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Leandro Vilar

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Noções sobre o Tempo

Quando pedimos para que se defina tempo, em geral as respostas mais comuns é que tempo se trata do passar do dia e da noite, o decorrer dos segundos, minutos, horas, semanas, meses e anos. O envelhecimento, o passado, o presente, o futuro, o relógio, o calendário. De fato tais noções não estão erradas, porém, o tempo não se limita apenas a elas. Inclusive o tempo pode ser entendido de diferentes formas de ordem astronômica, cronológica, histórica, mitológica, religiosa etc. Em cada uma dessas maneiras de se entender o tempo, a forma como o compreendemos, o descrevemos, o percebemos e como este influencia nossas vidas, sociedades e costumes, muda. Com isso a proposta deste estudo foi comentar de forma breve estas noções de tempo. 


A persistência da memória. Salvador Dali. 1931. 
Tempo natural:

As percepções de tempo relacionadas com a natureza, estão entre as formas mais antigas pelas quais os seres humanos possuem no sentido de definir o que seria o tempo. Neste caso, o tempo pode ser compreendido através da astronomia, da biologia e do clima. No âmbito astronômico é preciso ressalvar que aqui não estamos falando propriamente da ciência astronômica, mas na ideia dos astros. No caso, a percepção que temos de dia e noite é pautada em dois astros preponderantes, o Sol e a Lua. Sabemos distinguir o passar dos dias e das noites, com base no movimento solar e no movimento lunar, inclusive quando eclipses ocorriam, especialmente os solares, isso era interpretado por distintos povos ao longo da História, como um sinal de mal agouro, pois o ciclo estava sendo interrompido. O dia de repente se tornava noite antes do esperado. Havia algo de errado nisso. Não obstante, o conhecimento astronômico com o tempo foi evoluindo até se tornar a astronomia que hoje conhecemos, algo que comentaremos adiante. 

Quanto a noção biológica de tempo, essa diz respeito a perceber que todos os seres vivos passam por diferentes estágios de vida: nascimento, crescimento, maturidade e envelhecimento. Os humanos ainda cedo perceberam que eles mesmos, os animais e as plantas passam por tais estágios. Uma semente germina e se torna uma muda, e com o passar de meses ou anos torna-se uma árvore, e depois solta sementes, as quais vão germinar e originar outras árvores. Mas em dado momento essas plantas também podem morrer. No caso dos animais e dos seres humanos a noção de morte pela velhice é mais perceptível, já que algumas plantas conseguem viver séculos, diferente da maioria dos animais que vivem poucos anos ou décadas. Nesse ponto percebemos a ideia de juventude, maturidade e velhice, e até mesmo a noção de passagem do tempo: no passado fomos crianças e no futuro seremos idosos

O terceiro aspecto, o tempo climático também era percebido pelos seres humanos desde os primórdios, mesmo antes do advento da agricultura no Neolítico. Apesar dos povos não cultivarem ainda a terra, dependendo das regiões que habitavam, eles sabiam identificar que o tempo estava passando com base nas mudanças climáticas das estações: primavera, verão, outono e inverno; estações de seca e chuva (monções); período de germinação de algumas espécies vegetais, ou período do amadurecimento dos frutos; períodos de reprodução de animais selvagens e depois domesticados. Migração de manadas e bandos em busca de alimento etc. Tais mudanças climáticas relacionadas as transformações da paisagem e do comportamento animal e vegetal, ocorre ainda hoje ciclicamente. 


Representação de uma mesma paisagem durante as quatro estações do ano. 
E isso tornou-se uma forma de mensurar o tempo. Especialmente após a sedentarização da espécie humana, quando tornou-se necessário a atenção com os ciclos das chuvas, as estações e as épocas de cultivo, colheita e reprodução dos gados. Tal condição foi um dos fatores para o desenvolvimento de calendários e percepções mais apuradas sobre o tempo, agora não apenas usado para se referir a eventos passados, ou o passar dos dias e noites, mas para poder gerir a produção agrícola e pecuária que era essencial para a manutenção das sociedades. 

É também importante salientar que o tempo também é concebido a partir da  memória. No caso a memória pode ser natural ou biológica, artificial e digital. Mas o que nos interessa é a memória biológica, nossa capacidade neurológica de guardar informações e experiências acerca de acontecimentos passados. Neste caso, tal capacidade nos permite ter uma noção da passagem do tempo, reconhecendo o fluir do tempo com base na nossa vivência. É claro que essa percepção de tempo da memória não é totalmente precisa, e pode ser afetada por doenças e drogas. Ainda assim, a memória é a forma mais intimista que possuímos de se relacionar com o tempo. 

Tempo mitológico:

A medida que as sociedades foram se tornando mais complexas e o nível cultural foi se expandindo e tornando-se mais elaborado e complexo, os seres humanos começaram a desenvolver indagações sobre suas vidas, lugares, sociedades, famílias, origens, futuros etc., e uma das formas de tentar explicar por quais motivos existe o mundo, o céu, a terra, o mar, as plantas, os animais, as pessoas, os lugares, as vilas, cidades, a agricultura, os sentimentos, as emoções, o dia, a noite, a vida, a morte, o passado, o presente, o futuro etc., foram desenvolvidos os mitos, os quais em diferentes culturas do mundo, tentam explicar tais indagações. 
O poeta grego Hesíodo em seu livro O Trabalho e os Dias, conta-nos sobre o mito das Eras dos Homens. Ele dizia que o tempo era cíclico e dividido em cinco eras: Ouro, Prata, Bronze, dos Heróis e Ferro. Em cada período desse o mundo vivencia particularidades que o tornava mais ou menos agradável. As eras de ouro e de prata eram tempos paradisíacos, enquanto as eras de bronze e dos heróis perderam esse lado idílico, tornando-as mais mortíferas. Para Hesíodo, o poeta dizia que vivia já na Era de Ferro, período de decadência da humanidade. 
Nesse ponto, os mitos são uma das primeiras formas de construção temporal, ou seja, um meio pelo qual tentamos conceder racionalidade e explicação para o tempo. Pois o tempo natural é apenas cíclico. É o tempo da repetição e das mudanças climáticas, naturais e biológicas, mas este por si só não nos fornecia respostas as indagações de nossos antepassados, era preciso criar um meio para se compreender o passado e o presente. E os mitos surgiram para responder tais perguntas. Eles surgiram para normatizar nossa incompreensão quanto aos efeitos da passagem do tempo sobre nossas vidas e o desenvolvimento social e cultural.

Neste caso, os mais diversos povos do mundo desenvolveram mitos para tentar explicar o mundo, a vida, a morte, os fenômenos da natureza etc. Os mitos foram um dos primeiros meios pelos quais os seres humanos conseguiram fornecer sentido ao tempo, algo que foi reforçado com o advento das religiões. 

Tempo religioso:

O tempo religioso em parte se pauta no tempo mitológico. Não se sabe se as religiões vieram antes ou depois dos mitos, de qualquer forma, sabe-se que muitas delas conviveram e ainda convivem unidas com estes. Neste caso, alguns estudiosos das religiões como o fenomenologista romeno Mircea Eliade sublinhou em alguns de seus livros essa relação, defendendo a hipótese de que os mitos eram narrativas sagradas, as quais eram por sua vez utilizadas pelas religiões para pautarem a existência de ritos e crenças. Apesar da teoria de Eliade ter ainda muitos adeptos no Brasil, em outros países ela se mostra obsoleta. Um dos problemas centrais da opinião de Eliade era sua tendência em generalizar os mitos e encaixá-los numa estrutura arquetípica. De qualquer forma, ele não estava totalmente errado, de fato, há mitos e religiões que se combinam para construir uma noção própria de tempo. 

Neste caso, o tempo deixa de ser apenas mitológico, mas se torna religioso: o tempo da criação, dos profetas, dos reis, dos santos, dos messias, dos deuses, da renovação, do juízo final etc. Diferentes religiões se pautam nesse tempo religioso para se celebrar cerimônias, ritos, festivais, os quais segundo Eliade marcavam formas pelas quais os seres humanos se conectavam com seus deuses ou divindades. Os ritos eram meios pelos quais as pessoas "recriavam" esse tempo divino, e assim conseguiriam agradar as divindades e por consequência obter suas bençãos. Não obstante, o próprio tempo religioso também tornou-se uma forma de guiar a vida das pessoas, especialmente em religiões messiânicas e soteriológicas, onde os fiéis vivem aguardando um juízo e a salvação eterna, mesmo que tais eventos futuros não sejam precisados em suas fés. 


Jews praying in the sinagogue on Yom Kippur. Maurycy Gottlieb, 1877. Anualmente os judeus celebram o Yom Kippur rito de expiação importante, o qual renova a fé deste povo com Deus, assim como, permite que o Senhor lhes conceda mais tempo de suas bençãos. 
Mas para além dos ritos e celebrações, o tempo religioso também influenciou a criação de calendários. Atualmente diversos povos do mundo adotam o Calendário Gregoriano (cristão), o Calendário Juliano (de origem romana, mas usada pela Igreja Ortodoxa), o Calendário Islâmico, o Calendário Judaico, o Calendário Persa, o Calendário Hindu, o Calendário Chinês etc. É evidente que nem todo calendário teve uma origem necessariamente religiosa, mas alguns surgiram com base em crenças religiosas, as quais conceberam noções sobre o tempo. 

Neste ponto, enquanto o tempo era concebido por alguns povos de forma cíclica, calendários como dos judeus, cristãos, muçulmanos e persas passaram a conceber o tempo como linear. Inclusive pela física, o tempo é considerado algo linear, não podendo ser retornado para um estado zero, e recomeçado. Tal condição é tão preponderante que mesmo nas sociedades laicizadas utilizamos calendários religiosos. O calendário mais utilizado no mundo que é o Gregoriano, teve origem em 1582, com o Papa Gregório XIII, o qual corrigiu o atraso do Calendário Juliano (criado por Júlio César), até então utilizado. Não obstante, essa medida também influenciou a própria forma de se pensar a divisão do tempo histórico, que a partir do referencial cristão, foi dividida Antes de Cristo (a.C) e Depois de Cristo (d.C). 


A esquerda o frontispício do Calendário Gregoriano. A direita uma imagem feita para comentar acerca da mudança temporal proposta pelo papa Gregório XIII, ao substituir o uso do então calendário de Júlio César. 
Tempo cronológico: 

Denominei de tempo cronológico todas as formas pelas quais o tempo foi quantificada através da matemática e da física. Com o advento dos números e do cálculo, alguns povos como os sumérios, babilônios, acádios, caldeus, indianos, chineses, egípcios, persas, gregos, romanos, árabes, hebreus, astecas, maias etc., passaram a quantificar o tempo, criando calendários e relógios. Neste caso o tempo passou a ser calculado e medido. Uma das primeiras formas de calcular o tempo foi desenvolvida com base na astronomia, pautando-se no movimento da órbita da Terra em relação ao Sol e a Lua, com isso, surgiram os calendários solares e lunares.

O primeiro baseado no movimento de translação da Terra em torno do Sol, totalizando atualmente 365 dias e 6 horas, embora que ao longo da História esses calendários variam quanto ao total de dias, devido a imprecisão das observações astronômicas. Por sua vez, os calendários lunares atualmente possuem uma periodização de 354 dias e 8 horas, sendo baseados nos doze ciclos lunares, ou seja, o período que a Lua leva para completar seu ciclo: nova, crescente, cheia e minguante, algo que em média leva 29 a 30 dias. Assim, com base no Sol e na Lua, distintos povos desenvolveram calendários solares ou lunares, no intuito de medir a passagem do tempo, assim como, de estabelecer marcos cronológicos para se saber quando se daria o início e fim das estações, o início do plantio, da colheita, o período entre safras, os meses de seca ou de intensa chuvas; a época do cio dos rebanhos e o tempo de gestação dos mesmos; assim como, organizar festivais religiosos e cívicos. 


Posição do planeta Terra durante o ciclo de translação em torno do Sol. Em geral o tempo de um ano é comumente medido dessa forma. 
A partir dos calendários os povos não apenas quantificaram o passar do ano, mas também estabeleceram valores para os meses, a semanas, os dias, as horas, minutos e segundos. Evidentemente que a precisão em minutos e segundos somente foi alcançada através do desenvolvimento de engenhos que medissem mais precisamente o tempo, no que levou a origem da ciência da Horologia, a qual consiste no estudo da medição do tempo através da matemática e da física, com o uso de cálculos e aparelhos para quantificar o tempo. Com isso, uma das primeiras formas de mensurar o tempo era com o uso de relógios arcaicos e pouco precisos como os relógios de sol, as clepsidras (relógio de água) e as ampulhetas (relógios de areia). 


Fotografia de um modelo comum de ampulheta. 
Esses tipos de relógios que antecedem o relógio mecânico, ainda desenvolvido na Idade Média, apesar de popularizado somente séculos depois durante a Idade Moderna, eram utilizados por estudiosos ou autoridades públicas, já que em si não era interessante para as pessoas saber que horas eram. Para a maioria da população bastava saber que o dia começava com o raiar do Sol e o seu se pôr. Além disso é preciso pensar que antes do século XX, a maioria das pessoas no mundo não tinham acesso a nenhum tipo de relógio. Nossa fixação pelas horas, minutos e segundos é algo que começou a se tornar habitual na Europa a partir da modernidade. Daí a necessidade do barateamento de custos de relógios, assim como, a criação do hábito de consultar as horas e estipular as atividades diárias e comportamentos com base no tempo calculado. 

Entretanto, esse tempo calculado, especialmente através do uso de calendários foi de suma importância para o surgimento de outra ciência bastante importante, a História. No caso, a História é por excelência a ciência que estuda os acontecimentos humanos ao longo do tempo e do espaço. É através de suas metodologias e teorias que o tempo ganhou uma outra forma de ser narrado, quantificado e precisado. Pois enquanto o tempo mítico e religioso apesar de serem narrativas, mas são imprecisos, a narrativa histórica desenvolveu a tendência de precisão, embora nem sempre seja possível torná-la exata como na matemática e na física. Ainda assim, a racionalização histórica do tempo foi um grande passo para que todo o conhecimento da humanidade que vinha sendo desenvolvido e seria desenvolvido pudesse ser registrado, catalogado, situado e preservado. 

Mesmo que os primeiros historiadores gregos, os quais são considerados como os desenvolvedores dessa ciência, como Heródoto e Tucídides não tenham criado teorias quanto ao tempo histórico, ainda assim, a importância de seus trabalhos para a história grega foi enorme. Com base na razão filosófica, Heródoto e Tucídides nos séculos V a.C e IV a.C, procuraram situar as histórias passadas e presentes com base no calendário e no tempo cronológico, não mais no tempo mítico e religioso, o qual não situa os acontecimentos, daí serem considerados como possuindo narrativas atemporais, ou seja, fora do tempo cronológico. Todavia, somente a partir do século XIX é que historiadores alemãs e franceses fundamentaram as bases da historiografia (escrita da história), tornando um dos seus fundamentos o tempo cronológico pautado em datas, que se baseiam no uso de calendários e relógios. 

Considerações finais: 

Ainda existem outras noções de tempo, como o tempo pensado pela filosofia, ou o tempo estudado a partir da matemática e da física, mas por se tratar de campos que fogem do meu conhecimento mais apurado, optei em não comentar a respeito no momento. De qualquer forma, ficou evidenciado que o tempo não é algo simples de ser definido, ou melhor dizendo, até pode ser algo simples, mas que não possui apenas uma forma de definição correta, pois todas as definições aqui apresentadas, são válidas, pois apresentam diferentes maneiras de como a espécie humana ao longo da História percebeu essa misteriosa força chamada Tempo. 

Referências bibliográficas: 
ALMEIDA JÚNIOR, José Benedito de. Introdução à mitologia. São Paulo, Paulus, 2014.
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ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo, Editora Perspectiva S.A, 1972.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução de Wilma Patrícia Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro, Contraponto/Ed. PUC-Rio, 2006.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução de Bernardo Leitão [et. al]. Campinas, Editora da Unicamp, 1990. (Coleção Repertórios).
VILHENA, Maria Angela. Ritos: expressões e propriedades. São Paulo, Paulinas, 2005. 


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