônio Asta gerou Haraldo Hardrada (c. 1015-1066), o qual também se tornou um rei futuramente. 

Não se sabe como foi a infância de Olavo, porém, a saga informa que no ano de 1007, quando ele contava com seus 12 anos de idade, o jovem príncipe foi enviado por seu padrasto ao mar, lhe dando o comando de uma pequena frota e vários homens. Assim, nessa tenra idade Olavo iniciava sua vida como viking. No caso é preciso sublinhar que a palavra viking era usada também para se referir as atividades navais relacionadas com pilhagem. Algo que encontra respaldo em alguns documentos medievais quando usam a expressão "sair a viking". Sem contar que o termo também em alguns lugares tornou-se sinônimo para se referir a piratas do Norte. 

No caso, a Saga de São Olavo comenta que desde cedo o príncipe já havia ingressado nos ofícios do mar, da guerra e de um viking, tendo comandado pilhagens na costa sueca, confrontado um chefe chamado Sote, em Sotasker; atiçado a fúria do rei Olavo da Suécia que reuniu um exército para caçá-lo; atracou na ilha de Gotland e ameaçou uma vila, cobrando-lhes um tributo para não serem atacados. Ali ele e seus homens passaram o inverno, e no ano seguinte atacaram e pilharam a região de Eysyssel, atualmente na Estônia. Em seguida ele seguiu para a Finlândia, continuando com suas pilhagens. Nesse ponto a saga não é clara, pois informa a posteriori que Olavo havia retornado para casa. Mas segundo sugere esse relato, ele contava com seus 12-13 anos quando realizou sua incursão de pirataria pelo mar Báltico

Em data incerta, já de volta a Noruega, Olavo se aliou a Thorkall, o Alto, o qual era irmão do jarl Sigvalde. Juntos eles partiram para o sul da Dinamarca, realizando assaltos. Nesse ponto, a saga se refere a Olavo já com o título de rei, mas diz que ele sera chamado de rei, pois era um chefe, e não por ter um reino. Após os ataques na Dinamarca, Olavo seguiu em direção a Frísia (região na atual Alemanha e norte da Holanda), onde participou da sua quinta batalha, como informa a saga. 

Os conflitos na Inglaterra

A saga interrompe a narrativa das expedições e batalhas do jovem Olavo, para comentar a respeito da morte do rei Sueno Barba-bifurcada da Dinamarca (c. 964-1014). Sueno havia em momentos distintos governado também parte da Noruega e da Inglaterra. Em 1014, ano da sua morte, Sueno disputava o controle da Inglaterra contra o rei Etereldo II (c. 968-1016). Na ocasião tropas dinamarquesas confrontavam tropas inglesas no país. Porém, a saga informa que Olavo chegou a Inglaterra no outono de 1010, e naquele período Sueno já estava morto, e o rei Etereldo II em campanha em Flandres (atualmente na Bélgica), retornava para a Inglaterra a fim de expulsar os exércitos dinamarqueses. Olavo e seus homens foram alguns dos chefes que aceitaram trabalhar para o monarca inglês, ajudando-o a expulsar os dinamarqueses. Olavo atuou em Londres e Southwark. Nesse ponto vemos um primeiro equivoco temporal apresentado pela Saga de São Olavo, ao dizer que Sueno Barba-bifurcada faleceu em 1010, quatro anos antes do que realmente de fato ocorreu. 

Após as vitórias no outono, Olavo continuou a servir o rei inglês pelos meses seguintes, participando de batalhas em Hringmara Heath nas terras de Ulfkel, em Canterbury e em Nyjamoda, onde atacou navios de guerra. Embora estivesse ajudando o rei inglês a retomar seu controle sobre o país, a saga informa que isso não pôs fim aos saques e invasões cometidos por Olavo e seus homens. Além de informar que ele viajou por várias regiões daquele país. 

A Historia Norwegiae informa esse relato de maneira diferente. Essa crônica de autoria anônima conta que Olavo não teria servido o rei Etereldo II, mas sim o rei Canuto II, o Grande (c. 995-1035) nas campanhas contra Edmundo II Braço de Ferro (990-1016), sucessor de Etereldo II. No caso, o rei Edmundo assumiu o trono em 1016, o que significa que por essa fonte, a presença de Olavo na Inglaterra somente ocorreu mais tardiamente e não no ano de 1010 como ela sugere, ou em 1014, ano da morte de Sueno Barba-bifurcada. De qualquer forma, a crônica prossegue dizendo que Olavo continuou a servir o rei Canuto até a morte do rei inglês que ainda ocorreu em 1016. 

A expedição misteriosa

A cronologia apresentada na Heimskgringla é equivocada em várias datas. Por exemplo, ela aponta que o rei Sueno faleceu em 1010, embora historicamente saiba-se que ele morreu em 1014. Por sua vez, ela diz que o rei Etereldo II morreu em 1012, mas esse somente faleceu em 1016. Devido a esse problema com as datas, dispomos de uma lacuna de quatro anos, na qual não sabemos exatamente onde encaixar determinados acontecimentos os quais teriam sido vivenciados por Olavo. Neste caso, insere-se aqui uma série de batalhas ocorridas em lugares desconhecidos, chamados de Hringsfjord, Grislupollar, Williamsby, Fetlajord, Seljupollar e o no castelo de Gunvaldsborg. Tais localidades são citadas no poema Víkingavísur, e retomado na Heimskgringla e na Historia Norwegiae. A respeito, o historiador Hélio Pires (2017, p. 130-131) comenta que ainda hoje não se sabe ao certo onde essas localidades estariam situadas de fato. Pires comenta que desde o século XIX surgiram hipóteses alegando que tais localidades se encontravam na Galiza e Portugal, pois a Historia Norwegiae diz que Olavo travou tais conflitos na Ibéria. 

Todavia, Hélio Pires (2017) em seu denso estudo sobre a presença viking em Portugal e Galiza, constatou tais hipóteses com base na análise de fontes medievais de três séculos distintos, não encontrando nada que corrobora-se que Olavo teria se quer viajado para a Península Ibérica. Por outro lado, ele propôs duas hipóteses: uma é que tais lugares sejam fictícios, e o poema não se refere a acontecimentos reais, mas inventados para enaltecer o monarca, pois é preciso lembrar que Sigvart, o autor do Víkingavísur foi um poeta de corte, e em geral tais homens tinham que bajular seus senhores. Outra possibilidade é que os nomes não correspondam a localidades precisas, mas tais expedições possam ter ocorrido na França, pois o poema menciona os rios Poitou e Loire, localidades bastante conhecidas pelos nórdicos desde o século IX. 

Outra questão a ser comentada, diz respeito que durante a época dessas campanhas no sul, Olavo teria cogitado realizar uma expedição a Jerusalém, já que era um cristão. O problema é que além de não saber quando exatamente tais campanhas ocorreram, onde elas se deram, se é que elas realmente aconteceram, Olavo segundo a saga somente foi convertido ao cristianismo entre 1013-1014, quando estava residindo na Normandia, no noroeste da França. 

O sonho nobre e a conversão 

Os relatos sobre a vida de Olavo Haraldson como a Saga de São Olavo e a Historie Norwegiae mencionam que enquanto ele estava em campanhas no sul, ele teve um sonho profético. Ele havia sonhado que seria coroado rei da Noruega. E motivado com aquela esperança deixou a França e seguiu de volta a Noruega. Porém, existe um problema nessa parte da história. Hélio Pires (2017) e Hollander (1999) comentam que as fontes que mencionam esse sonho e o retorno de Olavo, apontam datas diferentes para tal acontecimento. 

A saga diz que isso teria ocorrido depois da morte do rei Ethereldo II, o qual historicamente faleceu em 1016, porém, a saga sugere que o monarca tenha morrido em 1012, então no ano seguinte Olavo teria viajado para o sul, talvez França ou Península Ibérica. Por sua vez, a Historie Norwegiae comenta que Olavo somente foi para a Inglaterra a partir do reinado de Canuto, o Grande, rei dinamarquês que entrou em guerra contra aos ingleses. Mas isso somente teve início em 1016. Antes disso, Olavo estaria em campanhas pela Dinamarca, França ou Galiza. No entanto, ele foi coroado em 1015. O que implica em dizer que nessas campanhas ele já era rei da Noruega? Ele já havia se convertido? 

Nesse ponto, percebe-se como as fontes não nos ajudam a entender a cronologia dos acontecimentos com clareza. Mas antes de deixar a França, Olavo ainda participou de uma batalha em Poitou, então voltou ao mar e parou na Normandia, província oriunda a partir das conquistas do viking Rollo (c. 860-932). Na cidade de Ruão, Olavo ficou hospedado na corte de Ricardo II, o Bom (970-1026), então Duque da Normandia. Segundo a saga, ele permaneceu o inverno por lá. E no tempo que ali esteve se converteu ao cristianismo, mas também recebeu a visita dos filhos do rei Etereldo II da Inglaterra, procurando a ajuda dele para ajudá-los nas guerras em Inglaterra.

O retorno para a Noruega

Outro episódio questionável e incongruente da história de Olavo Haraldson diz respeito a aliança com os herdeiros de Etereldo II. A Historia Norwegiae diz que essa aliança não existiu, mas foi feita com Canuto, o Grande para se atacar os ingleses. Por sua vez, a Saga de São Olavo narra que o contrário ocorreu: Olavo se uniu aos príncipes ingleses para combater Canuto. Ele teria aceitado servir os nobres ingleses, e assim na primavera zarpou para a Nortúmbria (norte da Inglaterra), onde confrontou as tropas de Canuto, obtendo vitória sobre essas. Porém, Olavo havia acordado com os príncipes que não iria demorar na ilha, pois tinha a missão de se tornar rei de seu país. Concluído o conflito ele zarpou com seus homens para a Noruega. 

Olavo teria retornado para sua terra natal no final de 1014 ou começo de 1015 como sugerem as datas corrigidas. Ao retornar a Noruega o país ainda vivenciava uma instabilidade no governo. Quando Olavo havia nascido em 995, grande parte do país estava sob domínio de Olavo I Tryggvason que governou por cinco anos. Com a morte do monarca na Batalha de Svoder (1000), a Noruega foi ocupada pelos dinamarqueses, passando a pertencer a Sueno Barba-bifurcada. Que governou por quatorze anos, mas designou dois governantes locais para representá-lo. No caso foram escolhidos dois irmãos, Eric e Sueno Haakonson, senhores de Lade (atual Trondelag), que governaram o país de 1000 a 1015. 

Para Olavo poder se proclamar rei da Noruega ele teria que confrontar os dois irmãos. Segundo a Saga de São Olavo, Eric Haakonson não se encontrava presente na Noruega, ele estava na Inglaterra, onde possuía terras na Nortúmbria. Em seu lugar estava seu filho Hakon Ericson. No caso, Olavo confrontou Hakon e conseguiu capturá-lo. Hakon era também um jarl e era descrito como um belo homem. Durante a conversa entre os dois, Olavo propôs que pouparia a vida de Hakon se ele decidisse pelo exílio, caso contrário, seria mantido prisioneiro para servir de chantagem contra seu pai e tio. Segundo a narrativa, Hakon aceitou partir para exílio, tendo se retirado para a Inglaterra, para se encontrar com o pai, e convencê-lo de ficar de fora da disputa pela Noruega. Com isso Olavo tinha uma preocupação a menos. Assim ele começou a enviar mensageiros para recrutar aliados, assim como, foi procurar pelos antigos senhores e homens que serviram seu pai, até finalmente retornar para Ringerike, reencontrando-se com seu padrasto, Sigurd Syr e sua mãe Asta.


Gravura representando a conversa de Olavo com seu padrasto Sigurd e sua mãe Asta. Christian Krohg, 1899. 
Na reunião de família Olavo apresentou ao seu padrasto, mãe e demais convidados sua ideia para conquistar o trono norueguês. Olavo teria explicado a respeito do seu sonho que lhe dizia que ele seria rei da Noruega. Inclusive posteriormente Olavo passaria a interpretar aquele sonho como um desígnio de Deus, já que ele havia se tornado cristão. A Saga de São Olavo detalha em por menores o banquete de reencontro de Olavo com sua família. Não sabemos se toda aquela conversa ali narrada é verídica ou resultado de interpretações e alterações para enaltecer a história desse rei e santo. 

O Thing dos jarls

A Saga de São Olavo como contada na Heimskgringla informa que após o retorno de Olavo Haraldson, ele convenceu seu padrasto Sigurd Syr a convocar uma assembleia com alguns dos principais jarl da época, os quais a fonte diz serem descendentes de Haroldo Cabelo Belo (c. 850-943). Na ocasião compareceram os irmãos Hroek e Ring de Hedemark, Gudrod de Gudbrandsdal, e os jarl de Raumarike, Hadaland e Valders, cujos nomes não são citados. Unindo-se a eles estavam Olavo e Sigurd. Dessa forma ocorreu nas terras altas norueguesas o thing (assembleia) dos jarl (governantes), cuja reunião a saga narra os discursos de alguns daqueles senhores. Mas o importante é que embora não adentre em detalhes, a narrativa diz que as palavras proferidas por Olavo foram cativantes, influentes, bravas e poderosas, e assim, prometendo restaurar a ordem no país, restabelecer a glória anterior e proteger a Noruega e seu povo das invasões dos reis suecos e dinamarqueses, Olavo foi aclamado rei naquele ano de 1015. 

A saga narra que o novo rei viajou pelas terras altas para cumprimentar seus novos súditos, e um grande festejo foi realizado em Nidaros (atual Trondheim) no norte do país. Mas apesar dessas celebrações o trono não estava garantido. A notícia que Olavo havia sido reconhecido como monarca se espalhou, assim, jarl Sueno Haakonson e seus aliados mobilizaram suas tropas para a guerra. Na prática Sueno era um dos regentes da Noruega e não aceitou perder tal posto para Olavo que havia passado vários anos no exterior. Com isso, nos meses seguintes ambos os lados passaram a reunir homens e recursos para a eminente batalha. O vencedor seria o rei da Noruega. 

O grande conflito entre Olavo e Sueno ocorreu em data incerta no ano de 1016, no que ficou conhecido como Batalha de Nesjar. Ainda hoje não há uma certeza em que local a batalha foi travada. Os historiadores e arqueólogos apontam que a batalha teria ocorrido no sudoeste do Oslofjord, o fiorde situado ao sul de Oslo (atual capital da Noruega). No caso a Batalha de Nesjar foi uma mistura de conflito naval e terrestre. A saga comenta que Olavo seguiu para lá com cem navios. Não há detalhes sobre o conflito, mas as poucas narrativas que o mencionam, contam que foi uma batalha acirrada e com muitas perdas. No caso, Sueno vendo que não tinha chance de vencer, abandonou o campo de batalha e se retirou para a Suécia. Lá ele ainda tentou buscar aliados para auxiliá-lo numa nova batalha contra Olavo, mas os jarls suecos recusaram ajuda e posteriormente Sueno adoeceu e faleceu, como conta a saga. A vitória em Nesjar consolidou a posse de Olavo como governante da Noruega, assumindo com o nome de Olavo II. Tal acontecimento inclusive tornou-se tema de canções e poemas, como o Nesjavísur de Sigvat Tórdason, como comentado. 


Mapa do Oslofjord. A Batalha de Nesjar ocorreu no sul do fiorde. 

O reinado de Olavo II (1015-1028)

Olavo II governou do ano 1015 a 1028. Embora a Saga de São Olavo seja extensa e aponte vários acontecimentos durante sua época, ainda assim, eles são efêmeros, incertos e não nos garantem uma visão ampla do governo de Olavo II, estando focados em alguns detalhes do cotidiano dele, viagens, reuniões e algumas batalhas. Após a vitória sobre Sueno, Olavo retornou para o norte da Noruega e estabeleceu sua corte em Nidaros (atual Trondheim). Na pequena cidade, Olavo ordenou obras públicas, o que incluiu a construção de igrejas. Décadas depois a sua morte, seria construída a Catedral de Nidaros, a maior do país, além de ser também uma homenagem a São Olavo, onde dizem que seu corpo se encontra sepultado abaixo da catedral. 

Os reinos nórdicos e a terra dos finos por volta do ano 1020, durante o reinado de Olavo II. 

Nos primeiros anos de seu governo, Olavo deu continuidade a implantação do cristianismo no país. Outros monarcas anteriores como Haakon, o Bom e Olavo I haviam tentado tornar a Noruega um reino cristão, mas não conseguiram efetivamente, embora Olavo I tenha conquistado um bom progresso, mesmo que com base no uso da força. (BRAGANÇA JR; QUINTANA, 2010, p. 44-45). No entanto, a saga diz que Olavo II obteve mais êxito, ordenando a construção de igrejas, capelas, solicitando envio de padres e missionários, incentivando os nobres a se converterem, e também ameaçando parte da população a conversão, pois houve resistência. A Saga de São Olavo comenta que o próprio monarca teria viajado pelo país a fim de pregar a fé cristã, mostrando os benefícios de ser um cristão, assim como, comentando que os velhos deuses deveriam ser abandonados e trocados pelo o único deus verdadeiro. Essas peregrinações do rei inclusive tornaram-se temas de canções e poemas. Todavia, não se sabe até onde ele realmente realizou essas viagens, ou se parte delas não passam de propaganda cristã para sua hagiografia. 

Astrid Olofsdotter
Por volta do ano de 1017 ou 1018, Olavo II recebeu em sua corte a visita de um escaldo (poeta) chamado Sigvat Tórdason, o qual lhe compôs dois poemas como mencionado anteriormente neste texto. Por outro lado, nesses primeiros anos ele manteve acordos e alianças com os suecos para evitar novas invasões, além de ter também estabelecido novos acordos comerciais com os islandeses. No ano de 1019, o rei desposou Astrid Olofsdotter, filha de Olavo, o Tesoureiro (Olaf Skötkonung), rei da Suécia, e que também era cristão. O casamento com a princesa sueca foi mais um meio para firmar a paz entre os dois reinos e evitar novos conflitos. Dessa união nasceu a princesa Wulfhild (1020-1071), a qual posteriormente casou-se com o Duque da Saxônia. Além dessa filha, Olavo II também teve outros filhos bastardos, como Magno Olafson (1024-1047), que inclusive virou rei da Noruega. Apesar da Saga de São Olavo ser extensa, ela como dito, aborda vários temas menores durante os anos de reinado do monarca, inclusive dando atenção a questões políticas relacionadas a desavenças entre jarl, fazendeiros, guerreiros, etc. Pelo que a saga sugere, Olavo II foi um rei atencioso para questões políticas, principalmente pelo fato de viajar pelo país, indo tratar de tais assuntos. Nesse ponto alguns historiadores comentam que caso tais narrativas sejam verídicas, Olavo II parece ter sido um rei centralizador, pois não se percebe ele fazendo uso de funcionários de corte para tratar de assuntos nas províncias. 

Embora Olavo II tenha evitado problemas com os suecos e os islandeses, ele não foi sábio em fazer o mesmo com os dinamarqueses. Por volta de 1026, Olavo II aliado ao novo rei da Suécia, Anund Jacob (c.1008-1050), começaram a atacar embarcações dinamarquesas no Báltico. Uma das ideias era barrar o acesso de navios dinamarqueses a região, assim como, abrir caminho para seu território para uma futura invasão. A marinha dinamarquesa na ocasião sob comando do jarl Ulf, estava reduzida, logo era alvo das investidas norueguesas e sueca. No entanto, o rei da Dinamarca, Canuto II, o Grande soube dos ataques e mobilizou sua marinha.  A frota sueco-norueguesa confrontou a frota dinamarquesa na chamada Batalha de Helgea.


Canuto II, o Grande em uma miniatura medieval do século XIV. Canuto é considerado por alguns historiadores o mais poderoso rei viking, tendo governado a Dinamarca, Inglaterra, Noruega e parte da Suécia.

A Batalha de Helgea (1026) foi travada no rio Helge (significa rio Santo), no sul da Suécia. Lá o conflito ocorreu de forma intensa começando com uma emboscada. A frota sueco-norueguesa estava atracada em um porto na entrada do rio, a ideia era concentrar a frota dinamarquesa que estava mais numerosa na foz do rio, impedindo a mobilidade da mesma. Isso quase ocorreu, pois embora o rei Canuto que esteve presente no navio Dragão, como informa a saga, tenha de início caído na emboscada, seu almirante, jarl Ulf estava em mar aberto e conseguiu interceptar os suecos e noruegueses que haviam saído sorrateiramente no intuito de atacar os dinamarqueses pela retaguarda. Pela falta de informações mais precisas sobre esse conflito naval, é dito que a frota dinamarquesa estava desorganizada e foi avariada, pois alguns navios colidiram com outros, e assim, Olavo II e Anund obtiveram uma singela vitória antes de fugirem para leste, adentrado o Báltico. 

A derrocada de Olavo II (1028-1030)

Embora tenha obtido vitória sobre a frota do rei Canuto, Olavo II e Anund haviam subestimado seu inimigo. Canuto que era conhecido por sua ambição não deixou aquela derrota ser ignorada. Ele passou a desejar vingança e para isso decidiu reunir um novo exército. De início ele invadiu o sul da Suécia, atacando, pilhando e ocupando pontos estratégicos até chegar ao lago Malaren, e ocupar a cidade de Sigtuna, importante cidade mercante do país, onde foram cunhadas moedas com sua efígie. Submetido o sul da Suécia ao seu governo, Canuto mudou a atenção para a Noruega, era hora de ir atrás de Olavo Haraldson. 

Nos dois anos após a Batalha de Helgea, Olavo II perdeu parte de seu respeito e credibilidade perante os jarl e a nobreza, por terem considerado sua aliança com o rei sueco imprópria e arriscada. Olavo quando foi coroado rei em 1015 havia prometido evitar que o país voltasse a ser alvo de invasões inimigas. Mas passado onze anos parecia que o monarca havia se esquecido de suas palavras. O ataque a frota dinamarquesa tornou-se o motivo pelo qual Canuto invadiria a Noruega. Ele enviou da Inglaterra segundo informa a Saga de São Olavo e a Crônica Anglo-saxã, uma frota com 50 navios, a qual invadiu a Noruega sem grandes problemas no ano de 1028. A frota tomou a capital do país em Trondheim. Como Olavo II estava desmoralizado, não conseguiu formar um exército para defender a cidade, então a abandonou. 

Canuto assim num ato simples ao tomar a capital da Noruega, chamou Olavo II de covarde, fraco e sem honra. Então se proclamou rei da Noruega. Ele elegeu como regente o jarl Haakon Ericson, o mesmo homem que em 1015 havia sido feito de refém por Olavo, o qual permitiu que partisse para o exílio. Além disso, Canuto também nomeou jarl de confiança ou que se mostraram interessados em se submeter ao seu governo. Embora Olavo II tenha sido rei por treze anos, ele havia perdido o país de forma humilhante e sem resistência. 

As fontes divergem um pouco quanto ao rumo tomado por Olavo e sua família. A saga de São Olavo e o Passio et miracula beati Olavi dizem que ele teriam partido para a Rússia, ficando sob proteção do rei Jaroslau I, o Sábio (c. 978-1054), o qual era senhor de Kiev e Novigrad. Jaroslau I era cristão e se entendeu muito bem com Olavo II. Já A Historia Norwegiae sugere que Olavo tenha se refugiado na Suécia mesmo. Talvez na província de Närke, onde surgiu inclusive uma lenda associada ao santo. De qualquer forma, o ex-monarca norueguês não havia desistido do trono. Após um ano ou mais, por volta de 1029 ou 1030, Olavo recebeu a notícia de que jarl Haakon que vivia na Inglaterra, e havia sido nomeado governante da Noruega, faleceu num naufrágio ao atravessar o estreito de Pentland Firth, no norte da Escócia e ao sul das ilhas Orkney. A morte de Haakon Ericson foi tomada por Olavo como uma oportunidade de reaver seu país. Enquanto Canuto pensasse num substituto, Olavo aproveitaria para expulsar as tropas dinamarquesas e recuperar seu trono. 

Assim ocorreu a Batalha de Stiklestad (1030) no norte do país, a qual segundo a saga diz ter acontecido no dia 29 de julho, embora não seja uma data exata . Segundo a saga, Olavo marchou com um exército pelo interior do país, na ocasião o acompanhava seu meio-irmão, Haroldo Hardrada que anos depois se tornaria rei da Noruega. Durante o percurso até o campo de batalha, Olavo II teria recebido apoio de parte de seus súditos, porém, outros que se negaram a ajudá-lo ou foram por ele considerados traidores como o jarl Hrut de Viggia, e foram massacrados. A saga sugere que o rei não estava disposto a perdoar os traidores, algo que contrasta com a compaixão cristã que lhe seria dada muito tempo depois. 

Não há detalhes sobre a Batalha de Stiklestad, inclusive as fontes que a citam, apontam que Olavo II teria morrido de forma diferente, apesar que todas concordem que ele foi assassinado. A Crônica Anglo-saxã informa que o rei Olavo foi traído pelo seu povo, e assim morto no campo de batalha. Já a Gesta Hammaburgensis de Adam de Bremen, não cita como exatamente o rei faleceu, mas diz que ele morreu como um mártir e seu meio-irmão Haraldo Hardrada sobreviveu e escapou de lá, indo se retirar do país posteriormente. 


Pintura medieval datada do século XIV, retratando a morte de Olavo II na Batalha de Stiklestad, em 1030. 

Por sua vez, a Saga de São Olavo narra de forma mais dramática a morte do rei, dizendo que ele morreu em combate, lutando com sua espada e escudo. Morrendo com uma lança lhe perfurando o peito, em meio aos seus guerreiros. Pela noite um dos camponeses leais a Olavo, Thorgil Halmason e seu filho Grim, pegaram o cadáver do rei, o limparam e o esconderam. No dia seguinte, o jarl Thorer Hund foi procurar o corpo do rei, mas não o achou. Indagando aos camponeses, inclusive a Halmason, esse negou ter visto o corpo do rei, dizendo que talvez tenha sido levado por seus guerreiros. Hund era um dos traidores, havia se aliado a Canuto, e almejava entregar o cadáver de Olavo ao monarca estrangeiro. No entanto, a saga prossegue dizendo que Thorgil e Grim conseguiram enganar Thorer, e assim, colocaram o corpo do monarca em um caixão e o transportaram até Trondheim. 


Thorgil e Grim recuperando o corpo do rei Olavo II. Gravura de Halfdan Egedius (1899), para uma versão da Heimskgringla

A saga conta que Thorgil mandou encher outro caixão com pedras, a fim de despistar alguém que tentasse indagá-los a respeito. Ao chegar em Trondheim, ele pediu para a visar o bispo da cidade, o senhor Sigurd, homem conhecido por ter inimizade com o monarca. O qual ao saber que se tratava do corpo do rei Olavo II, ordenou que fosse atirado no rio para evitar problemas. Porém, Thorgil jogou o caixão com pedras, e posteriormente sem obter sucesso entre os amigos do rei (pois os familiares não estavam por lá), para que algum desses realizassem o funeral, ele e o filho sepultaram por conta própria o caixão em uma colina. Anos depois sobre essa tumba teria sido construído uma capela ao santo, e posteriormente a Catedral de Nidaros. 

Com a morte de Olavo II se pôs fim a ameaça de Canuto de perder o controle da Noruega. Assim ele mandou que um de seus filhos, Sueno Alfifason retornasse para a Dinamarca e depois seguisse para a Noruega, a fim de ocupar o cargo de governante-geral do pai. Os demais aliados de Olavo II foram perseguidos. Alguns deixaram o país ou sumiram de vista, se ocultando. O país se manteria nas mãos de Canuto até sua morte em 1035, quando um dos filhos bastardos de Olavo II, Magno I (c. 1024-1047) conseguiria conquistar o trono norueguês. Magno governaria até 1047, quando faleceu e foi sucedido por seu tio Haroldo Hardrada

Surge São Olavo: 

As fontes como a Crônica Anglo-saxã comenta que Olavo II teve uma morte desonrosa por ter sido assassinado pelo seu próprio povo, o qual o considerava um governante covarde e fraco por não ter resistido a invasão de Trondheim em 1028. Já Adam de Bremen não nos forneceu detalhes, mas aponta que Olavo morreu como um mártir, mas não específica necessariamente se pela sua fé ou outro motivo. Porém, a Saga de São Olavo na Heimskgringla já apresenta uma versão hagiográfica. A saga conta que no ano de 1031 o falecido rei Olavo II já era considerado um homem santo. As pessoas inclusive faziam orações para ele, o vendo como um intercessor para chegar a Cristo e Deus. A fama de Olavo como pretenso santo começou a se espalhar pela capital norueguesa ao ponto de que um bispo de nome Grimkel, que havia conhecido o rei no seu exílio na Rússia, ao chegar na Noruega, confirmou que o falecido monarca era um homem santo.

Pintura de São Olavo na igreja de Skivholme, Dinamarca. 

Mas além desse exemplos, a saga também conta em outros momentos que Olavo II viajou pelo reino levando a palavra de Cristo, inclusive teria influenciado camponeses e nobres a se batizarem. Além disso, a saga comenta que Olavo combateu a idolatria aos antigos deuses e até mesmo teria perseguido feiticeiras. Em seu exílio na Rússia e na passagem pela Suécia e até em outras terras, Olavo também teria promovido a cristianização atuando como um missionário leigo. Todavia, o rei Olavo II somente foi canonizado no ano de 1164 pelo papa Alexandre III

Nesse ponto há um detalhe que deve ser observado. A Saga de São Olavo na Heimskgringla data do século XIII, sendo atribuída sua autoria a Snorri Sturluson. No caso, Olavo II já era reconhecido formalmente como um santo há várias décadas, pois Snorri faleceu em 1241. Assim, é preciso ter cuidado com o que é comentado nessa saga sobre o rei que inclusive já era chamado de Olaf helga (São Olavo), pois ela apesar de ser uma das fontes mais completas sobre o monarca, já apresenta uma visão hagiográfica do mesmo, que inclusive carece em outras fontes. Porém, encontra respaldo na Antiga Saga de São Olavo e no Passio et miracula beati Olavi, que datam do século XII. Embora não se sabe se tais narrativas datem antes da canonização do santo ou após essa. 

Independente do Passio et miracula beati Olavi ter sido escrito antes ou depois da canonização de São Olavo, seu discurso hagiográfico é evidente. A obra inicia enaltecendo o monarca que com honra e mérito difundiu o Evangelho pela Noruega, terra antes habitada por pagãos e gente iludida por idolatria e ritos ímpios. Assim, São Olavo os livrou dessas mentiras e falsos deuses, apresentando aos noruegueses o único e verdadeiro deus. Embora existam dúvidas quanto as viagens evangelizadoras de Olavo II e sua atuação como suposto missionário leigo (ou seja, não era clérigo, mas pregava o Evangelho), o Passio (2001, p. 26)) diz que tudo isso foi verdade, que de fato Olavo teve entre seus méritos, mostrado a verdadeira religião aos pagãos do norte, ao tornar a Noruega um reino cristão efetivamente. 

Além desse trabalho missionário, a narrativa descreve São Olavo como um homem sábio, honesto, nobre, virtuoso, gentil, de palavras doces e cativantes. Ele também era descrito como sendo devoto e comprometido com os ensinamentos de Cristo. E toda essa devoção é visível quando o Passio (2001, p. 28) narra que Olavo ordenou a destruição dos ídolos, das árvores sagradas e dos templos pagãos, além de ter perseguido e expulso as feiticeiras e feiticeiros, proibido o uso da magia supersticiosa e nefasta, como mandou construir igrejas e incentivou os missionários a pregar a boa nova de Deus. Aqui percebemos exemplos de intolerância religiosa promovido pelo rei, mas que foram exaltados pelo autor dessa hagiografia, o qual inclusive conta que a cada dia que se passava uma multidão procurava se batizar. 

O Passio também informa que Olavo II foi um rei justo, honrado, prudente e sábio, tendo reformulado as leis do país com base nos mandamentos bíblicos. Procurando combater as injustiças e os comportamentos contrários aos mandamentos de Deus. Olavo II durante seu exílio entre 1028 e 1030 se retirou para a Rússia, vivendo na corte do rei Jaroslau I que era cristão e devoto. Assim, Segundo a Saga de São Olavo e a Passio et miracula beati Olavi ambos os reis se entenderam muito bem, e inclusive participaram de novos batismos e conversões. 

Não obstante, é informado que os problemas que o monarca sofreu adveio de seus inimigos que eram pagãos e tentavam destruí-lo. Inclusive sua morte é descrita como nobre, virtuosa e um martírio, pois Olavo II morreu defendendo a cristandade no ano de 1028. Nesse ponto, a narrativa erra o ano da morte do monarca, além de não explicar porque seus inimigos o mataram por ele ser cristão. De qualquer forma foi passado que a derrota em Stiklestad não foi algo tão ruim, pois o Passio (2001, p. 31-32) diz que assim Olavo pôde subir aos céus para a glória do Senhor. Inclusive a hagiografia até diz que Jesus apareceu em pessoa para o rei, convidando-o a se unir com o Pai.

O martírio de São Olavo na Batalha de Stiklestad (1030). Peter Nicolai Arbo, 1860. 

Mas o Passio não se encerra pela morte martirizante de Olavo II, ele prossegue falando dos milagres. Diz que no dia seguinte a morte o monarca, enquanto o corpo era lavado, a água misturada com seu sangue escorreu pelo chão da casa até a porta da rua. Um cego que ali passava tropeçou e caiu no chão, e suas mãos se molharam naquela água misturada com sangue. Ele ao passar as mãos nos olhos voltou a enxergar. Olavo havia realizado seu primeiro milagre. Após esse milagre de cura, em se fazer um cego enxergar novamente, a narrativa cita outros casos variados; um chefe irlandês que orou a Olavo para proteger seu filho; uma mulher que pediu cura para pessoas enfermas; um garoto que teve a língua cortada, mas essa se regenerou; um padre que estava gravemente doente, mas teve a saúde restaurada por um milagre; um camponês que sofreu um acidente, mas não morreu, pois pediu ajuda de Olavo, entre outros milagres a ele atribuídos. 

Segundo informam as fontes religiosas sobre São Olavo, ele logo cedo já havia se tornado um santo popular, embora somente em 1164 é que ele de fato foi canonizado. Mas quando papa Alexandre III fez isso em meados do século XIII, a fama de São Olavo já havia se espalhado pela Escandinávia, Inglaterra e outras terras em torno do Mar Báltico. Após sua canonização, igrejas e capelas começaram a serem erguidas ao santo, que no caso tornou-se padroeiro da Noruega.


Catedral de Nidaros, em Trondheim, Noruega. Segundo a tradição católica, os restos mortais de São Olavo encontra-se nesse templo. 
Considerações finais: 

Embora tenha sido uma pessoa real, a vida de Olavo Haraldson ainda se encontra em volta em mistérios e dúvidas. As fontes históricas confirmam sua existência e reinado, porém, as fontes que comentam a respeito de seu governo são questionáveis, são imprecisas cronologicamente (apesar de isso ser em alguns casos, algo comum), e contraditórias em alguns pontos. Por outro lado, as melhores narrativas sobre o rei que virou santo, o apresentam desde cedo como um virtuoso guerreiro que viajou pela Suécia, Dinamarca, Estônia, Rússia, França e Inglaterra, e talvez pela Península Ibérica, apesar de não haver provas que sustentem a presença de Olavo na Ibéria. Todavia, mesmo sua conexão com os monarcas ingleses é contestada e até mesmo se questiona se ele realmente serviu Canuto, o Grande, ou foram apenas inimigos. 

No que se refere a sua vida como cristão, a Saga de São Olavo e a Passio et miracula beati Olavi a enaltecem de forma digna que um santo deveria merecer. Apresentando um rei outrora pagão e violento, mas que em dado momento de sua vida, na Normandia decidiu reconhecer Jesus Cristo como Salvador, assim decidiu se batizar, e ao tornar-se rei da Noruega empreendeu uma campanha evangelizadora pelo país, combatendo a superstição, a heresia, a idolatria e outras crenças contrárias aos ensinamentos bíblicos. Além disso, tais obras de teor religioso enaltecem virtudes cristãs para esse rei que mudou de comportamento, e após sua morte como mártir, já começou a apresentar milagres e a ser reconhecido como santo popular. 

NOTA: Além de Haraldo Hardrada, Olavo teve outros irmãos por parte de sua mãe e seu padrasto. Sendo esses Guthrom, Gunhild, Halfdan e Ingrid. 
NOTA 2: A Crônica Anglo-saxã informa que a Batalha de Helgea teria ocorrido em 1025. A citação sobre este acontecimento é breve e não inclui o nome de Olavo II e de Anund Jacob. A crônica diz que naquele ano o rei Canuto da Dinamarca e Inglaterra travou batalha contra os suecos, os quais haviam atacado a frota do jarl Ulf. 
NOTA 3: Olavo também era conhecido pelos epítetos de o Forte e o Gordo. Porém, a maioria das representações dele como santo, o mostram com um corpo magro. 
NOTA 4: Embora as narrativas religiosas exaltem as virtudes cristãs de Olavo, ele mesmo durante o casamento com Astrid teve um filho bastardo, pois Magno nasceu em 1024. No caso ele foi o único dos herdeiros de Olavo II a se tornar monarca, governando como Magno I, o Bom entre 1035 a 1047, sendo sucedido por seu tio. 
NOTA 5: Segundo a Heimskgringla, Magno mandou erguer uma capela sobre a colina onde seu pai foi sepultado, porém, anos depois os restos mortais dele foram transportados dali para a Igreja de Nidaros, atual catedral. 
NOTA 6: Em 1847 o rei Óscar I criou a Real Ordem Norueguesa de Santo Olavo.
NOTA 7: Embora na Escandinávia existam outros santos, São Olavo continua sendo o santo mais popular na Noruega, Dinamarca, Suécia e Islândia. 

Fontes: 
ANÔNIMO. The Anglo-saxon Chronicle. Translation by Rev. James Ingram and Dr. J. A. Giles. EUA, Everyman Press, 1912. 
ANÔNIMO. Historia Norwegie. Edited by Inger Ekrem and Lar Borje Mortensen, translated by Peter Fisher. Copenhagen, Museum Tusculanum Press/University of Conpenhagen, 2003. 
ANÔNIMO. The Passion and Miracles of the Blessed Óláfr. Translated by Devra Kunin. Edited, introduction and notes by Carl Phelpstead. London, Viking Society for Northern Research, 2001. 
BREMEN, Adam of. History of the Archbishops of Hamburg-Bremen. Translated, introduction and notes by Francis J. Tschan. New York, Columbia University Press, 1959.
STURLUSON, Snorri. St. Olaf Saga. In: Heimskgringla. Translated, introduction and notes by Lee M. Hollander. 7a ed. Austin, University Texas Press, 1999. 

Referências bibliográficas: 
BRAGANÇA JR, Álvaro Alfredo; QUINTANA, Tiago. A cristianização da Noruega e o Fortalecimento da Monarquia Norueguesa - uma perspectiva histórico-literáriaRevista Brathair, v. 10, n. 1, 2010, p. 41-53. 
HOLMAN, Katherine. Historical dictionary of the Vikings. Lanham, The Scarecrow Press, 2003. 
PIRES, Hélio. Os vikings em Portugal e na Galiza. Sintra, Zéfiro, 2017. 

Links relacionados:
A Saga Viking
Vinland: a América viking