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Leandro Vilar

domingo, 25 de abril de 2010

A Revolução Bolivariana e as Antilhas


Reflexões de Fidel A Revolução Bolivariana e as Antilhas

Eu gostava da história como quase todos os garotos. Também gostava das guerras, uma cultura implantada pela sociedade nas crianças do sexo masculino. Todos os brinquedos que recebíamos eram armas.

No tempo de minha infância, fui enviado para uma cidade, onde nunca fui levado ao cinema. Na época, não existia a televisão e, na casa onde eu morava, não havia rádio. Eu tinha que usar a imaginação.

Na primeira escola que freqüentei como interno, lia com espanto sobre o Dilúvio Universal e a Arca de Noé. Mais tarde, achei que era, talvez, um vestígio que a humanidade guardava da última mudança climática na história da nossa espécie. Foi, possivelmente, o fim do último período glacial, que supostamente aconteceu há muitos milhares de anos.

Como é de supor, mais tarde li com avidez as histórias de Alexandre, César, Aníbal, Bonaparte e, com certeza, todo livro que caía nas minhas mãos sobre Maceo, Gómez, Agramonte e outros brilhantes soldados que lutaram pela nossa independência. Não tinha cultura suficiente para compreender o que havia por trás da história.

Mais adiante, centrei minha atenção em Martí. Na verdade, a ele devo os meus sentimentos patrióticos e o conceito profundo de que "Pátria é humanidade". A audácia, a beleza, o valor e a ética de seu pensamento contribuíram para me tornar o que eu acho que sou: um revolucionário. Sem ser martiano, não se pode ser bolivariano; sem ser martiano e bolivariano, não se pode ser marxista, e sem ser martiano, bolivariano e marxista, não se pode ser antiimperialista; sem ser as três coisas não se podia conceber uma Revolução em Cuba na nossa época.

Há quase dois séculos, Bolívar quis enviar uma expedição chefiada por Sucre para libertar Cuba, que muito precisava disso, na década de 1820, como colônia canavieira e cafeeira espanhola, com 300 mil escravos trabalhando para os proprietários brancos.

Frustrada a independência e transformada numa neocolônia, em Cuba jamais se podia alcançar a dignidade plena do homem, sem uma revolução que eliminasse a exploração do homem pelo homem.

"...eu quero que a lei primeira da República seja o culto dos cubanos à dignidade plena do homem."

Martí, com seu pensamento, inspirou o valor e a convicção que levou o nosso Movimento a atacar a fortaleza do Moncada, o qual jamais teria passado por nossas cabeças, sem as ideias de outros grandes pensadores como Marx e Lenin, que nos fizeram ver e compreender as realidades tão diferentes da nova era que estávamos vivendo.

Durante séculos, em nome do progresso e do desenvolvimento, em Cuba se justificava a odiosa propriedade latifundiária e a força de trabalho escrava, que foi precedida pelo extermínio dos antigos habitantes destas ilhas.

De Bolívar, Martí disse algo maravilhoso e digno de sua gloriosa vida: 

"...o que ele não fez, hoje ainda continua sem fazer: porque Bolívar ainda tem muita coisa a fazer na América."

"Diga a Venezuela em que posso servi-la: ela tem um filho em mim."

Na Venezuela, quanto nas Antilhas, fizeram outras, a potência colonial cultivou cana-de-açúcar, café, cacau, e levou também como escravos homens e mulheres da África. A resistência heróica dos indígenas, apoiando-se na natureza e na vastidão do território venezuelano, impediu o aniquilamento dos habitantes autóctones.

Exceto uma parte, ao Norte do hemisfério, o imenso território da Nossa América ficou nas mãos de dois reis da Península Ibérica.

Sem temor, pode-se afirmar que, durante séculos, nossos países e o fruto do trabalho dos seus povos foram saqueados e continuam sendo saqueados pelas grandes empresas multinacionais e pelas oligarquias que estão a serviço dele.

Ao longo dos séculos 19 e 20, quer dizer, durante quase 200 anos, após a independência formal da comunidade ibero-americana, nada mudou na essência. Os Estados Unidos, a partir das Treze Colônias inglesas que se rebelaram, expandiram-se para o Oeste e para o Sul. Comprou Louisiana e a Flórida, arrebatou mais da metade de seu território ao México, intervieram na América Central e se apoderaram da área do futuro Canal do Panamá, que ligaria os grandes oceanos do Leste e do Oeste do continente por um ponto onde Bolívar desejava criar a capital da maior das repúblicas, que nasceria da independência das nações da América.

Naquela época, o petróleo e o etanol não eram comercializados no mundo, nem existia a OMC. A cana-de-açúcar, o algodão e o milho eram cultivados por escravos. As máquinas ainda não haviam sido inventadas. Avançava com força a industrialização a partir do carvão.

As guerras impulsionaram a civilização, e a civilização impulsionou as guerras. Estas mudaram o caráter e se tornaram mais terríveis. Finalmente, converteram-se em conflitos mundiais.

Por fim, éramos um mundo civilizado. Inclusive, o consideramos uma questão de princípios.

Mas, não sabemos o que fazer com a civilização alcançada. O ser humano dotou-se de armas nucleares de impensável certeza e aniquiladora potência, enquanto do ponto de vista moral e político, recua vergonhosamente. Política e socialmente, estamos mais subdesenvolvidos que antes. Os autômatos estão substituindo os soldados, a mídia substitui os educadores, e os governos começam a se desesperar pelos acontecimentos sem saber o quê fazer. Muitos líderes políticos internacionais, no seu desespero, perdem as forças diante dos problemas que se acumulam em seus gabinetes de trabalho e as reuniões internacionais são cada vez mais freqüentes.

Nessas circunstâncias, no Haiti tem lugar uma catástrofe sem precedentes, enquanto no outro lado do planeta continuam se travando três guerras e a corrida aos armamentos, em meio à crise econômica e aos conflitos recentes, que consomem mais de 2,5% do PIB mundial. Com tal cifra poderiam se desenvolver em pouco tempo todos os países do Terceiro Mundo e talvez evitar a mudança climática, dedicando os recursos econômicos e científicos, que são imprescindíveis, para esse objetivo.

A credibilidade da comunidade mundial recebeu recentemente um duro golpe em Copenhague, e nossa espécie não está mostrando capacidade para sobreviver.

A tragédia do Haiti me permite expor minha opinião a partir do que a Venezuela tem feito com os países do Caribe. Enquanto em Montreal as grandes instituições financeiras hesitam o quê fazer no Haiti, a Venezuela não hesita um minuto em cancelar a dívida econômica desse país, que é de US$167 milhões.
Durante quase um século, as maiores multinacionais extraíram e exportaram o petróleo venezuelano a preços ínfimos. Durante decênios, a Venezuela tornou-se o maior exportador mundial de petróleo.

Como é sabido, quando os Estados Unidos despenderam centenas de bilhões de dólares em sua guerra criminosa no Vietnã, matando e deixando mutilados milhões de filhos desse povo heróico, também romperam unilateralmente o acordo de Bretton Woods, suspendendo a conversão do dólar em ouro, conforme estabelecia o acordo, e lançando sobre a economia mundial o custo dessa guerra suja. A moeda norte-americana desvalorizou-se e o ingresso de divisas dos países caribenhos não dava nem para pagar o petróleo. Suas economias baseiam-se no turismo e nas exportações de açúcar, café, cacau e outros produtos agrícolas. Um golpe demolidor ameaçava as economias dos Estados do Caribe, com a exceção de dois deles, exportadores de energia.

Outros países desenvolvidos eliminaram as preferências alfandegárias às exportações agrícolas caribenhas, como a da banana; a Venezuela teve um gesto sem precedentes: garantiu à maioria desses países fornecimentos seguros de petróleo e facilidades especiais de pagamento.

Contudo, ninguém se preocupou pelo destino desses povos. Se não tivesse sido pela República Bolivariana, uma terrível crise teria atingido os Estados independentes do Caribe, exceto Trindade e Tobago e Barbados. No caso de Cuba, após a URSS ter colapsado, o governo bolivariano impulsionou um crescimento extraordinário do comércio entre ambos os países, que incluía o intercâmbio de bens e serviços, o qual nos permitiu encarar um dos períodos mais duros de nossa gloriosa história revolucionária.

O melhor aliado dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, o mais baixo e vil inimigo do povo, foi o farsante e enganoso Rómulo Betancourt, o presidente eleito da Venezuela quando triunfou a Revolução em Cuba em 1959.

Ele foi o principal cúmplice dos ataques piratas, dos atos terroristas, das agressões e do bloqueio econômico a nossa pátria. Quando nossa América mais necessitava, estourou finalmente a Revolução Bolivariana.

Convidados a Caracas por Hugo Chávez, os membros da ALBA comprometeram-se a dar o máximo apoio ao povo haitiano no momento mais triste da história desse povo lendário, que levou a cabo a primeira Revolução social vitoriosa na história do mundo, quando centenas de milhares de africanos, ao se revoltarem e criarem no Haiti uma República a milhares de milhas de sua terra natal realizaram uma das mais gloriosas ações revolucionárias deste hemisfério. No Haiti, há sangue negro, índio e branco; a República nasceu dos conceitos de igualdade, justiça e liberdade para todos os seres humanos.

Há dez anos, no momento em que o Caribe e a América Central perderam dezenas de milhares de vidas na tragédia provocada pelo furacão Mitch. Foi criada em Cuba a Escola Latino-Americana de Medicina (ELAM) para formar médicos latino-americanos e caribenhos que, um belo dia, salvariam milhões de vidas, mas especialmente e acima de tudo, seriam exemplo no nobre exercício da profissão médica. No Haiti, junto com os cubanos, estarão dezenas de jovens venezuelanos e mais outros latino-americanos graduados na ELAM. De todos os cantos do continente, chegam notícias de muitos companheiros que estudaram na ELAM, que desejam colaborar ao lado deles na nobre tarefa de salvar vidas de crianças, mulheres e homens, jovens e idosos.

Haverá dezenas de hospitais de campanha, centros de reabilitação e hospitais, onde prestarão serviço mais de mil médicos e estudantes dos últimos anos do curso de medicina, procedentes do Haiti, da Venezuela, de Santo Domingo, da Bolívia, da Nicarágua, do Equador, do Brasil, do Chile, e demais países irmãos. Temos a honra de contar com um número de médicos norte-americanos que também estudou na ELAM. Estamos dispostos a cooperar com aqueles países e instituições que desejem participar destes esforços para prestar serviços médicos no Haiti.

A Venezuela já entregou barracas, equipamentos médicos, remédios e alimentos. O governo do Haiti prestou toda sua cooperação e apoio a este esforço para levar gratuitamente os serviços de saúde ao maior número possível de haitianos. Para todos nós, será um consolo em meio à maior tragédia ocorrida em nosso hemisfério.


Fidel Castro Ruz
7 de fevereiro de 2010
20h46

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