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Leandro Vilar

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Os mosqueteiros

Mundialmente conhecidos pelo livro Os Três Mosqueteiros (1844) do escritor Alexandre Dumas, os mosqueteiros consistiram num regimento militar multifuncional, criado pelo rei Luís XIII da França para servi-lo diretamente. Apesar de serem lembrados principalmente por conta da literatura e do cinema, como soldados usando floretes, na prática, os mosqueteiros eram especializados no combate com armas de fogo. 

Pintura de um mosqueteiro holandês. Jacob van Gheyn, 1608. 

Mosqueteiro origem do termo

Mosqueteiro é o termo que designa o soldado que combate usando um mosquete. Essa arma consiste numa espécie de rifle surgindo no século XVI na Europa, como um melhoramento do arcabuz, o qual tinha como problema a falta de precisão de média e longas distâncias, assim como, a falta de capacidade e penetrar armaduras a distâncias medianas e longas. Assim, o mosquete foi desenvolvido em data incerta no começo do XVI tendo um cano mais fino e longo, alguns exemplares possuíam canos medindo de 100 cm a 150 cm, o que permitia um alcance estimado em até 300 metros de distância, além de aumentar o poder de penetração. Assim, o mosquete passou a ser classificado como um rifle de médio alcance, sem mira acoplada, tendo disparo único, sendo ativado por pólvora e pederneira. (CHASE, 2003). 

O mosquete rapidamente se popularizou entre os exércitos europeus, sendo amplamente utilizado nos séculos XVI e XVII, apesar de ainda ser fabricado até o começo do XIX. Melhorias no designer da arma, especialmente deixando-a um pouco mais leve, mais precisa e melhorando o gatilho, foram desenvolvidas nesses séculos da Idade Moderna. Inclusive alguns mosquetes passaram a incluir o uso de uma baioneta para ser usado como uma espécie de lança. 

“Em meados do século XVI, como podemos verificar na legislação filipina de 1567, o arcabuz mais ligeiro consistia na principal arma de fogo do terço. Suplantava largamente, em termos quantitativos, o mosquete, mais pesado, mas também mais potente e preciso. Em finais do século esta situação já se encontrava em processo de inversão, e nas campanhas militares de meados de Seiscentos, o mosquete substituiu quase universalmente o arcabuz”. (SOUSA, 2013, p. 121).

Modelo de mosquete inglês do século XVIII.

A palavra mosquete é possívelmente de origem francesa, vindo de mousquette, termo usado para designar um tipo de falcão. Porém, outros autores sugerem uma origem italiana, advindo de moschetti, que designava a seta de uma besta. Apesar da origem incerta da palavra, em países como Portugal e Espanha, as vezes a arma era referida como espingarda. (CHASE, 2003). 

O mosquete fazia uso de balas feitas de ferro ou chumbo, diferente do arcabuz que poderia disparar pedras e pregos devido ao seu cano mais largo, o mosquete não possuía essa capacidade. 

Mosqueteiros em outros exércitos

"O exército moderno europeu no século XVII havia assumido sua forma básica, a qual manteria quase inalterada até o século XIX. A formação dos exércitos europeus era fundamentada naquele tempo em quatro categorias de combatentes: o piqueiro, ou lanceiro ou alabardeiro, os quais representavam os soldados equipados com diferentes tipos de lanças, daí a variação no nome; a segunda categoria era a da artilharia leve, formada pelos mosqueteiros e arcabuzeiros; depois vinha a artilharia pesada, formada pelos artilheiros, os quais eram responsáveis pelo transporte, montagem e manuseio dos canhões. Por fim, havia uma pequena participação da cavalaria". (OLIVEIRA, 2016, p. 184).

Tropas de um tercio espanhol. Da esquerda para direita: alferes, mosqueteiro, arcabuzeiro e piqueiro. Pintura de Serafim María de Sotto, 1861. 

Para Geoffrey Parker (1996) os principais marcos da “revolução militar” da Idade Moderna foram: a criação e desenvolvimento das fortificações com baluarte; o emprego recorrente das armas de fogo; o desenvolvimento de uma indústria da guerra; diminuição do uso da cavalaria em detrimento de uma infantaria armada com lanças e mosquetes; reformulação na organização das tropas; mudança nas táticas de batalha; surgimento de escolas militares; aumento na quantidade de soldados nos exércitos.

"No início do século XVII, à metade, grosso modo, dos soldados de infantaria deviam ser fornecidos piques de treze pés (cerca de quatro metros) e couraças; a outros deviam ser fornecidos mosquetes de mecha (com cinco pés – metro e meio – de comprimento) com as respectivas forquetas de apoio (ou arcabuzes, mais curtos e leves), e também recipientes para a pólvora, balas e mechas de combustão lenta; às tropas de cavalaria, uma meia armadura, pistolas e lanças; e a todos os soldados, elmos e espadas". (PARKER, 1994, p. 48).

Embora haja dúvidas se o mosquete surgiu na França, Itália ou Alemanha, mas foi na Holanda onde desenvolveu-se a técnica de combate em fileiras. O stadhoulder Maurício de Nassau (1567-1625) foi responsável por implementar uma série de reformas na organização militar no exército holandês, que acabaram se tornando modelo para outras nações. 

"Maurício alterou a disposição das tropas em combate. Em vez de falanges de 40 ou 50 filas frontais de lanceiros usadas nas guerras do século XVI, colocou os seus homens em 10 filas. A força de choque das suas formações, mais pequenas, provinha mais do poder de fogo do que das cargas dos lanceiros. [...]. O exército holandês aperfeiçoou sobretudo a técnica do fogo de fileira: a primeira linha descarregava simultaneamente os mosquetes sobre o inimigo, depois parava para recarregar as armas enquanto as outras nove linhas iam ocupando o seu lugar, criando assim uma cortina de fogo constante". (PARKER, 1994, p. 52).

Dessa forma, a maior parte dos países europeus da Idade Moderna adotaram o uso do mosquete com principal arma de fogo, somada ao arcabuz e a pistola. Com a colonização europeia nas Américas, África e Ásia, mosquetes foram levados para esses continentes e rapidamente incluídos na composição de seus exércitos. Assim, nas colônias americanas temos as tropas coloniais usando mosquetes, passando pelas nações islâmicas na África, chegando a Arábia, Turquia, Pérsia, Índia, China, Coreia e Japão, em todos esses países nos séculos XVI e XVII já se fazia uso de mosquetes, o que revela como essa arma, apesar de pesada e lenta, ainda assim, foi bem recebida pelas forças militares de diferentes povos. 

Mosqueteiros chineses em gravura do século XVI, durante a Dinastia Ming
(1368-1644).

A Guarda dos Mosqueteiros na França

Apesar de que na Europa quase todo exército possuísse regimentos de mosqueteiros, no entanto, os mosqueteiros mais famosos surgiram na França durante o reinado de Luís XIII (1601-1643), o qual governou por trinta anos. No ano de 1622 época na qual o monarca engajou-se em suas campanhas militares, Luís XIII reformulou a guarda real criada pelo seu pai Henrique IV, permitindo a contratação de plebeus e estipulando que os mesmos passassem a usar armas de fogo, no caso, especialmente o mosquete. Assim, surgiu a Guarda dos Mosqueteiros, também referidos como "mosqueteiros do rei". (DURIEUX, 1928). 

Embora no romance Os Três Mosqueteiros (1844), consequentemente nos filmes e no imaginário desenvolvido com base no sucesso do livro, vemos os mosqueteiros principalmente usado espadas do tipo florete, na prática, a espada era uma das armas usadas por eles. No campo de batalha eles lutavam com mosquetes como arma principal, por isso o nome da tropa. 

A guarda dos mosqueteiros possuía três funções principais: proteger o rei e a família real, logo, ficavam de guarda nos palácios e locais onde o monarca estava; escoltar o rei, a rainha, nobres e ministros. Em terceiro, ser despachado para a guerra, fosse para acompanhar o rei caso ele fosse ao campo de batalha ou iriam como tropa de reforço. (DURIEUX, 1928). 

A sede da guarda ficava em Paris, tendo quartel próprio gerido por seu comandante. Por ser um regimento diretamente a serviço do rei da França e do primeiro-ministro, ela era prestigiada e recebia muitos recursos. Pela condição de Luís XIII permitir que plebeus se alistassem para guarda dos mosqueteiros, muitos jovens viajavam através da França com o sonho de entrar na guarda. Vale lembrar que no livro de Alexandre Dumas, o personagem D'Artagnan é um jovem de 18 anos, filho de agricultores da Gasconha, que tem o sonho de se tornar um mosqueteiro. Ao longo do livro ele atua como cadete, pleiteando uma vaga na guarda, algo obtido no final da narrativa. 

Para se tornar mosqueteiro do rei havia algumas condições: ser nobre, ser indicado ou tentar uma vaga como cadete, servindo em outras guarnições ou tropas para ganhar experiência e reputação, para em seguida se apresentar aos mosqueteiros e tentar o ingresso. Devido ao prestígio gerado ao ser membro da guarda, era comum os cargos mais altos serem dados a nobreza. Nos próprios livros de Dumas seus mosqueteiros, alguns deles se tornam nobres ou burgueses. 

A guarda dos mosqueteiros seguiu vigorando após a morte de Luís XIII, servindo o Cardeal Richelieu, o Cardeal Mazarino, ambos atuaram como primeiros-ministros, os reinados de Luís XIV, Luís XV Luís XVI. Embora que a guarda não existiu de forma regular continuamente tendo sido suspensa por Luís XVI (1774-1792) em 1776, reativada brevemente por Napoleão Bonaparte (1804-1815) em 1814, sendo extinta novamente em 1816

Trajes dos mosqueteiros franceses da guarda real, entre 1660 e 1814. 

Por conta de ter existido por quase duzentos anos, a guarda sofreu várias reformulações no seu contingente, trajes e organização. No caso dos livros de Alexandre Dumas, a guarda que vemos referem-se aos governos de Luís XIII e Luís XIV, o período áureo desse regimento militar. 

NOTA: Embora Os Três Mosqueteiros seja uma das obras mais famosas de Alexandre Dumas, ele forma uma trilogia composta por Vinte Anos Depois (1845) e o Visconde de Bragelonne (1847-1850). 

NOTA 2: Ambrósio Richshoffer (1612-?) foi um soldado estraburguês que serviu por quatro anos no Brasil pela Companhia das Índias Ocidentais (WIC) da Holanda. Ele escreveu um diário de viagem, dizendo que após 1632, quando voltou para a França, viajou a Paris e se alistou na guarda dos mosqueteiros, servindo ali por alguns anos até alcançar a patente de capitão. Mas por motivos não informados por ele, o mesmo teve que deixar seu cargo e voltou para Estrasburgo. 

Referências bibliográficas

CHASE, Kenneth. Firearms: A Global History to 1700. Cambridge, Cambridge University Press, 2003. 

DURIEUX, Joseph. Le Périgord militaire. Mousquetaires du Roi au XVIIIe siècle. Bulletin de la Société historique et archéologique du Périgord, v. 55,‎ p. 167-180. 

PARKER, Geoffrey. The Military Revolution: military innovation and the rise of the West, 1500-1800. 2a ed. Cambridge, Cambridge University Press, 1996.

PARKER, Geoffrey. O Soldado. In: VILLARI, Rosario (dir.). O homem barroco. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa, Editoria Presença, 1994.

SOUSA, Luís Filipe Guerreiro Costa e. Escrita e Prática de Guerra em Portugal: 1573-1612. Tese (Doutorado em História dos Descobrimentos e Expansão) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2013.

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