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Leandro Vilar

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Os Budas de Bamiyan e a intolerância religiosa

No ano de 2001 quando o grupo terrorista do Talibã tomou o poder no Afeganistão, uma das ordens violentas declaradas foi extirpar o país de símbolos religiosos que não pertencessem a fé islâmica. Assim, seus membros saíram atrás de estátuas, relicários, templos, mosaicos, objetos etc. de outras religiões para serem destruídos. Um dos casos que repercutiu mundialmente foi a destruição das estátuas gigantes dos Budas de Bamiyan. 

Bamiyan consiste numa localidade atualmente no Afeganistão, situada a 240 km ao sul de Cabul, capital do país. No passado ela compreendeu parte de diferentes territórios como o Reino da Báctria, o Império Persa, o Império de Alexandre, o Grande. Bamiyan fica próximo a Rota da Seda, o que favoreceu para intensificar os contatos comerciais, mas culturais, já que por séculos essa rota foi frequentada por caravanas e viajantes de diferentes países. 

Monges budistas de origem indiana se estabeleceram em Bamiyan por volta o século II d.C., indo viver em cavernas como eremitas. Possívelmente era pretensão deles fundar algum mosteiro na região, embora a Pérsia daquele tempo contasse com religiões como o Masdeísmo, o Zoroastrismo, o Maniqueísmo e até a presença de judeus também. O Cristianismo somente chegaria mais tarde. 

Assim, a comunidade budista que se estabeleceu em Bamiyan, acabou prosperando, fundando mosteiros e reunindo centenas de monges. Os quais começaram a esculpir enormes estátuas de Buda nas encostas dos morros de arenito entre os séculos VI e VII. Tais estátuas se tornaram um marco da paisagem por mais de mil anos. 

A maior das estátuas media 55 metros de altura, chamada de "Buda do Oeste" já a segunda maior estátua possuía 38 metros, sendo nomeada de "Buda do Leste". Ambas apresentavam Budas de pé, dentro de alcovas. Outras estátuas menores também foram produzidas, assim como, murais com pinturas retratando a vida de Buda, outros bodishavtas e até divindades hindus. Segundo relatos de viajantes, as estátuas originalmente eram pintadas e até conteriam joias de verdade com brincos e colares. Com o tempo as joias foram subtraídas e a pigmentação se desfez. 

Os Budas de Bamiyan em pintura de 1885. As faces deles já estavam danificadas naquele tempo.

Por sua vez, com a difusão do Islão a partir da segunda metade do século VIII, o Budismo no Afeganistão (na época domínio persa) começou a entrar em declínio. Mais tarde os mosteiros foram fechados e abandonados. As estátuas acabaram permanecendo como lembranças de uma comunidade budista em território persa ao longo de séculos.

No limiar do século XXI as estátuas dos Budas de Bamiyan já estavam deterioradas há bastante tempo, mas seguiam de pé. Seus rostos inclusive em algum momento foram quebrados como parte da intolerância religiosa de habitantes ou viajantes. Segundo os preceitos islâmicos, figuras sagradas não devem ter os rostos retratados. Assim, baseando-se nesse princípio de sua fé, algumas pessoas foram até aquelas estátuas gigantes e quebraram suas faces. 

Apesar das estátuas terem ficado desfiguradas o pior ocorreu em 2001 na época do governo do grupo fundamentalista religioso do Talibã. Surgido em 1994 como uma milícia radical de fundamentalismo religioso e nacionalismo fanático, os talibãs pretendiam levar o Paquistão e depois o Afeganistão a retornar aos eixos, alegando que a influência das culturas ocidentais cristianizadas macularam os princípios islâmicos. Na prática os talibãs defendem um Islão baseado numa perspectiva ultraconservadora e fanática, assim, essa milícia começou a crescer rapidamente e em 1996 eles operaram um golpe de estado no Afeganistão, tomando o poder até 2001. 

Os talibãs passaram a serem vistos mundialmente como terroristas, embora tenham ganho adesão de muitos homens do Paquistão, Afeganistão e de países muçulmanos vizinhos, os quais aderiram ao discurso fanático deles. Assim, em 2001 alguns talibãs explodiram as estátuas dos Budas gigantes de Bamiyan, sob alegação de serem "ídolos pagãos", o que representava não apenas uma religião alheia ao Afeganistão, mas uma afronta a Alá como deus único. Para os talibãs, os Budas seriam representações de deuses e falsos profetas, logo, deveriam ser destruídos. Embora essas estátuas não foram as únicas a sofrerem a intolerância religiosa do governo radical do Talibã, outras representações religiosas mesmo de origem persa, também foram danificadas ou destruídas.

Os Budas de Bamiyan antes de serem destruídos pelo Talibã em 2001. 

No entanto, ainda em 2001, os Estados Unidos com o governo de George W. Bush iniciou a invasão do Afeganistão para caçar os terroristas da Al-Qaeda que se refugiaram no país, especialmente Osama Bin Laden, um os mentores do atentado terrorista contra o World Trade Center, ocorrido em 11 de setembro naquele ano, em Nova York. Consequentemente na caça aos membros da Al-Qaeda, o governo americano também objetivou expurgar o Talibã do controle do país, algo que conseguiram manter por duas décadas, já que eles retornaram ao poder em 2021. 

No ano de 2003 a UNESCO registrou o Vale de Bamiyan como parte do patrimônio histórico da humanidade na tentativa de protegê-lo, no entanto, o sítio segue sob ameaça. Inclusive ao retornarem ao poder, o Talibã, realizou novos atos de intolerância religiosa ao destruir estátuas, murais, pinturas, objetos sacros e até ruínas de templos persas. Mostrando que antigas práticas ainda continuavam, infelizmente. Assim, fica perceptível que embora intolerância religiosa seja um crime em muitos países, no entanto, em alguns onde as leis não funcionam e governos ditatoriais e fanáticos imperam, atos de intolerância, ódio, preconceitos diversos se tornam comuns e seguem impunes. 

Duas mulheres diante de uma das alcovas vazias dos Budas de Bamiyan, em 2012. 

Referência bibliográfica: 

BRAJ BASI LAL; SENGUPTA, R. A Report on the Preservation of Buddhist Monuments at Bamiyan in Afghanistan. Islamic Wonders Bureaum, 2008. 

2 comentários:

carlos disse...

Ao ler esse artigo, denoto que, há uma semelhança com o Neo-pentecostalimo, influente no Brasil. Cito, apenas dois exemplos de tal influência, negativa a meu ver, que se dá através da destruição de casas de terreiros, de das religiões de matriz africanas. E pela "adesão a religião por grupos de criminosos e de policiais, que, " em mome de jesus", usurpam de certa forma a fé como detentores da verdade e da unicidade religiosa cristã.

Leandro Vilar disse...

Carlos, infelizmente a semelhança existe. Realmente temos grupos neopentecostais fanáticos que cometem tais atos de intolerância religiosa. O caso dos terreiros é o mais recorrente, mas temos situações também de depredação de imagens de santos, pichações em igrejas, sinagogas e casas espíritas.