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Leandro Vilar

terça-feira, 12 de março de 2024

Charles Boycott e a origem do boicote

Alguns nomes entraram para a História de forma negativa, sendo lembrados como tiranos, ditadores, criminosos, pessoas cruéis no geral. Mas há casos em que nomes acabam originando termos, como aconteceu com o militar britânico Charles Boycott, cujo nome originou a palavra boicote, uma forma de protesto. 

Charles Cunningham Boycott (1832-1897) era filho do reverendo William Boycott e Georgiana, tendo nascido em Norfolk, cidade onde seus antepassados habitavam desde o século XVII. Boycott foi enviado para estudar em Londres e não se interessou pela carreira religiosa do pai, mas demonstrou interesse na carreira militar, adentrando em 1848 na Royal Military Academy de Woolwich, graduando-se como oficial em 1850. Ele foi admitido no 39o Regimento de Infantaria

Retrato de Charles Boycott

Ele serviu regularmente no Exército pelos vinte e três anos seguintes, quando em 1872 recebeu um convite do governo para trabalhar nas terras de Lorde de Earne, John Critchton (1802-1885). O lorde possuía muitas terras na Irlanda e atuava como político na Inglaterra, não indo visitar suas propriedades no outro país. A contratação de Boycott ocorreu pela condição que o governo britânico começava a recrutar militares de carreira mal sucedida ou enfadados com seus postos. Na época ele contava com 40 anos, e era capitão. Então Boycott deixou o exército para aceitar o cargo, já que sua carreira militar estava estagnada. 

Boycott se mudou para Lough Mask no oeste da Irlanda, onde ficavam as terras de Lorde Earne. Ali Boycott recebeu um casarão e uma fazenda, onde além de atuar como agente de terras para o lorde e o governo, passou a ser fazendeiro também. Boycott viveu em Lough Mask pelos oito anos seguintes trabalhando de forma diligente, mas desenvolvendo inimizade com a maioria dos camponeses pela condição de ser rude e autoritário. 

Localização da região de Lough Maskn na Irlanda, onde Boycott viveu por 8 anos. 

Os atrasos dos aluguéis e outros tributos pelos quais Lorde Earne se queixava, devia-se a miséria do campesinato, porém, para o nobre e o ex-capitão, isso era tido como má vontade dos moradores, por conta disso, em distintas ocasiões Boycott mandou despejar quem atrasava o aluguel, além de mandar aplicar multas por motivos diversos e até prender supostos vadios e desordeiros. Isso acabou desenvolvendo uma má percepção dos moradores para ele, o que piorava com o fato do seu autoritarismo e de ser em inglês, numa época em que os irlandeses não gostavam de serem governados e mandados pelos ingleses, embora que vários fazendeiros ricos na Irlanda fossem de origem inglesa. 

A situação para Charles Boycott se agravou apenas em 1880, oito anos depois de ele ter chegado a Irlanda. Naquele ano Michael Davitt (1846-1906), ativista político e membro do movimento republicano irlandês, um dos fundadores da Liga Nacional da Terra (1879), defendia ideais republicanas, nacionalistas e de reforma agrária. Davitt sabendo dos desmandos cometidos por um aristocrata inglês de nome Boycott, decidiu combatê-lo. 

Retrato de Michael Davitt, o qual fez campanha contra Boycott. 

Davitt ná tinha sido preso em 1870 por contrabando de armas, pois planejava uma revolução na Irlanda para conseguir a independência do país e o estabelecimento de uma república. Condição essa que ele sabia agir de forma enérgica quando necessário. Porém, para evitar brigas, sua estratégia foi diferente: ela consistiu em minar o autoritarismo de Boycott usando-se da indiferença e falta de apoio ao mesmo.

Davitt ao lado de seu amigo o político Charles Stewart Parnell (1846-1891) numa verdadeira ação de luta de classes, mobilizaram os camponeses das terras de Lorde Earne e de outras propriedades vizinhas, fazendo-os desenvolver consciência de classe e reivindicar seus direitos. Entre as reivindicações estava pedir aluguéis mais dignos e não abusivos como eram feitos, garantia de emprego sem demissões arbitrárias, direito de livre comércio, pois até então o comércio dos camponeses era até controlado por Boycott, mesmo que fosse a produção própria deles. 

Evidentemente que Lorde Earne detestou aquilo e mandou Boycott agir para acabar com aqueles protestos. Uma medida inicial foi dar desconto de 10% nos aluguéis, mas parte dos camponeses não concordou com aquilo e iniciaram uma greve, atrasando a colheita. Boycott exigiu que voltassem a trabalhar ou seriam demitido, todavia, alguns dos grevistas decidiram pedir demissão, já que o trabalho era pesado e o salário baixo. Isso começou a desandar em agosto. 

Além da greve e da demissão de alguns dos trabalhadores, os grevistas adotaram outras medidas para diminuir o autoritarismo de Boycott: ele não seria cumprimentado na rua e nos lugares públicos, os comerciantes parariam de vender produtos para ele, nas missas ninguém se sentaria ao lado dele, funcionários deles deveriam fazer greve também. Alguns até começaram a fazer isso, mas outros como capatazes, empregadas, lavandeiras, cocheiros, cavalariços, simplesmente começaram a ir embora. Carteiros pararam de entregar correspondência dele. 

Boycott sem poder comprar comida e outros produtos na propriedade, teve que mandar trazer de outras fazendas, pois ninguém queria vender para ele. Além disso, parte dos capatazes há se oposto a ele, o que significava que ele perdeu seus "soldados". A situação piorou nos meses de setembro e outubro. Charles Boycott escreveu uma carta ao governo britânico pedindo ajuda, pois estavam refém dos camponeses revoltados. Eles faziam manifestações em sua propriedade, além de terem ameaçado seus funcionários, forçando-os a se demitir. A carta de Boycott ganhou a atenção do jornalista Bernard Becker do Daily News, que foi visitá-lo e iniciou uma campanha de arrecadação de fundos e mão de obra para ajudar o "pobre Boycott" que estava sem empregados e sua colheita ameaçava se perder. 

A ajuda chegou em em fins de novembro, quando em 27 de novembro de 1880, Boycott e sua família foram escoltados por um batalhão de hussardos até a estação de trem mais próxima, de onde seguiram para Dublin. De lá, no dia 1 de dezembro tomaram um navio de volta a Inglaterra.

Outras manifestações se espalharam pelo país ao longo de dezembro e janeiro. Davitt, Parnell e outros envolvidos chegaram a serem presos, acusados de revolta, não pagamento de aluguéis, desordem social etc. Davitt seguiu preso mais tempo do que Parnell, que voltou a lutar pelos direitos dos irlandeses. Em 1881 foram aprovadas a leite de coerção para punir aqueles que faziam revoltas, greves e se negavam a pagar os aluguéis, assim como, foi aprovada uma lei de terras para regulamentar o pagamento dos aluguéis e tributos. 

O nome Boycott passou a ser usado ainda naquele período como "boycott" ou boicote para designar uma forma de protesto sem violência. Charles Boycott arranjou outros empregos e seguiu com sua vida na Inglaterra, eventualmente viajando para a Irlanda para passar férias, mas se retornar a Lough Mask. Ele faleceu em 1897 aos 65 anos, já doente. 

NOTA: Boycott chegou a publicar uma autobiografia. Assim é possível conhecer seu ponto de vista acerca do boicote que ele sofreu em 1880 na Irlanda. 

Referências bibliográficas: 

COLLINS, M. E. History in the Making - Ireland 1868-1966. Dublin, The Educational Company of Ireland, 1993. 

MARLOW, Joyce. Captain Boycott and the Irish. [s.l], André Deutsch, 1973. 

domingo, 10 de março de 2024

O dinheiro em diferentes épocas

Ao longo da História diferentes formas de dinheiro foram desenvolvidas, algumas bastante antigas ainda perduram hoje em dia, mesmo tendo surgido há milhares de anos. Dessa forma, o presente texto apresenta algumas dessas formas pelas quais o dinheiro se manifesta. 

Conceito de dinheiro

O dinheiro refere-se a meios que representam valores reais através de suportes físicos (materiais) ou virtuais (imateriais). Esses meios podem ser moedas, cédulas, cartão de crédito, cheque, conta bancária, nota promissória, bilhete premiado, vales etc. O dinheiro também pode estar manifestado através de mercadorias, produtos, animais, plantas, imóveis etc. O dinheiro também é referido como ativo financeiro, que consiste em qualquer coisa que represente um valor econômico positivo aceito para se efetuar atividades econômicas diversas. 

Dessa forma, o dinheiro consiste em meios pelos quais é possível adquirir produtos, mercadorias, imóveis, móveis etc; além de adquirir serviços diversos. O dinheiro é usado para se pagar salários, impostos, tributos, taxas, licenças, autorizações etc. 

O dinheiro também representa a capacidade de poder aquisitivo de uma pessoa na sociedade, o que expressa os parâmetros de riqueza e pobreza. Atualmente em muitas sociedades esses parâmetros estão divididos em classes sociais, indo desde os miseráveis que passam fome regularmente, não possuem habitações adequadas, estão desempregados e padecem de outros problemas; até as classes altíssimas, formadas por bilionários. 

Atualmente no século XXI o dinheiro movimenta o mundo. Viver sem dinheiro é quase impossível, embora existam comunidades que não fazem uso de dinheiro, vivendo da produção de subsistência e do escambo. Mas esses casos são exceções. Para viver e sobreviver é preciso ter algum dinheiro, pois as sociedades atuais, sejam elas capitalistas, socialistas, rurais ou industriais, necessitam de alguma forma de dinheiro. 

O escambo

A prática do escambo antecede a criação do dinheiro propriamente falando. Ela surgiu ainda na Pré-história, tratando-se da realização do comércio ou de alguma forma de compra ou venda baseada na troca de mercadorias. Inclusive o pagamento de tributos e impostos também era feito com base nessa prática. No entanto, engana-se aquele que acredita que o escambo foi abolido quando as moedas surgiram. Ainda hoje alguns povos nas Américas, África e Oceania fazem uso do escambo em suas negociações.

Por conta do escambo ser a troca de mercadorias, basicamente há uma diversidade de produtos e objetos que eram usados para escambo: animais, plantas, minérios, tecidos, joias, ferramentas, armas, matéria-prima etc. No caso do pagamento de tributos, era bastante comum esses serem pagos com uma parcela da produção agrícola e pecuária. Incluía-se também tal pagamento com minérios, madeira e outras matérias-primas. (MARCHANT, 1990). 

Essa condição foi mantida mesmo depois da criação das moedas. Fato esse que no Brasil colonial os senhores de engenho pagavam seus tributos à Coroa e a Igreja, em açúcar; mais tarde no século XVIII, o ouro descoberto em Minas Gerais era confiscado pela Coroa, mas os donos de minas privadas também pagava o imposto em ouro. (MARCHANT, 1990). 

O escambo ainda existe informalmente, sobretudo na forma de troca de favores entre amigos, familiares e conhecidos. Além disso, existem feiras, sebos, mercados de pulgas e sites especializados em escambo, onde as pessoas oferecem suas mercadorias em troca de outras. Mesmo passados milhares de anos, a prática do escambo não sumiu completamente, apenas se restringiu a alguns aspectos bem específicos. 

A moeda

A primeira forma de dinheiro falando propriamente surgiu com as moedas. Elas foram o primeiro invento que concedeu uma materialidade a noção de dinheiro. Antes disso o comércio, os impostos, os pagamentos, eram feitos com escambo. 

Algumas das moedas mais antigas encontradas datam da China por volta de 1100 a.C, sendo lingotes de bronze, embora alguns historiadores questionam se esse objeto poderia ser tratado como uma moeda. Após isso, só temos notícia de moedas datadas do século VII a.C, na Lídia (atualmente parte do território turco). Essas primeiras moedas eram feitas de prata, sendo pequenas, cabendo na palma da mão, sendo mais ou menos redondas e já possuíam imagens em ambos os lados. Assim, pode-se considerar esses como sendo os primeiros exemplares de moedas como conhecemos. (DAVIES, 2002). 

Moeda de prata do rei Aliate I da Lídia, datada de entre 635 a.C e 585 a.C. 

As primeiras moedas eram feitas de prata, mais tarde surgiram moedas de ouro. Mas em geral ao longo da história até a Idade Moderna era comum que as moedas fossem cunhadas com uma porcentagem de um desses dois metais nobres, pois o valor monetário era material, ou seja, o valor da moeda estava na quantidade de prata ou ouro que ela possuía. Entretanto, além de ouro e prata, moedas de cobre, estanho, bronze e de outras combinações de metais também foram produzidas. (DAVIES, 2002). 

Além dos lídios, outros povos da Ásia, Europa e África começaram a produzir suas moedas nos séculos seguintes como os persas, egípcios, micênicos, gregos, romanos, indianos, chineses. As técnicas de cunhagem já estavam bem avançadas no século V a.C, período em que havia moedas com riqueza de detalhes, apresentando imagens bem elaboradas. 

O uso de moedas foi o principal suporte do dinheiro por milênios, fato esse que ainda hoje moedas são utilizadas na maior parte do mundo, embora elas não sejam mais feitas de ouro ou prata, mas geralmente de cobre, latão, estanho, e seu valor monetário é representado por números cunhados no lado chamado de coroa. 

A nota promissória e o papel-moeda

As promissórias surgiram na China por volta do século VII d.C, durante a Dinastia Tang (618-907), as quais não diferiam das notas promissórias atuais. Basicamente trata-se de um título de câmbio onde uma pessoa se comprometia em pagar um valor em determinado prazo. No entanto, a partir desse título impresso séculos depois surgiu na Dinastia Song (960-1279) o jiaozi, considerado o primeiro papel-moeda. (DAVIES, 2002). 

O jiaozi era baseado nas notas promissórias, mas a diferença é que ele já apresentava valores fixos. Esse dinheiro de papel era normalmente usado por mercadores e o governo, para se pagar valores altos, pois o restante das atividades econômicas se fazia com o uso das moedas. 

Uma nota jianzi, datada do século XII. 

Quando Marco Polo viveu na China no século XIII, ele relatou em seu livro ter visto o uso de papel-moeda, algo inexistente em outras partes do mundo, inclusive quando os italianos leram a respeito, acharam que Polo estivesse mentindo, pois a concepção daquele tempo era que o dinheiro deveria mostrar seu valor no próprio suporte como moedas de prata e ouro, diferente de uma nota feita de papel de arroz. 

Por volta do século XIV, algumas cidades italianas e belgas começaram a fazer uso de notas promissórias, especialmente entre acordos comerciais de valor mais elevado. Os bancos europeus começariam a surgir no século XV, permitindo a ampliação do uso de notas promissórias. Entretanto, o uso de cédulas de dinheiro ainda tardaria a ocorrer na Europa. Os ingleses, suecos e holandeses fizeram testes com notas de dinheiro no século XVII, mas foi o Banco da Inglaterra a partir de 1695 que se tornou o primeiro banco europeu e ocidental a emitir regularmente cédulas. Inicialmente no valor de 20 libras. Algumas das cédulas chegavam até o valor de 1000 libras. (DAVIES, 2002). 

No século XVIII o uso de papel-moeda ainda era escasso na maior parte do mundo, poucos países faziam uso dele. Inclusive os Estados Unidos foi um dos primeiros novos países do mundo a adotar o uso também do dinheiro de papel, chamado de dólar. 

Uma nota de 55 dólares datada de 1779.

A partir de 1792 foi criada a Casa da Moeda dos Estados Unidos, que legalizou o uso do dólar como única moeda oficial do país, passando a ser cunhado em moedas e impresso em cédulas. Todavia, foi somente no século XIX com melhorias na industrialização que os países começaram a adotar o uso regular do papel-moeda. 

O cheque

O uso de cheque surgiu na Europa medieval por volta do século XIV, com a expansão comercial do final do medievo. Nessa época já se fazia uso de notas promissórias, mas elas não eram garantias que o cliente iria pagar, assim, uma alternativa surgida foi o cheque, um título de crédito a ser descontado de uma conta corrente. Apesar de não existir banco naquela época, existiam depósitos de moedas ou casas do tesouro. Ali os ricos guardavam sua riqueza, e funcionários trabalhavam administrando o dinheiro e descontando os cheques emitidos. (DAVIES, 2002). 

Mais tarde no século XVII, com a expansão dos bancos pela Europa, o uso de cheques foi melhorado e ampliado graças ao a criação de uma rede bancária em vários países, além de casas de câmbio também. Isso passou a facilitar o uso de cheques, que eram utilizados normalmente para o pagamento de somas elevadas, pois valores mais baixos usavam-se moedas. (DAVIES, 2002). 

Um cheque de 1793 emitido pela empresa Barclays and Co, no valor de 39 pounds, 4 shillings e 2 pences para Messrs Barclay and Tritton. 

Com a difusão dos sistema bancário no século XIX a nível mundial, o uso de cheques se difundiu também, alcançando seu auge no século XX. Embora que atualmente o uso de cheques decaiu bastante em vários países devido as alternativas de pagamento mais rápido e fáceis como cartões de crédito, débito em conta e pagamentos virtuais. 

O cartão de crédito e débito

Os primeiros cartões de crédito começaram a serem emitidos nos Estados Unidos em 1934, por companhias aéreas, graças a uma iniciativa da American Airlines e da Air Transport Association. Os clientes que costumavam fazer voos regulares recebiam cartões que continham seus nomes e outros dados, os quais eram usados para se comprar as passagens aéreas e até concediam descontos também. Na década seguinte outras companhias aéreas adotaram os chamados air travel card (cartão de viagem aérea), os quais se tornaram os precursores do cartão de crédito. (MANDELL, 1990). 

Na década de 1950 os empresários Frank McNamara e Ralph Schneider, donos da rede de restaurantes Dinners Club, tiveram a ideia de implementar cartões de crédito para serem usados em seus restaurantes e clubes. A ideia se mostrou bastante promissora que em 1958 o banco American Express passou a emitir cartões de crédito para seus clientes, os quais eram aceitos em vários estabelecimentos americanos. Neste mesmo ano o Bank of America também criou um cartão de crédito e a famosa bandeira Visa. (MANDELL, 1990). 

Cartão de crédito da primeira-dama Eleonor Roosevelt, do Diners Club, com validade até maio de 1962. 


Na década de 1960 surgiu a bandeira MasterCard, assim como, o sistema de cartões foi sendo difundido para outros países, com a expansão das tecnologias da informação e mais tarde dos computadores. Isso foi importante para conectar os bancos, agências bancárias, casas de câmbio, lojas e outros estabelecimentos ampliando a rede de disponibilidade de uso de cartões de crédito, o que foi essencial para a difusão dos cartões de débito. Assim, nos anos 1970, muitos bancos já emitiam os dois tipos de cartões, o chamado "dinheiro de plástico", hoje tão popular.  

Criptomoedas ou moeda virtual

Em 2008 o programador Satoshi Nakamoto, um pseudônimo usado pelo criador (ou criadores) da primeira criptomoeda funcional, lançada em 2009 oficialmente com o nome de bitcoin. A ideia acabou com o tempo se tornando uma sensação nos anos seguintes, mas ainda hoje divide opiniões de economistas pelo mundo, havendo quem defenda as criptomoedas como uma alternativa ao dinheiro físico e aos sistemas finaneceiros tradicionais, e há quem aponte que as criptomoedas sejam usadas para lavagem de dinheiro e outros crimes, além de não ser uma forma financeira sustentável. (ULRICH, 2014). 

Enquanto as moedas e cédulas possuem um controle de cunhagem e impressão, fato esse que produzir tais suportes sem autorização é ilegal, por sua vez, as contas bancárias são registradas e verificáveis, o caso do bitcoin e outras criptomoedas é mais problemático, pois elas não estão vinculadas a bancos ou governos, apesar de possuírem registro criptografado (por isso o termo criptomoeda, ou seja, moeda codificada), no entanto, existem meios para burlar as formas de transação e até dificultar o rastreamento desses tipos de moedas virtuais. (ULRICH, 2014). 

Apesar dessa problemática, o uso de criptomoedas cresceu bastante nos últimos quinze anos por ter facilitado transações financeiras via online. Hoje já existem mais de vinte criptomoedas como a Bitcoin, a Ethereum, a Tether, a USD-Coin, a Binance, etc. Cada uma dessas moedas virtuais faz uso de suas próprias redes financeiras e blockchain (bases de dados nas quais operam as transações e produção desse dinheiro). 

Logo de várias criptomoedas, ao centro a Bitcoin, a primeira moeda virtual criada. 

O uso de criptomoedas demanda a criação de contas (ou carteiras virtuais) que recebam esse dinheiro, o qual depois será convertido para outras moedas reais através do câmbio. Além disso, dinheiro comum pode ser convertido em criptomoeda também. Cada criptomoeda possui sua própria conta online, embora possa se fazer câmbio entre elas também. 

E existe a prática da "mineração" em que usam-se programas os quais executam uma série de cálculos e outras atividades num blockchain, e à medida que essas atividades e cálculos são resolvidos, gera-se receita. Assim, algumas pessoas usam seus computadores ou servidores para deixarem efetuando essas atividades para gerar dinheiro para elas. Mas não é um processo fácil, demanda geralmente muitos computadores e alto gasto de energia, por conta disso, há quem faça descentralização, usando computadores de diferentes localidades. (ULRICH, 2014). 

Mas outra forma de gerar criptomoedas é através de vendas online, especialmente potencializadas pelos NFT (Non-fungible Token), que consistem em produtos virtuais únicos, não podendo ser substituídos, mas podem ser vendidos. Atualmente já existem sites especializados para criar NFT, lojas de comercialização de tais produtos, até jogos que permitem criar NFTs e se fazer o comércio dos mesmos. 

O uso de criptomoedas ainda não foi totalmente regulamentado, há países onde elas são proibidas, outros já permitem seu uso, mais restrito. Todavia, o crescimento dessas moedas virtuais levou alguns países a criar também seu dinheiro virtual, sendo este vinculado a seus bancos centrais, o que concederia maior segurança, confiabilidade e fiscalização das transações online. 

Referências bibliográficas

DAVIES, Glyn. A History of Money: From Ancient Times to the Present Day. Cardiff, University of Wales Press, 2002. 

MANDELL, Lewis. The credit card industry: a history. [s. l], Twayne Publishers, 1990. 

MARCHANT, Alexander. Do escambo à escravidão: as relações econômicas de portugueses e índios na colonização do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1980. 

ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na Era Digital. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2014. 

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Por que Fevereiro tem menos dias?

No calendário gregoriano, o qual é utilizado internacionalmente em vários países, dos doze meses, o mês de Fevereiro é o único que possui menos de 30 dias, mas nem sempre foi assim. No passado, Fevereiro chegou a possuir seu trigésimo dia em algumas ocasiões, mas acabou perdendo dois deles e ganha um vigésimo nono dia nos anos bissextos. 

O caso romano

O primeiro calendário usado pelos romanos possuía 10 meses, sendo que sete tinham 30 dias e outros três possuíam 31 dias. Todavia, nessa primeira versão do calendário, surgida supostamente durante o reinado de Rômulo (753-715 a.C), não existia o mês de Fevereiro. Sendo assim, os demais meses tinham uma duração equilibrada. Entretanto, uma reforma ocorreu anos depois.

Durante o reinado de Numa Pompílio (715-673 a.C), o segundo rei de Roma, o monarca mandou atualizar o calendário, inserindo mais dois meses, chamados Januário e Februário. Além desses novos meses, foi reformulada a quantidade de dias. Se antes a regra eram meses com 30 e 31 dias, agora passou-se para 29 e 31 dias, porém, Februário que era naquele calendário o último mês do ano, ele ficou 28 dias, sobrando o resto dos dias, por isso ser o mês menor. Sendo a primeira vez que isso foi estabelecido. Dessa forma, Fevereiro já tinha sido concebido há mais de dois mil e setecentos anos como tendo 28 dias. Mas isso mudou em alguns momentos. (LAMONT, 1919). 

O calendário romano de Numa Pompílio possuía 355 dias, dez a menos do que o calendário solar de outros povos e o atualmente usado, para corrigir isso, os romanos optaram em inserir um mês extra chamado Mercedônio, que viria entre Februário (Fevereiro) e Márcio (Março). Porém, isso gerou dias extras em alguns anos, em que houve anos com 377 a 378 dias. De qualquer forma, esse método perdurou por quase sete séculos. (LAMONT, 1919). 

Em 46 a.C durante o governo de Júlio César, foi decretado uma atualização do calendário romano para acabar com o mês extra do Mercedônio e estabelecer um calendário com 365 dias, não mais os 355 dias de antes. O astrônomo Sosígenes de Alexandria foi incumbido de fazer os cálculos e reelaborar o calendário. Dessa forma uma série de mudanças foram feitas. O começo do ano não seria mais em 1 de março, mas em 1 de janeiro. Seis meses passaram a possuir 31 dias, por sua vez, Fevereiro passou a ter 29 dias. E como a cada quatro anos havia um atraso de horas no calendário, Sosígenes decidiu criar o ano bissexto, incluindo o dia 30 de fevereiro. Assim, o calendário juliano totalizava 366 dias em anos bissextos. (LAMONT, 1919). 

Dessa forma, Fevereiro passou em 45 a.C a possuir 29 dias regulares e nos anos bissextos tínhamos o dia 30 de fevereiro. Porém, essa mudança não se prolongou. Durante o reinado de César Augusto (27 a.C - 14 d.C), o primeiro imperador romano, o monarca mandou alterar o calendário juliano em 8 d.C. O mês Sextilis foi renomeado para Augustus (Agosto) em homenagem ao imperador, além disso, tirou-se o vigésimo nono dia de Fevereiro e o colocou em Agosto, o qual passou a ter 31 dias. Assim, Fevereiro depois de cinquenta anos voltava a ter 28 dias regulares. 

O caso sueco

No século XVIII a Suécia pretendia trocar o calendário juliano pelo calendário gregoriano, o qual era o mais usado na Europa, porém, havia uma diferença de 11 dias entre os dois calendários. Assim, para tentar corrigir essa diferença o governo mandou ignorar os anos bissextos de 1700, 1704 e 1708, mas a medida deu errado, e em 1712 tivemos o dia 30 de fevereiro para corrigir o erro da mudança malfeita. O governo desistiu de alterar o calendário, somente em 1753 a mudança foi efetivada. (LAMONT, 1919). 

Calendário sueco de 1712 com 30 de fevereiro. 

O caso soviético

Em 1929 o ditador Josef Stálin ordenou a criação de um novo calendário para promover os feriados cívicos. Assim, foi proposto o projeto de que todos os meses teriam 30 dias e os cinco dias restantes seriam o tais feriados nacionais em celebração a Lênin (31 de janeiro), ao Dia do Trabalhador (1 e 2 de maio) e o Dia da Revolução (31/10 e 01/11). Esses feriados não fariam parte dos meses regulares. Dessa forma, fevereiro passaria a ter 30 dias. Entretanto, a proposta acabou sendo rejeitada por problemas de aplicação e logística. (PARRY, 1940). 

O calendário soviético de 1930 quase chegou a ter o dia 30 de fevereiro, mas a proposta foi rejeitada. 

O dia 31 de fevereiro

Neste caso, trata-se de um dia fictício. Os calendários usuais não colocam esse dia como existente, porém, é possível encontrar inscrições mencionando 31 de fevereiro. Na literatura e filmes tal data é as vezes mencionada como uma piada. Embora que foram encontrados casos de túmulos e lápides mencionado o 31 de fevereiro, porém, não se sabe ao certo o motivo. Há quem sugira que seja uma ironia, outros algo ligado a alguma crendice. Ou até mesmo uma travessura com o morto. 

Lápide de Christiana Haag, falecida em supostamente em 31 de fevereiro de 1869, aos 34 anos e 2 semanas de idade. A lápide fica situada em Ohio, nos Estados Unidos, mas naquela época o mês de fevereiro contava com seus 28 dias padrões. 
Referências bibliográficas

LAMONT, Roscoe. The Roman calendar and its reformation by Julius Caesar. Popular Astronomy, v. 27, 1919, p. 583-595.

PARRY, Albert. The Soviet Calendar. Journal of Calendar Reform, v. 10, 1940, p. 65-69. 

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Nicolas Flamel e a lenda do alquimista prodigioso

Quando se falada Pedra Filosofal, mágico artefato o qual vários alquimistas ambicionaram criar, que suspostamente transformaria metais diversos em ouro e poderia produzir o elixir da longa vida ou da imortalidade, o nome de Nicolas Flamel costuma ser mencionado, já que é creditado a ele uma lenda na qual ele supostamente teria criado uma pedra filosofal. 

Retrato do século XVII imaginando como seria Nicolas Flamel. Na pintura ele é referido como filósofo, algo que nunca foi. 

Resumo de sua vida

Nicolas Flamel (c. 1330-1418) nasceu em Pontoise, uma aldeia nos arredores de Paris, tendo vivido na época da Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Pouco se sabe sobre suas origens e vida, mas ele pertencia a uma família da pequena burguesia. Ele por conta disso recebeu educação, tendo se tornando provavelmente na adolescência ou aos vinte e poucos anos, copista e escrivão, na Rua dos Escrivães em Paris, isso por volta da década de 1350, época onde um irmão mais novo seu, Jean Flamel também trabalhava. Mais tarde Flamel se tornou livreiro oficial, naquela época todo o livreiro em Paris era regulamentado pela Universidade de Paris, responsável pelo comércio de livros na cidade e em outras localidades do país. Era um trabalho sério e respeitado. Os livreiros tinham salário fixo e recebiam comissões pelas suas vendas. 

Ainda na década de 1368, Flamel comprou uma casa na Rua de Marivaux (atual Rua Nicolas Flamel). Onde viveu o restante da vida. Dessa forma, já com seus quarenta e poucos anos de idade, Nicolas Flamel pertencia a respeitada guilda de livreiros parisienses, os quais até faziam juramento para exercer essa profissão, além de trabalhar como escrivão. Por volta de 1370 casou-se com a viúva Pernelle, mulher que possuía uma boa condição financeira, em parte herdada da herança de seus dois maridos falecidos. Como ela já tinha tido filhos, desse casamento com Flamel, eles não tiveram herdeiros. 

Devido a fortuna de ambos que inclusive era mantida pelos aluguéis de imóveis que o casal possuía em Paris e nas aldeias vizinhas, Flamel e Pernelle começaram a fazer doações regulares a igrejas, hospitais, orfanatos e outras instituições. Sua esposa morreu de causas desconhecidas em 1397. Apesar disso, Flamel seguiu com seus atos de caridade e passou a financiar a reforma de igrejas e capelas, e até mandou construir algumas casas que deu para os pobres. As casas foram erguidas em 1407, como atesta gravações informando que foram construídas com dinheiro doado por Flamel. 

Nicolas Flamel faleceu de causas desconhecidas em 22 de março de 1418, sendo sepultado na Igreja de Saints-Jacques-la-Boucherie, que foi destruída em 1797 durante a Revolução Francesa (1789-1799). Sua esposa estava sepultada no Cemitério dos Inocentes, mas os restos mortais dela e dele foram levados para as catacumbas de Paris durante a revolução. Entretanto, a lápide do túmulo de Flamel resistiu a destruição e hoje se encontra exposta no Museu de Cluny. 

Lápide do túmulo de Nicolas Flamel, 1418. Exposta no Museu de Cluny. 

Flamel se torna alquimista após a morte

Embora seja hoje conhecido como um famoso alquimista, ironicamente Nicolas Flamel nunca estudou alquimia. Tal ideia surgiu de lendas urbanas oriundas mais de cem anos depois. Não se sabe quem iniciou essas lendas e por qual motivo, mas em meados do século XVI, Flamel era reputado entre o meio erudito e esotérico francês como tendo sido um respeitado alquimista medieval. Inclusive alguns livros alquímicos eram comercializados na época, dizendo-se que a autoria era de Flamel. 

Obras como o Livro de Flamel, O Sumário Filosófico, Saltério Químico, e o mais famoso de todos: O Livro das Figuras Hieroglíficas (1612), foram algumas das várias obras alquímicas creditadas ao mestre Nicolas Flamel, todavia, todas foram comprovadas serem uma farsa. Alguns desses livros eram de outros autores mais antigos, que tiveram o nome trocado pelo de Flamel. 

Frontispício do Livro das Figuras Hieroglíficas, tratado alquímico atribuído a Nicolas Flamel, mas ele jamais escreveu tal obra. 

No entanto, por qual motivo essa farsa foi criada? Nicolas Flamel não deixou filhos e seu testamento elegeu alguns parentes para ficar com sua herança. Além disso, ele em vida nunca foi dado a alquimia, nem tendo escrito a respeito. Algumas possíveis respostas estão associadas a sua riqueza e o ofício. Flamel foi um burguês relativamente rico, sendo dono de vários imóveis e gostava de fazer muita caridade, sendo publicamente conhecido por isso. Era comum no século XV e XVI na França, dizer que homens que ficaram ricos de forma misteriosa, estariam envolvidos ou em negócios ilícitos ou eram alquimistas. Além disso, como Flamel era livreiro, tinha contato com vários tipos de livros, incluindo obras de magia e alquimia, por conta disso, surgiu lendas dizendo que graças a sua profissão ele teve acesso a livros de alquimia, inclusive os raros e secretos, o que permitiu ele desenvolver seus estudos alquímicos e até ter criado uma pedra filosofal, isso justificaria a origem de seu dinheiro. 

O curioso é que se Flamel tivesse criado uma pedra filosofal, o que responderia a condição de ele ser rico, por que ele não produziu o tal elixir da imortalidade? Não há uma resposta para isso. As lendas falam que ele não soube criar o elixir, outros até sugeriram que ele realmente o inventou e fingiu a própria morte, por isso seus restos mortais não foram achados. Sendo que isso se deve ao fato que era comum esvaziar os túmulos nos cemitérios parisienses por falta de espaço. Logo, os restos mortais dele e da esposa foram levados para as catacumbas. 

Ainda nos séculos XVII e XVIII supostos livros e manuscritos atribuídos a Flamel ainda eram vendidos, nesse tempo, a fama de alquimista já tinha se consolidado após mais de duzentos anos de sua morte, fato esse que, em obras que abordavam alquimistas famosos, o nome de Flamel já constava, embora ele nunca tenha sido um alquimista de fato, mas na época tais lendas eram tomadas como reais. Dessa forma, desde então a fama de Nicolas Flamel como alquimista e suposto criador da pedra filosofal, perdura até hoje. Uma lenda muito bem elaborada e longeva. 

NOTA: Nicolas Flamel se tornou popular na cultura pop, sendo citado em livros, filmes, desenhos, músicas, quadrinhos, novelas, jogos etc. 
NOTA 2: No livro O Corcunda de Notre-Dame (1831) o padre Claude Frollo estuda alquimia, e ele estuda algumas das obras escritas por Flamel. 
NOTA 3: Em Harry Potter e a Pedra Filosofal (1997), a pedra existente na história dos livros foi criada por Flamel, o qual ainda estava vivo em 1990, tendo mais de seiscentos anos. 
NOTA 4: No mangá Fullmetal Alchemist (2001-2010), seus animes e filmes referem-se a Flamel através de um símbolo alquímico chamado "Cruz de Flamel". 
NOTA 5: O escritor Michael Scott escreveu a série de seis livros intitulada The Secrets of the Immortal Nicholas Flamel (2007-2012). 
NOTA 6: O mistério de Nicolas Flamel é tema de duas DLCs do jogo Assassin's Creed Unity (2014).
NOTA 7: O filme de terror As Above, So Below (2014) coloca uma equipe em busca da pedra filosofal de Flamel, escondida nas catacumbas de Paris, porém, eles descobrem que forças sombrias ali se escondem. 
NOTA 8: No filme Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore (2022), Flamel aparece em alguns momentos, sendo um homem com mais de quinhentos anos. 
NOTA 9: No jogo Steelrising (2022) é dito que Flamel conseguiu criar uma pedra filosofal, mas sua alma ficou presa num limbo. Existe uma série de missões para desvendar isso. 

Referências bibliográficas

SIMON, H. Memorias de Flamel. Villaviciosa Odón, Editorial Mirach, 1998. 
WILKINS, Nigel. Nicolas Flamel: de oro y libros. Palma de Mallorca, José J. de Olañeta editor, 2001. 

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terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Os piratas do Caribe

Pirata é o termo usado para os ladrões que agem nos mares. Pelo menos no sentido mais antigo da palavra, já que pirata também passou a se referir a produtores de mercadorias falsificadas, o que concedeu um novo sentido a palavra pirataria. Todavia, piratas existem desde a Antiguidade, se desconhecendo quando eles teriam surgido e começado os assaltos a embarcações e localidades costeiras. Na Roma Antiga, piratas sequestraram Júlio César, na Idade Média, os vikings atuavam como piratas, saqueando a Inglaterra, Escócia, Irlanda, França, Portugal e Espanha. A pirataria foi algo bastante comum no Mediterrâneo, mas também no Oceano Índico e no Oceano Pacífico na região da Indonésia, Vietnã, Filipinas e China. 

Entretanto, os piratas mais famosos da História atuaram no Oceano Atlântico, principalmente na região do Caribe, Antilhas e arredores, num período que ficou conhecido como a Era de Ouro dos Piratas (1660-1730). Assim, o presente texto apresentou alguns desses piratas famosos e o contexto da sua época, um período marcado por intensa atividade de pirataria que torno tal condição num problema internacional, gerando até mesmo uma guerra de caça aos piratas. 

Nomenclatura

A palavra pirata advém do latim pirata, que por sua vez, veio do grego peirates, que consiste numa palavra composta que significa "tentar com esforço", que acabou ganhando o sentido de assalto ou saque. Assim, já na Grécia Antiga e Roma Antiga, a palavra pirata já se referia a ladrões que atuavam no mar. 

Todavia, no século XVII surgiu a palavra flibusteiro, talvez de origem inglesa advindo de freeboat ou holandesa com . Essa palavra era usada principalmente pelos espanhóis, holandeses e franceses para se referir aos piratas que agiam especificamente no Caribe e nas Antilhas. 

Mas além dessa palavra, usava-se também o termo bucaneiro, palavra de origem francesa que advém de bucan, uma grelha usada para defumar carne. Originalmente os bucaneiros eram caçadores e pastores de vacas que habitavam Hispaniola, após serem expulsos, alguns aderiram a pirataria, e o termo ganhou nova conotação. O interessante é que esses primeiros piratas eram de origem espanhola, não francesa como comumente eram a maioria dos piratas que atuavam na região no século XVI. 

Entretanto, a palavra corsário apresenta algumas ligeiras diferenças. De origem italiana corsaro, essa palavra era empregada aos "piratas legalizados". Pode parecer estranho isso, mas ao longo da Idade Moderna e até no século XX durante as Guerras Mundiais, a pirataria foi legalizada através do corso. Dessa forma, um corsário era um homem que recebia ou fazia contrato com um capitão que dispunha uma carta de corso, a qual era emitida por uma autoridade política que legitimava aquele homem a contratar tripulação e armar navio ou navios para empreender atos de corso, que basicamente consistiam em práticas similares a pirataria como saquear, sequestrar, extorquir e invadir. Todo o butim conseguido pelos corsários seria revertido ao seu contratante, que por sua vez, pagaria o salário deles, diferente dos piratas que roubavam para benefício próprio e agiam como foras da lei.

Devido ao corsário agir da mesma forma que um pirata, em muitas vezes a documentação não distinguia pirata de corsário, sendo ambos tratados da mesma forma. As vezes alguns documentos especificavam que determinado homem seria um corsário, o que significava que ele estava amparado por uma carta de corso. Porém, para povos que eram inimigos, um corsário era o mesmo que pirata. Assim, Francis Drake que foi um corsário inglês famoso, para os espanhóis não passava de um pirata canalha. 

A pirataria surge no Caribe

Embora Cristóvão Colombo tenha chegado ao Caribe em 1492, somente no século XVI é que a região começou a ser mais frequentada pelos europeus, especialmente os espanhóis, os quais passaram a dominar aquela região, todavia, piratas franceses (ou filibusteiros) começaram a rondar aquelas águas e ilhas. Relatos de 1513 citam que a Casa de Contratación, a qual cuidava das expedições às Índias, informou a presença de navios franceses no Mar do Caribe. Eles as vezes vinham do Brasil, onde iam coletar pau-brasil. A situação se tornou tão recorrente, que em 1514 foi ordenado que o governador do Panamá armasse homens e navios para combater os piratas franceses. (MOREAU, 2012). 

Mapa do Mar do Caribe e arredores, mostrando a área de atuação dos piratas durante a Idade Moderna. 

A quantidade de navios aumentou significativamente a partir da década de 1520, quando o Império Asteca foi subjugado por Hernán Cortés e o Vice-Reino da Nova Espanha foi fundado. Por esse período, vilas e portos já tinham sido fundados em Cuba, Jamaica, Porto Rico, Panamá, entre outras ilhas das Antilhas. Isso intensificou o tráfego de navios espanhóis para a América Central, um dado importante, pois piratas existem em localidades onde possam conseguir mercadorias ou dinheiro. E isso ocorreu logo cedo, quando em 4 de janeiro de 1522, a fortaleza de Santo Domingo na ilha de Hispaniola (atualmente República Dominicana), foi atacada por piratas franceses, tratando-se do primeiro grande ataque pirata naquele século. (MOREAU, 2012). 

Data também de 1522 a ação do corsário Jean Fleury, que atacou os navios espanhóis que partiram de Veracruz, carregados com o saque efetuado por Cortés nas cidades Astecas. O ataque foi tão agravante que parte do saque foi roubado pelos corsários franceses, levando o rei espanhol Carlos I a criar a Frota da Prata (chamada de Flota de Índias em espanhol) composta por galeões mercantes os quais eram escoltados para protegê-los de corsários e piratas. Diante disso, pelos duzentos anos seguintes a Frota da Prata sempre partia de Sevilha para a América Central, passava meses aguardando os carregamentos de prata, ouro e outras mercadorias e depois era escoltada de volta a Espanha. Em algumas ocasiões a frota era atacada, mas conseguia resistir, em outras ela foi roubada. 

Jean-Pierre Moreau (2012) aponta que a maioria dos piratas (flibusteiros como ele se refere para essa época) eram de origem francesa, cujos navios zarpavam de Ponant no noroeste da França. Eram homens de provenientes principalmente da Normandia e La Rochelle, localidades com importantes portos no país, inclusive dos quais zarpavam navios enviados ao Brasil para coletar pau-brasil. Assim, dessa forma, no século XVI a pirataria caribenha foi dominada principalmente pelos franceses, embora que espanhóis oriundos do País Vasco também atuaram nessas ações. 

A presença de piratas no Caribe aumentou ao longo do XVI à medida que se passou a cultivar cana de açúcar e tabaco, mas principalmente por conta dos navios que transportavam ouro e prata saqueados do antigo Império Asteca e de seus povos subordinados. Mais tarde com a descoberta das minas de prata no Peru e na Bolívia, como em Potosí, os carregamentos de prata cresceram volumosamente no final do XVI. A partir de 1550 o número de ataques à cidades, portos e vilas cresceu bastante na região, levando o governo espanhol a mandar construir fortalezas e fortes para assegurar seus domínios, já que a maioria dos piratas e corsários desse período eram franceses.

"As operações de obstrução acompanharam de forma natural o desenvolvimento das cidades espanholas do Caribe, primeiro Santo Domingo, Porto Rico e Cuba, depois as cidades de Tierra Firme e finalmente Honduras. No segunda metade do século, o Caribe como um todo estava ameaçado (Panamá, Nova Espanha, Flórida), e tivemos que esperar Madrid decidiu ampliar a sua rede de pontos fortificados na área para que o a tensão diminuirá um pouco. Assim, Santo Domingo, Havana ou Cartagena Eles conheceram um pouco mais de segurança depois que suas cidadelas foram erguidas. No mínimo, os predadores pensaram duas vezes antes arriscar um ataque a essas cidades. Em vez disso, nossos aventureiros Eles se renderam alegremente à captura de navios no porto ou no mar, Fizeram incursões em terras desprotegidas, em engenhos de açúcar, fazendas e plantações, para obter alimentos, reféns para exigir resgate e bens pegar". (MOREAU, 2012, p. 63, tradução nossa). 

No começo do século XVII o corsário francês Charles Fleury, entre 1610 e 1620 realizou uma série de ataques pelo Caribe, sendo considerado o corsário e pirata mais famoso do período. Em 1611 ele capturou uma caravela cheia de couro e cochonilha, um inseto parasitário usado para se extrair caro pigmento. As autoridades espanholas tentaram negociar com Fleury a devolução do navio e seu carregamento, o que ele se negou em fazer. Mais tarde em 1614 foi capturado pelos ingleses e ficou presos alguns meses, conseguindo que pagassem sua liberdade. Como ele era um corsário detinha direitos, se fosse um pirata, provavelmente teria sido enforcado. Após retornar a ativa em 1615, Fleury teve problemas num ataque a arquipélago português dos Açores, onde perdeu vários homens, retornando para a França em seguida. No ano de 1618 a carta de corso de Charles Fleury foi renovada, autorizando a saquear navios espanhóis e portugueses também. Assim, ele armou três navios e zarpou para o Caribe, realizando vários assaltos pelos anos seguintes, chegando a trabalhar com o pirata holandês Hendrick Lucifer a partir de 1619, cooperando em alguns assaltos. (MOREAU, 2012). 

Piratas e corsários holandeses e ingleses chegam ao Caribe

Durante o século XVI os franceses dominaram a pirataria caribenha, depois deles tínhamos espanhóis oriundos do reino ou das colônias. Todavia, a pirataria na região teve uma queda entre as décadas de 1590 e 1610, quando as defesas espanholas conseguiram pacificar aquelas ilhas e águas graças o investimento em fortalezas, fortes e patrulhas. 

Diferente dos espanhóis, portugueses e franceses que investiram logo cedo na exploração das Américas, os ingleses e holandeses chegaram bem mais tardiamente, somente no século XVII que eles começaram a investir em colônias, antes disso, eles visitavam as Américas por comércio, mapeamento, ou através de atos de pirataria ou corso. Como os ataques dos corsários ingleses ocorridos no Brasil. O corsário Thomas Cavendish atacou as vilas de Santos e São Vicente em 1591, anos depois o corsário James Lancaster atacou Recife em 1595. Já em 1599 os capitães holandeses Hartman e Boers atacaram Salvador e os arredores, depois seguiram para o Caribe, antes de retornar a Holanda. (FRANÇA; HUE, 2014). 

Todavia, o corsário mais notável desse final de século foi Sir Francis Drake (c. 1540-1596), considerado um "maldito pirata" pelos espanhóis e inimigo público no império espanhol. Entre 1577 e 1579, Drake atacou navios e portos espanhóis no Pacífico, desenvolvendo sua fama de corsário e irritando os espanhóis, algo que culminou em 1588 com a derrota da Armada Invencível, uma poderosa armada espanhola que foi vencida pelos ingleses, numa trágica e decepcionante batalha naval para a coroa espanhola. Drake participou dessa batalha e depois disso voltou a comandar ataques aos domínios espanhóis, morrendo de disenteria em 1596 durante o cerco a cidade de San Juan, em Porto Rico, no Caribe. 

Sir Francis Drake foi um notório corsário inglês, mas para os espanhóis era um pirata que causou muito problemas para eles e sua cabeça foi posta a prêmio. 

Nas primeiras décadas do século XVII, os ingleses e os holandeses empreendiam viagens às Américas, mapeando suas costas. Os ingleses exploravam o que hoje é a costa dos Estados Unidos, apesar que os espanhóis já ocupassem a Flórida e os franceses já estivessem montando assentamentos no Canadá. Por sua vez, os holandeses depois dos ataques realizados ao Brasil, decidiram retornar com uma frota e atacaram Salvador em 1624, então capital da colônia. A ocupação da pequena cidade durou quase um ano até que as forças holandesas a abandonaram devido a poderosa armada enviada pelo rei Filipe III de Espanha, então governante também de Portugal e suas colônias. 

Apesar da perca de Salvador, os holandeses através da Companhia das Índias Ocidentais (West-Indische Compagnie - WIC) decidiu não desistir de retornar ao Brasil. Então a empresa de capital público e privado passou os anos seguintes reunindo dinheiro para um novo ataque. Como havia a necessidade de muito dinheiro, a companhia decidiu investir em atos de corso. Assim, num feito ousado, o almirante Piet Heyn (1577-1629) comandou um arriscado assalto a Frota da Prata em 1628, emboscando-a à noite perto de Cuba, onde alguns dos navios foram capturados e saqueados. A prata, ouro e outras mercadorias obtidos ajudaram nos preparativos de uma nova expedição ao Brasil, resultando no ataque de 1630 as vilas de Olinda e Pernambuco, que foram ocupadas, dando início ao Brasil Holandês (1630-1654). 

"Entre as décadas de 1620 e 1640, os holandeses foram os maiores predadores do Mar do Caribe. Além das poderosas armadas comandadas por Peter Schouten (1624), Hendriksz (1625), Piet Heyn (1626), Hendrik Jakobs Lucifer (1627), novamente Piet Heyn, que capturou a frota de Juan de Benavides em Matanzas (1628), e Hanspater, que tomou Santa Marta (1630), numerosos empresários privados também participaram do corso. Em geral, os obstrucionistas holandeses usaram como base a ilha de Curaçao, colonizada desde 1634 por Joannes Van Walbeck, e as demais possessões mantidas pelas potências do norte da Europa, especialmente San Cristobal ou Providencia, colonizadas pelos ingleses em 1629". (MOREAU, 2012, p. 87, tradução nossa). 

Um corsário holandês que se destacou também nas décadas de 1620 e 1630 foi Cornelis Jol (1597-1641), apelidado de Houtebeen, ou "Perna de Pau". Inclusive ele foi a inspiração para o estereótipo dos piratas com pernas de pau. Inicialmente ele era da marinha, tendo feito carreira nessa, quando em 1628 devido ao seu bom desempenho na Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648), foi contratado pela empresa da Companhia das Índias Ocidentais (WIC), para comandar ataques de corso na costa africana, especialmente contra as colônias portuguesas de Angola e São Tomé e Príncipe. Com seu êxito na África, Jol foi enviado para as Américas, realizando ataques pelo Caribe e até no Brasil. Morreu de malária em 1641 na ilha de São Tomé. (MOREAU, 2012). 

Em sua carreira pelo Caribe, Cornelis Jol, o Perna de Pau conheceu um pirata chamado de Diego, o Mulato, o qual era de origem espanhola, provavelmente nascido em alguma colônia caribenha. Pouco se sabe sobre a proveniência de Diego, além de haver questionamentos quanto a sua origem, se ele seria sevilhano ou cubano, além de que sua identidade também é questionável, pois ele aparece na documentação com vários nomes como: Diego Grillo, Diego MartinDiego de la Cruz, Diego de los Reyes, Dieguillo, Diego Lucifer, Diego, o Mestiço etc. Alguns historiadores questionam se todos esses nomes se refeririam ao mesmo homem ou não. Inclusive uma das histórias associava Diego como sendo um filho bastardo do pirata holandês Hendrick Lucifer (1583-1627), famoso por ter roubado vários navios durante os anos que esteve em atividade pelo Caribe, chegando a ser parceiro de crime de Charles Fleury. (MOREAU, 2012).

Diego, o Mulato participou do ataque holandês a Honduras em 1633, onde conheceu Jol, Perna de Pau, o que chamou a atenção de corsários holandeses que o contrataram. Assim, no assalto a ilha de Curação em 1636, Diego seria um corsário. Dois anos depois Diego realizou alguns ataques em Cuba, tentando extorquir comerciantes e as autoridades. Em 1641 ele comandou ataques em Honduras e no México. No ano seguinte foi relatado um assalto seu em Trujillo (atualmente no Peru). Nos anos seguintes há mais relatos creditando crimes a Diego, o Mulato até 1648, depois disso as informações somem e a partir de 1653 encontramos referências a um capitão pirata chamado Diego, o Mestiço, Diego Grillo, entre outros nomes, trabalhando ao lado de piratas franceses. Seria a mesma pessoa? Pois há menções a outros Diegos até 1673, o que dificulta acreditar ser o mesmo homem, ainda mais considerando que a expectativa de vida de um pirata era baixa. (MOREAU, 2012). 

Henry Morgan (1635-1688) em 1667 recebeu uma carta de corso do governador da Jamaica, na época a ilha pertencia aos ingleses, após conquistarem-na dos espanhóis. O governador autorizou Morgan a saquear navios e portos espanhóis pelo Caribe, e assim ele o fez, destacando-se inicialmente seus ataques à Cuba e o Panamá. Em 1688 ele atacou localidades na Venezuela e no Estreito de Gibraltar na Espanha. Em 1671 ocorreu seu ato mais ousado, atacar a Cidade do Panamá, embora que a invasão fracassou. No ano seguinte Morgan foi levado como prisioneiro para a Inglaterra, supostamente por ser julgado por atos de pirataria (embora ele fosse autorizado a fazer aquilo, pois era um corsário a serviço do governo colonial jamaicano). (ALLEN, 1976). 

Em 1673 ele retornou a Jamaica, ganhando cargos políticos, incluindo o de vice-governador. Mais tarde assumiu como governador interino três vezes, além de ter-se tornado fazendeiro. Depois ele ganhou até o título de sir (cavaleiro). Morgan também virou mercador e até participou do tráfico negreiro, financiando alguns comerciantes de escravos. Apesar de seu trabalho como político e fazendeiro, Morgan foi acusado de ainda praticar atos de pirataria, como o contrabando. De qualquer forma, ele faleceu de forma tranquila, já idoso, tendo uma carreira breve no corso. (ALLEN, 1976).

Retrato espanhol de Henry Morgan, chamado de Iuan nessa pintura. Ele foi um notório corsário e pirata inglês no século XVII. 

Mas se Henry Morgan teve uma carreira curta de corsário (embora mais tarde alguns escritores exaltaram isso), todavia, um contemporâneo seu se notabilizou na pirataria, sendo Henry Avery (1649-?). De origem pobre, entrou na Marinha Real como grumete (aprendiz de marinheiro), entre 1688 e 1690 serviu como oficial, mas abandonou o serviço por discordar do salário baixo, passando a atuar como marinheiro por contrato. Por volta de 1694 entrou na pirataria, mas ao invés de realizar ataques no Caribe ou em outras localidades nas Américas, Henry e seus homens focaram em saquear navios na costa africana e depois indo para o Oceano Índico, onde fez sua fama como pirata, saqueando navios em Madagáscar e ÍndiaE foi também pelos lados do Oceano Índico que outro pirata famoso atuava, o chamado Capitão Kidd (1645-1701), que se especializou nos ataques à costa africana, atuando em Madagáscar e nas Ilhas Maurício. Todavia, como Avery e Kidd não atuavam no Caribe, não irei aprofundar mais a respeito de suas carreiras. 

A Era de Ouro da Pirataria Caribenha (1713-1722)

"Os piratas da Era de Ouro não eram como os bucaneiros da geração de Morgan e nem como os piratas que os precederam. Diferentemente dos bucaneiros, eles eram bandidos notórios, considerados ladrões e criminosos por todas as nações, incluindo suas próprias. Ao contrário de seus antecessores piratas, eles estavam envolvidos em mais do que crimes simples e realizaram até mesmo uma revolta social e política. Eram marinheiros, trabalhadores forçados e escravos fugitivos se rebelando contra seus opressores: capitães, donos de navios e os autocratas das grandes plantações de escravos da América e das Índias Ocidentais". (WOODARD, 2014, p. 12).

Entre 1680 e 1730 grande parte dos piratas que assolaram o Caribe eram homens revoltados com a miséria e suas condições de origem e emprego, os quais decidiram fugir e se entregar a vida de crime para tentar conseguir algum dinheiro e iniciar uma nova vida. Dessa forma, houve em alguns momentos uma enxurrada de pobres descontentes e escravos foragidos que tentaram a sorte como piratas. (WOODARD, 2014). 

"Alguns piratas também tinham motivações políticas. A Era de Ouro irrompeu logo após a morte da rainha Anne, cujo meio-irmão e pretendente à sua sucessão, James Stuart, teve o trono negado porque era católico. O novo rei da Inglaterra e da Escócia, o protestante George I, era um primo distante da rainha falecida, um príncipe alemão que não ligava muito para a Inglaterra e não sabia falar sua língua. Muitos britânicos, incluindo alguns futuros piratas, acharam isso inaceitável e se mantiveram fiel a James e à Casa de Stuart. Vários dos primeiros piratas da Era de Ouro foram reunidos pelo governador da Jamaica, Archibald Hamilton, um simpatizante dos Stuarts que, aparentemente, pretendia usá-los como marinha de guerra rebelde para apoiar uma futura revolta contra o rei George. Como diz Kenneth J. Kinkor, do Museu da Expedição do Whydah, em Provincetown, Massachusetts, 'esses eram mais do que apenas alguns bandidos saqueando lojas de bebidas'.". (WOODARD, 2014, p. 13, grifos meu).

Foi nesse período da Era de Ouro que os mais notórios piratas caribenhos estiveram em atividade, alguns entraram na pirataria por motivos diversos e até tiveram carreiras bem curtas, diferente do que costumamos imaginar. No entanto, fiz menção a alguns deles aqui.

Um corsário inglês chamado Henry Jennings (c. 1685 - c. 1745) atacou a Frota do Tesouro de 1715, a qual partiu de Havana em Cuba. Jennings era veterano da Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1714), atuando como corsário a serviço do governo jamaicano. Embora fosse corsário, ele atacou a Frota do Tesouro, conseguindo assaltar alguns dos navios e levando suas mercadorias para serem negociadas em Nova Providência nas Bahamas, na época, ilha dominada por piratas. Foi a partir disso que ele engajou-se na pirataria, vindo a conhecer piratas como Benjamin Hornigold e Edward England. Jennings seguiu como pirata até 1718 quando aceitou o Ato da Graça ou Perdão do Rei, decreto que concedia perdão aos piratas que se entregassem e passassem a cooperar com as autoridades. Assim, ele abandonou a pirataria e comprou propriedades para si, seguindo uma vida afastado do mar. (EARLE, 2003). 

Benjamin Hornigold (c. 1680-1719) era de origem inglesa e entrou para a pirataria por volta de 1713 ou 1714, assaltando pequenas embarcações nas Bahamas, especialmente em torno da Nova Providência, maior ilha do arquipélago. Se desconhece o ofício anterior de Hornigold, tampouco seu local de nascimento, mas ele conheceu em algum momento Henry Jennings, que em 1716 se destacou por assaltos a navios espanhóis e franceses pela Jamaica e Bahamas. De qualquer forma, ele se destacou em poucos anos no meio pirata caribenho, tendo conseguido um bom navio chamado Ranger em 1717, se tornando sua principal embarcação. (EARLE, 2003). 

Entretanto, Hornigold apesar de ter sido um pirata famoso, ele também era odiado entre o meio pirata, pois em 1717 ele aceitou o acordo do Ato da Graça, documento expedido pelo rei George I da Inglaterra que concedia o perdão real a todos os piratas que abandonassem a pirataria e cooperassem no combate a mesma. Hornigold fechou acordo com o governador Wood Rogers das Bahamas para caçar piratas, o qual lhe ofereceu um pagamento alto por isso, assim, ele passou de 1717 a 1719 atrás de seus antigos colaboradores. Em 1719 seu navio afundou durante um furacão, onde ele morreu. (EARLE, 2003). 

Outro pirata famoso no período foi Edward Teach (c. 1680-1718), o qual inicialmente serviu como marinheiro e talvez corsário, todavia, ele somente entrou na pirataria em 1716 quando conheceu Benjamin Hornigold nas Bahamas. A partir desse encontro, Teach decidiu ingressar na vida de pirata, vindo adotar o nome de Barba Negra, que ficaria famoso nos séculos seguintes. 

A captura do Barba Negra em 1718. Pintura de Jean Leon Gerome Ferris, 1920. 

"A barba de Teach era grossa e negra, tomava todo o seu rosto e tinha um comprimento extravagante, quase até sua cintura. E não era só isso: ele começou a separá-la em tranças que amarrava com fitas de diferentes cores. A barba tornou-se sua marca registrada, que funcionava não apenas para aterrorizar sua tripulação e seus oponentes, como também lhe garantiu uma duradoura notoriedade. Charles Johnson comentou que Teach 'assumiu o cognome de Barba Negra devido à quantidade de pelos que, como um meteoro aterrorizante, cobria todo o seu rosto e ameaçou mais a América do que qualquer cometa que tivesse aparecido por ali". (KLEIN, 2006, p. 116). 

Ironicamente, ele atuou como pirata apenas por dois anos, sendo morto numa batalha na costa da Carolina do Sul. Na época Teach e outros piratas que tinham negócios com Hornigold estavam fugindo dele, pois ele se tornou um traidor. Teach se aliou a um capitão pirata novato de nome Stede Bonnet e partiu para cometer assaltos nas Treze Colônias. 

Na mesma época desses dois piratas tivemos Charles Vane (1680-1721), conhecido por sua crueldade e atos de violência. Vane entrou na pirataria por volta de 1715, participando de assaltos a navios espanhóis na costa da Flórida. Ele depois ganhou rapidamente notoriedade, destacando-se entre os capitães piratas nas Bahamas. Em 1717 ele aceitou o Ato da Graça como Benjamin Hornigold, mas diferente deste, ele e seus homens fizeram isso apenas para despistar as autoridades, retomando a pirataria meses depois. Vane acabou sendo capturado em 1719 após um naufrágio, foi enviado para prisão e enforcado em 1721 por seus crimes. (WOODARD, 2014).

Entre os subordinados de Charles Vane estavam dois piratas famosos: Edward England (c. 1685-1721) e Calico Jack (1682-1720). England entrou na pirataria por volta de 1715 quando conheceu Henry Jennings, mais tarde aliou-se a Charles Vane. Após 1718 abandonou o Caribe para escapar das autoridades após ter quebrado o acordo do Ato de Graça. Seguiu para África, onde conheceu Bartholomew Roberts. Vindo a morrer de causas desconhecidas poucos anos depois em Madagascar ou arredores. (WOODARD, 2014).

Bandeira pirata atribuída a Edward England. 

Se desconhece quando Calico Jack entrou na pirataria, mas em 1718 ele era um dos subordinados de Charles Vane, sucedendo-o no comando do navio Ranger. Pouco se sabe sobre os crimes cometidos por Jack, porém, ele é lembrado por ter empregado duas piratas mulheres em sua tripulação: Anne Bonny (1702-1721) e Mary Reed (1684-1721). A presença de mulheres na pirataria era algo raro, pois era um meio profundamente masculino e até evitava-se manter mulheres abordos para não tirar a concentração dos homens e evitar brigas pelo assédio sexual e disputa delas. Se desconhece como Mary e Anne foram se tornar membras da tripulação de Calico Jack, embora sugira-se que Anne fosse esposa de um dos subordinados de Jack. Entretanto, sua carreira de pirata foi curta, pois em 1720 ele foi capturado numa operação ordenada pelo governador Woodes Rogers. Jack foi enforcado naquele mesmo ano, já Anne e Mary morreram no ano seguinte. Embora algumas lendas sugiram que elas foram perdoadas, pois se arrependeram de seus atos, outra versão diz que elas estavam grávidas, então o juiz decidiu poupar a vida delas. (EARLE, 2003). 

Anne Bonny e Maria Read segundo ilustração do livro Uma História Geral dos Piratas (1724) de Daniel Dafoe. 

Enquanto Hornigold, Barba Negra, Vane, England e Calico Jack foram homens cujo passado é desconhecido, um pirata um tanto inusitado foi Stede Bonnet (1688-1718), o qual era um rico fazendeiro que teve o sonho de se tornar um pirata. Ele comprou uma chalupa e lhe deu o nome de Revenge, então contratou marinheiros e piratas e partiu para assaltar pequenas embarcações por volta de 1717. Naquele mesmo ano em Nassau, nas Bahamas, ele conheceu Barba Negra e se juntou a ele nos assaltos cometidos pelas da Carolina do Sul e Carolina do Norte. Lá Bonnet foi traído por Barba Negra que lhe roubou parte do saque e de sua tripulação que desertou. Bonnet tentou negociar uma carta de corso, mas falhou. Na Carolina do Sul foi capturado numa operação de caça a piratas, sendo enforcado em dezembro de 1718 em Charleston. (KLEIN, 2006). 

A ilha de Tortuga: o refúgio dos piratas

É comum encontrar em filmes, jogos e livros menções a Tortuga, uma ilha que ficou famosa por servir de refúgio de piratas. Por conta disso, há quem pense que essa ilha era escondida ou de difícil localização, de forma que as autoridades não conseguiam encontrá-la e invadi-la, mas a realidade é bem diferente. Tortuga é uma ilha com 180 quilômetros quadrados, ficando situada a norte do Haiti (antiga ilha de Hispaniola). Além disso, ela dista algumas centenas de quilômetros de Cuba, localidade atacada várias vezes pelos piratas devido a Frota do Tesouro passar por lá. 

Localização da ilha de Tortuga, no Haiti. 

Tortuga foi "descoberta" pelos espanhóis durante a segunda expedição de Cristóvão Colombo, em 1494. Todavia, somente no século XVI ela começou a ser colonizada, no que ocasionou na morte e escravidão dos nativos, estabelecendo-se fazendas e vilas. Em algum momento daquele mesmo século, piratas encontraram oportunidades de negócios em Tortuga, podendo usar a ilha como ponto de abastecimento, descanso e para negócios ilegais, como contrabando de tabaco e açúcar. 

No século XVII Tortuga se tornou um problema grande, por volta de 1625, corsários franceses e ingleses invadiram e saquearam a ilha, inclusive tentaram retirá-la do controle da Capitania de São Domingos, a qual englobava a ilha de Hispaniola e seu arquipélago. Em 1629 Dom Fradique de Toledo, capitão-mor de São Domingos invadiu Tortuga e expulsou os franceses e ingleses, em seguida mandou construir um forte para proteger a ilha. Mais tarde novas fazendas foram estabelecidas. O governo espanhol julgava que a presença do forte ali inibiria o retorno dos corsários e piratas, mas isso não se revelou numa medida derradeira. A ilha foi novamente invadida pelos franceses e até pelos holandeses. De 1630 a 1654, a ilha foi disputada várias vezes, trocando de domínio, enquanto isso ocorria, os piratas se aproveitavam da instabilidade para continuar a frequentar o local e fazer seus negócios. (MOREAU, 2014). 

Na década de 1660 os espanhóis e holandeses desistiram de Tortuga, mas os ingleses e franceses continuaram a disputar seu controle. No final daquela década o corsário Henry Morgan chegou a recrutar piratas na ilha para sua campanha no Panamá. Observa-se que a pirataria nunca foi extinguida em Tortuga, inclusive as autoridades faziam vista grossa para isso quando lhe convinha. Os corsários ingleses e franceses quando precisavam de mão de obra, iam a ilha recrutar piratas. (MOREAU, 2014). 

Ilustração do século XVII mostrando a ilha de Tortuga. 

Nassau: a república dos piratas (1713-1720)

Embora Tortuga tenha ficado famosa como um refúgio para piratas, a ilha não necessariamente esteve sob controle deles. Na maior parte do tempo, ela esteve em disputa por quatro países como comentado anteriormente, todavia, a ilha da Nova Providência, nas Bahamas, cuja capital é a cidade de Nassau, essa sim por alguns anos foi uma cidade fora da lei, sendo administrada por piratas. 

Nassau foi fundada em 1670 pelos ingleses, sendo chamada Charles Town em homenagem ao rei Charles II da Inglaterra. A cidade se tornou o principal porto e base de operações inglesa no arquipélago das Bahamas, levando os espanhóis a entrarem em conflito pela disputa do controle daquele território. Em 1684 a cidade foi invadida por tropas espanholas e incendiada. A cidade foi reconstruída totalmente em 1695, sendo renomeada como Nassau, uma homenagem ao rei Guilherme III da Inglaterra, que era de origem holandesa, pertencente a Casa de Orange-Nassau. (MARLEY, 2005). 

Localização de Nassau nas Bahamas. A cidade fica num ponto estratégico no arquipélago, além de ficar perto da Flórida e de Cuba, distando menos de 300 quilômetros de ambos. 

A cidade voltou a prosperar por poucos anos, pois a partir de 1703 no contexto da Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1714) ela foi atacada algumas vezes pelos espanhóis e até pelos franceses, o que arruinou sua prosperidade e defesas militares. Estando a cidade em crise após uma década de ataques, os piratas aproveitaram para se apossar dela. Credita-se a Benjamin Hornigold (c. 1680-1719) a ideia de fundar uma "república" dos piratas em Nassau. (WOODARD, 2014). 

Assim, em 1713 ele invadiu a cidade com seus homens e tomou o poder. O pirata Thomas Barrow (?-1726) chegou a se proclamar governador da Nova Providência, alegando ser por direito o senhor daquela república de piratas. De fato, ele não governou sozinho, se é que realmente mandava em algo, pois Nassau era administrada por um conselho formado por capitães piratas, o que incluía Hornigold e Barrow. Inclusive a própria ideia de ser uma república hoje é considerada algo romanceado pelos livros de pirataria. Nassau teria sido governada à base da violência e da intimidação. 

Nassau passou a ser o epicentro da pirataria caribenha, substituindo Tortuga, por conta disso, famosos piratas seguiam para lá, para descansar, morar e fazer negócios. Charles Vane, Edward Jennings, Calico Jack, Barba Negra, Stede Bonnet, entre outros piratas, todos passaram por Nassau em algum momento, pois ali eles sabiam que teriam um lugar para vender suas mercadorias roubadas ou contrabandeadas, além de poder comprar produtos e recrutar tripulantes. (KONSTAM, 2004). 

A quantidade de piratas em Nassau era tamanha que se desconhece o número deles. Relatos do XVIII falam de mais de mil piratas vivendo ali, além de centenas de navios. Independente dos valores exatos é sabido que a frota pirata de Nassau era bastante forte, pois o governo inglês não conseguiu vencê-la por anos. A realidade somente começou a mudar com o Ato da Graça em 1717 que dividiu os piratas, colocando uns contra os outros. Além disso, o governo inglês designou o capitão Woodes Rogers (c. 1679-1732) em 1718 como governador das Bahamas, incumbindo de iniciar a caça aos piratas e a retomada de Nassau, algo que ele conseguiu efetivar em 1720. Inclusive a cidade naquele ano foi atacada pelos espanhóis, mas eles falharam no intento, e dessa forma, Nassau foi retirada do controle dos piratas. (KONSTAM, 2004). 

O governador Woodes Roger (à direita) recebe um mapa da ilha de Nova Providência. Pintura de William Hogarth, 1729. 

Woodes Rogers governou as Bahamas até 1721, sendo sucedido por George Phenney que se manteve no cargo até 1727, quando Rogers assumiu novamente para seu último mandato, já que acabou falecendo em 1732. Ambos os governadores foram incumbidos de evitar que as Bahamas voltasse a se tornar um antro da pirataria caribenha. De certa forma eles conseguiram isso, apesar de não acabarem com a pirataria como o governo almejava, ainda assim, Nassau deixou de ser a capital da pirataria. 

Vida de pirata

A vida como pirata foi bastante idealizada pelos romances de pirataria e os filmes, logo, criou-se toda uma visão de que ser pirata era divertido, era viver emocionantes aventuras, uma vida de adrenalina e ação. Mas a realidade não era bem assim. 

Piratas no geral eram homens sem instrução escolar, embora conhecessem o básico do ofício de marinheiro, assim como, eram homens provenientes das classes baixas, sendo mal-educados e rudes. Os piratas sabiam muito bem que viveriam uma vida de crimes, a ideia de que seriam foras da lei como Robin Hood ou o conceito de banditismo social, os quais levariam tais homens a pirataria como reação a opressão social, assim eles confrontariam o sistema e os poderosos, isso é uma percepção idealizada surgida no século XX. 

Piratas conferindo o saque. Mary Mapes Dodge, 1873. 

A maioria dos piratas eram realmente homens inconformados com suas vidas, marinheiros que ganhavam muito pouco e até sofriam castigos físicos, criminosos foragidos, pobres cansados de seus ofícios, escravos que buscavam liberdade, corsários e capitães que viram uma chance de enriquecer. Sendo assim, a pirataria reunia toda a diversidade de homens, desde capitães mais instruídos até homens analfabetos e rudes, os quais acreditavam que poderiam conseguir algum dinheiro como criminoso. (KONSTAM, 2004). 

A vida de pirata realmente envolvia aventura, mas os riscos eram altos e as recompensas no geral não eram satisfatórias. A maior parte dos piratas eram tolos iludidos, que acabavam morrendo nas batalhas, afogado, doente, em brigas ou executado, pois em diferentes épocas a pena para o crime de pirataria era a morte. Além disso, nos navios piratas a tripulação estava sujeita a regras rígidas, as quais prezavam pela ordem e a lealdade. Desfeitas e erros poderiam ser punidos com castigos físicos ou redução da comida e da água. Piratas que adoeciam, se não tivessem significância, eram abandonados em algum porto ou ilha. Um capitão incompetente poderia até sofrer motim ou ser assassinado. As condições abordo não eram boas, navios superlotados, sujos e falta de acomodações adequadas. A ideia de que os piratas usariam grandes galeões é de ficção, a maioria comandava navios menores. (KONSTAM, 2004). 

Piratas se revoltando contra o castigo de um deles. Desenho de Harry Castlemon, 1898. 

Pela condição dos piratas não terem na maior parte das vezes uma boa instrução, não era incomum eles se envolverem com os vícios, gastando o dinheiro que ganhavam com bebida, apostas e mulheres. Alguns mais instruídos conseguiam juntar dinheiro e abandonavam a vida de pirata, mas isso era raro por conta da falta de consciência, mas também de não terem tempo. A média de vida de um homem nessa atividade era curta. (KONSTAM, 2004). 

Barba Negra começou na pirataria em 1716, foi morto em 1718. Benjamin Hornigold começou em 1712 ou 1713, morreu em 1719. Calico Jack começou em 1718 e foi enforcado em 1720. Claro que alguns piratas conseguiram viver mais tempo, especialmente os capitães como Henry Avery, Charles Fleury, Diego, o Mulato, Rock Brasiliano, mas eles eram exceções. Muitos recrutas tinham alto risco de morrer durante um assalto, especialmente os que não tinham treinamento em combate, algo comum da maioria dos piratas. 

Uma História Geral dos Piratas (1724)

Uma das formas pelas quais a Era de Ouro da Pirataria Caribenha se tornou rapidamente popular foi graças a um livro publicado ainda no final dela, intitulado A General History of the Robberies and Murders of the most notorious Pyrates (1724), escrito pelo misterioso capitão Charles Johnson, o qual nunca foi identificado. O livro foi publicado pela editora Charles Rivington e se tornou um sucesso imediato, ganhando novas edições até 1728. Em cada edição aumentava-se o número de capítulos sobre os piratas, além de virem com gravuras representando os mesmos. 

Frontispício da primeira edição do livro. 

Já se disse que o livro seria uma biografia ou obra de história sobre os piratas da Idade Moderna, mas na verdade o livro combina estilo jornalístico e literário. Apesar de ele mencionar alguns documentos do período, cada capítulo que aborda um pirata em específico, apresenta um tom literário, inclusive relatando acontecimentos baseados em boatos e informações sensacionalistas, sobretudo acerca dos piratas mais antigos e aqueles que tinham pouca documentação disponível. Soma-se a isso o fato de não se conhecer a identidade do tal capitão Charles Johnson. 

O livro se tornou um rápido sucesso, ganhando várias edições em poucos anos e vendendo milhares de cópias pelo Reino Unido. A Era de Ouro dos Piratas tinha chegado ao fim, porém, o interesse por aqueles criminosos era ainda grande, especialmente para as pessoas que viviam longe das notícias das colônias. Assim, a obra era vendida muito mais pela curiosidade do que um relato fatídico daquele período de crimes. 

Não obstante, embora o livro se refira a notórios piratas como Barba Negra, Henry Avery, Stede Bonnet, Calico Jack, Bartholomew Roberts, Capitão Kidd, Black Bellamy, Anne Bonny, Mary Read. Além disso, vários capítulos são dedicados a piratas que não ficaram propriamente famosos, sendo esses subordinados do Barba Negra, Ned Low, Bartholomew Roberts, entre outros. No entanto, curiosamente o livro não aborda dois piratas notórios: Benjamin Hornigold e Charles Vane. 

Em 1932 o crítico literário John Robert Moore lançou a hipótese de que Charles Johnson seria um pseudônimo de Daniel Defoe (1660-1731), famoso escritor e jornalista da época, conhecido mundialmente pelo seu romance Robison Crusoé (1719). Condição essa que após tal hipótese, várias edições do livro passaram a trocar Charles Johnson pelo nome de Daniel Defoe, apesar que isso não seja certeza, pois mais tarde outros estudiosos contestaram os argumentos de Moore. (FURBNANK, 1994). 

Estereótipos sobre os piratas caribenhos 

Embora a literatura sobre piratas começou a despontar com Uma História Geral dos Piratas (1724), entretanto, foi somente um século depois que vários estereótipos dos piratas começaram a se consolidar. Um dos livros que contribuiu bastante para isso foi A ilha do tesouro (1883) de Robert Louis Stevenson (1850-1894). Stevenson foi um escritor e poeta escocês que se especializou em livros sobre relatos de viagem, condição que influenciou bastante uma de suas obras mais famosas, A ilha do tesouro, a qual aborda piratas.

Neste livro acompanhamos a busca do tesouro perdido do capitão James Flint, que é ambicionado por marinheiros e piratas. Além de popularizar o imaginário de piratas enterrando baús cheios de moedas de ouro ou prata em praias de areias brancas, o livro também lançou outros estereótipos como a forma dos piratas se comportarem e até uma referência a piratas sem uma perna, como no caso de Long John Silver. Mas diferente dos piratas com perna de pau, esse personagem usa uma muleta. Além disso, o livro mostra a presença de papagaios e do tapa-olho, duas características marcantes do imaginário dos piratas. 

Capa de uma edição de 1911 de A ilha do tesouro. 

Dirigido para o público infanto-juvenil, já que um dos protagonistas é um adolescente chamado Jim Hawkings, A ilha do tesouro ganhou rápido sucesso, sendo adaptado para o teatro, filmes, desenhos e quadrinhos. As ilustrações das várias edições ajudaram a desenvolver o imaginário dos piratas, mostrando eles usando bandanas vermelhas, camisas brancas, calças pretas, chapéus tricórnios, brinco de argola, rostos barbeados, faixas na cintura etc. Isso tudo foi amplamente explorado nos filmes. 

A temática de piratas começou a ganhar a atenção dos leitores. O escritor italiano Emilio Salgari publicou Il corsaro nero (1898), o qual coloca um nobre italiano partindo em busca de vingar seus irmãos que foram assassinados por piratas. O livro fez sucesso e rendeu três continuações, mais tarde foi adaptado para o cinema. Os anos 1900 a 1940 vão popularizar contos sobre piratas, temática em alta em narrativas de aventura mais realistas, já que nesse período despontava nos Estados Unidos as revista pulp, que traziam aventuras de ficção científica, de terror e fantasia. O famoso escritor inglês Arthur Conan Doyle, conhecido pelas histórias sobre Sherlock Holmes se rendeu a temática de pirataria e publicou alguns contos curtos num livro chamado Pirate Tales and Blue Water (1922). O escritor Robert Howard escreveu algumas novelas retratando Conan, o Bárbaro como pirata. Uma das mais famosas é A Rainha da Costa Negra (1934). 

Dessa forma a pirataria estava em alta na literatura do início do século XX, algo bastante perceptível em narrativas mesmo que não abordassem piratas diretamente como o caso do livro infanto-juvenil Peter Pan & Wendy (1911), em que o principal antagonista do herói é o pirata Capitão Gancho. Inclusive esse livro foi responsável por popularizar outro estereótipo associado aos piratas, o uso de um gancho no lugar de uma mão decepada. Apesar de que diferente das pernas de pau, as quais foram algo realista, usar um gancho não é algo convencional. 

Peter Pan confrontando o Capitão Gancho. Ilustração de F. D. Bedford para uma edição de 1912 do livro. 

Por sua vez, a temática da pirataria ganhou espaço no cinema. Filmes de piratas começaram a serem produzidos logo cedo, os mais antigos conhecidos datam de 1908, entretanto a temática somente se popularizou entre as décadas de 1940 e 1960, em que tivemos mais de 50 produções sobre o tema, a maioria tratando-se de filmes de aventura envolvendo algum herói que tinha que resgatar sua amada em perigo, embora houvesse filmes de comédia também, além de produções onde traziam piratas bons contra piratas malvados. Foi nesse período que também se lançou seriados sobre piratas sendo a mais popular The Bucanneers (1956-1957). 

The Bucanneers foi uma popular série sobre piratas na década de 1950, produzida no auge das produções sobre pirataria. 

Piratas famosos da Idade Moderna

  • Jean Fleury (14?? - c. 1527)
  • Charles Fleury (15??-16??)
  • Hendrick Jacobszoon Lucifer (1583-1627)
  • Diego, o Mulato (16??-16??)
  • Rock Brasiliano (c. 1630-1671)
  • Henry Avery (1649-?) 
  • Thomas Griffin (16??-1691)
  • Benjamin Hornigold (c. 1680-1719)
  • Edward Teach, o Barba Negra (c. 1680-1718)
  • Charles Vane (1680-1721)
  • Thomas Barrow (16??-1726)
  • Bartholomew "Black Bart" Roberts (1682-1722)
  • John "Calico Jack" Rackham (1682-1720)
  • Mary Read (1684-1721) 
  • Henry Jennings (c. 1685 - c. 1745) 
  • Edward England (c. 1685-1721)
  • Stede Bonnet (1688-1718)
  • Samuel "Black Sam" Bellamy (1689-1717)
  • Edward "Ned" Low (c. 1690-1724)
  • Israel Hands (c. 1701 - c. 1724) 
  • Anne Bonny (1702-1721) 

Corsários famosos na Idade Moderna
  • Jacques de Sores (15??-15??)
  • François le Clerc, o Perna de Pau (15??-1563)
  • Francis Drake (c. 1533-1596)
  • Thomas Cavendish (1560-1592)
  • Cornelis Jol, o Perna de Pau (1597-1641)
  • Henry Morgan (1635-1688)
  • William Kidd (1645-1701)
  • Amaro Pargo (1678-1747)

NOTA: Não há um consenso de quando ocorreu a Era de Ouro da Pirataria, diferentes autores apontam datas entre 1650 a 1730, alguns preferem reduzi-la para 1700 a 1730, considerando-o esse período realmente o auge da pirataria caribenha quando atuaram os mais notórios piratas da História. Outros optam e recuar a data para meados do século XVII, englobando ações de corsários como Henry Morgan. 

NOTA 2: Em termos atuais a franquia Piratas do Caribe (2003-2017) são os filmes mais famosos sobre piratas. 

NOTA 3: O Barba Negra é o pirata mais famoso nos cinemas, havendo vários filmes sobre ele. No caso das séries temos algumas como Blackbeard (2005), Blackeard (2006) e Crossbones (2014), todavia, nenhuma dessas séries fez sucesso. 

NOTA 4: A série Black Sails (2014-2017) abordou a Era de Ouro da Pirataria mesclando fatos com ficção. A trama aproveita inclusive personagens de A ilha do tesouro como o Capitão Flint e Long John Silver, colocando-os lado a lado de piratas reais do período. 

NOTA 5: O jogo Assassin's Creed IV: Black Flag (2012) apresenta uma trama ficcional em que acompanhamos o assassino e pirata Edward Kenway cooperando com piratas como Barba Negra, Charles Vane, Calico Jack, Anne Bonny, Mary Read, entre outros. 

NOTA 6: Atualmente One Piece é o mangá mais popular no mundo que aborda piratas. 

NOTA 7: O livro Captain Blood (1922) de Rafael Sabatini inspirou cinco filmes, peças de teatro, histórias em quadrinho e até jogos. Embora o livro hoje seja pouco conhecido, ele ficou notável por conta de seu personagem título. 

NOTA 8: O seriado Our Flag Means Death (2019-2022) apresenta a amizade de Stede Bonnet e Barba Negra numa produção de comédia com duas temporadas. 

Referências bibliográficas: 

ALLEN, H. R. Buccaneer: Admiral Sir Henry Morgan. London: Arthur Baker, 1976. 

EARLE, Peter. The Pirate Wars. London, Methuen, 2003. 

FRANÇA, Jean Marcel Carvalho; HUE, Sheila. Piratas no Brasil: as incríveis histórias dos ladrões dos mares que pilharam nosso litoral. São Paulo, Editora Globo, 2014. 

FURBANK, P. N; OWENS, W. R. Defoe de-attributions: a critique of J. R. Moore's checklist. London, Hambledon Press, 1994. 

KLEIN, Shelley. Os piratas mais perversos da história. Tradução de Magda Lopes. São Paulo, Editora Planeta Brasil, 2007. 

KONSTAM, Angus. Pirates: 1660-1730. Illustrated by Angus McBride. Oxford, Osprey, 2004. 

MOREAU, Jean-Pierre. Piratas: Filibusterismo y piratería en el Caribe y en los Mares del Sur (1522-1725). Madrid, Papeles del Tiempo, 2012. 

WOODARD, Colin. A república dos piratas. Barueri, Novo Século Editora, 2014. 

Links relacionados

O Barba Negra

A história por trás de Assassin's Creed