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Leandro Vilar

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Os castelos japoneses

Ao longo de séculos os japoneses construíram castelos em planícies, montanhas, colinas e cidades. E entre os séculos XII ao XVI houve uma construção massiva dessas fortificações de madeira e pedra, até o desenvolvimento da arquitetura militar para isso, pois foram tempos de guerra civil contínuas, que levaram os daimiôs a investirem em castelos para se proteger, mas também para impor respeito, intimidar e esbanjar riqueza. O presente texto conta um pouco da história dos castelos japoneses, os quais diferentes dos castelos vistos na Europa, possuíram sua própria arquitetura e estilos. 

Origens

Os castelos japoneses surgiram a partir de fortes de madeira que começaram a serem construídos no século III d.C. Tratava-se de fortificações simples com muros de madeira e torres de vigia, as quais cercavam uma fazenda ou vilarejo. Mais tarde os japoneses adotaram padrões vistos na Coreia e na China, construindo fortes de madeira maiores e com muros mais robustos. (TURNBULL, 2008, p. 4-6).

Foi no século VII que surgiram propriamente os primeiros castelos japoneses, os quais combinavam torres fortificadas com muros de madeira ou de pedra, possuindo torres de vigia. Um exemplo que ainda se encontra de pé dessa época é o Castelo Kikuchi, cuja arquitetura foi influenciada por modelos coreanos, pois naquele século a corte de Yamato realizou expedições de invasão à península coreana, aprendendo com o povo vizinho a respeito de arquitetura militar e outros saberes. (TURNBULL, 2008, p. 6-7).

A torre central do Castelo Kikuchi, construído em 687. 

Ao mesmo tempo que a invasão a Coreia ocorria, conflitos internos também se desenvolviam, levando alguns nobres a construírem castelos e fortes para si. Por conta disso começaram a surgir fortificações em montanhas, vales, colinas e até novas formas de arquitetura defensiva como o emprego de fossos com água, levando a originar o termo mizuki (fortificação da água). Além disso, os castelos e fortes não atuavam apenas para fins militares de defesa do território, também serviam de base de operações para campanhas, depósito de suprimentos e até refúgio para os moradores locais. Em alguns casos os castelos também serviam de lar para nobres, mesmo que por um breve período. (TURNBULL, 2008, p. 7-9).

Com o fim das ondas de guerra civil ocorridas no século VII e do VIII teve início o Período Heian (794-1192), marcado por uma paz mais duradoura, condição que as guerras reduziram drasticamente, havendo conflitos pequenos e esporádicos, fato que reduziu a necessidade de construção de novos castelos e fortes. Assim, as construções que não foram destruídas nas guerras anteriores, foram mantidas. Todavia, no século XI os conflitos voltaram a se acirrar como a Guerra Zenkunen (1051-1062) e a Guerra Gosannen (1083-1087) marcaram uma escalada de violência que levou a construção de novas fortificações. (TURNBULL, 2008, p. 13-15).

Os castelos do xogunato 

Com a crise dinástica do final do Período Heian, isso permitiu a ascensão do xogum Minamoto Yoritomo (1144-1199) que implementou o governo do xogunato, uma espécie de ditadura militar baseada em preceitos monarquicos e feudais. O governo de Minamoto originou o chamado Período Kamakura (1192-1333) que consistiu numa reformulação política, econômica e social do Japão. O imperador perdeu sua autoridade política e militar, a qual passou a ser controlada pelo xogum, deixando o monarca como figura simbólica e associada a questões religiosas. Os samurais se tornaram uma classe social importante e com poder. A aristocracia rural originou os daimiôs (senhores feudais). (YAMASHIRO, 1964).

No âmbito dos castelos esses sofreram uma reformulação arquitetônica motivada principalmente após as invasões mongóis de 1274 e 1281, as quais assolaram as ilhas de Tsushima e Iki, a baía de Hakata e suas cercanias. Os exércitos mongóis foram enviados pelo imperador Kublai Khan na tentativa de se conquistar o Japão, nas duas invasões realizadas os mongóis, chineses e coreanos que compunham aquele exército, utilizaram armas de fogo, e os explosivos impactaram os japoneses. Suas fortificações de madeira não eram páreas para o poder da pólvora. Diante disso, após a vitória sobre os mongóis, os xoguns e comandantes militares começaram a ordenar que as muralhas dos castelos e fortes fossem feitas com pedras, temendo que os invasores pudessem retornar, mas isso nunca mais aconteceu. (SANSOM, 1958). 

Embora os mongóis não tenham retornado, entretanto, no século XIV eclodiram violentas batalhas como a Guerra Genko (1331-1333) que marcou o final do domínio do xogunato Kamakura, iniciando o xogunato Ashikaga (1336-1573) época em que os conflitos iriam piorar cada vez mais, iniciando o Período Sengoku (1467-1615), a época das guerras feudais, quando os xoguns Ashikaga perderam o controle e a autoridade, então vários daimiôs começaram a disputar o controle de suas regiões e províncias, gerando uma época de décadas de guerras. E por conta desse período beligerante muitos castelos e fortes foram construídos. (HENSHALL, 2004). 

Data também dos séculos XIV e XV a adoção de castelos maiores e com vários cômodos, parecendo verdadeiras mansões militares, pois os castelos se tornaram bases de operação e o lar de daimiôs, abrigando dezenas e mais de uma centena de pessoas. Além disso, foi nessa época que se popularizou os castelos de montanha (yamashiro), considerados os mais difíceis castelos a serem atacados por conta do seu terreno acidentado e que dava pouca margem para se fomentar cerco com catapultas e até mesmo o emprego de escadas. (TURNBULL, 2008, p. 20). 

A era de ouro dos castelos japoneses

Castelos são originalmente edificações militares, construídas para a defesa de um território e seu povo. Logo, em tempos de acirrada guerra, os engenheiros militares tiveram que desenvolver novas técnicas e estruturas para melhorar as edificações. Nos séculos XVI e XVII os castelos japoneses se tornaram as grandes e complexas estruturas que hoje conhecemos. 

Foi nesse período que os castelos se tornaram robustas torres de menagem, com quatro a cinco andares, possuindo vários cômodos para abrigar a família do daimiô e seus samurais, o que levou alguns castelos se tornarem vilarejos contendo casas, oficinas, estábulos, jardins, pátios etc. Além de uma torre principal, os castelos possuíam cinturões de muralhas de pedra, contendo seteiras e vários portões. Torres de vigia, fossos secos ou com água. Vale ressalvar que os castelos eram construídos em montanhas, colinas, planícies, cidades e vilas. Dependendo do terreno as estruturas defensivas variavam. 

Vista do Castelo Kiyosu a partir de seu fosso, destacando sua fundação rochosa. Esse castelo foi inaugurado em 1608. 

Tais castelos se tornaram gigantescos por uma série de fatores: no século XVI os japoneses por intermédio dos portugueses obtiveram armas de fogo, primeiro mosquetes, depois arcabuzes e canhões, logo, era preciso construir estruturas mais resistentes aos disparos de tais armas, embora canhões nunca foram massivamente usados nas guerras japonesas daquele período. Apesar disso, as muralhas se tornaram mais sólidas e os castelos embora fossem feitos de madeira, ainda assim, ganharam estruturas de reforço para resistir a tiros. 

Outro fator para os castelos serem grandes se deve a condição de eles operarem como bases militares, tendo que resguardar entre suas muralhas centenas ou milhares de soldados. Por exemplo, o Castelo de Himeji possui 83 cômodos. Mas outro motivo pelo qual tais castelos ficaram grandes também se deve ao fator da intimidação e ostentação. Fortificações grandes geram impacto, elas intimidam, levando inclusive a se pensar que são inexpugnáveis. Por sua vez, alguns castelos como o Castelo Azuchi construído por Oda Nobunaga entre 1576 e 1579, não apenas era imponente, mas luxuoso, possuindo várias estátuas e decorações. 

Pintura retratando o Castelo Azuchi de Oda Nobunaga. A fortificação foi destruída em 1582 pelos inimigos de Nobunaga, para evitar que seus filhos e generais a continuassem a utilizar. 

Estruturas de um castelo japonês

A estrutura dos castelos do Japão mudou pouco nos séculos, sendo as principais mudanças a disposição de sua torre de menagem em relação as demais estruturas. Além disso, outras variações diziam respeito ao tipo de terreno onde a fortificação eram construída, por conta disso surgiram termos como: mizuki (fortificação da água), yamashiro (castelo da montanha), hirajiro (castelo da planície), hirayamajiro (castelo situado numa colina ou platô). Esses estilos foram sendo alterados com o emprego de novos materiais e estruturas, mas consistiram a base arquitetônica dos castelos japoneses ao longo de séculos. (TURNBULL, 2003, p. 8-9). 

Além dessas nomenclaturas quanto a localidade dos castelos, outra nomenclatura adotada referia-se a localização da torre de menagem (hon maru). Dependendo do tipo de castelo ela ficava localizada de forma distinta. A palavra hon maru pode ser traduzida como "cidadela interior", sendo essa cercada por dois pátios chamados ni no maru e san no maru. A combinação da torre com esses dois pátios gerou três estilos arquitetônicos chamados Rinkaku, Renkaku e Hashigogaku. (TURNBULL, 2003, p. 22). 

Diagrama mostrando os estilos de castelos japoneses de acordo com a posição do hon maru (torre de menagem) e os pátios circundantes. 

O estilo do Hashigokaku foi mais usual em castelos de montanha (yamashiro), pois a torre ficava numa ponta do terreno rodeada por precipícios, sendo precedida pelos dois pátios. Por sua vez, os outros dois estilos foram habitualmente usados no hirajiro e no hirayamajiro, onde se optava em centralizar o hon maru, rodeando pelos pátios que possuíam muros, paliçadas e até outras estruturas também. 

Os castelos contavam com uma série de estruturas defensivas como muralha (zumi), portão (mon), fossos (hori), yagura (torre), maru (pátio), ponte (karamete) etc. Cada uma dessas estruturas possuía suas variações arquitetônicas, desenvolvidas principalmente entre os séculos XV e XVII, havendo nomenclaturas específicas para definir seus formatos, quantidade e forma de construção. Por exemplo, a forma como as muralhas eram construídas recebiam diferentes nomes que se referenciavam as técnicas de construção. Por sua vez, a quantidade de torres de vigia também recebiam nomes distintos para se referir a elas. (TURNBULL, 2003, p. 63). 

Os castelos situados em planícies, vilas e cidades possuíam uma estrutura defensiva marcada pelo uso de corredores, portões e cinturões de muralhas. Isso se devia a condição de que em caso de um cerco fosse realizado os primeiros portões e a muralha mais externa fossem transpostos, invasores teriam que cruzar outros portões e muralhas, mas no caso dos corredores esses eram propositais para atrasar e confundir os invasores, além de contar com muros ocos, pelos quais passavam corredores que permitiam as forças de defesa contra-atacar, valendo-se de seteiras para disparar flechas ou tiros de mosquete. 

Um dos corredores do Castelo de Himeji. À esquerda um muro com várias seteiras, por sua vez, à direita um muro rochoso e inclinado, o que impossibilitava de os invasores tentarem escalar, tornando-os alvos fáceis para serem alvejados. 

Além das muralhas e muros, os castelos também contavam com o uso de fossos secos (karabori) ou fossos de água (mizuhori). O Castelo de Osaka é um exemplo famoso por fazer uso de vários mizuhori, tornando-o uma fortificação ilhada. Esses fossos eram separados por caminhos de terra ou por pontes, tais estruturas dificultavam o avançar de tropas invasoras. Além disso, as muralhas externas do castelo eram construídas de forma a dificultar qualquer ataque naval no qual se cogitasse usar escadas para tentar escalar as muralhas. 

Vista aérea do Castelo de Osaka e seu complexo de fossos. O castelo encontra-se na ilha central e foi construído no século XVI. 

Além das muralhas, muros, fossos, pontes e corredores, os castelos também contavam com torres de vigia. Algumas das torres ficavam situadas pelas muralhas, servindo para observação e defesa das mesmas, mas dependendo da estrutura do castelo, a torre de menagem (hon maru) era acompanhada por torres menores (yagura), as quais lhe davam suporte defensivo, mas também abrigavam cômodos como salas, quartos, dispensas etc. 

O imponente Castelo de Himeji foi construído em 1333, porém, foi sendo ampliado e reformado até o século XVII, conquistando a forma atual pela qual ele se encontra desde então. Observa-se ao lado da torre de menagem, duas torres secundárias. 

Caso os invasores conseguissem transpor as defesas externas e chegassem ao castelo propriamente dito, eles ainda teriam que enfrentar outras medidas defensivas como portas reforçadas, seteiras, passagens secretas para mobilização das tropas de defesa e até da fuga dos moradores; pisos que rangiam anunciando a presença de alguém andando por ali; caminhos sem saída etc. O hon maru era a última defesa para o daimiô ou seus ocupantes. 

Apesar das medidas defensivas apresentadas isso não significava que os castelos fossem inexpugnáveis, vários deles ao longo dos séculos foram invadidos e destruídos. Alguns foram rendidos por conta não dos ataques, mas por causa da fome e de doenças, obrigando seus defensores a se render. Além disso, a condição de os castelos serem feitos de madeira, apesar de que seu exterior fosse reforçado para não ser inflamável facilmente, no entanto, seu interior era vulnerável, condição essa que tais castelos eram incendiados de dentro para fora. 

Embora vários castelos tenham sido destruídos por conta das guerras e dos terremotos, ainda assim, hoje é possível visitar mais de vinte deles, embora alguns sejam ruínas, contendo o que sobrou de suas muralhas e fundações. Desse total doze possuem seu aspecto mais original, tendo sido conservado e restaurado, outros tiveram a estrutura alterada para se tornarem museus. Os castelos de Osaka e Himeji estão entre os mais visitados. 

Referências bibliográficas:

HENSHALL, Kenneth G. A history of Japan: from Stone Age to Superpower. 2a ed. New York, Palgrave Macmillan, 2004. 

TURNBULL, Stephen. Japanese castles: AD 250-1540. Illustrated by Peter Denis. Oxford, Osprey, 2008. 

TURNBULL, Stephen. Japenese castles: 1540-1650Illustrated by Peter Denis. Oxford, Osprey, 2003. 

SANSOM, George. The history of Japan to 1334. Tokyo, Charles E. Tuttle Company, 1958. 

YAMASHIRO, José. Pequena história do Japão. 2a ed. São Paulo, Editora Herder, 1964. 

Links relacionados: 

O que foram os xogunatos?

Ninjas x Samurais: crônicas de uma guerra feudal (XV-XVII)

Oda Nobunaga

LINK:

Guide to Japanese Castles

domingo, 17 de setembro de 2023

A farinha láctea e a desnutrição infantil na Suíça do XIX

Durante o século XIX a Suíça ainda era um país pobre, em um dos vários problemas enfrentados por aquela nação alpina era a desnutrição infantil, a qual afetava principalmente os camponeses e pobres, mas até mesmo as crianças da classe média, por conta disso, haver altos índices de mortalidade entre crianças de 1 a 6 anos. Foi nesse cenário desolador que o farmacêutico e empresário Henri Nestlé decidiu produzir um suplemento alimentar para ajudar as crianças a ganharem peso, no intuito de amenizar os problemas da desnutrição. 

Antecedentes

Heinrich Nestlé (1810-1890) nasceu em Frankfurt na Alemanha, sendo o décimo primeiro de quatorze filhos que tiveram o vidraceiro Johann Ulrich Matthias Nestlé e a dona de casa Anna-Maria Catharina Ehemann. Heinrich como parte dos irmãos, herdaram o ofício do pai, entretanto Heinrich que optou pelo apelido Henri, se interessou por Farmácia, tornando-se aos 15 anos aprendiz de um farmacêutico. Aos 20 anos foi oficializado como farmacêutico leigo, sendo autorizado a fazer algumas receitas simples e prestar orientações. 

Retrato de Henri Nestlé

Interessado em seguir a própria carreira, Henri Nestlé deixou a Alemanha e mudou-se para a Suíça, trabalhando no novo ofício. Durante a década de 1840 ele começou a se interessar por negócios rurais como produção de óleo vegetal, agricultura e depois extração de água mineral e produção de limonada (a famosa limonada suíça que despontava na época). Foi nesse período que Nestlé veio a se casar também, além de que alguns familiares seus se mudaram também para a Suíça. 

No final dos anos 1850, Henri Nestlé já era um empresário reconhecido na região onde vivia, tendo vários negócios. Contudo, foi nessa época que ele testemunhou os problemas com a fome e a desnutrição infantil. Crianças de sua própria família, assim como das famílias de amigos e empregados demoravam para ganhar peso e alguns morriam ainda nos primeiros meses. A esposa de Henri Nestlé, Anna Clémentine chegou a publicar um artigo comentando sobre os índices de mortalidade infantil na Suíça, algo que influenciou o marido a pensar numa solução para isso.

É importante salientar que a Europa do século XIX vivenciou momentos de surtos de fome e desnutrição geral, ocasionados por guerras, pragas e invernos rigorosos. Basta lembrar da fome causada nos territórios assolados pelas guerras napoleônicas (1804-1815) ou a grande fome na Irlanda (1845-1849), sendo assim, era um problema que ocorria em distintas partes do continente, e a montanhosa Suíça não estava isenta disso. 

Surge a farinha láctea

Em algum momento do começo da década de 1860, Henri Nestlé começou a trabalhar num composto alimentar para ajudar no ganho de peso das crianças. Ele passou a se corresponder e trabalhar com o Jean Balthasar Schnetzler (1823-1896) um naturalista e professor universitário que forneceu importantes informações sobre óleos vegetais, aminoácidos, vitaminas, digestão de fibras vegetais etc. 

Não se sabe quanto tempo exatamente Nestlé trabalhou em sua fórmula, mas ele teve que fazer vários testes, pois algumas das crianças tinham reações alérgicas ao trigo, ao leite de vaca e dificuldades para digerir o amido e outros componentes da farináceos. Graças aos estudos de Schnetzler, Nestlé conseguiu pensar em alternativas para isso chegando a um composto formado de farinha de trigo, leite e açúcar. Essa receita simples era usada para se fazer uma papa para dar as crianças pequenas como complemento alimentar.

Diferente do que se pensa hoje, a farinha láctea originalmente não era um alimento nutritivo ou o que poderia ser chamado de saudável para os padrões atuais, mas tratava-se de um composto alimentar para ganho de peso, por isso ela ser bastante calórica. Apesar disso, a ideia se mostrou promissora e em 1867 ele lançou seu produto chamado de Farinee Lactée Henri Nestlé, o qual em poucos anos ganhou destaque na Suíça e começou a ser exportado também, já que nesse tempo sua empresa a Nestlé começava a ganhar renome internacional.

Lata de farinha láctea na década de 1860. 

 
Nos anos seguintes a fórmula da farinha láctea foi sendo aprimorada, permitindo também ser feita apenas com água para o caso de crianças com intolerância a lactose. Uma versão enriquecida com vitaminas e outros nutrientes também foi desenvolvida e até uma versão contendo chocolate em pó, já que a Nestlé passou a trabalhar no ramo dos achocolatados nas décadas de 1870 e 1880, período em que Henri deixou o comando da empresa. 

A farinha láctea de Nestlé conseguiu fazer que algumas crianças realmente ganhassem peso e evitar a piora da desnutrição infantil em alguns casos. Ela não foi um milagre como esperado, porém, tornou-se um produto bastante rentável para a empresa nos ano seguintes, sendo exportado para outros continentes sob recomendação de ajudar no ganho de peso de crianças e ajudar na sua nutrição. Desde então, mais de cento e cinquenta anos depois, a farinha láctea ainda é produzida no mundo.

Referência bibliográfica:

PFIFFNER, Albert. Henri Nestlé, 1814 bis 1890. Zurich, Chronos-Verlag, 1993. 

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Cidade dividida: o Muro de Berlim (1961-1989)

Por 28 anos uma das mais importantes capitais do mundo esteve dividida por um extenso muro de concreto, reforçado com arame farpado, trincheiras e torres de vigia. Por quase três décadas os cidadãos de Berlim foram proibidos de ir de um lado para o outro da cidade, se não tivessem autorização para isso. O famigerado muro que dividiu a capital alemã, foi um dos reflexos bizarros da Guerra Fria (1945-1991) uma disputa ideológica entre o Capitalismo e o Socialismo. No presente texto apresentou-se alguns fatos sobre essa história que poderia até parecer ficção: um muro dividir uma cidade ao meio? Ainda mais a capital de um país? Mas infelizmente foi uma história bem real. 

Antecedentes

O contexto que levou a construção do Muro de Berlim remonta a própria Guerra Fria (1945-1991) termo dado para a disputa global entre os Estados Unidos da América representando os interesses capitalistas, contra a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) representando os interesses socialistas. Essa bipolaridade iniciou-se logo após o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), após a derrota do Nazismo e do Fascismo italiano

Com o fim da guerra e tendo derrotado inimigos em comum, americanos e russos voltaram a se estranhar, iniciando um conflito que perduraria por décadas. O nome de "guerra fria" se deveu a ideia de que não haveria tido guerras nesse período, embora seja uma concepção equivocada. Nesse tempo ocorreram conflitos importantes como a Guerra da Coreia (1950-1953) e a Guerra do Vietnã (1959-1975), além de uma outra série de invasões, ocupações, batalhas e revoltas pela Ásia e África, além do estabelecimento de ditaduras militares na América Latina. A guerra fria não foi tão "fria" assim. 

De qualquer forma, com a Alemanha pós-nazismo reduzida a escombros e numa crise financeira profunda, a capital Berlim foi dividida em quatro zonas de controle estrangeiro: o leste dominado pela URSS, o noroeste ocupado pelos franceses, o oeste ocupado pelos britânicos e o sul controlado pelos americanos. Essa divisão ainda foi implementada em 1945, no ano do término da guerra e tinha um intento provisório, pois os quatro países alegavam que a intervenção era necessária para ajudar o povo alemão, além de caçar os nazistas e impedir focos de resistência. 

As quatro zonas de ocupação de Berlim já em 1945. 

Entretanto, os americanos largaram na frente para ajudar o país, incluindo-o na lista do Plano Marshall (1947-1953), uma política exterior de auxílio econômico dirigido as nações europeias arruinadas pela guerra. Basicamente os EUA emprestaram bilhões de dólares para tais países, em troca de acordos comerciais favoráveis, entre outras regalias políticas e econômicas. O capital investido ajudou a resolver alguns problemas básicos enfrentados pelos países em crise. Entretanto, Josef Stálin não apreciou com bons olhos essa ajuda americana aos alemãs, ainda mais depois de descobrir que eles, os britânicos e franceses tramavam por debaixo dos panos. Uma das tramoias foi criar uma nova moeda alemã, mas sem a anuência soviética para debater o assunto. Stálin considerou aquilo um ato de desconfiança com ele. Fato esse que ele instituiu o Bloqueio de Berlim (1948-1949). 

O chamado Bloqueio de Berlim iniciou-se em junho de 1948 e perdurou até maio de 1949, consistindo numa decisão extremista de Stalin, que ordenou o bloqueio de estradas, ferroviais e rios, barrando o envio de alimentos, medicamentos e outros produtos. Basicamente foi determinado que os americanos, franceses e britânicos somente poderiam transportar tais produtos por aviões, sendo determinadas três rotas específicas para abastecer a Berlim Ocidental, pois a Berlim Oriental não sofreu problemas com o bloqueio, pois estava sob administração soviética. De resto, os soviéticos como tinham um exército poderoso, controlavam as vias terrestres e fluviais, mantendo o povo de Berlim sob seu jugo. 

Com o término do bloqueio em 1949, uma decisão política foi tomada, o país foi dividido em dois. O lado oriental ganhou relativa autonomia sendo chamado de República Democrática Alemã, por sua vez, o lado ocidental se tornou a República Federal da Alemanha. A cidade de Berlim permanecia dividida ao meio, ainda sendo respectivamente a capital de uma Alemanha dividida. Contudo, o impasse entre as duas Alemanhas pioraria na década de 1950, culminando na construção do famigerado muro que separou Berlim. 

A Alemanha dividida entre o lado capitalista (azul) e o lado socialista (vermelho). No mapa é possível ver a divisão final do território acordada em 1949, quando foi instituída as duas repúblicas alemãs. 

A construção do muro

Com os investimentos do Plano Marshall na Alemanha Ocidental ou República Federativa da Alemanha, a economia foi se recuperando gradativamente e mais rapidamente. Além disso, ocorreu uma forte americanização cultural nessa parte do país, incluindo a Berlim Ocidental também. Costumes, modas, produtos, ideologias, o consumismo americano foram se tornando parte do cotidiano alemão dos anos 1950, e isso atraiu a atenção dos alemãs que viviam sob o regime socialista, que era menos consumista e seguia uma economia rígida. Com isso, vários alemãs começaram a deixar a Alemanha Oriental e migrarem para o lado ocidental em busca de melhores condições de vida e oportunidades de negócios. 

A situação foi se intensificando ao longo daquela década, levando o governo soviético alemão tomasse uma decisão ríspida: construir um muro para evitar a debandada dos berlineses para o lado ocidental da cidade, assim como, evitar a entrada e contrabando de produtos americanos no lado oriental. 

Em 13 de agosto de 1961 oficialmente o muro que separaria Berlim por mais de vinte anos, começou a ser construído por ordem do presidente Walter Ulbricht, o qual governou a Alemanha Oriental de 1960 a 1973. O Portão de Brandemburgo, um dos cartões-postais da cidade, foi escolhido como marco para separar os dois lados da cidade, fato esse que o muro foi construído na praça diante dele. 

O Muro de Berlim diante do Portão de Brandemburgo em 1961. 

O muro foi erguido ao longo de 1961, no entanto, ele foi ampliado nos anos seguintes, totalizando 155 km de extensão, possuindo 302 torres de vigia, 20 bunkers, além de vários postos, portões e bloqueios. El era feito de tijolos, pedras, concreto, em algumas partes havia barricadas militares em ruas, vias e pontes. Cercas de arame farpado e até trincheiras também foram instaladas. Em alguns trechos chegava haver dois muros, pois ao centro era um campo aberto no qual havia estrada para transporte das tropas, as casernas, postos e até cães de guarda.

Milhares de soldados faziam a patrulha e guarda do longo muro, de dia e noite. Os cidadãos da Berlim Ocidental poderiam ir para as cidades vizinhas, mas eram proibidos de ir para o lado oriental, e vice-versa. Algumas autorizações especiais foram emitidas para permitir a travessia. O ponto de checagem Charlie, foi o mais famoso dos vários postos os quais eram usados para permitir a travessia dos alemães. Todas as pessoas eram ali revistadas para ver se não estavam contrabandeando algo; além dos veículos serem também revistados, pois houve várias tentativas de embarcar pessoas escondidas nos mesmos. 

Berlim dividida

O muro não apenas dividiu a cidade ao meio, mas cercou a Berlim Ocidental inteira, tornando-a uma cidade murada. A ideia era que os berlineses não fossem para o outro lado, exceto se tivessem autorização, pois até para visitar parentes isso foi vetado. Condição essa que famílias entraram em desespero quando souberam que ficariam divididas. Fato esse que alguns tentaram fugir de um dos lados (geralmente do lado oriental) para se unirem. Outras famílias chegaram até a deixar Berlim, partindo para outra cidade. 

Crianças caminhando ao lado de um dos trechos do Muro de Berlim.

Além disso, aqueles que trabalhavam em outro lado da cidade, chegaram a serem demitidos, pois até a licença para trabalhar era vetada em vários casos. Estudantes que iam para a escola ou faculdade do outro lado da cidade, também perderam o direito de continuar a estudar ali, tendo que trocar de escola ou faculdade. A vida e a economia da cidade mudaram drasticamente com a construção do muro, tendo causado forte impacto nos primeiros anos. 

Ao longo dos anos várias pessoas tentaram cruzar o muro, pelo menos 5 mil obtiveram sucesso, embora que outras acabaram sendo presas ou até mortas, pois os guardas tinham autorização para atirar e até matar. Condição essa que muitas das pessoas que conseguiram atravessar o muro o fizeram através de túneis clandestinos, escavados ao longo de meses. Embora nem sempre o plano dava certo, pois os túneis desabavam ou as patrulhas de vigia os localizavam. 

Apesar das reclamações da República Federativa Alemã, dos Estados Unidos, da ONU etc., o muro não foi demolido. A tensão da Guerra Fria evitava medidas extremistas, embora que isso não impediu de haver o medo de uma guerra civil eclodir na cidade, como ocorreu em outubro de 1961, quando o governo americano ameaçou de invadir o lado oriental caso o muro não fosse demolido. 

Tanques de guerra americanos no primeiro plano e ao fundo os tanques soviéticos. Cena da crise de outubro de 1961 no posto de fronteira Charlie. 

A queda do muro

Em 1963 o presidente americano John F. Kennedy fez um discurso histórico se dizendo ser "cidadão de Berlim" e pedia que os soviéticos derrubassem o muro. Seu apelo de nada adiantou. Muitos anos depois, em 1987, o presidente Ronald Reagan discursou diante do Portão de Brandemburgo desafiando o presidente da URSS, Mikhail Gorbachev, a pôr fim a separação de Berlim. Na época, Gorbachev vinha adotando uma política de abertura, favorecendo o fim do endurecimento do regime soviético na URSS, culminando em seu fim em 1991.

Diante das pressões internacionais e da própria política de abertura de Gorbachev, o governo da Alemanha Oriental foi orientado a cogitar pôr fim a separação de Berlim. Em 1989 o governo começou a rever a política de imigração entre as duas Alemanhas, além de ocorrerem em alguns momentos manifestações pedindo o fim da separação na capital e do país. A manifestação de Alexanderplatz, ocorrida em 4 de novembro de 1989, foi um dos mais marcantes daquele ano, reunindo milhares de pessoas naquela praça. 

Nos dias seguintes houve uma confusão no governo da Berlim Oriental, pois os planos de pôr fim a separação já eram concretos, o problema era como anunciar eles, pois parte do governo era contra o fim da divisão. Condição essa que no dia 9 de novembro, apenas à noite foi formalmente informado que a proibição de ir de um lado para o outro da cidade estava suspensa. Apesar da mensagem ter demorado para sair, ao longo daquele dia, os berlineses fizeram protestos nos portões e postos de fronteira. Um dos atos mais marcantes ocorreu entorno do Portão de Brandemburgo, onde milhares de pessoas se reuniram para celebrar e protestar. Muitos subiram no muro, outros fizeram apresentações artísticas, alguns picharam o muro, e alguns levaram marretas e picaretas para começar a quebrá-lo. 

Foto histórica da manifestação de 9 de novembro de 1989, no Muro de Berlim, diante do Portão de Brandemburgo. 

Os soldados na noite de 9 de novembro foram autorizados a abrirem os portões. Nos dias seguintes as pessoas seguiram atravessando os portões, indo encontrar familiares e amigos, até mesmo cumprimentavam estranhos. Manifestações continuaram a ocorrer. Apenas em 1990 o governo autorizou a demolição do muro, que perdurou até 1994. Partes do muro foram cortadas e levadas para museus de outros países, mas alguns trechos ficaram de pé como recordação desses anos trágicos da história de Berlim, podendo serem encontrados espalhados pela cidade, hoje estando com grafites ou pichações. 

Um dos vários buracos abertos no muro. Foto de 5 de janeiro de 1990, ano que o muro começou a ser demolido.
 
Referências bibliográficas

BUCKLEY JR, William F. The Fall of the Berlin Wall. New Jersey, Hoboken, 2004. 
HERTLE, Hans-Hermann. The Berlin Wall. Bonn, Federal Centre for Political Education, 2007. 

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sábado, 26 de agosto de 2023

Os reis citados na Bíblia

Alguns dos livros que compõe o Antigo Testamento possuem relatos históricos, descrevendo mesmo que de forma resumida, o governo de vários reis, enfatizando uma história política e militar. Tais relatos se referem tanto a monarcas de Israel e Judá, como também a soberanos de povos vizinhos que direta ou indiretamente tiveram influência nos reinos hebraicos. 

Faraós

Poucos faraós são citados no Antigo Testamento, curiosamente o mais famoso e importante deles não tem seu nome revelado, sendo simplesmente chamado de Faraó. Alguns historiadores sugeriram que ele teria sido Ramsés II, que teria reinado entre 1279 e 1213 a.C. O problema disso é que o governo dos Juízes de Israel teria durado pelo menos quatrocentos anos, sendo que o primeiro rei israelita assumiu o trono por volta de 1030, tendo sido Saul

Sendo assim, se Ramsés II teria sido o tal Faraó que confrontou Moisés e Aarão, significa que as datas estariam erradas. Além disso, há outro problema: nas crônicas do governo de Ramsés II não há relatos sobre uma saída massiva de hebreus do Egito. Logo, o tal Faraó pode ter sido um monarca anterior, ainda não identificado, ou relato bíblico não é tão exato assim, podendo inclusive ter mesclado elementos lendários e acontecimentos históricos de diferentes épocas. Os faraós são citados principalmente em Gênesis, Êxodo, I Reis, II Reis, I Crônicas, II Crônicas, I Macabeu, Isaías, Jeremias e Ezequiel

  • Faraó da época de Abraão - antes de 1800 a.C
  • Faraó da época de José - antes de 1600 a.C
  • Faraó da juventude de Moisés - antes de 1400 a.C ou 1200 a.C
  • Faraó da velhice de Moisés - antes de 1400 a.C ou 1200 a.C
  • Faraó sogro de Merede - antes de 1100 a.C
  • Faraó cunhado de Hadade - antes de 1000 a.C
  • Psusenés II - 959-945 a.C - possível sogro de Salomão
  • Sisaque I - 945-924 a.C - invadiu o Reino de Judá
  • Taharqa - 690-664 a.C - confrontou o rei assírio Senaqueribe
  • Necao ou Neco II - 610-595 a.C - confrontou o rei Josias de Judá
  • Apriés ou Hofra - 589-570 a.C - confrontou Nabucodonosor II
  • Ptolomeu VI - 180-145 a.C - sogro de Alexandre Balas
O chamado Faraó do Êxodo, caso haja precisão nos eventos relatados, teria sido mais de um monarca, como apontam alguns historiadores e teólogos. Pois de acordo com a Bíblia, Moisés tinha 80 anos quando Deus o chamou para iniciar a missão de libertação dos hebreus. Entretanto, quando criança, Moisés foi adotado pela filha de um faraó. Logo, não teria como ser o mesmo homem, a não ser que ele tivesse mais de 100 anos ou a idade de Moisés esteja errada. Quantos as hipóteses de quem teriam sido os faraós do livro do Êxodo, vários são os candidatos: Pepi I, Amós I, Tutmés II, Tutmés III, Aquenaton, Seti I, Ramsés I, Ramsés II, entre outros. 

Apesar que Ramsés II seja o preferido por conta das menções às cidades construídas por ele, embora não seja uma segurança que ele tenha sido o "faraó do Êxodo", pois o relato pode ter sido atualizado por algum cronista, como ocorreu em outros livros bíblicos. Além disso, Ramsés II faleceu com quase noventa anos, logo, ele não poderia ser o mesmo faraó da infância de Moisés.    

Reis de Israel 

De acordo com os livros bíblicos, a realeza de Israel começou com Saul, escolhido por Deus para essa missão, até porque anteriormente o território era governado por chefes tribais e possuía a figura dos juízes como governantes auxiliares. Após a morte de Salomão o reino de Israel sofreu uma cisão, surgindo o Reino de Judá, governado por outras casas reais. Essa parte da história é vista nos livros de I Samuel, II Samuel, I Reis, II Reis, I Crônicas, II Crônicas, Amós, Osaías, Miquéias e Isaías
  1. Saul - c. 1030 - c. 1010 a.C.
  2. Davi - c. 1010 - c. 970/960 a.C.
  3. Salomão - c. 970/960 - c. 931 a.C.
  4. Jeroboão I - 931-910 a.C
  5. Nadab - 910-909 a.C.
  6. Baasa - 909-886 a.C.
  7. Ela - 886-885 a.C.
  8. Zambri - 885 a.C.
  9. Amri - 885-874 a.C.
  10. Acab - 874-853 a.C.
  11. Ocozias - 853-852 a.C.
  12. Jorão - 852-841 a.C.
  13. Jeú - 841-814 a.C.
  14. Joacaz - 814-798 a.C.
  15. Joás - 798-783 a.C.
  16. Jeroboão II - 783-743 a.C.
  17. Zacarias - 743 a.C.
  18. Seleum - 743 a.C.
  19. Menaém - 743-738 a.C.
  20. Faceias - 738-737 a.C.
  21. Faceia - 737-732 a.C.
  22. Oseias - 732-724 a.C.
Reis de Judá

O Reino de Judá surgiu após a morte de Salomão, quando os territórios do sul de Israel (incluindo a Palestina) se rebelaram contra o governo de Jeroboão I, levando a separação territorial e o surgimento de novas casas reais. Esse reino foi conquistado pelos exércitos babilônicos de Nabucodonosor II. Esses soberanos são apresentados principalmente nos livros de II Reis e II Crônicas. Mas alguns deles voltam a serem mencionados em alguns dos livros dos Profetas Menores. 

  1. Roboão - 931-913 a.C.
  2. Abiam - 913-911 a.C.
  3. Asa - 911-870 a.C.
  4. Josafá - 870-848 a.C.
  5. Jorão - 848-841 a.C.
  6. Ocazias - 848 a.C.
  7. Atalaia - 841-835 a.C.
  8. Joás - 835-796 a.C.
  9. Amasias - 796-781 a.C.
  10. Ozias (Azarias) - 781-740 a.C.
  11. Joatão - 740-736 a.C.
  12. Acaz - 736–716 a.C.
  13. Ezequias - 716-687 a.C.
  14. Manassés - 687–642 a.C.
  15. Amon - 642–640 a.C.
  16. Josias - 640–609 a.C
  17. Joacaz - 609 a.C
  18. Joaquim - 609–598 a.C
  19. Joaquin - 598 -597 a.C
  20. Zedequias - 597–587/586 a.C

Reis Assírios

Os domínios da Assíria que compreendiam o norte da antiga Mesopotâmia, ou atualmente o norte do Iraque e territórios vizinhos, existiram por séculos. Entretanto, no século VIII a.C, Salmanaser V e Sargão II conquistaram o Reino de Israel, subjugando ao seu poder. Além disso, Senaqueribe chegou a ordenar a invasão do Reino de Judá, mas não obteve sucesso em conquistá-lo totalmente, mas manteve ocupado parte de seu território. Esses monarcas são citados em II Reis, II Crônicas, Esdras e Isaías.

  • Salmanaser V - 727-722 a.C
  • Sargão II - 722-705 a.C
  • Senaqueribe - 705-681 a.C
  • Assaradão - 681-669 a.C
  • Assurbanipal - 669-627 a.C

O livro de Tobias inclui Nabucodonosor II como rei assírio e governando a partir de Nínive, mas são dados incorretos. A cidade de Nínive foi destruída e saqueada em 612 a.C pelo pai de Nabudoconosor, e esse somente começou a governar anos depois, cuja capital era a Babilônia. Além de que ele nunca usou o título de rei assírio. 

Reis Babilônios

A Babilônia era uma cidade com mais de três mil anos de história, tendo sido uma cidade-Estado depois um reino e império. Na Bíblia enfatiza-se bastante a época dos séculos VII a.C e VI, a.c que marcaram o período do exílio dos hebreus naquele reino. Esse período é referido como Império Neobabilônio, que marcaria o fim da autonomia desse povo, já que seus domínios seriam conquistados pelos persas. Os monarcas desse reino são mencionados em II Reis, II Crônicas, Esdras, Neemias, Tobias, Daniel. Nabucodonosor II também é mencionado em Jeremias

  • Nabucodonosor II - 604-562 a.C
  • Evil-Merodaque - 562-560 a.C
  • Nabonido - 556-539 a.C
  • Belsazar ou Baltazar - 556-539 a.C (corregente de seu pai Nabonido)
Os livros bíblicos não citam os usurpadores Neriglissar (560-556 a.C) e Labasi-Maruque (556 a.C). Além disso, o livro de Daniel diz que com a morte de Belsazar (ou Baltazar), a Babilônia foi governada pelo rei Dario, o Medo. Todavia, historicamente quem assumiu o governo foi Ciro, o Grande. Provavelmente o tal Dario fosse algum governador. 

Reis Persas

A Pérsia foi um vasto império que surgiu no século VI a.C, formado a partir das conquistas promovidas pelo rei Ciro II, que mais tarde ficou conhecido como Ciro, o Grande. Foi durante seu longo reinado que a Babilônia foi conquistada e os judeus foram libertados de seu cativeiro, sendo autorizado o retorno deles para Israel e Judá. Alguns dos sucessores de Ciro, como Xerxes e Artaxerxes mantiveram a política de permitir os judeus reconstruírem suas cidades. Dos reis persas que governaram nos séculos VI e V, apenas quatro são mencionados na Bíblia, aparecendo principalmente nos livros de Esdras, Neemias, Tobias, Judite e Ester. Sendo eles: 

  • Ciro II, o Grande (559-530 a.C) - fundou o império persa
  • Dario I, o Grande (522-486 a.C) - invadiu a Grécia e falhou
  • Xerxes I (486-465 a.C) - invadiu a Grécia e falhou 
  • Artaxerxes I (465-424 a.C)
O filho de Ciro II, Cambises II (530-522 a.C) e o usurpador Esmérdis (522 a.C) não são citados nos relatos bíblicos. 

Além disso, no livro de Ester, o rei persa é chamado de Assuero, o qual costuma ser associado como sendo Xerxes, mas alguns historiadores e teólogos apontam que poderia ter sido Artaxerxes devido a alguns acontecimentos citados nesse livro. O problema é que o nome de Ester não consta como rainha de nenhum desses monarcas, o que abre margem para questionar se ela existiu de fato, ou se existiu não teria sido uma rainha, talvez uma concubina, ou ela teria tido outro nome entre os persas. 

Reis da Macedônia

Esses monarcas são citados apenas no livro I Macabeu, para se referir a origem do Helenismo, quando a cultura grega foi difundida para o Oriente Médio, sobretudo por conta do império de Alexandre, o Grande. Assim, os antigos reinos de Israel e Judá foram helenizados, adotando a língua grega e costumes daquele povo, algo que gerou conflitos séculos depois, como narrado nesse livro bíblico. 
  • Felipe II da Macedônia - 359-336 a.C - conquistou a Grécia
  • Alexandre, o Grande - 336-323 a.C - conquistou o Império Persa
  • Felipe V da Macedônia - 221-179 a.C
  • Perseu da Macedônia - 179-168 a.C - rendeu-se aos romanos
Reis Selêucidas

Após a morte de Alexandre, o Grande em 323 a.C, seu império foi usurpado de seu herdeiro legítimo, Alexandre IV, sendo dividido entre os generais veteranos. Nesse caso, os domínios que compreendiam boa parte do antigo Império Pérsia da época de Dario III, foram herdados pelo general Seleuco I. Assim, os domínios selêucidas foram mantidos pelos séculos seguintes, incluindo os territórios da Judeia. Fato esse que no século II a.C, MatatiasJudas Macabeu, Jônatas e Simão confrontaram os selêucidas por anos para tentar libertar as terras dos judeus. Essa história é narrada nos livros I Macabeu e II Macabeu
  • Antíoco III - 223-187 a.C - promoveu a tolerância religiosa com os judeus
  • Antíoco IV - 175-164 a.C - ordenou perseguições ao Judaísmo
  • Antíoco V - 164-161 a.C
  • Demétrio I - 161-150 a.C - mandou matar Judas Macabeu
  • Alexandre Balas - 150-145 a.C - negociou com Jônatas
  • Demétrio II - 145-138 a.C - usurpou o trono de Balas
  • Antíoco VI - 144-142 a.C - eleito herdeiro oficial de Balas
  • Diódoto Trifão - 142-138 a.C - protetor de Antíoco VI
  • Antíoco VII - 138-129 a.C - governou no lugar do irmão Demétrio II
  • Demétrio II - 129-125 a.C - retornou da prisão na Pártia
Reis da Judéia (ou Reis Herodianos)

Na época do Império Romano, os territórios de Israel e da Palestina compreendiam as províncias da Judeia, Síria e Arábia Pétrea. Neste caso, temos menções a Dinastia Herodiana, iniciada com Herodes, o Grande que teve vários filhos e filhas, cujos alguns dos seus descendentes foram monarcas, mas a maioria viveu como nobres, e alguns atuaram como governadores (tetrarcas). Os primeiros Herodes são citados nos Quatro Evangelhos e os demais em Atos dos Apóstolos.
  • Herodes, o Grande - 37-4 a.C
  • Herodes Arquelau - 4 a.C - 6 d.C (sucedido por governadores romanos)
  • Herodes Agripa I - 41-44 (rompeu com os romanos)
  • Herodes Agripa II - 48-92/100 (rei vassalo dos romanos)
Existe um debate entre os historiadores e teólogos se teria sido Herodes, o Grande ou Herodes Arquelau que teria ordenado o censo que levou José a voltar para Belém, acarretando nesse processo a condição de Maria dar à luz a Jesus durante a viagem. A ideia de que Jesus teria nascido no ano 1 d.C, é questionada por historiadores e até teólogos, os quais apontam que ele poderia ter nascido nos últimos anos do reinado de Herodes, o Grande. Vale ressalvar que a divisão temporal Antes de Cristo e Depois de Cristo somente foi adotada séculos depois desses eventos. 

Imperadores Romanos

Os monarcas de Roma são normalmente chamados pelo título de César, embora que no Evangelho de Lucas temos a menção ao nome do imperador Tibério, em Atos dos Apóstolos cita-se o imperador Cláudio. Todavia, a partir da época de alguns eventos ocorridos nos séculos I a.C e I d.C, é possível identificar os reinados desses imperadores. Por exemplo, o governo de Herodes, o Grande, que governou sob o reinado de Augusto; a gestão de Pôncio Pilatos durante o governo de Tibério; a expulsão dos judeus de Roma, durante o governo de Cláudio; a visita de Paulo à Roma durante o governo de Nero. 
  • Augusto - 27 a.C - 14 d.C
  • Tibério - 14-37
  • Cláudio - 41-54
  • Nero - 54-68
O imperador Calígula (37-41) não é citado na Bíblia

Outros reis mencionados:

Nos livros de Gênesis, Êxodo, Números, Josué, Rute, Juízes, I Samuel, II Samuel, I Reis, II Reis, I Crônicas, II Crônicas, citam reis de Jerusalém, Moab, Amon, Edom, Sidônia (Fenícia), Cananéia, Filistéia etc., porém, o reinado desses monarcas é de difícil identificação por falta de evidências históricas e arqueológicas, além de haver a questão de que alguns supostos reis desses povos poderiam ter sido governadores ou chefes tribais, não soberanos de fato. 

Sabe-se que Moisés, Josué, Saul e Davi lutaram contra vários reis de povos vizinhos, a maioria nem se quer tem o nome citado, o que dificulta sua identificação. Por exemplo, no relato de Josué 12:9-24 é citado que Josué venceu 31 monarcas. Seus nomes não são citados, embora nesse mesmo capítulo cite-se Siom, rei dos Amorreus e Og, rei de Basã. Além disso, os locais dos quais os 31 reis governavam, eram pequenos territórios que lembrariam a condição de eles parecerem mais chefes ou governadores, como comentado anteriormente. 

Melquisedeque, que viveu na época de Abraão, era o rei de Salém, cidade não identificada com clareza, embora algumas hipóteses sugerem que ela poderia estar situada em terras nas quais Jerusalém hoje se encontra. Ainda na época de Abraão recordamos a condição de que havia cidades pecadoras como Sodoma e Gomorra, que eram governadas por reis cujos nomes não são citados. 

A Rainha de Sabá que foi visitar o rei Salomão, é outra monarca da qual nada se sabe. Biblicamente ela aparece poucas vezes e teria vindo de um reino ao sul de Jerusalém, situado em algum lugar da península arábica. Outras tradições apontam que a rainha se tornou uma das esposas de Salomão e até deu origem a realeza da Etiópia. 

NOTA: O rei Ezequias de Judá é citado no livro de Isaías
NOTA 2: Os reis Manassés, Josias, Joaquim e Joaquin são mencionados no livro de Jeremias. Inclusive algumas menções são indiretas, pois referem-se a acontecimentos ocorridos durante seus reinados. 
NOTA 3: Os reis Joaquim, Joaquin e Nabucodonosor são citados também nos livros de Baruc, Ezequiel e Daniel
NOTA 4: No livro de Ezequiel é mencionado um rei de Tiro que era inimigo de Judá, e foi atacado por vários anos pelos exércitos de Nabucodonosor. O nome do monarca não é citado, mas os historiadores apontam que possa ter sido Hirão II, pois em seu reinado a cidade de Tiro foi destruída pelos babilônios. 
NOTA 5: No livro de Ezequiel, Magog é referido como um reino bárbaro e governado pelo rei Gog, que também era príncipe de Meseque e Tubal. Porém, em outros livros bíblicos Magog, Meseque e Tubal são nomes de alguns homens, não o nome de lugares. Existem dúvidas se Gog realmente teria sido um governante real ou apenas um monarca fictício para servir de exemplo para o relato de Ezequiel. Exemplo esse reaproveitado no livro de Apocalipse. 
NOTA 6: No livro de Daniel é citado brevemente o rei Astiages (610-540 a.C) último monarca dos Medos, que foi destronado por Ciro, o Grande. 
NOTA 7: Alguns Herodes citados no Novo Testamento não foram reis, mas governadores (tetrarcas) como o caso do pai e tio de Salomé, os quais ambos se chamavam Herodes. Neste caso, ela é lembrada por ter mandado matar o profeta João Batista. 
NOTA 8: Herodes Agripa II na prática era um governador (tetrarca) que usava o título de rei em caráter simbólico, pois ele era vassalo dos imperadores romanos. Sendo assim, seu longo governo que vai de 48 até sua morte em 92 ou 100, deve ser visto como um mandato de governador. 

Fonte:
Bíblia de Jerusalém. Nova edição, revista e ampliada. 12a reimpressão [2017]. São Paulo, Paulus, 2002. 

Referências bibliográficas:
FREEDMAN, David Noel (ed.). The Anchor Yale Bible Dictionary. New York, Doubleday, 1992. 
KASCHEL, Werner; ZIMMER, Rudi. Dicionário da Bíblia Almeida. 2a ed. Baueri, Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. 

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segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Os Yokais no folclore japonês

Graças a popularidade dos mangás, animes e videogames, figuras do folclore japonês como os yokai se difundiram pelo mundo, sendo bastante representadas em diferentes narrativas, sendo até adaptadas para os padrões atuais. Entretanto, esses seres não seriam meros monstros de lendas, mas também possuíam e ainda possuem funções religiosas nas crenças populares do Budismo e do Xintoísmo. O texto a seguir apresenta o conceito de yokai e seus desdobramentos. 

O conceito de yokai:

A palavra yokai engloba uma série de seres sobrenaturais como fantasmas, animais fantásticos, onis, monstros, entidades espirituais etc. Por conta dessa diversidade de seres, traduzir yokai como "fantasma", "demônio" e "monstro" é impreciso, pois há casos de yokais que possuem a forma humana e de animais; além de que nem todo yokai seja uma criatura maléfica. Sendo assim, os folcloristas hoje em dia preferem interpretar yokai como uma "criatura sobrenatural", já que o termo em si tenha um caráter mais de categoria (referir-se a um conjunto de seres) do que especificar algo em particular. (FOSTER, 2015). 

Pintura retratando alguns yokais. Datação incerta, mas pertenceu ao Período Muromachi (1336-1573). 

Os yokais podem assumir a forma humana, de animais, de plantas, de objetos, de estruturas (geralmente casas e santuários) e até aparecerem personificados como elementos da natureza como o vento, a chuva, o fogo, raios e trovões. Vale ressalvar que alguns yokais podem mudar de forma também, o que revela como essas criaturas são ainda mais complexas. Nota-se como essa categoria abrange diferentes tipos de seres sobrenaturais como assinalado anteriormente. 

Os yokais podem ser criaturas tolas, pequenas e fracas, mas também podem ser seres inteligentes, grandes e poderosos; alguns fazem uso de magia; outros yokais conseguem transitar entre o mundo dos vivos e dos espíritos. Não obstante, nem todo yokai é maléfico, pois alguns são apenas trapaceiros e brincalhões, e tem alguns que ajudam as pessoas também. (FOSTER, 2015). 

Há yokais que existem na própria natureza, outros vieram do mundo espiritual e há casos de humanos que se tornaram yokais, porque foram amaldiçoados, reencarnaram ou sofreram alguma morte trágica ou cruel, lhes deixando cheios de sofrimento, ódio e rancor e eles se tornam yokais geralmente do tipo fantasma ou assombração. Em outro casos há yokais que podem ser filhos de humanos, ou seja, são meio-humanos (hanyo). E esses seres híbridos podem possuir alguns poderes yokai. (FOSTER, 2015). 

Nure-onna é um tipo famoso de yokai no folclore japonês. 

Explanado de forma breve sobre o conceito de yokai, vejamos algumas subcategorias a ele associada, as quais expressam algumas particularidades específicas. Vale ressalvar também que excetuando-se os fantasmas (yusei) e os dragões (ryu), alguns folcloristas consideram que os bakemonos podem ser também tratados como yokais. 

1) Bakemono ou obake: 

A palavra bakemono significa "o que troca de forma", porém, hoje ela é usada até mesmo pelos próprios japoneses para se referir ao conceito de monstro e fantasma (aqui no sentido de assombração). Entretanto, os bakemonos não necessariamente possuem uma forma fantasmagórica, alguns são animais fantásticos, espíritos da natureza e até objetos possuídos (tsukumogami). (ROBERTS, 2009, p. 11). 

Por exemplo, animais como a kitsune (uma raposa mítica), a kappa (um tipo de monstro aquático), o nekomata (gato de duas caudas), o bake-danuki (guaxinim mítico), tais seres são bakemonos, os quais inclusive podem mudar de forma (incluindo assumir forma humana) ou terem um aspecto mais monstruoso como no caso das kappas, que são criaturas travessas e maléficas que habitam rios e lagos. Mas a própria kitsune também pode agir de forma malvada, enganando, roubando, trapaceando e possuindo pessoas, agindo como espíritos obsessores. 

Uma mulher confrontando uma kitsune de nove caudas. 

Além disso, a palavra bakemono possui etimologia associada com baku, termo usado para se referir a um tipo de assombração espiritual. O baku consiste num monstro quimérico, ou seja, seu corpo é formado por diferentes partes de animais, o qual aparece durante o sono e se alimenta dos sonhos, a manifestação do "devorador de sonhos". Quando um baku acomete uma pessoa ele causaria os pesadelos. Nesse ponto ele é associado a manifestação monstruosa do pesadelo, algo visto em outros folclores também. (ROBERTS, 2009, p. 12). 

Representação de um baku, o devorador de sonhos. 

Existem outros bakemonos com aspectos mais específicos, um deles são os kodamas, espíritos da natureza que normalmente vivem em florestas, mas podem aparecer em montanhas também. Os kodamas estão associados a proteção da floresta, habitando em árvores, tocas e cavernas. Eles são associados com os elfos do folclore escandinavo e as dríades da mitologia grega. Por conta de seu papel como guardiões das matas, os kodamas recebiam oferendas e orações também. Em geral, são descritos como seres pacíficos e tímidos, pois raramente se manifestam diante dos humanos, não tendo uma forma definida, apesar que podem aparecer em forma de animais, pessoas e outros seres. Todavia, os kodamas como guardiões da floresta, eles podem punir aqueles que as destroem, derrubando árvores antigas, desmatando, queimando, caçando de forma irresponsável. (FOSTER, 2015, p. 198-199). 

Kodamas como vistos no filme Princesa Mononoke (1997). 

Outro tipo de bakemono específico são os tengus ("cão do paraíso"), os quais aparecem como seres híbridos, apresentando corpo humano, asas, nariz comprido, bico ou cabeça de corvo (karasu tengu ou kotengu). Os tengus são apresentados de duas maneiras, ora como criaturas protetoras, pacíficas e cultas, mas também como seres perigosos e traiçoeiros, causando problemas e crimes. Eles costumam serem bastante representados na arte japonesa, inclusive no teatro e em cerimônias é possível encontrar máscaras de tengus com rosto vermelho e nariz comprido. (FOSTER, 2015, p. 261-263). 

Uma máscara de tengu. 

Algumas lendas falam de tengus especialistas em magia e artes marciais, os quais ajudaram algumas pessoas, lhes tomando como seus discípulos. Alguns tengus também agiriam como protetores de alguns lugares tidos sagrados, incluindo templos, por isso sua associação com a palavra "cão", aqui no sentido de "cão de guarda". Por outro lado, existem narrativas que os retratam como tendo a função do "bicho-papão", acometendo as crianças que se perdiam nas florestas e montanhas. Em outros casos as pessoas contavam histórias sobre tengus que sequestravam crianças travessas, como forma de inculcar medo nelas para que assim se comportassem melhor com base no medo de poderem serem levadas embora por um tengu. (ROBERTS, 2009, p. 115; FOSTER, 2015, p. 261). 

Estátua de um tengu num templo.

Os tsukumogamis (objeto-espírito) são um tipo de bakemono bem específico, pois enquanto os outros citados são normalmente animais ou seres antropomórficos, essa classe se refere aos bakemonos que são objetos encantados ou possuídos. (FOSTER, 2015, p. 390). Existem vários termos específicos para nomear esses seres conforme os objetos que eles representam, por exemplo, bake-zori (sandálias de palha), ungaikyo (espelho), zorigami (relógio), furu-utsubo (jarra de saquê), kasa-obake (guarda-chuva ou sombrinha). 

A manifestação de um tsukumogami pode ocorrer de distintas formas: um bakemono incorporou num objeto (possessão) ou a criatura aprisionou algum espírito num objeto; em alguns casos há yokais que usam seus poderes para animar os objetos, conjurando-os de magia animadora, tornando os objetos em tsukumogamis. Esses bakemonos podem ser usados para causar sustos, travessuras, mas também provocar acidentes e assombração. (FOSTER, 2015, p. 407-408). 

No caso, não há uma representação exata desses seres, dependendo do artista eles podem aparecer como objetos comuns os quais flutuam, mas há representações que os mostram tendo olhos, rostos, cabelos, chifres, dentes, braços e pernas. 

Um tsukumogami em forma de lanterna. Hokusai, entre 1826 e 1837. 

2) Oni:

Normalmente a palavra oni costuma ser traduzida como demônio ou monstro, de certa forma, tais traduções não estão erradas, pois, de fato, tratam-se de criaturas com aspectos monstruosos e que causam malefícios. No caso, a palavra oni advém de onu (invisível ou algo que não se enxerga). Sendo assim, de acordo com as crenças quando algo de ruim ocorria, punha-se a culpa nos onis, seres inicialmente considerados invisíveis, os quais agiam para prejudicar as pessoas, por conta disso haver orações e ritos para afastá-los e se proteger de suas ações. (PIGOTT, 1969, p. 62). 

Com o advento da arte japonesa, essa ajudou a conceder características físicas aos onis, sendo esses retratados em forma humanoide, como criaturas robustas, brutas e feias, podendo possuir chifres, barba, presas e garras. Alguns apresentam faces antropomórficas como se fossem de urso, leão, lobo e boi. Ele também podem aparecer nas cores azul, verde, vermelho, cinza, preto, marrom. Os onis são representados como tendo grande força e até mesmo devorariam os seres humanos. (PIGOTT, 1969, p. 62). 

Uma mulher ameaçada por um oni azul. Soga Shokaku, c. 1764. 

Por conta dessas características mais bestiais, hoje em dia folcloristas e estudiosos de outros países costumam associar os onis as figuras do ogro e do troll, os quais no folclore nortenho europeu apresentam funções similares, sendo criaturas que costumam causar dano ou até matarem as pessoas, sendo que essas bestas se esconderiam em florestas, cavernas ou debaixo de pontes. 

3) Yurei

O termo yurei ("espírito fraco" ou "espírito obscuro") costuma ser traduzido como fantasma ou alma penada, sendo ele um tipo de yokai. Os yureis normalmente são representados como sendo fantasmas de pessoas, mas há casos de serem também fantasmas de animais e outros yokais. No Japão, histórias sobre fantasmas (kaidan) são bastante populares, havendo centenas delas, e normalmente eles originam-se a partir de momentos trágicos e violentos: acidentes, assassinatos, suicídio, catástrofes etc. Em alguns casos os fantasmas também surgem porque a pessoa foi amaldiçoada ou morreu com muito rancor, tristeza e ódio. (FOSTER, 2015, p. 53-54). 

Pintura de um yurei datada por volta de 1700. 

Tradicionalmente os yurei costumam serem representados usando roupas brancas, geralmente um kimono. Todavia, como os costumes mudaram, os yurei atuais aparecem usando vestes mais modernas. Eles também costumam serem retratados como não tendo pés, sendo um indicativo de estarem mortos. Antigamente também os retratavam sem os pés e mãos. Em alguns casos os yurei podem aparecer sem uma forma definida, surgindo como se fosse uma nuvem ou uma bola espectral nas cores azul, verde ou roxa, chamada hitodama

Os yureis podem aparecer conservando sua fisionomia original, mas há casos que eles surgem de forma mais feia, podendo ter aspecto cadavérico e até feições monstruosas. Alguns yurei também podem praticar vários males, havendo necessidade de serem exorcizados, por conta disso, os monges budistas e sacerdotes xintoístas desenvolveram técnicas de exorcismo, orações e ritos para mantê-los afastados. (FOSTER, 2015, p. 55). 

Embora fantasmas sejam associados em geral a histórias de terror, nem todo yurei é vingativo ou malvado, há aqueles que são bons, mais devido a algum problema não conseguiram seguir para a outra vida, então buscam a ajuda dos vivos para fazer isso. E há casos de alguma pessoa que se manifesta como fantasma para avisar ou ajudar alguém. 

O folclore japonês possui diferentes termos para classificar os tipos de yurei, alguns mais comumente usados são:

  • Onryo: fantasma vingativo, considerado bastante perigoso, pois ele pode atacar tanto aqueles que o feriram, quanto outras pessoas que não tem nenhuma culpa. 
  • Goryo: é a variação do onryo, mas está ligado a um fantasma de alguém que era nobre ou rico. 
  • Funayurei: fantasma de pessoa que morreu no mar.
  • Zashiki-warashi: fantasma de criança. 
  • Ubume: fantasma de uma mãe que morreu no parto ou morreu deixando filhos pequenos. 
  • Fuyurei: fantasma flutuante que vagueia sem um propósito definido. Não necessariamente causam males. 
  • Jibakurei: fantasma que ficou preso nesse mundo por algum motivo específico, não necessariamente por conta de ódio, vingança e maldição. 
  • Ikiryo: consiste na projeção astral em que uma pessoa consegue projetar seu espírito e controlá-lo. O termo inclusive é traduzido como "fantasma vivo". 

Representação clássica de um yurei com seu quimono branco. 

4) Ryu

A palavra ryu designa o dragão japonês, entretanto, existem vários tipos de dragões no folclore e na mitologia do Japão. Alguns são pequenas criaturas e outros podem ser monstros imensos. Alguns dragões podem assumir a forma humana. Todavia, a grosso modo todo dragão seria um yokai, entretanto, existem alguns dragões que são classificados como kamis (deuses) por conta de seu papel religioso. Entretanto, aqui os tratamos mais especificamente como sendo yokais por conta de serem criaturas sobrenaturais. 

Os dragões japoneses são seres associados com a água, em especial o mar, mas eles também podem aparecer associados com montanhas, chuva, raios e trovões. Os dragões podem ser criaturas benevolentes e sábias, a ponto de serem cultuados como divindades, por isso existir templos e cerimônias dedicados aos deuses-dragão; porém, há outros que agem de forma mesquinha, invejosa e violenta, personificando as forças destrutivas da natureza. 

Um dragão voando diante do Monte Fuji. Ogata Gekko, 1897. 

Várias lendas japonesas costumam associar histórias de princesas com dragões, em que as princesas seriam filhas desses ou tentavam de alguma forma roubar algum artefato mágico dos palácios desses dragões. Outras narrativas também apresentam lendas sobre dragões que causaram inundações, tempestades, terremotos e erupções vulcânicas. 

NOTA: A palavra mono-no-ke era usada no passado, especialmente no Período Heian (794-1185), para se referir aos fantasmas vingativos. Hoje em dia o termo tem pouca usabilidade, optando-se em usar onryo ou goryo. Inclusive esse termo foi escolhido pelo Studio Ghibli para seu famoso filme Princesa Mononoke (1997), cuja personagem age de forma vingativa para proteger uma floresta cujos kodamas são ameaçados pelo ser humano. 
NOTA 2: O Hyakki Yagyo é um termo usado para se referir a uma "parada de yokais", que ocorre à noite em determinadas épocas do ano, geralmente associado a eclipses lunares, dias sombrios, feriados dos mortos etc. Esse desfile de monstros ocorreria por estradas, campos e cidades, e as pessoas deveriam evitar se aproximar para não serem raptadas ou mortas. 
NOTA 3: O mangá e anime Inuyasha (1993-2008) é famoso por retratar vários tipos de yokais. 
NOTA 4: Os jogos Nioh (2017) e Nioh 2 (2020) também trazem uma variedade de yokais. 
NOTA 5: No mangá e anime Demon Slayer, os onis são retratados de forma variada, apresentando características de outros yokais. 
NOTA 6: A franquia de jogos Fatal Frame é conhecida por abordar a temática dos yureis. 

Referências bibliográficas: 

FOSTER, Michael Dylan. The Book of Yokai: mysterious creatures of Japanese Folklore. Oakland, University California Press, 2015. 

PIGOTT, Juliet. Japanese Mythology. London, The Hamlyn Publishing, 1969. 

ROBERTS, Jeremy. Japanese Mythology A to Z. 2. ed. New York, Chelsea House, 2009.