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Leandro Vilar

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

O bode de Yule e os festejos natalinos escandinavos

As vezes chamado de "bode de Natal" devido a associação do Yule com os festejos natalinos, a presença desse animal durante o mês de dezembro nos países escandinavos da Dinamarca, Noruega e Suécia se tornou bastante comum nas últimas décadas, apesar de que seja uma tradição que remonte a mais de dois séculos pelo menos. No entanto, o bode de Yule não é o único caprino que marca presença durante dezembro, pois neste mesmo período na Alemanha e Áustria temos o krampus aterrorizando as crianças e a população no geral. Todavia, enquanto o krampus é uma figura sombria para pregar peças durante os festejos natalinos, o bode de Yule em geral é uma figura mais tranquila e benéfica. 

Os festejos do Yule 

Antes de falar sobre a presença do bode é necessário contextualizar o que é o Yule. A palavra Yule é de origem inglesa, mas consiste numa variação da antiga palavra anglo-saxã giuli, que era usada para se referir ao período de Dezembro e Janeiro. No caso, a pronúncia de giuli é parecida com a palavra islandesa ylir, também usada para se referir ao mês de dezembro. No entanto, a adoção do termo Yule foi escolhida para traduzir a palavra Jól ou Jul no nórdico antigo. Neste caso o Jól consistia na celebração do solstício de inverno que ocorre no final de Dezembro. Porém, o rei Hakon I da Noruega (r. 934-960) que era cristão, passou a se referir a celebração do Jól também estando ligada ao Natal. (RÄSTCH; MÜLLER-EBELING, 2006, p. 22-23). 

De fato, a condição do Natal ser celebrado no dia 25 de dezembro consiste numa adaptação da Igreja para aproveitar celebrações que ocorriam já nessa época, substituindo-as pelo aniversário de Jesus, lembrando que na Bíblia não é dito a data em que ele nasceu. No contexto escandinavo o Jól era celebrado durante o período do solstício de inverno que ocorre entre os dias 21 e 23 de dezembro. Durante essa época as pessoas realizariam um banquete, cerimônias religiosas e animais como porcos seriam sacrificados. A escolha do porco em questão era uma referência aos deuses Freyr e Freyja, divindades associadas com a agricultura, fertilidade e fecundidade. Aqui ressalva-se que o Jól era celebrado para se pedir que os deuses fizessem que o inverno não fosse tão rigoroso, que não demorasse tanto, e que o plantio fosse bom para que a colheita fosse farta. (LECOUTEUX, 2013, p. 104, 134). 

Por se tratar de uma sociedade predominantemente rural, muitos festejos anuais estavam associados com a agricultura e o Jól/Yule era mais um deles. Apenas com a introdução do cristianismo é que seu sentido foi alterado. Todavia, ainda na Idade Média o festejo continuou a conservar suas características pagãs, e posteriormente mesmo com a Escandinávia já convertida efetivamente no século XIII, ainda assim, resquícios de práticas pagãs como acender fogueiras, preparar determinados tipos de comidas, histórias sobre elfos, trolls e fantasmas, mascaradas e outros costumes se mantiveram. 

O bode no passado

Não se sabe exatamente quando o costume do bode de Yule ou Julbock tenha surgido. Alguns autores sugerem que poderia ter alguma ligação com o deus Thor, pois ele era conhecido pelo curioso epíteto de "Senhor dos Bodes", pela condição de ele possuir dois desses caprinos chamados Tanngrisnir e Tanngnjóstr, os quais puxavam sua carroça. No entanto, não há evidências que Thor estivesse associado a celebração do Yule, tampouco, tem como se afirmar que o Julbock teria haver com estes bodes em si. 

"O registro mais antigo de menção direta ao Bode de Natal é de um raageit, uma cabeça de Bode em um mastro, na Noruega em 1646, onde o Julebukk é descrito como uma pessoa disfarçada com um cobertor. No século posterior, em 1781, começam a aparecer registros de Bodes e Cabras de Natal se casando e assustando crianças. Um registro de 1750 fala que alguém disfarçado de Bode chegou a quase matar uma mulher de susto". (MIRANDA, 2017). 

Nesse ponto é preciso destacar que embora houvesse casos de pessoas vestidas de bode, necessariamente não era para se assustar crianças e adultos como ocorre com o krampus. O Julbock e a Julgeit (cabra de Yule) tinham mais uma função de brincadeira, onde geralmente os homens e menos usualmente as mulheres, se cobriam com uma capa e uma cabeça que imitava a cabeça dos animais e saia pelas ruas ou indo de casa em casa, pedindo comida ou dinheiro. No meio do translado o mascarado fazia brincadeiras, provocando sustos ou risadas. 


Cartão desenhado por Benjamin Dahlerup sob instruções de M. Kramer Petersen, século XX

"O Bode poderia ser interpretado e apresentado de diversas maneiras: 1) coberto com peles e em quatro patas; 2) curvado com o apoio de uma bengala e a cabeça articulada; 3) alguém usando apenas uma máscara, que poderia ser articulada e com dentes de ferro, a fim de fazer barulho quando as peças batessem uma na outra; 4) em pares, o Bode e a Cabra de Natal (Julebukk e Julegeit); etc". (MIRANDA, 2017).

Essa prática do Julbock e da Julgeit foi notada principalmente na Suécia e Noruega, embora que atualmente ela esteja atualmente difundida nos outros países escandinavos. O ato de se vestir como bode fazia parte das celebrações natalinas referentes a São Nicolau (santo que inspirou o Papai Noel), Santa Luzia, Santa Bárbara, São Estefano e São Canuto, os quais na Suécia e Noruega estavam associados aos festejos natalinos. Além desses santos também havia o festejo dos Reis Magos. (MIRANDA, 2017; RÄSTCH; MÜLLER-EBELING, 2006, p. 11-12). 

No entanto, antes de passar para as representações mais recentes do bode de Yule, alguns leitores devem estar se perguntando por que um bode? Já que essa animal é associado a algo maléfico e satânico como no caso do krampus. De fato, esse imaginário negativo associando o bode a algo sinistro é antigo. Os bestiários medievais do século XI e XII já apontavam o bode como uma criatura associada ao pecado, a luxúria e ao Diabo. (WALTER, 2014, p. 163). Características essas mantidas na aparência do krampus como um ser sinistro. 

Desenho do século XX mostrando dois homens vestidos de bode de Yule. A imagem mostra diferentes formas de como o personagem era caracterizado. 

Porém, no caso do Julbock, ele manteve características pagãs escandinavas, nas quais o bode era um animal associado com a agricultura, a fazenda e a fertilidade. E recordando que o Yule consistia numa celebração para fins agrícolas e de fertilidade, por tal motivo o bode se encaixaria nessa ideia. No entanto, alguns podem se indagar porque não outro animal? Isso é uma resposta que não possuímos. Na Escandinávia medieval nem todo mundo possuía condições financeiras de ter vacas e cavalos, em geral o gado era caprino, ovino e suíno, tornando esses animais mais próximos do cotidiano da fazenda e da cidade. 

O bode atualmente 

A tradição do bode de Yule se mantém até hoje, embora que atualmente já não de se der tanta ênfase a pessoas se fantasiando. Ao longo dos séculos XIX e XX, figuras, gravuras, pinturas e cartões natalinos com a imagem do Julbock foram produzidos. Ornamentos de bode também passaram a se tornar adereços natalinos, enfeitando as casas ou as árvores de natal. Em algumas imagens temos o Papai Noel associado com o Julbock, estando ele montado no animal ou o bode puxando seu trenó. Além de uma adaptação disso ser feita, onde homens vestido de bode carregavam sacos com presentes, sendo isso uma variação do bode de Yule o qual necessariamente não entregava presentes. 

Papai Noel montado no bode de Yule. Gravura de 1836 para ilustrar um livro sobre o Natal. 

Algumas cidades também começaram o costume de se construir gigantescos Julbock de palha e no final dos festejos natalinos ele é queimado. Atualmente a cidade mais famosa a fazer isso é Gävle na Suécia, onde desde 1966 um bode de palha gigante é construído em dezembro, tornando-se uma atração local. Antes do término do ano ele é queimado. 

O Julbock de Gävle em 2017, que se tornou uma tradição nesta cidade. 

NOTA: Claude Lecouteux comenta que o Jól também estaria associado com o Álfabót (sacrifício aos elfos). 
NOTA 2: Na Islândia o bode de Yule não é tão popular, porém, existe o gato de Yule (Jólakötturinn), um felino gigante e tenebroso que devora as criancinhas más. 

Referências bibliográficas: 
LECOUTEUX, Claude. Encyclopedia of Norse and Germanic Folklore, Mythology and Magic. Translated by Jon E. Graham, Rochester, Inner Traditions, 2013. 
MIRANDA, Pablo Gomes de. O Bode de Natal na Tradição Escandinava. 2017. Disponível em: http://neve2012.blogspot.com/2017/12/o-bode-de-natal-na-tradicao-escandinava.html
RÄTSCH, Christian; MÜLLER-EBELING, Claudia. Pagan Christmas: the plants, spirits, and rituals at the origins of Yuletide. Rochester, Inner Traditions, 2003. 
WALTER, Philippe. Christian Mythlology: revelations of pagan origins. Translated by Jon E. Graham. Rochester, Inner Traditions, 2014. 

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