As armaduras medievais são um dos temas que atraem olhares curiosos para quem quer conhecer a Idade Média, especialmente quando se adentra ao imaginário de cavaleiros e castelos, não se pode deixar de fora aquelas armaduras de aço que protegiam os cavaleiros dos pés à cabeça. E esse imaginário é tão marcante que a as artes se apossaram muito bem dele. Falar de cavaleiro medieval europeu é quase que obrigatório trazê-lo com uma armadura pesada. Nos filmes, desenhos, quadrinhos, pinturas e videogames isso é algo bem comum: cavaleiros usando armaduras ricamente ornamentadas e até surreais, pois o peso os incapacitaria de poder combater. Inclusive eu estava há alguns dias jogando um jogo que traz armaduras mirabolantes e me veio a ideia de escrever esse artigo.
No entanto, nos vem algumas perguntas: aquelas armaduras que vemos em museus, realmente eram utilizadas? Ou não passam de artigo de ornamentação? Todo cavaleiro usava armadura pesada? Quando foi que tais armaduras começaram e deixaram de ser usadas? Pois o medievo europeu durou quase mil anos, porém, nota-se que na maior parte dele, armaduras de aço não foram usadas. Um cavaleiro usando tal armadura conseguia se mover ou ficava tão pesado que até andar era algo árduo? Diante dessas perguntas, redigi esse texto para fornecer respostas.
Introdução:
Nessa introdução apresentei algumas informações simples, mas importantes para entender o contexto do medievo, dos cavaleiros e das armaduras. O uso de armaduras existe desde a Antiguidade e foi adotado por diferentes povos do mundo. É evidente que as formas de se confeccionar uma armadura variaram com o tempo. Em geral quando falamos em armadura, pensamos logo em armaduras de metal, mas isso não é algo exato.
Armadura consiste em qualquer vestimenta projetada para se conceder proteção extra ao guerreiro, para protegê-lo ou amenizar o dano de cortes, perfurações, impactos, golpes, quedas, projéteis, explosões, etc. Ainda hoje se faz uso de armaduras, apesar de se adotar outros termos para se referir a esses trajes. De qualquer forma, as armaduras usadas no passado, eram feitas de couro cozido ou cru, eram reforçadas com lã para fornecer superfície acolchoada, para amortecer golpes, usavam placas de madeira, cotas de malha, placas metálicas, etc. Uma armadura não precisava proteger todas as partes do corpo, e poderia contar com proteções avulsas, como elmo ou capacete, e o uso de escudo.
Sendo assim, na História houve diferentes tipos de armaduras, algumas leves que facilitavam a mobilidade, mas forneciam menos proteção. Enquanto havia armaduras pesadas, que forneciam maior proteção, mas deixavam o guerreiro mais lento. O uso dessas armaduras variava de acordo com a função daquele guerreiro exercida na força de combate, ou da estratégia adotada para a ocasião.
Tendo falado brevemente sobre o que tratam as armaduras, falarei agora sobre a Idade Média europeia. Em geral os livros didáticos abordam o período medieval como indo de 476 a 1453, essa consiste na delimitação cronológica mais comum, mas existem outras formas de delimitar o tempo de duração do medievo. Alguns historiadores apontam que os idos da Idade Média teria começado no século IV, outros falam de Antiguidade Tardia, e recuam o começo do medievo para o século VIII. Quanto ao término da Idade Média, alguns historiadores falam de um medievo tardio, indo se findar no final do século XV, próximo ao ano 1500. No caso é preciso sublinhar que as estruturas medievais não começaram de um dia para o outro e terminam após 1453. Em diferentes lugares da Europa, a sociedade medieval se desenvolveu de formas e em ritmos diferentes. No caso, eu trabalhei com a noção de medievo tardio, estendendo a duração desse período até o final do século XV, pois as armaduras de placas, que objeto de estudo desse texto, somente passaram a ser mais usualmente usadas a partir do século XV e se mantiveram até o XVII, adentrando a Idade Moderna.
Quanto aos cavaleiros medievais, em outros artigo intitulado Ser cavaleiro na Europa medieval (2014), eu comentei como a imagem e noção de cavaleiro, cavalheirismo e cavalaria foi moldada no medievo europeu, para se tornar aquilo que conhecemos hoje em dia. Pois o cavaleiro medieval europeu não era apenas o homem que lutava montado num cavalo e usava armadura, mas consistiu em todo um imaginário, normas sociais e de conduta, para atribuir ao cavaleiro a imagem de nobre, honrado e leal guerreiro. Qualquer homem poderia lutar em um cavalo, mas não significa que ele fosse digno de ser chamado de cavaleiro. Sendo assim, quando chegamos ao século XV, época que as armaduras de placas de aço passaram a ser usadas, todo esse imaginário cavaleiresco já estava em desenvolvimento e continuava a encantar a população através da literatura em prosa ou poesia, ou até em canções, as quais falavam sobre o Rei Arthur, os Doze Pares de França, Os Nove Bravos e várias outras histórias sobre valentes e honrados cavaleiros errantes que buscavam aventura e fama.
Mas quanto a vestimenta desses cavaleiros, em geral eles passaram a maior parte do medievo usando elmos e cota de malha. De fato, a veste básica dos cavaleiros e outros guerreiros medievais era essa. A cota de malha era uma veste de proteção muito versátil e bem difundida. Por isso ter sido comumente adotada por vários povos europeus.
O surgimento das armaduras de placas (c. 1250-1400):
O uso de tiras ou placas para se formar uma armadura é antigo. Em diferentes lugares do mundo se fez uso de técnicas para se unir pedaços de materiais rígidos para formar em geral, proteção para o tórax. No caso dos romanos, eles faziam uso de uma armadura feita de placas de ferro, diferente da couraça de bronze, usada por alguns guerreiros gregos. Porém, como a confecção de placas de ferro era algo mais trabalhoso, com o tempo foi substituída pela adoção da cota de malha pelos guerreiros europeus ao longo do medievo. O uso de armaduras de placas foi visto por cavaleiros e soldados na Itália, Suíça, Alemanha, França, Espanha, Inglaterra, Áustria, Hungria, Polônia, etc. no entanto, os países em que mais se destacou-se o fabrico dessas armaduras, foram a Alemanha e a Itália, como veremos adiante. (PRICE, 2000, p. 22).
Claude Blair (1959, p. 37-38) comentava que na Europa ainda do século XIII, o uso de cota de malha e de armadura de escamas, predominava e continuaria predominando mesmo com a adoção das armaduras de placas, não significou que os outros tipos de armaduras deixaram de serem utilizadas. Entretanto, Blair assinalava que não foi no século XIV que o uso de armaduras de placas teria começado. Para ele, tal prática remontaria o século XIII. Ele comenta o relato de Guilherme o Bretão, o qual lutou contra Ricardo, Conde de Poitou (posteriormente conhecido como rei Ricardo, Coração de Leão). Durante essa batalha é narrado que os cavaleiros usavam uma armadura de placa de metal (fera fabricata patena recocto, como escrito no documento em latim).
No caso, tal armadura não seria parecida com as que conhecemos, mas consistiria numa mescla de cota de malha ou de armadura de escamas, com uma couraça para proteger o tórax, acompanhada de braçadeiras e caneleiras. Blair (1959) prossegue dizendo que em outras batalhas ocorridas na França, esse tipo de armadura passou a ser chamada de couraça (cuirass, curace ou quiret), termo devido a proteção de ferro usada sobre o tórax. Que acabou se tornando uma peça central na armadura de placas. Apesar que essa couraça não tenha sido invenção da época, os antigos gregos e romanos já faziam uso de couraças.
De qualquer forma, Blair dizia que o desenvolvimento da armadura de placas era obscuro, pois não sabemos como ocorreu propriamente. Dispomos apenas de relatos pontuais e algumas poucas pinturas conhecidas de batalhas, que apontam o uso desse tipo de armadura ainda nos séculos XIII e XIV. Para Terence Wise (1975, p. 11) a armadura de placas somente começou a ser desenvolvida no século XIV, período que foi marcado com algumas mudanças militares, dentre as quais ele destacou a formação de "exércitos nacionais", pois até então os reinos não possuíam o que hoje concebemos como exército nacional, mas possuíam pequenas tropas, milícias e até tropas de mercenários para compor sua força de batalha. Os reis, senhores feudais e chefes dependiam de convocar vassalos e seus homens para formar suas forças militares. Porém, em alguns pequenos reinos começou a empregar a prática de recrutamento militar e a criação de tropas fixas.
Para Wise (1975) isso contribuiu para não apenas mudar a dinâmica da guerra, mas também para o desenvolvimento de equipamentos militares. A medida que os arcos e as balestras se tornaram mais potentes, permitindo que as flechas e os virotes atravessassem escudos de madeira e até cotas de malha mais simples, tornou-se necessário confeccionar armaduras mais resistentes. Mas além dessas armas de longo alcance, armas como espadas e lanças também ganharam melhorias, apresentando lâminas mais resistentes e perfurantes. Isso é uma lógica da guerra: a medida que as armas se tornam mais mortais, se faz necessário criar defesas melhores. Os castelos medievais vão se destacar nesse período, ficando mais robustos e desenvolvendo suas muralhas e torres, frente as catapultas e trabucos. Dois séculos depois com a introdução da pólvora na Europa, os castelos vão começar a ser substituídos pelos fortes, estruturas mais resistente aos canhões.
Para Brian Price (2000, p. 5) e Alain Williams (2003, p. 54) a origem propriamente das armaduras de placas foi o século XIV, período que vai marcar a transição entre o uso de armaduras de escamas e cotas de malhas, para a adoção de armaduras de placas cada vez mais elaborada e completas, revestindo não apenas partes do corpo do guerreiro, mas ele quase todo. Entretanto, os dois historiadores sublinham que a visão de armaduras de placas de aço que normalmente temos, somente se formou no século seguinte. Antes disso, ainda teremos um período de adaptação e desenvolvimento de técnicas metalúrgicas para a criação dessas armaduras.
Price (2000, p. 7) destaca que a Itália, embora não fosse uma nação unificada naquele tempo, mas formada por pequenos Estados, foi o polo ferreiro para desenvolvimento das armaduras de placas. O grande fluxo de riquezas que chegavam a península italiana através do comércio com os bizantinos e árabes, não apenas trouxe dinheiro para permitir o início do Renascimento, mas também permitiu a troca de saberes e o afluxo de matéria-prima. Não obstante, Price cita o caso da família Missiglia de Milão, uma das mais respeitáveis famílias de ferreiros, fabricantes de armaduras do ducado milanês. Os Missiglia ficaram tão conhecidos nos séculos XIV e XV, que suas peças recebiam seu selo e eram exportadas para vários locais da Europa, especialmente as terras francas e germânicas, seguindo as rotas comerciais que iam de Gênova, Milão e Veneza para Flandres e a Frísia.
A Chronicon Extravagans de Galvano Fiamma (1298-1344), informava que os franceses, ingleses e espanhóis compravam muitas armaduras lombardas, uma referência a produção armeira de Milão. (BLAIR, 1959, p. 79). Mas além de Milão como polo manufatureiro de armaduras, Williams (2003, p. 57) destacou a província de Bréscia, também situada na Lombardia e vizinha de Milão. Williams cita que em determinados anos a produção de armaduras de Bréscia superou a de Milão. Segundo documentos administrativos da cidade, em seu auge, entre 1388 a 1486, a cidade chegou a possuir mais de 160 ferreiros, sendo metade desse valor, voltado apenas para ao trabalho com armaduras. Exportando muito dessas para os outros Estados italianos e para outras nações.
Enquanto as províncias italianas de Milão e Bréscia eram os principais centros produtores de armas e armaduras no sul da Europa, no lado oposto do continente, Estados germânicos como a Bavária e Tirol, começavam a destacar-se nesse mercado, passando a produzir seus próprios modelos ou a copiar os modelos italianos, e com isso vendendo para o restante do Sacro Império Romano-Germânico, para os ingleses, poloneses, dinamarqueses, etc. Data desse período também, principalmente na segunda metade do século XIV, o aumento do uso das couraças ou placas de peito, como também eram conhecidas. Entretanto, os cavaleiros ainda continuavam a usar cota de malha, mas passavam a usar elmos mais fechados, braçadeiras e caneleiras, e até luvas de metal. Esse modelo seria aperfeiçoado nas décadas seguintes. (BLAIR, 1959, p. 57-58).
Chris Gravett (1985, p. 41-42) assinala que a adoção da couraça de ferro não foi exclusiva apenas dos cavaleiros, alguns membros da infantaria pesada, os quais lutavam usando espadas de duas mãos como a espada montante, ou usando alabardas, poderiam em alguns casos, fazer uso da couraça e outras partes que compunha a armadura de placas. De fato, ainda no século XVII, esse tipo de proteção peitoral ainda era utilizada pela cavalaria e alguns membros da infantaria.
Para Brian Price (2000, p. 349) o século XIV foi essencial para o estabelecimento do conceito de armadura de placas. Pois durante esse período, num espaço de tempo de 50 a 70 anos, os ferreiros desenvolveram técnicas e vários modelos para aperfeiçoar esse tipo de defesa. Ao mesmo tempo que isso serviu de teste também para ver o que deveria ser feito ou não. No caso, Claude Blair (1959, p. 73-74) comentava que nesse período desenvolveu-se as partes essenciais das armaduras de placas: o elmo que cobria todo o rosto (o qual possuía distintos modelos, alguns poucos funcionais), a couraça a qual foi aumentando de tamanho, deixando de cobrir apenas o peito, mas passando a cobrir todo o tórax; a aketon, um tipo de jaqueta usado sob a armadura, que passou a substituir o uso da cota de malha, por se mostrar mais leve e mais confortável. Pois a medida que as armaduras se tornaram mais resistentes e cobriam mais partes do corpo do guerreiro, não era mais necessário usar uma longa cota de malha por baixo, para fornecer defesa extra. Outra parte que compunha a armadura de placas, desenvolvida nesse período foi o jupon, o qual consistia numa túnica grossa e acolchoada, usada sob a couraça. As vezes, sob o jupon, colocava-se o aketon ou outra veste.
O século XV foi em essência, o século das armaduras de placas, apesar que essas ainda continuaram a ser utilizadas até o século XVII, mas elas passaram a perder espaço na guerra moderna devido as mudanças táticas e armamentísticas surgidas no século XVI, o que revelou ser inviável manter cavaleiros trajando armaduras pesadas, as quais necessariamente não protegiam mais das balas de mosquetes e arcabuzes. De qualquer forma, antes de isso ocorrer, vejamos como foi esse período áureo para as armaduras de placas, que penosamente esteve ligado com o aumento de guerras na Europa.
Como comentado anteriormente, os dois polos de produção de armaduras no século XV, continuaram a ser Itália e Alemanha. No caso da Itália, Milão e Bréscia ainda se mantiveram no século XV como principais produtores de armaduras não apenas da Itália, mas do continente europeu. Na década de 1420 a armadura de placas como normalmente conhecemos já estava pronta. A armadura era formada agora por uma proteção que envolvia quase totalmente o corpo do guerreiro. A couraça já cobria o tronco por inteiro; proteção para o braço, ombreiras, pescoço, quadril e as pernas foram desenvolvidas. Os cavaleiros passavam a ser definitivamente "homens enlatados". (BLAIR, 1959, p. 80).
Na Itália o desenvolvimento de exércitos nacionais contribuiu para a intensificação das guerras italianas, as quais se estenderiam por mais de um século. O próprio Nicolau Maquiavel (1469-1527) vivenciou esse período e escreveu a respeito. Dentre suas obras acerca dessa fase bélica está o livro A Arte da Guerra. David Nicolle (1983, p. 11-12, 16) comenta que os séculos XIV e XV foram períodos de batalhas recorrentes na península itálica, o que demarca bem o cenário descrito por Maquiavel em algumas obras, recordando que o próprio Maquiavel atuou como diplomata de Florença e como embaixador para outros senhores, dentre os quais, o perigoso César Bórgia (1475-1507), filho mais velho do papa Alexandre VI (1431-1503).
Todavia, Nicolle (1983) comenta se no século XIV as grandes batalhas em território italiano dava-se por conflitos entre condes, duques e príncipes de províncias ou Estados vizinhos, no século XV surgiram os exércitos estatais em Milão, Roma, Veneza, Gênova, Nápoles, Florença, etc. os quais passaram a combater com o apoio dos espanhóis, franceses, suíços, alemães e gregos, ou contra eles. Na segunda metade do século XV, campanhas espanholas e francesas para dominar a Itália, ocorreram, fazendo necessário a manutenção de exércitos fixos, treinados e bem equipados. E quanto mais rico o senhor, não eram apenas os cavaleiros que passavam a usar armaduras de placas, a infantaria armada com lanças, alabardas, martelos de guerra e espadas, também recebiam. E em alguns casos os balesteiros também poderia fazer uso de uma couraça.
Curiosamente é preciso sublinhar que a Itália durante esse período de longas guerras pelo poder e invasões de outros países, coincide com o desenvolvimento do Renascimento (XIV-XVI), o período áureo das artes e algumas ciências. Isso é um tanto irônico que a Itália vivenciou uma de suas fases mais violentas, ainda assim, marcadas pelo esplendor artístico e desenvolvimento do conhecimento. De qualquer forma, alguns desses artistas acabaram usando seus talentos voltados para a guerra, como o próprio Leonardo da Vinci (1452-1519), realizou projetos associados com engenharia militar, fosse na criação de projetos de fortificações, armas e veículos de combate.
Por mais que a Itália vivenciasse esse período de guerras, nem sempre o efetivo militar era suficiente, e isso levou a criação de grupos profissionais de mercenários treinados, os quais eram liderados por chefes, os condottieri. O condottiero era um mercenário profissional que dispunha de uma milícia. A palavra condottiero advém da palavra condotta (contrato), segundo destacado por David Murphy (2007, p. 8). O autor também sublinha que possivelmente o primeiro condottiero da história tenha sido Roger di Flor, que por volta do ano de 1302, ele e sua companhia prestaram serviço ao imperador bizantino Andronicus II. A ação de di Flor foi seguida por outros homens, e assim aos poucos foram surgindo pequenas companhias de condottieri. A partir da segunda metade do século XIV as companhias dos condottieri se popularizaram e se tornaram forças militares mercenárias importantes, inclusive determinando em alguns casos, a vitória em batalha. No século XV, algumas companhias eram tão famosas, ricas e numerosas, que seus homens dispunham de excelentes equipamentos.
Deixando a Itália e subindo para a França, nesse período França e Inglaterra viviam a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), intenso conflito que durou na verdade 116 anos, mas no século XV, vivenciou algumas batalhas bem sangrentas. Christopher Gravett (2001) destaca que o desenvolvimento de arcos e balistas mais potentes, somados a flechas e virotes mais perfurantes, levou os exércitos inglês e francês a adotarem armaduras mais duras. Inclusive os franceses compraram muitas armaduras dos italianos para esse fim, já que as forças inglesas eram conhecidas por suas companhias de arqueiros armados com arcos longos, e em alguns casos, com balistas. De fato, a fama dos arqueiros ingleses remontava há séculos e foi sendo aprimorada.
Blair (1959, p. 108) apontou que os ingleses adotaram os modelos italiano e francês de armaduras para forjar suas próprias armaduras de placas. Em Londres foram desenvolvidas ferrarias especializadas para isso. Por sua vez, na França, além da importação de armaduras lombardas, ferrarias de armaduras surgiram em Lyons, Bordeaux, Beauvais, Chartres, Tours, etc. Apesar dos franceses estarem em guerra com os ingleses por um século, ainda assim, monarcas franceses eventualmente invadiam a Espanha, a Itália, Bélgica, Holanda, Alemanha. Enquanto a Inglaterra contava em estar segura por ser uma ilha, a França possuía várias fronteiras a se preocupar, daí a importância de ter ferrarias espalhadas pelo país, para abastecer os exércitos.
Do mesmo modo que o exército inglês se dividia em alas com infantaria, artilharia e cavalaria, o exército francês fez o mesmo. Passando a adotar o arco longo e a balista, e até mesmo táticas inglesas de combate. Inclusive David Nicolle (2000) salienta que nos últimos anos da Guerra dos Cem Anos, houve algumas batalhas, nas quais os artilheiros já fizeram uso de armas de fogo; equipamento ainda recente no continente europeu.
Entretanto, diferente das batalhas na Itália e na Alemanha, as armaduras de placas no caso francês e inglês estiveram mais reservadas aos cavaleiros, ainda assim, nem todo cavaleiro faziam uso delas. Alguns ainda trajavam cotas de malhas e uma couraça. Gravett (2001, p. 48) assinala que os cavaleiros ingleses e franceses da década de 1420, já faziam uso de luvas de ferro, de elmos tipo bascinet, e de aventail (elmo mais cota de malha para proteger o pescoço). O autor também sublinha que até mais ou menos 1450, já próximo do término da guerra, os ingleses faziam muito uso de modelos italianos de armadura.
A partir da década de 1450, passou-se a usar mais modelos de origem inglesa e até germânica. Gravett (2001, p. 49) também destacou que no século XV, durante a Guerra dos Cem Anos, viu-se a ampliação de armas brancas como maças, martelos de guerra, bico de corvo e alabarda; armas que permitiam perfurar ou esmagar a armadura. No caso das armas que esmagavam, a ideia era fraturar ossos, levando a hemorragia interna, ou incapacitar o cavaleiro, tornando-o vulnerável a ser atacado com punhais ou espadas nos pontos fracos. Algo que comentarei em outro momento.
Deixando a França e seguindo mais ao norte, adentrando os Estados germânicos do Sacro Império Romano-Germânico, a presença de armaduras de placas também foi recorrente em várias batalhas importantes. Christopher Gravett (1985) assinalou que os Estados alemães vivenciaram conflitos tão intensos ou até mesmo, mais agravantes do que os vistos entre os Estados italianos. Apesar de o Sacro Império Romano-Germânico possuir nominalmente um imperador desde o século X, nunca significou que o império estivesse plenamente sob controle do monarca. Em vários momentos, algumas das províncias se rebelavam contra a autoridade imperial, ou simplesmente por intrigas políticas, econômicas, familiares ou pessoais, declaravam guerra a província vizinha. Sendo assim, os Estados germânicos que por alguns séculos englobaram a Holanda, Áustria, sul da Dinamarca, parte da Polônia e da Suíça, se viram em vários conflitos.
Alan Williams (2003, p. 331) comenta que foi no século XV que a Alemanha começou a despontar na produção de armamentos e armaduras. Até então os nobres germânicos encomendavam suas armaduras dos ferreiros lombardos, porém, com o crescimento e acirramento de guerras internas e a necessidade de armar e equipar as tropas com maior agilidade, tornava inviável depender de importação, a qual poderia inclusive demorar semanas, um, dois ou mais meses. Esse tempo de espera poderia significar que o inimigo, caso já estivesse equipado, não iria aguardar tempo em atacar.
No caso, Blair (1959, p. 92-93) comentou que as principais regiões produtoras de armaduras na Alemanha do século XV, eram Innsbruck, Nuremberg e Augsburg, províncias conhecidas pelo comércio e a produção manufatureira. Ele salienta que foi por volta da década de 1450 que se desenvolveu o modelo chamado de "armadura gótica", em referência aos Godos, um povo germânico. No caso, a armadura gótica foi bastante popular entre 1460 e 1500. O exemplar feito para Maximiliano I (1459-1519), o qual foi Rei da Germânia, Arquiduque da Áustria e depois Imperador do Sacro Império, é um dos modelos de armadura gótica mais conhecida, destacando-se os detalhes de incrustação, o elmo com proteção para a nuca, a proteção para o pescoço, e a escarpe (sabaton) com bicos exageradamente pontudos, os quais poderiam ser usados para causar dano, enquanto o monarca estivesse cavalgando e chutasse seus atacantes. Outros modelos similares foram encontrados.
Auge e declínio (1500-1600):
O século XVI foi um divisor de águas para a História. As armas de fogo já estavam se espalhando pela Europa a pelo menos cinco décadas. Portugal havia iniciado as Grandes Navegações há vários anos. Cristóvão Colombo chegou as Américas em 1492, o Tratado de Tordesilhas (1494), dividindo as terras descobertas por Colombo, entre Portugal e Espanha, foi acordado; Vasco da Gama descobriu o Caminho para às Índias (1497-1499). O Império Otomano se expandia pelos Bálcãs, a colonização europeia nas Américas, África e Ásia se desenvolvia. O Renascimento italiano seguia para sua última fase. A Reforma Protestante se iniciava. As as prósperas civilizações Asteca e Inca nas Américas seriam destroçadas pelos espanhóis. E em meio a tudo isso, guerras ainda continuavam a ocorrer pela Europa, e cavaleiros ainda trajavam suas armaduras de aço.
Embora o século XVI marque parte do esplendor das armaduras de placas, também é o período que marcará sua decadência. As mudanças militares introduzidas com o uso de mosquetes, arcabuzes, minas, granadas, morteiros e canhões afetou o modo de se fazer guerra na Europa. É evidente que essas mudanças não ocorreram de vez ou atingiram todos os países ao mesmo tempo. No entanto, Estados mais belicosos, foram os que vivenciaram essas mudanças mais rapidamente, não apenas nas armas adotadas, mas da forma como organizar as companhias militares, o treinamento, as fortificações e o modo de fazer guerra.
As grandes batalhas campais em alguns lugares foi substituída por lutas de cerco, confrontos de emboscada, lutas em trincheiras, conflitos entre redutos ou fortificações. Os castelos robustos começaram a ser substituídos por fortes e fortalezas, mais baixos, sem torres altas, cercados por muralhas, baluartes, fossos e outras estruturas defensivas. As forças armadas desses países passaram a ser compostas de companhias de arqueiros e balesteiros, mas somadas a grupos de mosqueteiros, arcabuzeiros e canhoneiros. A infantaria munida de lanças, piques e espadas ainda se mantinha. A cavalaria leve e pesada ainda continuava, mas com o tempo a cavalaria pesada foi perdendo espaço para a cavalaria leve, por causa da mobilidade. Pois mesmo armaduras de aço não protegiam das balas. Mas isso não significou que foi do dia para o outro que o uso de armaduras de placas ocorreu. (EDGE; PADDOCK, 1991).
Claude Blair (1959, p. 113) comentou que os principais polos ferreiros de produção de armaduras na Europa, no século XVI, ainda se mantinham. Na Itália destacavam-se Milão e Bréscia. Na Alemanha Augsburg, Nuremberg e Innsbruck, na França, Lyon e Tours. No Império Espanhol, Bruxelas, Antuérpia, Flandres, Sevilha e Burgos. Na Inglaterra, continuava Londres. Blair (1959) também comentou que no XVI um novo estilo de armadura de placas se tornou popular, especialmente entre os muito ricos. Era a armadura de estilo negroli, que substituía o gosto da alta nobreza pelas armaduras góticas. A família Negroli formada pelo pai Gian Giacomo, e os filhos, Filippo, Giovan Batista e Francesco, se notabilizaram no século XVI, pela produção de armaduras requintadas e de alta qualidade.
Alan Williams (2003, p. 906) comenta que embora já existissem ferreiros habilidosos que no século XV, faziam excepcionais armaduras, mas a arte em armaduras surgiu propriamente no XVI, com os italianos e os flamengos. No caso italiano, Williams destaca o trabalho da família Negroli, os quais se especializaram em produzir armaduras que podem ser chamadas de obras de arte. Em alguns casos suas armaduras eram compradas nem tanto para ser usadas no campo de batalha, mas como peça de decoração. O autor assinala que em determinadas épocas, as armaduras dos Negroli eram tão caras e requisitadas, que chegavam a valer mais do que o soldo de um ano, recebido por um soldado comum. Ele cita o caso que em 1543 um soldado recebia 20 escudos ao ano, enquanto um mestre-ferreiro poderia receber 40 escudos, e em 1567, Giovan Paolo Negroli, vendeu várias armaduras a 35 escudos, cada. Sem contar que outros trabalhos dele e de seus parentes, poderiam passar facilmente dos 100 ou 200 escudos. Williams destaca o caso de um trabalho grande feito ao imperador espanhol Carlos I, que encomendou armaduras e outros equipamentos. O custo do serviço? 1120 escudos!
Phyrr e Godoy (1999) comentam que os Negroli e outras famílias ferreiras contemporâneas, como os Modrone de Mantua, tornaram-se não apenas ferreiros, mas artesãos e artistas. A metalurgia com eles resgatou uma arte deixada de lado há muito tempo. De fato, a arte metalúrgica em armaduras, elmos, escudos e espadas não é nova, na Antiguidade e no Medievo já existia, mas no século XVI, ela voltou a ficar em evidência. Os Negroli e Modrone não apenas forjavam armaduras de placas, mas outros tipos de armaduras, como também, forjavam elmos personalizados, escudos decorados, espadas, machados, couraças, etc. Suas obras eram mais voltadas para uma questão artística do que bélica, o que conota com o declínio do uso das armaduras de placas no campo de batalha e a tendência de se tornarem artigos de luxo. Inclusive, Phyrr e Godoy assinalam que influenciado pelos referenciais artísticos do Renascimento, algumas dessas armaduras buscavam resgatar a "aura heroica e lendária" dos mitos greco-romanos.
É preciso sublinhar que as armaduras ornamentadas eram mais caras do que armaduras comuns. Ainda assim, o valor de armaduras comuns chegavam a custar o soldo de um ano de um soldado. Por isso que equipar uma tropa de cavaleiros era algo bastante caro, mas não impossível. Edge e Paddock (1991, p. 131) comentam que o rei Henrique VIII da Inglaterra (1491-1547) gastou muito dinheiro com armaduras. Entre 1512-1513 ele comprou 2 mil armaduras leves de Florença, e 5000 peças de armadura de Milão. Em 1539 ele comprou 1.200 armaduras de Colônia e 2.700 armaduras da Antuérpia. Para os autores isso assinala que ainda na primeira metade do século XVI, o comércio de armaduras era bem lucrativo e requisitado.
Algumas características das armaduras de placas:
Ao longo dos mais de dois séculos nos quais essas armaduras foram usadas, surgiram vários modelos, alguns estranhos e outros extravagantes, mas essencialmente a funcionalidade era a mesma: proteger da melhor forma possível o homem que estivesse vestindo tal armadura. Pela condição de ter havido muitos estilos de armaduras, não cabe aqui citar todos, pois em alguns a mudança existente era mais um fator de estética do que funcionalidade. Assim procurei nessa parte do texto comentar de forma geral o desenvolvimento de algumas dessas armaduras,
Uma dúvida comum é quanto o peso dessar armaduras. Elas eram realmente tão pesadas ao ponto que o cavaleiro tinha dificuldade para andar? Alan Williams (2003, p. 55) aponta uns dados interessantes. A cota de malha (hauberk) que era usada por cavaleiros, soldados e arqueiros, consistindo em uma proteção relativamente fácil de ser feita e não muito cara, concedia proteção para golpes cortantes, e em alguns casos protegia de alguns tipos de flechas, mas poderia ser transpassadas por estocadas de espada e lanças, e por golpes de machado e martelo. Alguns virotes de balista também conseguiam penetrar a proteção da cota. Entretanto a cota de malha era uma proteção bem pesada. A depender da forma que foi fabricada e seu cumprimento, que variava ir desde a cintura até abaixo dos joelhos, possuindo manga curta ou longa, e podendo inclusive cobrir a cabeça como um capuz, o seu peso poderia variar de 10 a 20 kg. E somando o peso do restante do traje, com o elmo, escudo e a arma, o peso total poderia ser de 25 a 30 kg.
Entretanto, Williams comenta o caso de cotas de malha mais curtas, que pareceriam uma camisa, as quais pesariam menos de 10 kg. Porém, a grande atenção que ele quer evidenciar é que algumas couraças datadas do século XIV, encontradas em Pistoia, na Itália, pesavam entre 2,5 a 3 kg. Uma outra couraça datada também do XIV, encontrada na Alemanha, tinha o peso de 4 kg. Se somarmos a condição que antes de 1420 os cavaleiros ainda não usavam armaduras de placas desacompanhadas de cotas de malha, podemos fazer algumas somas básicas, baseadas no estudo de Williams. Sendo assim, se somarmos o peso de uma cota de malha curta, algo em torno de 8 a 9 kg, mais uma couraça que variava de 3 a 4 kg, mas as braçadeiras e caneleiras, as quais juntas poderiam pesar 3 kg, e por fim, um elmo que poderia pesar de 1,5 a 3 kg, temos um total de peso em armadura de 15 kg a 20 kg. O que significa que se comparado apenas a cota de malha longa (hauberk), o guerreiro estava ganhando uns cinco a dez quilos a menos, o que poderia fazer a diferença no campo de batalha.
Porém, essa diferença embora tenha sido explorada por alguns, os quais mantiveram o uso da cota de malha junto a couraça de ferro, mas como visto, isso não foi o suficiente. Optou-se em aumentar a quantidade de placas carregadas pelo cavaleiro, e isso embora possa ter fornecido proteção melhor, lhe custou a saúde. Mas quanto pesaria uma armadura de placas completa? Williams (2003) diz que o peso das armaduras variava de acordo com o material usado, se era ferro, ou aço de baixo carbono ou aço de alto carbono, a quantidade de peças que compunham a armadura no todo, as técnicas de forja, e as dimensões do usuário. Somando-se isso havia os modelos usados. Por exemplo, armaduras entre 1400 a 1450, ainda não cobriam plenamente o cavaleiro, deixando a parte de trás das pernas e dos braços desprotegidas. Posteriormente, já temos armaduras que cobriam esses pontos fracos. Sendo assim, o peso de uma armadura de placas variava de 25 kg a 40 kg.
Brian Price (2000) comenta que dependendo do modelo da armadura a quantidade de peças variava. E daí advém seu nome, armadura de placas. Price (2000) e Williams (2003) comentam que uma armadura de placas era em essência um conjunto de peças feitas de ferro ou aço. Durante os séculos XIV e XV foi mais comum usar o ferro na forja dessas placas. Porém, na segunda metade do século XV passou a se usar mais o aço, inicialmente de baixo carbono (mais maleável, menos duro, e mais barato), depois o de alto carbono (mais rígido, duro e caro). Mas independente de se usar ferro ou aço, a armadura era feita de placas desses metais, as quais seriam moldadas para tomar a forma desejada.
Algumas armaduras usadas nos séculos XIV e XV, possuíam em torno de dez peças: peitoral, elmo, braçadeiras (2), caneleiras (2), escarpes (2), ombreiras (2). Porém, armaduras dos séculos XV e XVI, poderiam ter mais de vinte peças: peitoral, elmo, gola, saiote, caneleiras (2), braçadeiras (2), luvas (2), escarpes (2), joalheiras (2), cotoveleiras (2), coxotes (2), braçal (2), ombreiras (2). Entretanto, há um detalhe apontado por Alan Williams (2003), não significa que o uso de placas seja igual ao de peças. Por exemplo, um elmo dependendo do modelo, poderia ser feito de duas, três, quatro ou mais placas.
Essas placas eram moldadas pelo ferreiro e seus ajudantes, e dependendo de quantas peças tivessem, o modelo adotado e o tempo de trabalho diário, poderia demorar semanas para se produzir uma só armadura. É evidente que com o tempo criou-se técnicas para agilizar o processo, como a criação de fôrmas para algumas das peças. Além da condição que ferrarias renomadas possuíam muitos funcionários para agilizar o processo.
Outra informação importante é o fato que uma pessoa sozinha teria dificuldade de vestir uma armadura dessa. Diferente do que se ver em filmes e desenhos, onde guerreiros vestem sozinhos suas armaduras, não era bem assim que a coisa funcionava. O cavaleiro até poderia colocar algumas das peças da armadura por conta própria, mas outras, que se necessitava prender as presilhas na parte de trás das costas, ou na parte de trás dos braços e pernas, era tarefa difícil. Assim, era comum eles terem escudeiros ou pajens para auxiliar na vestidura e no despir das armaduras. Mesmo uma simples cota de malha poderia ser difícil de remover, ainda mais, após uma batalha, onde o corpo estava cansado e talvez ferido.
Vimos que o peso das armaduras de placas poderia variar dos 25 aos 40 kg, algumas até passariam de isso, em casos menos usuais. Porém, os estudiosos consultados para esse estudo, apontam que em geral o peso dessas armaduras girou em torno dos 25 a 30 kg. Se pensarmos que um homem adulto em média possui seus 70 a 80 kg, logo, ele pesaria cem ou mais quilos. Sendo assim, para fatores de massa x velocidade, levar um golpe de um cavaleiro de armadura
Apesar de parecer um peso bem exagerado, o que dificultaria a mobilidade dos cavaleiros, a realidade não era bem assim. Os cavaleiros de fato tinham sua agilidade reduzida pelo peso extra, mas isso não significa que eles não pudessem se movimentar de forma adequada. Se as armaduras não fossem práticas, elas teriam sido abandonadas, mas a realidade foi que por mais de 200 anos elas foram utilizadas. Sendo assim, elas não eram tão ruim assim.
A mobilidade com uma armadura de placa dependia de alguns fatores: a) treinamento militar, b) condição física, c) saúde física e mental durante o conflito, d) modelo de armadura, e) qualidade da armadura. Esses são fatores a serem cogitados. Um homem que não tivesse um treinamento militar para combater usando esse tipo de armadura, era um alvo fácil. Sem condição física para aguentar o peso extra, ele em poucos minutos estaria cansado, o que não era viável para uma batalha que poderia durar uma hora ou mais. Se a saúde física ou mental dele estivesse abalada no dia da batalha, isso comprometeria seu desempenho na luta. Algumas armaduras eram mais rígidas, afetando a movimentação das pernas e braços. Armaduras enferrujadas ou danificadas, poderiam atrapalhar na movimentação e não concederiam defesa adequada.
Os manuais de combate (conhecidos em alemão como fechtbuch) são uma ótima forma de ver como era a movimentação dos cavaleiros e soldados que trajavam armaduras de placas. Além disso, há relatos de cavaleiros que escreveram esses manuais, apresentando dicas para treinamento, o que incluía, correr, subir escadas e pular pequenos muros, trajando a armadura, a fim de se acostumar com a limitação de movimento e o peso delas. Além disso, os cavaleiros recomendavam um treinamento para os braços e as pernas, a fim de fortificá-los. Para além do treinamento físico, os manuais também expunham várias instruções de combate, usando espadas, lanças, alabardas, maças, martelos, punhais e até combate desarmado. Alguns manuais também apresentavam regras de disciplina e cordialidade. Esses manuais foram populares na Alemanha, Itália, França, Espanha e Inglaterra, dando origem a escolas desses países. (TURNBULL, 1995).
Não obstante, a possibilidade dos cavaleiros usando essas armaduras, conseguirem correr, pular, escalar, cair e levantar, já desmente a ideia de que eles tivessem a mobilidade enrijecida e só conseguissem lutar montados em cavalos. Um estudo francês realizado em 2011, mostrou dois voluntários usando armaduras do século XV, e executando alguns movimentos de ataque e outros movimentos de locomoção. Assista o vídeo abaixo:
Nesse vídeo produzido para o Museu Nacional na França, vemos que os dois voluntários trajando armaduras de placas, conseguem cair e levantar, subir e descer uma escada, rolar no chão, fazer polichinelo, e sobretudo, lutar. As técnicas de combate eram algo importante tanto quanto o condicionamento físico. Pois embora você fosse forte e conseguisse aguentar o peso da armadura, se você não soubesse como enfrentar um adversário usando uma armadura igual a sua, isso era um problema.
Diferente do que se ver em filmes, desenhos e videogames, onde temos cavaleiros trajando armaduras de placas e disferem espadadas que cortam o aço, na realidade não era isso que ocorria. As espadas não penetravam as placas de ferro e nem de aço. Mesmo, alguns machados e lanças não conseguiam perfurar as placas. Martelos e maças causavam dando de impacto, não de corte, sendo a intenção dessas armas esmagar ossos. Por outro lado, alguns tipos de armas como o bico de corvo, o martelo com ponta e a alabarda poderiam perfurar as armaduras. Mas eram armas difíceis de usar, principalmente a alabarda pelo peso.
Apesar desse treinamento o combate com essas armaduras ainda era uma atividade árdua. Os cavaleiros se queixavam de dores nas costas, ombros e pernas, após uma sessão de treino ou de combate. Correr e escalar com essas armaduras também demandava um esforço de respiração. Como em geral eles usavam elmos com abertura pequenas para os olhos, isso dificultava a entrada de ar nos elmos, o que afetava o desempenho dos cavaleiros. Se um deles fosse derrubado. O peso da armadura poderia comprimir seus pulmões, deixando-o momentaneamente com falta de ar. Se um cavaleiro estivesse montado a cavalo, enquanto se movimentava e fosse derrubado, a queda poderia inclusive causar mais dano do que o impacto que o derrubou. Dependendo da velocidade que ele caiu, somado ao peso que ele carregava, costelas poderiam se fraturar. Mas mesmo com tais riscos, isso não impediu o uso longevo dessas armaduras.
Armaduras para cavalos:
Num texto sobre armaduras e cavaleiros, não poderia ficar de fora os cavalos, os quais completam o trio icônico do medievo e começo da modernidade. O uso de armaduras para cavalos não foi uma invenção do final do medievo, outros tipos de armaduras feitas de couro, tecidos, cota de malha e de escamas já haviam sido utilizadas na Europa e na Ásia, desde a Antiguidade. Mas a novidade no medievo europeu foi a adoção de armaduras de placas também para cavalos. Inicialmente feitas de ferro e depois feitas de aço. As armaduras para cavalos seguia a mesma forma de produção do que as armaduras para humanos; eram placas de metal, as quais eram cortadas e moldadas para assumir determinadas forças nas quais cobririam partes do corpo do animal. No caso dos cavalos, as armaduras não lhe cobriam o corpo todo, as pernas ficavam livres para não atrapalhar a locomoção.
As armaduras equinas também variavam de modelo, mas em geral possuíam bem menos peças do que uma armadura para pessoas. A armadura equina trabalhava com três partes principais: proteção para o peito, ou seja, o peitoral, a proteção para a garupa (bard), a proteção para a cabeça e a nuca. Em alguns casos havia uma proteção para o pescoço ou apenas para a cabeça, não tendo a proteção para a nuca. De acordo com Williams (2003) uma armadura equina dependendo do tamanho do cavalo e do número de peças, pesava de 40 a 60 kg. Mas como os cavalos de guerra usados eram animais robustos, eles conseguiam carregar esse peso, que passava facilmente dos 150 kg extras, considerando a soma do peso da armadura com o peso do cavaleiro trajando armadura. Fora que esse peso total era acrescido com a sela e as armas que o guerreiro carregasse.
Edge e Paddon (1991) assinalam que as armaduras equinas surgiram principalmente pela condição de que os cavalos eram alvos mais fáceis do que os cavaleiros. Sendo assim, optava-se em ferir ou matar o cavalo, fazendo-o derrubar o cavaleiro, o qual estando caído, estava vulnerável para ser atacado e morto. Assim passou entre os séculos XIV e XVI usar-se armaduras em cavalos para assegurar sua proteção, a fim que o animal não fosse ferido num ataque e isso não compromete-se o cavaleiro. Todavia é preciso salientar que nem todo cavalo fazia uso dessas armaduras, as quais eram caras e pesadas. Em pinturas medievais e modernas vemos cavaleiros com armaduras de placas, mas seus cavalos não apresentavam tais armaduras, e em alguns casos, usavam apenas um peitoral, para proteger um dos locais mais vulneráveis.
Considerações finais:
Ewart Oakeshott (2000, p. 197-198) comenta que no século XVI até mais ou menos 1550, o uso de armaduras de placas ainda continuava para fins de combate e era um comércio bem rentável. Apesar que nesse período tenha se desenvolvido as "armaduras artísticas" ou "arte em armadura", o que revela um apreço mais estético e ornamental a esse tipo de traje de combate. No entanto, ele comenta que após 1550, o uso dessas armaduras para fins militares praticamente foi decaindo com a adoção de novas formas de se fazer guerra. Com exceção de monarcas, príncipes, duques, condes ou algum nobre muito rico, que vez ou outra fazia uso dessas armaduras para ir ao campo de batalha, os seus exércitos já não contavam tanto com cavaleiros e soldados trajados dessa forma. Em alguns casos, os cavaleiros e soldados usavam versões mais simples de armaduras de placas, ou apenas a couraça ou peitoral, junto com braçadeiras, tornozeleiras e o elmo.
Edge e Paddock (1991) apontam que o uso de armaduras de placas ainda se manteve no século XVII, como comentado por Blair (1959), porém, não tendo sido um uso propriamente no campo de batalha, mas para torneios, pois os torneios de justas continuaram até o XVII, quando entraram em declínio e foram abandonados. Por outro lado, a compra de armaduras requintadas ainda permaneceu entre a nobreza, fosse para fatores de nobres se exibirem em pinturas, ou para ornamentar seus castelos e palácios.
Embora as armaduras requeressem um grande esforço físico dos cavaleiros, um treinamento de qualidade, como também foram equipamentos caros, isso não as tornou inviáveis, pois entre os séculos XIV ao XVI as armaduras de placas foram usadas nos campos de batalha da Europa. Seu legado durou mais de duzentos anos, assim como, também permitiu o desenvolvimento de técnicas de combate, técnicas de forja, um comércio lucrativo, o crescimento de cidades, a expansão da arte em metalurgia. E após seu declínio como equipamento militar, elas continuaram como artigos de luxo, e ainda hoje nos encantam, quando visitamos museus, castelos ou palácios que contém esses trajes de ferro ou aço.
NOTA 1: Alguns elmos do século XIV possuíam uma espécie de "bico", pois acreditava-se que caso o cavaleiro fosse golpeado no rosto, o "bico" ajudaria a amortecer o impacto. Esteticamente tais elmos eram estranhos, e foram abandonados posteriormente. Mas a ideia do elmo manter um espaço do rosto, não apenas servia para sua proteção, mas também para permitir circular o ar.
NOTA 2: As armaduras negroli e modrone baseavam-se em referências greco-romanos, inclusive com direito a recriar armaduras usadas pelos antigos romanos e gregos. Os motivos de ornamentação de algumas peças também advinham da mitologia grega, como escudos com a cabeça da medusa, elmos com sereias, cabeça de dragão, leão, lobo, etc. Elmos representando os cabelos e barba de estátuas gregas.
NOTA 3: Além de armaduras para cavalos, cães de guerra também receberam armaduras, embora tenha sido algo menos usual.
NOTA 4: Algumas armaduras para cavalos, exibiam chifres ou um chifre de unicórnio. Os atributos eram mais estéticos do que funcionais.
NOTA 5: Muitas armaduras não possuíam proteção para a genitália. Logo, fazia-se uso de cota de malha e calças. Porém, para contornar esse problema, algumas armaduras faziam uso de saiotes ou de uma calça com proteção peniana, algo bem estranho. O rei Henrique VIII da Inglaterra possui algumas armaduras com essa proteção peniana.
NOTA 6: Em alguns filmes, desenhos e jogos de videogame nota-se armaduras femininas que possuem seios moldados no peitoral. Historicamente isso nunca existiu. Primeiro que as mulheres não iam a guerra com frequência, e quando faziam, elas usavam equipamento que era feito para os homens. Joana d'Arc que é um caso de uma mulher que foi para batalhas, vestia-se com uma armadura típica da época.
Referências bibliográficas:
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MURPHY, David. Condottieri 1300-1500: infamous medieval mercenaries. Ilustrated by Graham Turner. Oxford, Osprey, 2007. (Warrior, 115).
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OAKESHOTT, Ewart. European Weapons and Armour. From the Renaissance to the Industrial Revolution. Woodbrigde, Boydell Press, 2000.
TURNBULL, Stephen. The book of the Medieval Knight. London, Cassel Group, 1995.
WILLIAMS, Alan. The Knight and the Blast furnace: a history of the metallurgy of armour in the Middle Ages & the Early Modern Period. Leiden/Boston, Brill, 2003.
WISE, Terence. Medieval European Armies. Coulor plates for Gerald Embleton. Oxford, Osprey, 1975. (Men-at-Arms Series, 50).
Claude Blair (1959, p. 37-38) comentava que na Europa ainda do século XIII, o uso de cota de malha e de armadura de escamas, predominava e continuaria predominando mesmo com a adoção das armaduras de placas, não significou que os outros tipos de armaduras deixaram de serem utilizadas. Entretanto, Blair assinalava que não foi no século XIV que o uso de armaduras de placas teria começado. Para ele, tal prática remontaria o século XIII. Ele comenta o relato de Guilherme o Bretão, o qual lutou contra Ricardo, Conde de Poitou (posteriormente conhecido como rei Ricardo, Coração de Leão). Durante essa batalha é narrado que os cavaleiros usavam uma armadura de placa de metal (fera fabricata patena recocto, como escrito no documento em latim).
No caso, tal armadura não seria parecida com as que conhecemos, mas consistiria numa mescla de cota de malha ou de armadura de escamas, com uma couraça para proteger o tórax, acompanhada de braçadeiras e caneleiras. Blair (1959) prossegue dizendo que em outras batalhas ocorridas na França, esse tipo de armadura passou a ser chamada de couraça (cuirass, curace ou quiret), termo devido a proteção de ferro usada sobre o tórax. Que acabou se tornando uma peça central na armadura de placas. Apesar que essa couraça não tenha sido invenção da época, os antigos gregos e romanos já faziam uso de couraças.
Gravura para ilustrar O Romance de Alexandre (1338). Segundo Blair (1959), os cavaleiros nessa imagem, já faziam uso de uma versão anterior da armadura de placas. |
Para Wise (1975) isso contribuiu para não apenas mudar a dinâmica da guerra, mas também para o desenvolvimento de equipamentos militares. A medida que os arcos e as balestras se tornaram mais potentes, permitindo que as flechas e os virotes atravessassem escudos de madeira e até cotas de malha mais simples, tornou-se necessário confeccionar armaduras mais resistentes. Mas além dessas armas de longo alcance, armas como espadas e lanças também ganharam melhorias, apresentando lâminas mais resistentes e perfurantes. Isso é uma lógica da guerra: a medida que as armas se tornam mais mortais, se faz necessário criar defesas melhores. Os castelos medievais vão se destacar nesse período, ficando mais robustos e desenvolvendo suas muralhas e torres, frente as catapultas e trabucos. Dois séculos depois com a introdução da pólvora na Europa, os castelos vão começar a ser substituídos pelos fortes, estruturas mais resistente aos canhões.
Para Brian Price (2000, p. 5) e Alain Williams (2003, p. 54) a origem propriamente das armaduras de placas foi o século XIV, período que vai marcar a transição entre o uso de armaduras de escamas e cotas de malhas, para a adoção de armaduras de placas cada vez mais elaborada e completas, revestindo não apenas partes do corpo do guerreiro, mas ele quase todo. Entretanto, os dois historiadores sublinham que a visão de armaduras de placas de aço que normalmente temos, somente se formou no século seguinte. Antes disso, ainda teremos um período de adaptação e desenvolvimento de técnicas metalúrgicas para a criação dessas armaduras.
Price (2000, p. 7) destaca que a Itália, embora não fosse uma nação unificada naquele tempo, mas formada por pequenos Estados, foi o polo ferreiro para desenvolvimento das armaduras de placas. O grande fluxo de riquezas que chegavam a península italiana através do comércio com os bizantinos e árabes, não apenas trouxe dinheiro para permitir o início do Renascimento, mas também permitiu a troca de saberes e o afluxo de matéria-prima. Não obstante, Price cita o caso da família Missiglia de Milão, uma das mais respeitáveis famílias de ferreiros, fabricantes de armaduras do ducado milanês. Os Missiglia ficaram tão conhecidos nos séculos XIV e XV, que suas peças recebiam seu selo e eram exportadas para vários locais da Europa, especialmente as terras francas e germânicas, seguindo as rotas comerciais que iam de Gênova, Milão e Veneza para Flandres e a Frísia.
A Chronicon Extravagans de Galvano Fiamma (1298-1344), informava que os franceses, ingleses e espanhóis compravam muitas armaduras lombardas, uma referência a produção armeira de Milão. (BLAIR, 1959, p. 79). Mas além de Milão como polo manufatureiro de armaduras, Williams (2003, p. 57) destacou a província de Bréscia, também situada na Lombardia e vizinha de Milão. Williams cita que em determinados anos a produção de armaduras de Bréscia superou a de Milão. Segundo documentos administrativos da cidade, em seu auge, entre 1388 a 1486, a cidade chegou a possuir mais de 160 ferreiros, sendo metade desse valor, voltado apenas para ao trabalho com armaduras. Exportando muito dessas para os outros Estados italianos e para outras nações.
Mapa atual da Lombardia. Durante os séculos XIV e XV, as províncias de Milão e Bréscia concentraram a maior produção de armaduras da península itálica e do sul da Europa. |
Chris Gravett (1985, p. 41-42) assinala que a adoção da couraça de ferro não foi exclusiva apenas dos cavaleiros, alguns membros da infantaria pesada, os quais lutavam usando espadas de duas mãos como a espada montante, ou usando alabardas, poderiam em alguns casos, fazer uso da couraça e outras partes que compunha a armadura de placas. De fato, ainda no século XVII, esse tipo de proteção peitoral ainda era utilizada pela cavalaria e alguns membros da infantaria.
Para Brian Price (2000, p. 349) o século XIV foi essencial para o estabelecimento do conceito de armadura de placas. Pois durante esse período, num espaço de tempo de 50 a 70 anos, os ferreiros desenvolveram técnicas e vários modelos para aperfeiçoar esse tipo de defesa. Ao mesmo tempo que isso serviu de teste também para ver o que deveria ser feito ou não. No caso, Claude Blair (1959, p. 73-74) comentava que nesse período desenvolveu-se as partes essenciais das armaduras de placas: o elmo que cobria todo o rosto (o qual possuía distintos modelos, alguns poucos funcionais), a couraça a qual foi aumentando de tamanho, deixando de cobrir apenas o peito, mas passando a cobrir todo o tórax; a aketon, um tipo de jaqueta usado sob a armadura, que passou a substituir o uso da cota de malha, por se mostrar mais leve e mais confortável. Pois a medida que as armaduras se tornaram mais resistentes e cobriam mais partes do corpo do guerreiro, não era mais necessário usar uma longa cota de malha por baixo, para fornecer defesa extra. Outra parte que compunha a armadura de placas, desenvolvida nesse período foi o jupon, o qual consistia numa túnica grossa e acolchoada, usada sob a couraça. As vezes, sob o jupon, colocava-se o aketon ou outra veste.
O século XV foi em essência, o século das armaduras de placas, apesar que essas ainda continuaram a ser utilizadas até o século XVII, mas elas passaram a perder espaço na guerra moderna devido as mudanças táticas e armamentísticas surgidas no século XVI, o que revelou ser inviável manter cavaleiros trajando armaduras pesadas, as quais necessariamente não protegiam mais das balas de mosquetes e arcabuzes. De qualquer forma, antes de isso ocorrer, vejamos como foi esse período áureo para as armaduras de placas, que penosamente esteve ligado com o aumento de guerras na Europa.
Como comentado anteriormente, os dois polos de produção de armaduras no século XV, continuaram a ser Itália e Alemanha. No caso da Itália, Milão e Bréscia ainda se mantiveram no século XV como principais produtores de armaduras não apenas da Itália, mas do continente europeu. Na década de 1420 a armadura de placas como normalmente conhecemos já estava pronta. A armadura era formada agora por uma proteção que envolvia quase totalmente o corpo do guerreiro. A couraça já cobria o tronco por inteiro; proteção para o braço, ombreiras, pescoço, quadril e as pernas foram desenvolvidas. Os cavaleiros passavam a ser definitivamente "homens enlatados". (BLAIR, 1959, p. 80).
Gravura representando um cavaleiro da década de 1420, trajando armadura de placas. No caso do modelo dele, ainda se notava o uso de cota de malha. O mesmo também estava armado com um bico de corvo. |
Todavia, Nicolle (1983) comenta se no século XIV as grandes batalhas em território italiano dava-se por conflitos entre condes, duques e príncipes de províncias ou Estados vizinhos, no século XV surgiram os exércitos estatais em Milão, Roma, Veneza, Gênova, Nápoles, Florença, etc. os quais passaram a combater com o apoio dos espanhóis, franceses, suíços, alemães e gregos, ou contra eles. Na segunda metade do século XV, campanhas espanholas e francesas para dominar a Itália, ocorreram, fazendo necessário a manutenção de exércitos fixos, treinados e bem equipados. E quanto mais rico o senhor, não eram apenas os cavaleiros que passavam a usar armaduras de placas, a infantaria armada com lanças, alabardas, martelos de guerra e espadas, também recebiam. E em alguns casos os balesteiros também poderia fazer uso de uma couraça.
Curiosamente é preciso sublinhar que a Itália durante esse período de longas guerras pelo poder e invasões de outros países, coincide com o desenvolvimento do Renascimento (XIV-XVI), o período áureo das artes e algumas ciências. Isso é um tanto irônico que a Itália vivenciou uma de suas fases mais violentas, ainda assim, marcadas pelo esplendor artístico e desenvolvimento do conhecimento. De qualquer forma, alguns desses artistas acabaram usando seus talentos voltados para a guerra, como o próprio Leonardo da Vinci (1452-1519), realizou projetos associados com engenharia militar, fosse na criação de projetos de fortificações, armas e veículos de combate.
Por mais que a Itália vivenciasse esse período de guerras, nem sempre o efetivo militar era suficiente, e isso levou a criação de grupos profissionais de mercenários treinados, os quais eram liderados por chefes, os condottieri. O condottiero era um mercenário profissional que dispunha de uma milícia. A palavra condottiero advém da palavra condotta (contrato), segundo destacado por David Murphy (2007, p. 8). O autor também sublinha que possivelmente o primeiro condottiero da história tenha sido Roger di Flor, que por volta do ano de 1302, ele e sua companhia prestaram serviço ao imperador bizantino Andronicus II. A ação de di Flor foi seguida por outros homens, e assim aos poucos foram surgindo pequenas companhias de condottieri. A partir da segunda metade do século XIV as companhias dos condottieri se popularizaram e se tornaram forças militares mercenárias importantes, inclusive determinando em alguns casos, a vitória em batalha. No século XV, algumas companhias eram tão famosas, ricas e numerosas, que seus homens dispunham de excelentes equipamentos.
Deixando a Itália e subindo para a França, nesse período França e Inglaterra viviam a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), intenso conflito que durou na verdade 116 anos, mas no século XV, vivenciou algumas batalhas bem sangrentas. Christopher Gravett (2001) destaca que o desenvolvimento de arcos e balistas mais potentes, somados a flechas e virotes mais perfurantes, levou os exércitos inglês e francês a adotarem armaduras mais duras. Inclusive os franceses compraram muitas armaduras dos italianos para esse fim, já que as forças inglesas eram conhecidas por suas companhias de arqueiros armados com arcos longos, e em alguns casos, com balistas. De fato, a fama dos arqueiros ingleses remontava há séculos e foi sendo aprimorada.
Batalha de Angicourt (1415), representada em gravura do século XV. Nota-se os cavaleiros trajando armaduras de placas. Alguns usam o elmo de face aberta. |
Do mesmo modo que o exército inglês se dividia em alas com infantaria, artilharia e cavalaria, o exército francês fez o mesmo. Passando a adotar o arco longo e a balista, e até mesmo táticas inglesas de combate. Inclusive David Nicolle (2000) salienta que nos últimos anos da Guerra dos Cem Anos, houve algumas batalhas, nas quais os artilheiros já fizeram uso de armas de fogo; equipamento ainda recente no continente europeu.
Entretanto, diferente das batalhas na Itália e na Alemanha, as armaduras de placas no caso francês e inglês estiveram mais reservadas aos cavaleiros, ainda assim, nem todo cavaleiro faziam uso delas. Alguns ainda trajavam cotas de malhas e uma couraça. Gravett (2001, p. 48) assinala que os cavaleiros ingleses e franceses da década de 1420, já faziam uso de luvas de ferro, de elmos tipo bascinet, e de aventail (elmo mais cota de malha para proteger o pescoço). O autor também sublinha que até mais ou menos 1450, já próximo do término da guerra, os ingleses faziam muito uso de modelos italianos de armadura.
A partir da década de 1450, passou-se a usar mais modelos de origem inglesa e até germânica. Gravett (2001, p. 49) também destacou que no século XV, durante a Guerra dos Cem Anos, viu-se a ampliação de armas brancas como maças, martelos de guerra, bico de corvo e alabarda; armas que permitiam perfurar ou esmagar a armadura. No caso das armas que esmagavam, a ideia era fraturar ossos, levando a hemorragia interna, ou incapacitar o cavaleiro, tornando-o vulnerável a ser atacado com punhais ou espadas nos pontos fracos. Algo que comentarei em outro momento.
Deixando a França e seguindo mais ao norte, adentrando os Estados germânicos do Sacro Império Romano-Germânico, a presença de armaduras de placas também foi recorrente em várias batalhas importantes. Christopher Gravett (1985) assinalou que os Estados alemães vivenciaram conflitos tão intensos ou até mesmo, mais agravantes do que os vistos entre os Estados italianos. Apesar de o Sacro Império Romano-Germânico possuir nominalmente um imperador desde o século X, nunca significou que o império estivesse plenamente sob controle do monarca. Em vários momentos, algumas das províncias se rebelavam contra a autoridade imperial, ou simplesmente por intrigas políticas, econômicas, familiares ou pessoais, declaravam guerra a província vizinha. Sendo assim, os Estados germânicos que por alguns séculos englobaram a Holanda, Áustria, sul da Dinamarca, parte da Polônia e da Suíça, se viram em vários conflitos.
Gravura do século XV, de uma batalha entre os hussitas e católicos, durante as Guerras Hussitas (1419-1434). Na imagem nota-se cavaleiros de ambos os lados, trajando armaduras de placas. |
No caso, Blair (1959, p. 92-93) comentou que as principais regiões produtoras de armaduras na Alemanha do século XV, eram Innsbruck, Nuremberg e Augsburg, províncias conhecidas pelo comércio e a produção manufatureira. Ele salienta que foi por volta da década de 1450 que se desenvolveu o modelo chamado de "armadura gótica", em referência aos Godos, um povo germânico. No caso, a armadura gótica foi bastante popular entre 1460 e 1500. O exemplar feito para Maximiliano I (1459-1519), o qual foi Rei da Germânia, Arquiduque da Áustria e depois Imperador do Sacro Império, é um dos modelos de armadura gótica mais conhecida, destacando-se os detalhes de incrustação, o elmo com proteção para a nuca, a proteção para o pescoço, e a escarpe (sabaton) com bicos exageradamente pontudos, os quais poderiam ser usados para causar dano, enquanto o monarca estivesse cavalgando e chutasse seus atacantes. Outros modelos similares foram encontrados.
Réplica da armadura gótica do imperador Maximiliano I. A armadura teria sido feita para ele durante a década de 1480. |
O século XVI foi um divisor de águas para a História. As armas de fogo já estavam se espalhando pela Europa a pelo menos cinco décadas. Portugal havia iniciado as Grandes Navegações há vários anos. Cristóvão Colombo chegou as Américas em 1492, o Tratado de Tordesilhas (1494), dividindo as terras descobertas por Colombo, entre Portugal e Espanha, foi acordado; Vasco da Gama descobriu o Caminho para às Índias (1497-1499). O Império Otomano se expandia pelos Bálcãs, a colonização europeia nas Américas, África e Ásia se desenvolvia. O Renascimento italiano seguia para sua última fase. A Reforma Protestante se iniciava. As as prósperas civilizações Asteca e Inca nas Américas seriam destroçadas pelos espanhóis. E em meio a tudo isso, guerras ainda continuavam a ocorrer pela Europa, e cavaleiros ainda trajavam suas armaduras de aço.
Embora o século XVI marque parte do esplendor das armaduras de placas, também é o período que marcará sua decadência. As mudanças militares introduzidas com o uso de mosquetes, arcabuzes, minas, granadas, morteiros e canhões afetou o modo de se fazer guerra na Europa. É evidente que essas mudanças não ocorreram de vez ou atingiram todos os países ao mesmo tempo. No entanto, Estados mais belicosos, foram os que vivenciaram essas mudanças mais rapidamente, não apenas nas armas adotadas, mas da forma como organizar as companhias militares, o treinamento, as fortificações e o modo de fazer guerra.
As grandes batalhas campais em alguns lugares foi substituída por lutas de cerco, confrontos de emboscada, lutas em trincheiras, conflitos entre redutos ou fortificações. Os castelos robustos começaram a ser substituídos por fortes e fortalezas, mais baixos, sem torres altas, cercados por muralhas, baluartes, fossos e outras estruturas defensivas. As forças armadas desses países passaram a ser compostas de companhias de arqueiros e balesteiros, mas somadas a grupos de mosqueteiros, arcabuzeiros e canhoneiros. A infantaria munida de lanças, piques e espadas ainda se mantinha. A cavalaria leve e pesada ainda continuava, mas com o tempo a cavalaria pesada foi perdendo espaço para a cavalaria leve, por causa da mobilidade. Pois mesmo armaduras de aço não protegiam das balas. Mas isso não significou que foi do dia para o outro que o uso de armaduras de placas ocorreu. (EDGE; PADDOCK, 1991).
Claude Blair (1959, p. 113) comentou que os principais polos ferreiros de produção de armaduras na Europa, no século XVI, ainda se mantinham. Na Itália destacavam-se Milão e Bréscia. Na Alemanha Augsburg, Nuremberg e Innsbruck, na França, Lyon e Tours. No Império Espanhol, Bruxelas, Antuérpia, Flandres, Sevilha e Burgos. Na Inglaterra, continuava Londres. Blair (1959) também comentou que no XVI um novo estilo de armadura de placas se tornou popular, especialmente entre os muito ricos. Era a armadura de estilo negroli, que substituía o gosto da alta nobreza pelas armaduras góticas. A família Negroli formada pelo pai Gian Giacomo, e os filhos, Filippo, Giovan Batista e Francesco, se notabilizaram no século XVI, pela produção de armaduras requintadas e de alta qualidade.
Réplica de uma armadura negroli do século XVI. Nota-se que a ideia dessas armaduras estava mais no requinte da ornamentação, do que um uso prático para o combate. |
Phyrr e Godoy (1999) comentam que os Negroli e outras famílias ferreiras contemporâneas, como os Modrone de Mantua, tornaram-se não apenas ferreiros, mas artesãos e artistas. A metalurgia com eles resgatou uma arte deixada de lado há muito tempo. De fato, a arte metalúrgica em armaduras, elmos, escudos e espadas não é nova, na Antiguidade e no Medievo já existia, mas no século XVI, ela voltou a ficar em evidência. Os Negroli e Modrone não apenas forjavam armaduras de placas, mas outros tipos de armaduras, como também, forjavam elmos personalizados, escudos decorados, espadas, machados, couraças, etc. Suas obras eram mais voltadas para uma questão artística do que bélica, o que conota com o declínio do uso das armaduras de placas no campo de batalha e a tendência de se tornarem artigos de luxo. Inclusive, Phyrr e Godoy assinalam que influenciado pelos referenciais artísticos do Renascimento, algumas dessas armaduras buscavam resgatar a "aura heroica e lendária" dos mitos greco-romanos.
O imperador alemão Carlos V (Carlos I de Espanha), trajando sua armadura italiana. Pintura de Ticiano, 1548. |
Algumas características das armaduras de placas:
Ao longo dos mais de dois séculos nos quais essas armaduras foram usadas, surgiram vários modelos, alguns estranhos e outros extravagantes, mas essencialmente a funcionalidade era a mesma: proteger da melhor forma possível o homem que estivesse vestindo tal armadura. Pela condição de ter havido muitos estilos de armaduras, não cabe aqui citar todos, pois em alguns a mudança existente era mais um fator de estética do que funcionalidade. Assim procurei nessa parte do texto comentar de forma geral o desenvolvimento de algumas dessas armaduras,
Uma dúvida comum é quanto o peso dessar armaduras. Elas eram realmente tão pesadas ao ponto que o cavaleiro tinha dificuldade para andar? Alan Williams (2003, p. 55) aponta uns dados interessantes. A cota de malha (hauberk) que era usada por cavaleiros, soldados e arqueiros, consistindo em uma proteção relativamente fácil de ser feita e não muito cara, concedia proteção para golpes cortantes, e em alguns casos protegia de alguns tipos de flechas, mas poderia ser transpassadas por estocadas de espada e lanças, e por golpes de machado e martelo. Alguns virotes de balista também conseguiam penetrar a proteção da cota. Entretanto a cota de malha era uma proteção bem pesada. A depender da forma que foi fabricada e seu cumprimento, que variava ir desde a cintura até abaixo dos joelhos, possuindo manga curta ou longa, e podendo inclusive cobrir a cabeça como um capuz, o seu peso poderia variar de 10 a 20 kg. E somando o peso do restante do traje, com o elmo, escudo e a arma, o peso total poderia ser de 25 a 30 kg.
Entretanto, Williams comenta o caso de cotas de malha mais curtas, que pareceriam uma camisa, as quais pesariam menos de 10 kg. Porém, a grande atenção que ele quer evidenciar é que algumas couraças datadas do século XIV, encontradas em Pistoia, na Itália, pesavam entre 2,5 a 3 kg. Uma outra couraça datada também do XIV, encontrada na Alemanha, tinha o peso de 4 kg. Se somarmos a condição que antes de 1420 os cavaleiros ainda não usavam armaduras de placas desacompanhadas de cotas de malha, podemos fazer algumas somas básicas, baseadas no estudo de Williams. Sendo assim, se somarmos o peso de uma cota de malha curta, algo em torno de 8 a 9 kg, mais uma couraça que variava de 3 a 4 kg, mas as braçadeiras e caneleiras, as quais juntas poderiam pesar 3 kg, e por fim, um elmo que poderia pesar de 1,5 a 3 kg, temos um total de peso em armadura de 15 kg a 20 kg. O que significa que se comparado apenas a cota de malha longa (hauberk), o guerreiro estava ganhando uns cinco a dez quilos a menos, o que poderia fazer a diferença no campo de batalha.
Porém, essa diferença embora tenha sido explorada por alguns, os quais mantiveram o uso da cota de malha junto a couraça de ferro, mas como visto, isso não foi o suficiente. Optou-se em aumentar a quantidade de placas carregadas pelo cavaleiro, e isso embora possa ter fornecido proteção melhor, lhe custou a saúde. Mas quanto pesaria uma armadura de placas completa? Williams (2003) diz que o peso das armaduras variava de acordo com o material usado, se era ferro, ou aço de baixo carbono ou aço de alto carbono, a quantidade de peças que compunham a armadura no todo, as técnicas de forja, e as dimensões do usuário. Somando-se isso havia os modelos usados. Por exemplo, armaduras entre 1400 a 1450, ainda não cobriam plenamente o cavaleiro, deixando a parte de trás das pernas e dos braços desprotegidas. Posteriormente, já temos armaduras que cobriam esses pontos fracos. Sendo assim, o peso de uma armadura de placas variava de 25 kg a 40 kg.
Brian Price (2000) comenta que dependendo do modelo da armadura a quantidade de peças variava. E daí advém seu nome, armadura de placas. Price (2000) e Williams (2003) comentam que uma armadura de placas era em essência um conjunto de peças feitas de ferro ou aço. Durante os séculos XIV e XV foi mais comum usar o ferro na forja dessas placas. Porém, na segunda metade do século XV passou a se usar mais o aço, inicialmente de baixo carbono (mais maleável, menos duro, e mais barato), depois o de alto carbono (mais rígido, duro e caro). Mas independente de se usar ferro ou aço, a armadura era feita de placas desses metais, as quais seriam moldadas para tomar a forma desejada.
Anatomia de uma armadura de placas do século XV. |
Ilustração detalhada de uma armadura italiana de 1450, completa e algumas das várias peças pela qual era composta. Ilustração de Graham Turner para o livro English Medieval Knight: 1400-1500 (2001). |
Outra informação importante é o fato que uma pessoa sozinha teria dificuldade de vestir uma armadura dessa. Diferente do que se ver em filmes e desenhos, onde guerreiros vestem sozinhos suas armaduras, não era bem assim que a coisa funcionava. O cavaleiro até poderia colocar algumas das peças da armadura por conta própria, mas outras, que se necessitava prender as presilhas na parte de trás das costas, ou na parte de trás dos braços e pernas, era tarefa difícil. Assim, era comum eles terem escudeiros ou pajens para auxiliar na vestidura e no despir das armaduras. Mesmo uma simples cota de malha poderia ser difícil de remover, ainda mais, após uma batalha, onde o corpo estava cansado e talvez ferido.
Vimos que o peso das armaduras de placas poderia variar dos 25 aos 40 kg, algumas até passariam de isso, em casos menos usuais. Porém, os estudiosos consultados para esse estudo, apontam que em geral o peso dessas armaduras girou em torno dos 25 a 30 kg. Se pensarmos que um homem adulto em média possui seus 70 a 80 kg, logo, ele pesaria cem ou mais quilos. Sendo assim, para fatores de massa x velocidade, levar um golpe de um cavaleiro de armadura
Apesar de parecer um peso bem exagerado, o que dificultaria a mobilidade dos cavaleiros, a realidade não era bem assim. Os cavaleiros de fato tinham sua agilidade reduzida pelo peso extra, mas isso não significa que eles não pudessem se movimentar de forma adequada. Se as armaduras não fossem práticas, elas teriam sido abandonadas, mas a realidade foi que por mais de 200 anos elas foram utilizadas. Sendo assim, elas não eram tão ruim assim.
A mobilidade com uma armadura de placa dependia de alguns fatores: a) treinamento militar, b) condição física, c) saúde física e mental durante o conflito, d) modelo de armadura, e) qualidade da armadura. Esses são fatores a serem cogitados. Um homem que não tivesse um treinamento militar para combater usando esse tipo de armadura, era um alvo fácil. Sem condição física para aguentar o peso extra, ele em poucos minutos estaria cansado, o que não era viável para uma batalha que poderia durar uma hora ou mais. Se a saúde física ou mental dele estivesse abalada no dia da batalha, isso comprometeria seu desempenho na luta. Algumas armaduras eram mais rígidas, afetando a movimentação das pernas e braços. Armaduras enferrujadas ou danificadas, poderiam atrapalhar na movimentação e não concederiam defesa adequada.
Página de um manual de combate datada de aproximadamente 1500. Na página em questão, ensina-se duas técnicas de luta. |
Não obstante, a possibilidade dos cavaleiros usando essas armaduras, conseguirem correr, pular, escalar, cair e levantar, já desmente a ideia de que eles tivessem a mobilidade enrijecida e só conseguissem lutar montados em cavalos. Um estudo francês realizado em 2011, mostrou dois voluntários usando armaduras do século XV, e executando alguns movimentos de ataque e outros movimentos de locomoção. Assista o vídeo abaixo:
Nesse vídeo produzido para o Museu Nacional na França, vemos que os dois voluntários trajando armaduras de placas, conseguem cair e levantar, subir e descer uma escada, rolar no chão, fazer polichinelo, e sobretudo, lutar. As técnicas de combate eram algo importante tanto quanto o condicionamento físico. Pois embora você fosse forte e conseguisse aguentar o peso da armadura, se você não soubesse como enfrentar um adversário usando uma armadura igual a sua, isso era um problema.
Diferente do que se ver em filmes, desenhos e videogames, onde temos cavaleiros trajando armaduras de placas e disferem espadadas que cortam o aço, na realidade não era isso que ocorria. As espadas não penetravam as placas de ferro e nem de aço. Mesmo, alguns machados e lanças não conseguiam perfurar as placas. Martelos e maças causavam dando de impacto, não de corte, sendo a intenção dessas armas esmagar ossos. Por outro lado, alguns tipos de armas como o bico de corvo, o martelo com ponta e a alabarda poderiam perfurar as armaduras. Mas eram armas difíceis de usar, principalmente a alabarda pelo peso.
Bicos de corvo, armas desenvolvidas no século XIV para serem usadas contra cavaleiros ou guerreiros usando armaduras de placas. A arma era três em um, pois permitia cortar, estocar e bater. |
Ilustração imaginando como teria sido a Batalha de Wickerfiled, ocorrida em 31 de dezembro de 1460. Ilustração de Graham Turner para o livro English Medieval Knight: 1400-1500 (2001). |
Num texto sobre armaduras e cavaleiros, não poderia ficar de fora os cavalos, os quais completam o trio icônico do medievo e começo da modernidade. O uso de armaduras para cavalos não foi uma invenção do final do medievo, outros tipos de armaduras feitas de couro, tecidos, cota de malha e de escamas já haviam sido utilizadas na Europa e na Ásia, desde a Antiguidade. Mas a novidade no medievo europeu foi a adoção de armaduras de placas também para cavalos. Inicialmente feitas de ferro e depois feitas de aço. As armaduras para cavalos seguia a mesma forma de produção do que as armaduras para humanos; eram placas de metal, as quais eram cortadas e moldadas para assumir determinadas forças nas quais cobririam partes do corpo do animal. No caso dos cavalos, as armaduras não lhe cobriam o corpo todo, as pernas ficavam livres para não atrapalhar a locomoção.
Anatomia de uma armadura equina do século XV. |
Edge e Paddon (1991) assinalam que as armaduras equinas surgiram principalmente pela condição de que os cavalos eram alvos mais fáceis do que os cavaleiros. Sendo assim, optava-se em ferir ou matar o cavalo, fazendo-o derrubar o cavaleiro, o qual estando caído, estava vulnerável para ser atacado e morto. Assim passou entre os séculos XIV e XVI usar-se armaduras em cavalos para assegurar sua proteção, a fim que o animal não fosse ferido num ataque e isso não compromete-se o cavaleiro. Todavia é preciso salientar que nem todo cavalo fazia uso dessas armaduras, as quais eram caras e pesadas. Em pinturas medievais e modernas vemos cavaleiros com armaduras de placas, mas seus cavalos não apresentavam tais armaduras, e em alguns casos, usavam apenas um peitoral, para proteger um dos locais mais vulneráveis.
Cavaleiros e cavalos trajando armaduras de placas do final do século XV. |
Ewart Oakeshott (2000, p. 197-198) comenta que no século XVI até mais ou menos 1550, o uso de armaduras de placas ainda continuava para fins de combate e era um comércio bem rentável. Apesar que nesse período tenha se desenvolvido as "armaduras artísticas" ou "arte em armadura", o que revela um apreço mais estético e ornamental a esse tipo de traje de combate. No entanto, ele comenta que após 1550, o uso dessas armaduras para fins militares praticamente foi decaindo com a adoção de novas formas de se fazer guerra. Com exceção de monarcas, príncipes, duques, condes ou algum nobre muito rico, que vez ou outra fazia uso dessas armaduras para ir ao campo de batalha, os seus exércitos já não contavam tanto com cavaleiros e soldados trajados dessa forma. Em alguns casos, os cavaleiros e soldados usavam versões mais simples de armaduras de placas, ou apenas a couraça ou peitoral, junto com braçadeiras, tornozeleiras e o elmo.
Edge e Paddock (1991) apontam que o uso de armaduras de placas ainda se manteve no século XVII, como comentado por Blair (1959), porém, não tendo sido um uso propriamente no campo de batalha, mas para torneios, pois os torneios de justas continuaram até o XVII, quando entraram em declínio e foram abandonados. Por outro lado, a compra de armaduras requintadas ainda permaneceu entre a nobreza, fosse para fatores de nobres se exibirem em pinturas, ou para ornamentar seus castelos e palácios.
Embora as armaduras requeressem um grande esforço físico dos cavaleiros, um treinamento de qualidade, como também foram equipamentos caros, isso não as tornou inviáveis, pois entre os séculos XIV ao XVI as armaduras de placas foram usadas nos campos de batalha da Europa. Seu legado durou mais de duzentos anos, assim como, também permitiu o desenvolvimento de técnicas de combate, técnicas de forja, um comércio lucrativo, o crescimento de cidades, a expansão da arte em metalurgia. E após seu declínio como equipamento militar, elas continuaram como artigos de luxo, e ainda hoje nos encantam, quando visitamos museus, castelos ou palácios que contém esses trajes de ferro ou aço.
NOTA 1: Alguns elmos do século XIV possuíam uma espécie de "bico", pois acreditava-se que caso o cavaleiro fosse golpeado no rosto, o "bico" ajudaria a amortecer o impacto. Esteticamente tais elmos eram estranhos, e foram abandonados posteriormente. Mas a ideia do elmo manter um espaço do rosto, não apenas servia para sua proteção, mas também para permitir circular o ar.
NOTA 2: As armaduras negroli e modrone baseavam-se em referências greco-romanos, inclusive com direito a recriar armaduras usadas pelos antigos romanos e gregos. Os motivos de ornamentação de algumas peças também advinham da mitologia grega, como escudos com a cabeça da medusa, elmos com sereias, cabeça de dragão, leão, lobo, etc. Elmos representando os cabelos e barba de estátuas gregas.
NOTA 3: Além de armaduras para cavalos, cães de guerra também receberam armaduras, embora tenha sido algo menos usual.
NOTA 4: Algumas armaduras para cavalos, exibiam chifres ou um chifre de unicórnio. Os atributos eram mais estéticos do que funcionais.
NOTA 5: Muitas armaduras não possuíam proteção para a genitália. Logo, fazia-se uso de cota de malha e calças. Porém, para contornar esse problema, algumas armaduras faziam uso de saiotes ou de uma calça com proteção peniana, algo bem estranho. O rei Henrique VIII da Inglaterra possui algumas armaduras com essa proteção peniana.
NOTA 6: Em alguns filmes, desenhos e jogos de videogame nota-se armaduras femininas que possuem seios moldados no peitoral. Historicamente isso nunca existiu. Primeiro que as mulheres não iam a guerra com frequência, e quando faziam, elas usavam equipamento que era feito para os homens. Joana d'Arc que é um caso de uma mulher que foi para batalhas, vestia-se com uma armadura típica da época.
Referências bibliográficas:
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