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Leandro Vilar

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Tutancâmon e a maldição da múmia

Quando falamos em maldição da múmia, muitos irão remeter-se a diversos filmes de terror com este título, todavia a história de uma suposta maldição da múmia ou maldição do faraó, foi real. Ela ocorreu na década de 1920 no Egito, afetando supostamente dezenas de pessoas envolvidas nas escavações da tumba do faraó Tutancâmon. Meses e anos após a tumba ser descoberta, algumas pessoas que visitaram o local, começaram a morrer, então espalhou-se o boato de que uma antiga maldição havia sido despertada e aqueles que profanaram o descanso do corpo do faraó, agora pagariam com as próprias vidas. Neste texto veremos alguns aspectos dessa história e a verdade por trás de uma suposta maldição milenar. 

A máscara mortuária de ouro de Tutancâmon, uma das peças mais valiosas e conhecidas de seu tesouro. 

Introdução:

Não se sabe ao certo quando teria começado a história sobre uma maldição do faraó ou uma maldição da múmia, no entanto, essa lenda ficou bastante em evidência principalmente no século XX, após a descoberta da tumba de Tutancâmon. Mas antes de prosseguirmos para a história da descoberta de sua tumba e comentar acerca da suposta maldição, se faz necessário situar o leitor quanto a pessoa do faraó Tutancâmon. 

Inicialmente chamado de Tutancaton ("o que ama a imagem de Aton") foi o décimo segundo faraó da XVIII Dinastia (c. 1580-1085 a.C), sendo filho do faraó Aquenaton e de Kiya, uma das esposas secundárias. Aquenaton anteriormente chamado de Amenófis IV ou Amenhotep IV, assumiu o trono por volta de 1353 ou 1350 a.C, tendo como rainha (ou Grande Esposa Real) Nefertiti. Uma das principais características de seu governo foi a criação de uma nova capital real chamada Aquetaton, e a instituição do culto a Aton, como religião oficial do Estado egípcio. Amenhotep IV herdou o interesse ao culto a Aton de seu pai, o faraó Amenhotep III (SINGER, 2003). Antes de Aquenaton, o culto a Aton pelo que parece não possuía muitos adeptos ou tivesse grande influência na corte, como era o caso do culto a Amon, deus tutelar de Tebas, então capital do Egito. No entanto, foi com Aquenaton que o culto a Aton atingiu seu auge. 

Aquenaton e Nefertiti. Ao centro uma imagem com inscrições, mostrando o faraó e a rainha com três de suas filhas, sendo iluminados pelos raios solares de Aton. Os bustos nos lados, são também exemplos da arte armaniana, estilo artístico desenvolvido durante o reinado de Aquenaton.

"No sexto ano de reinado, ele e sua família, juntamente com um grande séquito de funcionários, sacerdotes, soldados e artesãos, mudaramse para a nova residência, que chamou de Aquetaton (AkhetAton), (“Horizonte de Aton”), onde morou até sua morte, quatorze anos mais tarde. Mudou seu nome para Aquenaton (AkhenAton) ou “O que esta a serviço de Aton”, e concedeu a rainha o nome real de NeferNeferuAton, que significa “A beleza das belezas e Aton”". (BAKR, 2010, p. 60). 

A nova capital Aquetaton foi construída em Amarna, que na época era uma região bem mais agradável de se morar, inclusive relativamente verdejante e com maior incidência de chuvas regulares, algo bem diferente do deserto que é hoje em dia. Todavia, a tentativa de Aquenaton de tornar o culto a Aton na religião oficial do Estado, e expandi-lo por todo o reino, acabou falhando. O faraó encontrou resistência dentro da corte, no clero (principalmente o clero de Amon) e no restante da população. 

"Além de proclamar Aton o único deus verdadeiro, Aquenaton injuriou as divindades mais antigas. Ordenou que o nome de Amon, em particular, fosse suprimido de todas as inscrições, até mesmo dos nomes próprios, como o de seu pai. Além disso, decretou a dissolução do clero e a dispersão dos bens dos templos. Foi com essa medida que Aquenaton provocou a mais violenta oposição, pois os templos eram sustentados por subvenções concedidas pelo governo em troca de bênçãos solenes aos empreendimentos estatais. Enquanto os tumultos se alastravam a sua volta, Aquenaton vivia na capital adorando seu deus único. Era a veneração do poder criador do Sol sob o nome de Aton". (BAKR, 2010, p. 60). 

A ideia de tentar promover um "monoteísmo" era algo inimaginável pelos egípcios antigos e suas crenças politeístas. De qualquer forma isso acabou não vingando. Após cerca de 20 anos de reinado, com a morte de Aquenaton, o culto a Aton voltou a ser um culto simples, perdendo a ideia de ser uma religião estatal. 

Após a morte de Aquenaton o trono foi assumido por um misterioso homem conhecido como Semenhkare, o qual segundo algumas teorias, teria sido genro de Aquenaton, tendo se casado com a princesa Meritaton (a filha mais velha de Aquenaton). Todavia, pouco se conhece sobre Semenhkare, o qual governou por cerca de 3 anos. Após a sua morte por volta de 1336 ou 1333 a.C, Tutancaton, na época renomeado para Tutancâmon ("o que ama a imagem de Amon"), foi coroado faraó aos oito anos de idade. No ano seguinte ele se mudou para Tebas, e Aquetaton começou a ser abandonada. Aos nove anos Tutancâmon casou-se com uma de suas meias-irmãs, a princesa Ankhsenamon ("ela vive para Amon"). (VILAR, 2014). 

Tutancâmon e Ankhsenamon tiveram pelo menos duas filhas, mas ambas morreram prematuramente. Tutancâmon faleceu por volta de 1326 ou 1323 a.C, com cerca de 18 ou 19 anos. As causas da morte não são conclusivas, mas hoje alguns estudiosos do assunto, apontam que o faraó sofreu um grave ferimento em uma das pernas, e o ferimento pode ter infeccionado e o levado a morte. Outra hipótese sugere que ele morreu devido a uma queda, a qual não apenas feriu sua perna, mas teria causado hemorragia interna. Uma terceira linha de investigação sugere que ele teria sido assassinado. De qualquer forma, Tutancâmon governou por 9 anos. Após sua morte, sua esposa casou-se com o vizir Ay, o qual havia servido Aquenaton e Tutancâmon, e agora tornava-se faraó. 

Mural representando o faraó Tutancâmon e sua esposa a rainha Ankhsenamon, sendo iluminados pelos raios de Aton. Nota-se nessa imagem, que os motivos artísticos religiosos associados ao culto de Aton, ainda se faziam presentes, embora que ambos tivessem se afastado da crença pregada por seu pai. Museu do Cairo, Egito. 

Ainda hoje pouco se sabe sobre o governo de Tutancâmon. Sua fama não se deve ao seu reinado, feitos ou personalidade, pois isso é praticamente desconhecido, pois após a sua morte o clero de Amon, e faraós como Horemheb, Ramsés I, Seti I entre outros tentaram apagar da história egípcia a memória de Aquenaton e seu filho (e eles quase conseguiram). Sendo assim, a fama do faraó-menino advém da descoberta de sua tumba.

A descoberta da tumba de Tutancâmon: 

Ainda na Antiguidade as pirâmides e tumbas reais foram saqueadas várias vezes, daí que quando os arqueólogos europeus começaram nos séculos XVIII e XIX a visitar o Egito, a fim de estudá-lo, se decepcionaram ao ver que os tesouros e até mesmo as múmias dos faraós haviam sumido das pirâmides e das tumbas. Todavia, os ladrões não obtiveram êxito completo; tesouros e múmias eventualmente foram descobertos com o tempo. 

No caso de Tutancâmon, em seu tempo, os faraós já não construíam mais pirâmides, pois eram obras muito caras e demoradas, neste caso, eles construíam tumbas e o local escolhido pela XVIII Dinastia foi o Vale dos Reis, situado próximo a Tebas (Uaset em egípcio antigo), então capital da época. 

"O Vale dos Reis, que os árabes chamam de Biban el-Moluk, "As portas dos reis", com evidente alusão às entradas das numerosas tumbas que já na antiguidade eram escavadas na montanha tebana, pé formado por uma profunda abertura na rocha calcária". (SILIOTTI, 2006, P. 184). 

Atualmente no Vale dos Reis são conhecidas mais de 60 tumbas, embora haja também tumbas de outros membros da nobreza, além de tumbas incompletas ou que foram escavadas, mas acabaram não sendo usadas. A escolha do vale tebano, antigamente chamado pelos egípcios de Ta sekhet-âat ("a grande pradaria"), não é exata, embora alguns egiptólogos sugiram que a Colina Tebana, a qual lembra uma forma piramidal, possa ter sido usada em alusão para a escolha daquele local, pois as pirâmides simbolizavam uma espécie de "escada" pela qual a alma do faraó subiria aos céus. Todavia, sabe-se que as primeiras tumbas escavadas no vale datam do XVIII Dinastia. O faraó Tutmés I (c. 1504-1492 a.C) pelo que foi descoberto, teria sido o primeiro faraó a ser sepultado no Vale dos Reis. 

Howard Carter
A tumba de Tutancâmon não é uma das maiores e nem uma das mais adornadas com pinturas, mas é famosa por ter mantido o tesouro quase que intacto, quando foi descoberta pelo arqueólogo e egiptólogo britânico Howard Carter (1874-1939). Embora Carter seja principalmente lembrado na história por ter descoberto a tumba de Tutancâmon, antes disso acontecer, ele já vinha trabalhando há vários anos no Egito. Em 1891, com a idade de 17 anos, ele começou a trabalhar com o egiptólogo Percy Newberry, atuando como artista, realizando ilustrações sobre as paisagens e monumentos egípcios. Nessa época, Carter não possuía nenhuma formação acadêmica ou conhecimento de egiptologia e de arqueologia. Foi a partir desse contato inicial que Carter se interessou cada vez mais pela egiptologia, então acabou viajando ao Egito e se filiou ao Egyptian Exploration Found, passando a cooperar nas pesquisas arqueológicas. Tornou-se ajudante do renomado arqueólogo Flinders Petrie, o qual o enviou para trabalhar no túmulo de Deir el-Bahari ("o mosteiro do norte"), onde se encontram os templos dos faraós Menthuhotep (XI Dinastia), de Tutmés IIIHatshepsut (ambos da XVIII Dinastia). 

De qualquer forma, Carter passou oito anos trabalhando nas inscrições e gravuras de Deir el-Bahari, além de exercer outras atividades. Em 1899 o diretor do Service des Antiquités Égyptiennes, Gaston Maspero tendo apreciado o trabalho de Carter, o nomeou para o cargo de inspetor de monumentos do Alto Egito, com sede em Tebas. Carter exerceu o importante cargo até 1904, quando após desentendimentos com Maspero, pediu demissão. (SELIOTTI, 2006, p. 92-94). 

Em 1907, o arqueólogo amador Theodore Monroe Davis (1837-1915), o qual era um rico advogado e bastante interessado na história egípcia, patrocinou várias expedições próprias ao Egito entre 1889 e 1912, descobrindo a tumba do faraó Horemheb (c. 1319-1307), último faraó da XVIII Dinastia, e antigo general de Tutancâmon. Dentro da tumba do faraó, foram encontrados menções a Tutancâmon, inclusive uma tumba vizinha também achada por Davis, continha menções ao até então desconhecido faraó Tutancâmon.

Na época, Theodore Davis cogitou que se tratasse da tumba de Tutancâmon, a qual estava vazia, pois teria sido saqueada. Em 1912 ele publicou um livro intitulado The Tombs of Harmhabi e Touatânkhamanou. O problema desse livro era que de fato ele estava certo quanto a tumba de Horemheb (KV57), mas a tumba KV54 não pertencia a Tutancâmon, era uma tumba abandonada. Inclusive alguns arqueólogos desde 1907 já duvidavam da afirmação de Davis quanto a tumba KV54, ser a do faraó desconhecido Tutancâmon. 

Ainda no ano de 1907, Howard Carter conseguiu patrocínio para realizar suas próprias escavações. O dinheiro veio de George Edward, 5o Conde de Carnarvon (1866-1923), mais conhecido como Lorde Carnarvon, um rico nobre britânico, fascinado pelo Egito. A parceria entre Carter e Carnarvon foi longeva. Sob o patrocínio dele, Howard Carter empreendeu várias escavações em diferentes localidades do Egito, até que com a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), várias pesquisas, escavações e expedições arqueológicas no Egito foram suspensas. Três anos depois, próximo ao término da guerra, os projetos foram retomados, dessa vez Howard Carter recebeu permissão para trabalhar no Vale dos Reis. 

Howard Carter e seu patrocinador, o Lorde Carnarvon. 

Carter que até então não havia descoberto nada de importante de 1907 a 1914, acreditava que no Vale dos Reis pudesse fazer seu nome (um ideal buscado pela maioria dos arqueólogos da época). No entanto, esse sonho tardou a chegar. Em 1921, cansado, frustrado e sob ameaça de perder o patrocínio de Lorde Carnarvon, devido as infrutíferas escavações, Lorde Carnarvon comprometeu-se e apoiar as pesquisas de Carter por mais um ano, sendo esse o prazo limite. 

Em 4 de novembro de 1922, um dos operários encontrou um degrau de pedra, cuja escadaria adentrava a rocha. A entrada estava quase que totalmente oculta, devido a milhares de anos do movimento das areias e do sopro do vento. Carter ficou bastante animado com aquilo, pois acreditava-se que poderia ser a tumba de algum faraó. A esperança era que a tumba não tivesse sido saqueada, e finalmente pudessem encontrar um tesouro ali. Então ele escreveu um carta ao seu benfeitor, Lorde Carnarvon, o convidando a ir ao Egito para testemunhar a descoberta. Carnarvon aceitou e chegou dias depois. Em 24 de novembro começou a remoção da areia da entrada da nova tumba. 

Após removerem grande quantidade de areia, quatro dias depois, finalmente puderam adentrar ao corredor da tumba, deparando-se com uma parede inicial, onde para a surpresa e alegria de todos, lia-se o nome de Tutancâmon. Posteriormente, constatou-se que a tumba teria sido invadida pelo menos duas vezes, pois alguns objetos situados no corredor, não estavam mais ali, de qualquer forma, a sala do tesouro, e as demais câmaras estavam intactas. No final de 1922, o muro que lacrava a antecâmara, foi aberto. 

Fotografia de 1923, mostrando o interior da tumba de Tutancâmon. Na imagem, Carter (agachado), seguido por Arthur Callender (um dos seus colaboradores) e um operário observam o interior do cofre folheado a ouro, no qual estavam guardados os vasos canopos, com os órgãos do faraó Tutancâmon. 

A tumba de Tutancâmon foi considerada a descoberta do século para a egiptologia. Foram encontrados cerca de 3.500 objetos guardados em todas as câmaras da tumba, inclusive a múmia do faraó estava ali e intacta, protegida por seus quatro sarcófagos. Os jornais e revistas noticiaram a descoberta por semanas.

"Quando a câmara sepulcral da tumba de Tutancâmon foi aberta oficialmente em 17 de fevereiro de 1923, depois de esvaziada a antecâmara, haviam passados mais de dois meses desde aquela famosa tarde de 28 de novembro de 1922, quando Carter, lorde Carnarvon, sua filha lady Evelyn e Callender ali penetraram, quase furtivamente, pela primeira vez. Para esvaziar a antecâmara foram necessários quase 50 dias. O tempo necessário para deslocar todos os objetos, os sarcófagos e os cofres de madeira da sala do sarcófago foram incomparavelmente superiores e o trabalho perdurou até novembro de 1930, oito anos depois da descoberta". (SELIOTTI, 2006, p. 197).
 
Esquema da tumba de Tutancâmon, tal qual como foi achada. Os objetos da imagem, seguem a posição original que se encontravam. 

Além da demora de se levar os objetos mais pesados e delicados para os museus, algo que rendeu oito anos de trabalho para esvaziar completamente a tumba, a própria múmia de Tutancâmon também rendeu um árduo desafio. Ela foi sepultada dentro de quatro sarcófagos. O primeiro feito de pedra, adornado com imagens de deusas e outros símbolos, ainda hoje se encontra na tumba, devido ao seu peso. Dentro desse grande sarcófago de pedra calcária, estavam outros três sarcófagos: um feito de quartzo, medindo 2,24 metros, o qual dentro deste abrigava os outros dois. O sarcófago de quartzo também continua na tumba, mas por sua vez, os outros dois sarcófagos, o de madeira folheada a ouro (2,04 m) e o de ouro maciço (1,87 m), residem no Museu do Cairo. Dentro do sarcófago de ouro maciço, o qual pesa cerca de 110 kg, estava a múmia de Tutancâmon com sua famosa máscara de ouro, a qual pesa 10 kg, e mais 150 amuletos de proteção, além de várias joias. (SELIOTTI, 2006, p. 102).


Howard Carter e um operário, removendo a camada de betume usada para cobrir o sarcófago de madeira. A ideia era caso a tumba fosse profanada, isso dificultaria o acesso ao sarcófago de ouro e a máscara mortuária de ouro. Levou-se meses para se remover o betume, pois o processo teve que ser feito de forma bem lenta, para não danificar um sarcófago com mais de três mil anos de idade. Foto tirada em 1923. Na imagem, para facilitar o trabalho de remoção da película de betume, os sarcófagos foram removidos do grande sarcófago de pedra. 

A descoberta da Tumba de Tutancâmon (KV62) rendeu a fama e glória que Howard Carter e Lorde Carnarvon ansiavam. Seus nomes ficariam na História, por tal façanha. Mas embora tenham se levado oito anos para a remoção de todos os objetos e artefatos da tumba, e mais alguns anos de estudo dos murais e inscrições, na mesma época que corria a fama da descoberta e seu grande tesouro, começou a surgir o boato de uma maldição. 

A morte de Lorde Carnarvon: 

A câmara funerária foi aberta oficialmente em fevereiro de 1923, e isso novamente tornou-se notícia para vários jornais do mundo. Todavia, Lorde Carnarvon com buscava por fama, fechou um contrato com o jornal britânico The Times, garantindo exclusividade para cobrir o evento. Além disso, Carnarvon já havia entrado em negociação com um produtor de Hollywood, chamado Sam Goldwyn, para produzir um filme sobre a descoberta da tumba de Tutancâmon. Todavia, o fato de Lorde Carnarvon ter concedido exclusividade de cobertura a apenas um jornal, não agradou outros jornais e revistas, especialmente o Daily Express e o Daily Mail, os quais chegaram a enviar jornalistas ao Egito, a fim de conseguir extrair algo da descoberta do século. (LUKHURST, 2010, p. 6).

Fotografias de Harry Burton, para o jornal Times, de 17 de fevereiro de 1923. O jornal na época recebeu direito exclusivo de cobrir as escavações da tumba de Tutancâmon. Fonte: The Metropolitan Museum of Art.

Entretanto, os louros da glória que Lorde Carnarvon esperava colher por ter patrocinado a escavação arqueológica de Howard Carter, não puderam ser desfrutados. Em março daquele ano, o lorde britânico adoeceu. Não se sabe ao certo as causas da doença de Lorde Carnarvon, o qual começou a desenvolver uma febre intensa e contínua até que desenvolveu pneumonia semanas depois. Lorde Carnarvon faleceu em 5 de abril de 1923, na cidade do Cairo, aos 56 anos. Segundo um depoimento de sua neta, Patricia Leatham, no dia da morte do avô, faltou luz no Cairo, por pelo menos vinte minutos, e no mesmo dia, faleceu Susie, a cadelinha de estimação de seu avô, a qual havia ficado na Inglaterra. (LUKHURST, 2010, p. 8).

Edição de 5 de abril de 1923, do Morning Call, Pennsilvânia, Estados Unidos. O jornal traz a matéria Earl of Carnarvon succumbs at Cairo to blood poisoning. Mais abaixo, à direita, a matéria prossegue dizendo que o lorde teria sido picado por um inseto, e assim "contraído" pneumonia.A notícia também destaca a descoberta da tumba de Tutancâmon. 

Enquanto os jornais comentavam a repentina doença mortífera que acometeu Carnarvon, outros apontavam as possíveis causas da morte, a qual foi pneumonia, no entanto, questionavam como o lorde havia contraído mortífera doença de uma ora para a outra, então surgiram alguns comentários e boatos maldosos. A famosa escritora inglesa Marie Corelli deu um comentário bastante inadequado, embora imbuído com certo sarcasmo, dizendo: “I cannot but think some risks are run by breaking into the last rest of a king of Egypt . . . According to a rare book I possess, which is not in the British Museum . . . the most dire punishment follows any rash intruder into a sealed tomb”. (LUKHURST, 2010, p. 6).

No dia seguinte a morte de Carnarvon, o também importante escritor inglês Sir Arthur Conan Doyle (criador de Sherlock Holmes), em entrevista curta ao Morning Post de Nova York, Doyle que era adepto do Espiritismo, alegou que Lorde Carnarvon ao entrar naquela tumba milenar, estava mexendo com forças ocultas e místicas, e um antigo mal poderia ter causado a morte dele. O jornalista, egiptólogo e escritor Arthur Weigall o qual havia sido enviado pelo Daily Express para cobrir em fevereiro a abertura da câmara fúnebre de Tutancâmon, como os demais jornalistas e repórteres, ficou frustrado por não poder entrevistar Carter, Carnarvon e os demais envolvidos e nem se quer adentrar a tumba e tirar fotos. 

Em uma matéria sua, intitulada Tutankhamon and Other Essays, de forma desdenhosa, Weickall comenta que o presunçoso e soberbo Lorde Carnarvon não mostrava nenhum respeito pelo túmulo do faraó. Seria bem capaz que pagaria por tal esnobismo e arrogância. A matéria publicada em fevereiro, voltou a repercutir em abril, pois ele havia dito que Lorde Carnarvon poderia falecer dentro de seis semanas. Weickall ainda naquele ano publicou um ensaio polêmico e sensacionalista intitulado The Malevolence the Ancient Egyptian Spirits, o qual aproveitando a alta do interesse por ocultismo, magia, esoterismo, história, arqueologia etc., relatou supostas experiências suas ao testemunhar estranhos fenômenos paranormais e ter contato com antigos objetos místicos do Egito. (LUKHURST, 2010, p. 6).


A edição de 6 de abril de 1923, do Detroit News trazia a matéria Tomb digging to go on despite Curse of Egypt. A matéria falava sobre a descoberta da tumba de Tutancâmon, o falecimento de Lorde Carnarvon e uma possível maldição da múmia. 
Nas semanas e meses seguintes vários jornais e revistas começaram a publicar matérias falando de uma suposta maldição da múmia, a qual teria vitimado Lorde Carnarvon. Baixado a poeira, após o assunto ter aparentemente se esgotado, outros envolvidos nas escavações começaram a morrer, ao mesmo tempo em que outros boatos surgiram. Isso tudo somado ao sensacionalismo da época, voltou a ganhar destaque na imprensa mundial. 

A maldição do faraó: 

Em 16 de maio de 1923, o empresário e magnata George Jay Gould I, faleceu na Riviera francesa, devido a pneumonia. Anteriormente Gould havia visitado o Egito, e passado pela tumba de Tutancâmon. Os jornais sensacionalistas atribuíram sua morte como tendo sido resultado da maldição do faraó. Ainda no mesmo ano, em 23 de setembro, um meio-irmão de Lorde Carnarvon, o coronel Aubrey Herbert morreu de "envenenamento sanguíneo", causa similar a de seu irmão. Em 15 de janeiro de 1924, o radiologista Archibald Douglas-Reid, o qual trabalhava no estudo da múmia de Tutancâmon, faleceu de causas misteriosas. (LUKHURST, 2010, p. 8).

Em outubro daquele ano, o governador-geral do Sudão, Sir Lee Stack, em visita ao Cairo, foi emboscado na rua e assassinado. Em 6 de abril de 1928, o egiptólogo Arthur Cruttenden Mace, o qual havia participado das escavações na tumba de Tutancâmon, morreu acidentalmente por envenenamento por arsênico. No ano de 1929, o secretário de Howard Carter, o capitão Richard Bethall, faleceu de forma misteriosa no London Club. Três meses depois o pai de Bethall cometeu suicídio, jogando-se de uma janela. (LUKHURST, 2010, p. 8-9). Além desses nomes importantes, alguns dos operários que trabalharam nas escavações ou na remoção do tesouro, também faleceram.

Enquanto alguns jornais se questionavam se a morte de determinadas pessoas poderiam ou não ser ligadas a suposta maldição da múmia, outros de forma contundente alegavam haver provas sobre a maldição, dizendo que certos artefatos haviam sido destruídos por Carter e Carnarvon em fevereiro de 1923. Segundo tais relatos, um deles dizia que uma tabuleta encontrada na antecâmara continha os seguintes dizeres: "a morte chegará voando à aqueles que profanarem a tumba do faraó". Outro relato dizia que na parede da sala do tesouro estava escrito: "morte a àqueles que entrarem". Segundo estes relatos, Howard Carter e Lorde Carnarvon teriam destruído a tabuleta e riscado a inscrição, para não levantar superstições entre os operários. (SILVERMAN, 1987, p. 60).

Em 1934 o jornalista e escritor Arthur Weigall, o qual escreveu alguns artigos sobre a tumba de Tutancâmon, inclusive chegou a visitar o local, e ficou de antipatia para Carnarvon e Carter, faleceu naquele ano. Na época, alguns jornais noticiaram que ele foi vítima da maldição. Em 1938 o diretor-geral  do Egyptian Antiquites Departement, o dr. Gamal Mehrez, faleceu. Mehrez havia sido responsável por enviar parte do tesouro de Tutancâmon para o Museu de Londres(SILVERMAN, 1987, p. 61).

Jornal londrino de 22 de fevereiro de 1930, relacionando novas mortes com a maldição da múmia. 

Outras mortes foram associadas com a suposta maldição, algumas inclusive bastante questionáveis, pois as vítimas nem se quer tinham ido ao Egito, e muito menos conheciam Carter, Carnarvon ou tinham ido a tumba. Todavia, como apontado por David Silverman (1987), isso fazia parte do sensacionalismo dos anos 1920 e 1930, o qual foi responsável por manter em alta essa história. Inclusive anos depois, o filho e uma neta de Lorde Carnarvon deram entrevistas sobre o assunto, fornecendo novas informações, as quais foram usadas para reanimar a história da maldição. Nos anos 1970, em uma exibição de peças do tesouro de Tutancâmon, em Chicago, nos Estados Unidos, algumas pessoas tiveram medo de ir vê-las, pois temiam serem amaldiçoadas. (SILVERMAN, 1987, p. 60). 

Considerações finais: 

Após décadas desde a descoberta da tumba do faraó Tutancâmon, ainda não se havia chegado a uma explicação racional acerca do porque atribuírem uma suposta maldição. Para isso é preciso se pensar em alguns pontos, os quais normalmente são esquecidos ou não cogitados. 

A tumba foi aberta propriamente em 1922, mas oficialmente a câmara fúnebre em 14 de fevereiro de 1923. A história da maldição somente se inicia com a morte de Lorde Carnarvon em maio daquele ano, ocasionada pelo agravamento de pneumonia. Sua filha Lady Evelyn, Howard Carter, Arthur Mace, entre outros arqueólogos, egiptólogos, operários e visitantes os quais passaram na tumba, não morreram. 

O próprio descobridor da tumba, Howard Carter, faleceu de velhice aos 67 anos, em 2 de março de 1939. Se a maldição recaía sobre pessoas importantes, pois parte das supostas vítimas, eram pessoas de riqueza, autoridade e influência, por que o seu descobridor não morreu? Se segundo um dos jornais, ele e Carnarvon teriam destruído as inscrições que falavam de uma maldição? Isso não seria profanação?

Outro fato a ser comentado diz respeito a popularidade de ideias e histórias envolvendo paranormalidade, ocultismo, magia, espiritualidade, história, além da egiptologia, ainda em alta naquele tempo. Aqui nota-se que algumas das pessoas que deram entrevistas e diziam que uma maldição ou forças ocultas teriam matado Lorde Carnarvon, eram escritores influentes como Marie Coelli e Arthur Conan Doyle, inclusive Sir Doyle foi mais enfático em sua fala. Não obstante, jornalistas sensacionalistas como Arthur Weigall e vários outros aproveitaram para aumentar a história.   

Maldições são seletivas? Essa é uma pergunta que alguns jornalistas e até estudiosos se fizeram. Como dizer que entre centenas de pessoas que visitaram a tumba de Tutancâmon entre 1922 e 1930, período que compreende a época que o seu tesouro estava sendo removido para os museus, apenas pouquíssimas pessoas faleceram? E mais, por que a maioria das vítimas eram pessoas ricas, influentes ou nobres? A maldição apenas atacava os ricos? Mas ainda assim, não era qualquer rico. 

Na década de 1980, alguns microbiólogos, infectologistas, entre outros estudiosos de áreas afins, publicaram artigos nos quais defendiam que a causa da morte de algumas pessoas que visitaram a tumba de Tutancâmon, principalmente de alguns operários, pois estes passavam mais tempo na tumba (embora os noticiários não lhes davam importância), teria sido motivada por uma infecção causada por fungos que habitariam a tumba. O contato com aquele ar pesado, tumular, poeirento, cheio de esporos, levou alguns operários de saúde mais sensível a acabarem adoecendo. Até mesmo outras pessoas que ali passaram, como o artista Charriel Manson, que visitou o Egito e a tumba de Tutancâmon com sua esposa. Ao voltar aos Estados Unidos, adoeceu e faleceu. A causa da morte de Manson foi diagnosticada como infecção por Aspergillus niger, uma espécie de fungo. 

Entretanto, a teoria dos fungos não responde todas as causas das mortes atribuídas a maldição. Como apontado pelas pesquisas, algo que David Silverman (1987) salienta que várias pessoas adentraram a tumba nestes anos, e nem por isso faleceram. Além disso, ele também fala que de fato existem maldições antigas, inclusive algumas já foram achadas escritas em pirâmides e tumbas, mas na tumba de Tutancâmon elas estão ausentes. A questão é que uma maldição somente funciona se a pessoa acreditar que ela funcione, pois isso se envereda-se pelo nível da crença, da superstição e da fé. 

No caso de mortes como de Lorde Carnarvon e seu irmão Aubrey Herbert, essas não foram causadas pelo fungos. Carnarvon faleceu de pneumonia e seu irmão de uma infecção após a extração mal sucedida de um dente. Outros morreram de acidente ou foram assassinados. Mas como apontado, tais mortes foram atribuídas por alguns jornalistas a suposta maldição. Mas uma pergunta que fica: por que pessoas que nada tiveram a ver com as escavações, morreriam? Que maldição aleatória seria essa? 

Em si, a maldição da múmia do faraó Tutancâmon, foi um grande boato sensacionalista, bastante em voga entre as décadas de 1920 e 1930, rendendo várias manchetes de jornais e revistas, livros e até inspirando filmes como A Múmia (1932). E isso tudo contribuiu para a difusão e preservação dessa história vários anos depois, ao ponto de algumas pessoas ainda nos anos 1970, temerem a terrível maldição.  

Referências Bibliográficas: 
BAKR, A. Abu. O Egito faraônico. In: MOKHTAR, Gamal (editor). História Geral da África - II: África Antiga. 2a ed, Brasília, UNESCO, 2010.
LUCKHURST, Roger. The mummy's curse: a study in rumour. Critical Quarterly, vol. 52, n. 3, 2010, p. 6-22. 
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STEWART, John. Curses! Fungus Dispels the Myth of King Tut's Tomb. Los Angeles Times, 30 de julho de 1985. 

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