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Leandro Vilar

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Cidades infernais

"O inferno é uma cidade... uma cidade esfumaçada e populosa. Existe aí todo tipo de pessoas arruinadas e pouca diversão, ou melhor, nenhuma, e muito pouca justiça e menos ainda compaixão".
Percy Bysshe Shelley 

Os habitantes de uma grande metrópole do vigente século XXI, tem muito a reclamar. Ruas abarrotadas de carros, ônibus, motocicletas, bicicletas, caminhões e toda a sorte de outros veículos, expelindo cada um mais e mais dióxido de carbono, levantado um ar denso e abafado. Ao mesmo tempo, tal multidão de veículos que se abarrotam nas ruas que se estreitam, por não terem mais espaço para onde crescer, enclausuram as multidões de passos apressados que lotam cada pedaço de calçada disponível, desviando de buracos, placas, declives, árvores, lixo e o que tiver pelo caminho.

Cidades sujas, fumaçantes, lotadas, violentas... ladrões espreitam nas esquinas, a corrupção se espalha por todos os níveis, casas se tornam prisões, e torres sombreiam a paisagem. Ir e voltar é uma viagem, viver nas ditas selvas de concreto é quase uma luta pela sobrevivência, vista nas selvas verdejantes.

Contudo, tal triste e caótica realidade não é privilégio dos habitantes do século XX e XXI, na realidade ao longo da História várias cidades em seu tempo chegaram a conter centenas de milhares de pessoas e até mesmo, ultrapassarem a casa de um milhão de habitantes. Mas nesse texto, não irei voltar tanto assim no tempo, irei para um período que ocorreu a um pouco mais de duzentos anos, no século XIX, quando as maiores metrópoles modernas do mundo, eram consideradas pelas massas, pela burguesia e as elites, um dos piores locais para se viver. Tomando emprestado uma ideia de Thomas Hobbes: As metrópoles são leviatãs que engolem a sociedade. 

Nesse texto, abordei algumas características de três cidades cosmopolitas do século XIX, Londres, a maior de todas; Paris e Nova York. Se as condições de vida hoje são difíceis, naquele tempo eram bem piores, e até mesmo quem tinha dinheiro reclamava da vida na cidade grande.

LONDRES

No século XIV, a capital inglesa possuía um pouco mais de cem mil habitantes. Cinco séculos depois a população cresceu assombrosamente mais de 1000%! Em fins do século XIX, Londres possuía uma população estimada em 2,5 milhões de habitantes, para um espaço que não cresceu e se desenvolveu na mesma velocidade que a população crescera. Como comportar tanta gente e garantir a ordem, a paz, a segurança, emprego, saúde, educação, moradia, lazer e sobrevivência? Embora a cidade vive-se sob os auspícios da rainha Vitória (1819-1901), a qual governou de 1837 a 1901. Sendo este período chamado de Era Vitoriana, que de fato trouxera boas reformas e bons negócios para o país, que contribuíram para a Revolução Industrial, o imperialismo britânico e a política externa. Mas, isso não fora o suficiente para resolver os problemas que tomavam Londres e as maiores cidades do país. 

Hoje possuímos as "vantagens" de termos um carro ou motocicleta ou até mesmo uma bicicleta, ou se for o caso, podemos dispor do transporte público (ônibus, trem, metrô, táxi, vans, etc). Naquela época, os trens eram mais utilizados para viagens para cantos distantes da cidade ou para outras cidades e regiões do reino. No final do século, começou-se a construir o primeiro metrô do mundo, trabalho este que levou várias décadas para ser concluído. Mas antes que isso ficasse pronto, para atender a mobilidade das massas, as pessoas, se locomoviam a pé ou a cavalo, apenas os que tinham boas condições percorriam as ruas de charrete ou carruagem.

"Gestos automáticos e reações instintivas em obediência a um poder invisível modelam o fervilhante desfile de homens e mulheres e conferem à paisagem urbana uma imagem frequentemente associada às idéias de caos, de turbilhão, de ondas, metáforas inspiradas nas forças incontroláveis da natureza". (BRESCIANI, 2004, p. 10).

A maioria das ruas da cidade não eram pavimentadas, esse "luxo" era exclusivo dos bairros dos ricos, dos burgueses e de algumas ruas principais, e nesse caso algumas das ruas adjacentes e ruelas eram pavimentadas. Mais em geral as ruas eram de terra batida, as quais depois de uma chuva, formavam-se poças de lama, tornando as vias verdadeiros lamaçais. Somando-se aos problemas da poeira levantada em dias secos, da lama em dias chuvosos, havia o problema do lixo e dos dejetos. Londres já possuía um sistema de esgoto há alguns séculos, mas o sistema era ineficiente e cobria uma parcela ínfima da cidade e da população, logo as pessoas jogavam os dejetos humanos ou no Tâmisa, em riachos, em valas, ou simplesmente no meio da rua. Daí que era bom, sempre andar com um chapéu para não ser pego desprevenido quando alguém derruba-se um balde com urina ou fezes.

Além disso, a cidade no século XIX contava com cerca de 250 mil cavalos, que todos os dias percorriam as ruas da cidade e deixavam suas fezes e urnina nas ruas, trabalho em dobro para os limpadores de rua, e para completar, nas ruas também podia-se ver, cães, gatos, ratos, porcos, galinhas, cabras, vacas, todos os animais deixavam seus dejetos que se misturavam com a lama, a terra e a água da chuva nas ruas. 

Em alguns locais da cidade, os restos de açougue e cutelaria eram jogados em valas ou lixeiras a céu aberto, até serem recolhidos pelos limpadores no cair da noite, enquanto isso as carcaças apodreciam naqueles lugares, atraindo ratos, cães, gatos e uma gama de insetos e outras criaturas. 

Devido a estes problemas de higiene, era comum ocorrerem surtos de cólera, desinteira, tifo, febre amarela, peste, doenças transmitidas por piolhos, carrapatos, percevejos e outros insetos. Havia também, surtos de gripe, sarampo, catapora, etc. Em países de clima quente, doenças como a malária e a dengue, também podiam ser bem contagiosas. No século XIV, Londres fora vitima de um surto de peste negra, que ceifou milhares de vidas. A peste negra, matou cerca de 20 milhões de pessoas em toda a Europa em alguns séculos.

O Tâmisa, principal rio da cidade, ainda hoje sofre com problemas de poluição, mas naquela época as condições eram bem piores. A cidade cresceu de forma vertiginosa graças ao progresso da Revolução Industrial iniciado na segunda metade do século, logo o rio estava abarrotado de embarcações de todos os tamanhos com os mais variados tipos de produtos abordo, vindos de vários cantos do mundo. As vezes não se via mais a margem do rio, porque estava sob a madeira dos portos, com seus vários caies e pies. Alguns esgotos fluíam para o rio, ou simplesmente as pessoas jogavam seus dejetos e lixo em suas águas. Nos estaleiros onde se consertavam ou reparavam os navios, havia derramamento de óleo ou fuligem das caldeiras a vapor. 

Em 1840 o notório Friedrich Engels (1820-1895), teórico e filósofo alemão, amigo de Karl Marx, com quem escreveu o Manifesto Comunista, publicado em 1848, visitou em 1840 a cidade de Londres, a qual quando o mesmo chegou ficou fascinado de imediato com a grandiosidade da cidade grande, mas depois que pôs os pés em terra firme e começou a percorrer as ruas da cidade, seu fascínio pouco a pouco começou a mudar. Engels, disse o seguinte:

"Nas ruas a animação é intensa, um mercado de legumes e frutas de má qualidade se espalha, reduzindo o espaço para os passantes. O cheiro é nauseante. A cena torna-se mais espantosa no interior das moradias, nos pátios e nas ruelas transversais: "não há um único vidro de janela intacto, os muros são leprosos, os batentes das portas e janelas estão quebrados, e as portas, quando existem, são feitas de pranchas pregadas". Nas casas até os porões são usados como lugar de morar e em toda parte acumulam-se detritos e água suja". (BRESCIANI, 2004, p. 25). 


A noite, as pessoas evitam de sair de casa, porque a noite, é o território dos indigentes, dos ladrões, dos vagabundos, dos bêbados, das prostitutas e dos assassinos. Embora parte das ruas tivesse postes com iluminação a gás ou a óleo, em geral as vias era bem escuras, isso facilitava crimes e outras indecências. 

"A descrição do East End feita por Arthur Morrison (Tales of mean street) na década de oitenta não difere muito do relato de Engels em 1844: "Um lugar chocante, um diabólico emaranhado de cortiços que abrigam coisas humanas arrepiantes, onde homens e mulheres imundos vivem de dois tostões de aguardente, onde colarinhos e camisas limpas são decências desconhecidas, onde todo cidadão carrega no próprio corpo as marcas da violência e onde jamais alguém penteia seus cabelos". (BRESCIANI, 2004, p. 26)

Fato este, que em 1888, Londres fora pega em pânico quando um misterioso assassino conhecido pelo pseudônimo de Jack, o Estripador, assassinou e estripou cinco prostitutas, no distrito de Whitechapel e suas vizinhanças. Embora que até hoje a identidade deste serial-killer ainda seja motivo de debates, provavelmente o verdadeiro culpado nunca foi pego. Jack, por nunca ter sido descoberto e pego, levou as pessoas a acharem que fosse um fantasma ou um ser sobrenatural.

Caricatura de Jack, o Estripador, na revista Punch em 1888.

Ora, se Jack fora o terror dos últimos anos da Londres do século XIX, por volta dos anos 1840 e 1850, várias lendas urbanas corriam pela cidade, através de livretos escandalosos que se tornaram populares por serem baratos. Tais livretos contavam histórias estranhas, ridículas, assombrosas, misteriosas, etc. Uma delas era a história de Sweeney Todd, um barbeiro que cometia assassinatos em sua barbearia na rua Flint. Embora não passasse de uma lenda urbana, há quem acreditasse que ele realmente existiu e cometeu tais crimes, onde sua cúmplice, a Sra. Lovett, dona de uma loja de tortas, fazia tortas de carne, com as vitimas de Todd. 

Nesse caso, a população londrina do século XVIII e XIX tinha suspeitas quanto a procedência dos seus alimentos. Cerca de 1/5 da carne consumida pelos londrinos vinha de animais doentes, e em alguns lugares da cidade até de animais mortos. Além disso, o pão, comida básica da população, era até mesmo manipulado, tendo outros produtos e substâncias inseridos em sua produção.

Se as condições das ruas não era boas e a própria comida, poderia está estragada, as condições de trabalho e moradia também não era uma maravilha. Com o crescimento das indústrias, um êxodo rural crescente para as cidades durante o século XIX, contribuiu para abarrotá-las. Além de Londres e suas cidades vizinhas, cidades como Manchester, York, Newcastle e Liverpool, se tornaram cidades fabris, onde as pessoas ou trabalhavam nas fábricas, ou iam trabalhar nas minas de carvão e na construção de ferrovias. 

Essas massas de homens, mulheres e crianças se aglutinavam nos bairros operários que em geral eram formados por cortiços das piores espécies. As condições de habitação não era uma exigência vigente na época e até mesmo nas primeiras décadas do século XX, algo visto em muitos países no mundo. O operário o qual trabalhava de 12 a 14 horas por dia na fábrica, em condições degradantes, para ganhar um mísero salário, teria que com aquele dinheiro sustentar uma família de cinco ou seis indivíduos, e em alguns casos, a esposa e os filhos mais velhos também trabalhavam nas fábricas.

Fotografia de trabalhadores londrinos com suas famílias.

"Um quadro amplo da população industrial londrina por volta de 1860 mostra-a, excetuando-se os empregados na construção civil, dividida em cinco grandes ramos de produção: vestuário (incluindo sapatos), madeira e móveis, metais e engenharia, impressão e papelaria e, finalmente, manufatura de precisão (metais preciosos, relógios, instrumentos científicos, instrumentos cirúrgicos, etc)". (BRESCIANI, 2004, p. 32).

Enquanto os ricos e os burgueses viviam em casarões ou mansões, com ruas pavimentadas, arborizadas e iluminadas, com praças e parques nas redondezas, o grosso da população não dispunha disso, e os bairros operários que ficavam próximo as fábricas, sofriam com a poluição e a sujeira das mesmas. Além destes problemas, as casas ou em muitos casos, os cortiços onde viviam eram locais moribundos, apertados, as condições de higiene eram precárias, daí quando havia um surto de alguma doença, estes eram os locais mais atingidos. Os banheiros quando havia, ou era em número de um no apartamento ou eram banheiros coletivos para todo o cortiço. 

"As péssimas condições de moradia e a superpolução são duas anotações constantes sobre os bairros operários londrinos". (BRESCIANI, 2004, p. 25).

Quando uma fábrica falia ou o mercado estava em baixa, os salários diminuíam ou as demissões aumentavam, assim "exércitos" de desempregados se tornavam uma ameaça para a ordem social. Homens e mulheres com fome, sem dinheiro e vivendo em péssimas condições se tornavam uma massa instável e perigosa. De fato, os londrinos não tiveram grandes alardes com tais fatores, mas no caso dos parisienses, a situação fora bem pior.

O governo londrino nas últimas décadas do século XIX modernizou a paisagem da cidade e melhorou em grande parte sua infraestrutura, isso contribuiu para que no século XX, Londres crescesse ainda mais e se tornasse hoje uma das cidades mais modernas, desenvolvidas, belas, com o custo de vida caro, da Europa.


PARIS

Desde meados do século XVIII o rei Luís XV e posteriormente seu neto, Luís XVI cogitavam projetos e planos para urbanizar a cidade de Paris, a qual ainda conservava sua urbanização nos moldes ainda do período medieval, sendo cercada por algumas muralhas, e tendo os burgos fora destas. Porém a modernização da cidade só começaria a ocorrer um século depois, com o sobrinho de Napoleão Bonaparte, Napoleão III

Ainda no século XVIII, Paris preservava algumas de suas características de uma cidade medieval; ruas estreitas, casas baixas, muralhas, pontes, arcos, jardins, etc. Na realidade a cidade só veio a ganhar maior importância após a Revolução Francesa iniciada em 1789. Até então, Paris não era nem ao menos a capital da França, a capital desde o século XVII se encontrava no Palácio de Versalhes na Comuna de Versalhes, acerca de 20 km ao sul de Paris. Local este, onde o célebre e pomposo rei Luís XIV ordenou a construção do palácio e a transferência da corte de Paris para Versalhes. Até 1789, Versalhes era a capital da França, embora que apenas a nobreza e a criadagem vivessem entre seus muros. 

Embora, Paris seja conhecida como a "cidade luz", a cidade guarda em seu subterrâneo algo que pouca gente conhece. Paris as vezes é também chamada de o "queijo suíço", analogia devido ao fato de que o queijo suíço possui muitos buracos. A cidade, é cortada por um labirinto de túneis, túneis escavados ao longo de séculos para a extração de pedras para a construção da cidade. Contudo, no século XVIII, devido ao aumento nas taxas de mortalidade na cidade, os cemitérios começaram a ficar superlotados, enquanto novos cemitérios não fossem construídos, onde se enterraria o número crescente de cadáveres? A superlotação fez logo em pouco tempo, sentir-se as suas consequências. Odores pestilentos atraiam os animais e faziam as pessoas adoecerem, já que os cemitérios ficavam dentro da cidade. Uma solução imediata para isso, fora a transferência dos mortos, para os túneis, assim eles passaram a serem chamados de catacumbas de Paris.

Fotografia de uma cripta nas catacumbas de Paris.

Fora ainda no século XVIII que a cidade começou a sofrer com problemas de infraestrutura. A medida que a população francesa crescia (estima-se que em 1789 a população da França fosse de mais de 20 milhões, sendo o país mais populoso até então da Europa), e parte desta população que saíra dos campos se aglomerava em Paris e nas comunas vizinhas. A cidade ia crescendo para além de sua antigas muralhas, anexando até mesmo as comunas vizinhas, mas não havia um controle deste crescimento.

Entre os anos de 1786 a 1789, invernos prolongados castigaram o país, e prejudicaram as colheitas, as pessoas no campo começaram a não terem o que comer e morriam de fome, e não tardou para que tal problema chegasse a Paris. Na capital das luzes como assim ficou conhecida devido a abrigar os principais pensadores do Iluminismo ao longo do século XVIII, via sua áurea ser contestada. Paris poderia ser a "cidade luz", mas tornou-se a "cidade da fome". 

O pão que era o principal alimento da sociedade começou a ficar escasso devido a falta de farinha de trigo, logo seu preço aumentou e aqueles que não tinham dinheiro para comprá-lo, viam-se bem próximos da morte. Logo, multidões de homens e mulheres saiam as ruas atrás de comida nas padarias, mercados e feiras, chegavam até mesmo a lutarem um contra os outros por um pouco de comida. Numa cidade com mais de 500 mil habitantes o cenário era terrível. 

"Um turba não será mais uma turba se for bem alimentada, bem vestida, bem alojada e bem disciplinada". T. S. Elliot

O problema da falta de comida e da violência gerada pelas turbas furiosas das massas oprimidas foram um dos motivos que desencadearam a revolução em 14 de julho de 1789

Pintura retratando a queda da Bastilha em 14 de julho de 1789. Inicio da Revolução Francesa

"O incômodo causado pelos mendigos e pelos vagabundos isoladamente só se vê suplantado pelo medo deles em multidão. "O que pode fazer uma força policial de 8000 ou 9000 homens contra 150 000 indivíduos violentos e rufiões, os quais, numa situação de excitação suficiente, podem ser vistos na Metrópole investindo-se contra a lei e a ordem?". (BRESCIANI, 2004, p. 39). 

Os anos que seguiram-se com o governo revolucionário de 1789 a 1799 fora conturbados, polêmicos e sangrentos. Guerras eclodiram nas fronteiras do país, nações vizinhas, tentaram tomar o poder da mão dos revolucionários e restaurar a monarquia. Enquanto isso, os culpados, eram guilhotinados aos milhares em Paris, uma estimativa sugere que pelo menos mais de 30 mil pessoas foram guilhotinadas em praça pública, incluindo o rei e a rainha de França. 

Após 1799, o país vivenciou um período de transição durante o consulado de Napoleão até que em 1804 o mesmo se proclamou imperador e governou por dez anos. Durante o reinado de Napoleão, obras foram feitas em Paris, principalmente reformas em palácios, construção de monumentos como fora o caso do Arco do Triunfo. Contudo, os bairros pobres da cidade, padeciam de calçamento e saneamento. Napoleão, não estava muito interessado em cuidar de questões de infraestrutura da sua capital, seu principal interesse era conquistar a Europa. 

Após o fim do reinado de Napoleão quando o mesmo fora enviado para exílio na ilha de Santa Helena onde permaneceu até o fim da vida. Os governos que o sucederam oscilavam entre a república e a monarquia, e constantes golpes de Estado, punham abaixo repúblicas e elevavam ao trono novos reis. 

Paris no século XIX contava com uma população de 1,5 milhões de habitantes, era a segunda cidade mais populosa da Europa, e embora não tivesse a mesma quantidade de fábricas como era visto nos subúrbios e nas cidades vizinhas de Londres, no final do século, a industrialização na França se tornou mais massiva,  após meados do século, logo as classes operárias cresceram e se tornaram mais influentes e perigosas. A Primavera dos Povos desencadeada em 1848, consistiu em várias revoluções em distintos países europeus, onde movimentos principalmente ligados a classe operária faziam suas reivindicações por melhores salários, condições de trabalho, moradia, direitos, etc. Em 1871, por três meses Paris ficou tomada pela Comuna de Paris, uma revolução iniciada pelos operários, algo que Marx considerou como um possível viés para dá inicio a uma revolução socialista.

A Avenue de l'Opéra como vista por Pissarro a partir do atual Hôtel du Louvre.

Escritores como Émile Zola e Victor Hugo, respectivamente em suas obras, Germinal (1885) e os Miseráveis (1862), retrataram a realidade nua e crua da vida e do trabalho do homem comum, que nessa época, fosse ele operário, artesão ou tivesse outra profissão de "baixo grau" tinha uma vida dura. Se os leitores tiverem interesse sobre tais condições, sugiro lerem estes livros ou se preferirem assistirem os filmes baseados nestes clássicos. 

Retrato de "Cosette" na pousada Thénardier por Émile Bayard, da edição original de Les Misérables (1862)

"Paris tem 86 mil pobres conhecidos e talvez outro tanto e desconhecidos. Os trabalhadores franceses são tão miseráveis que nas províncias onde a indústria é maior, os homens nas suas cabanas de terra possuem nem mesmo um leito". (BRESCIANI, 2004, p. 51). 

Como foi apontado inicialmente, mudanças significativas na infraestrutura e na urbanização da cidade de Paris vieram a ocorrerem de fato e com eficiência a partir do governo de Napoleão III, o qual de 1852 a 1870 governou a França como terceiro e último imperador da nação, depois disso, uma nova república fora instaurada. Napoleão III, diferente de seu tio, mostrou ter um zelo e uma preocupação com a capital. 

Imperador Napoleão III (1808-1873).

O imperador incumbiu o prefeito Georges-Eugène Haussmann (1809-1891) de levar à cabo as suas propostas de embelezar e modernizar a capital francesa, tendo como modelo Londres. Haussmann levou arrisca tal tendência. Uma das suas prioridades era  transferir as classes baixas que viviam no centro da cidade para a periferia, como forma de dá a burguesia acesso aquele lugar, e amenizar os protestos dos mesmos. Os bairros populares, eram formados por cortiços, ruas estreitas, sujas, sem calçamento e seu saneamento. As habitações eram velhas e pequenas, insalubres e mal conservadas. O imperador queria varrer aquela imundice do centro de Paris. 

"É sempre nos subúrbios, insistamos, que a raça parisiense aparece; lá está o sangue puro; lá está  fisionomia verdadeira; lá este povo trabalha e sofre,  o sofrimento são duas imagens do homem". Victor Hugo, Os Miseráveis (BRESCIANI, 2004, p. 49). 

Georges-Eugène Haussmann, "o artista demolidor". Fora incumbido por Napoleão III de realizar as reformas de embelezamento e modernização de Paris.

Centenas de famílias foram desalojadas e transferidas para moradias na periferia da cidade, os antigos prédios e casas foram demolidos, para dá espaço a ruas e avenidas largas e pavimentadas. Árvores foram plantadas ao longo de algumas ruas e praças foram construídas. Novos edifícios tanto residenciais e comerciais foram projetados e construídos sobre os escombros das antigas moribundas construções. a Cidade ganhou um tom mais belo, fresco e limpo. O porto no rio Sena sofreu reformas, houve também a tentativa de limpar as suas águas. 

Vista atual da Boulevard Haussmann. Exemplo do projeto de urbanização da cidade empreendido por Haussmann sob ordem de Napoleão III.

Impostos sobre a taxação do lixo e multas para quem sujassem a cidade foram criados ou reformulados, algo que também ocorreu em Londres. Iluminação pública a gás fora instalada nas principais ruas e avenidas, e o aumento do policiamento noturno fora efetivado. Assim, as pessoas poderiam desfrutar de um passeio noturno pelas ruas da dita "cidade luz", o desfrutarem de uma noite de boêmia. Tendência essa reforçada pelos luxuosos cabarés construídos pela cidade, como exemplo o Moulin Rouge, fundado em 1889. 

Moulin Rouge, um dos cabarés mais famosos de Paris. No final do século XIX, local de diversão das elites.

Enquanto os burgueses e os ricos desfrutavam do luxo e do glamoroso espetáculo dos teatros, das casas de ópera e dos finíssimos cabarés, o restante da população, passava a noite em bares, tavernas e prostíbulos de "quinta categoria". Jogando, bebendo, rindo, brigando, etc. Para alguns homens cultos da época, a iluminação, espantou as trevas da noite, mas ao mesmo tempo permitiu que os homens largassem-se a depravação noturna. 

As reformas de embelezamento e modernização da cidade efetuadas durante o governo de Napoleão III, contribuíram para dá visual belo, romântico e clássico que conhecemos hoje de Paris. Mesmo assim, as condições precárias das classes trabalhadoras, só vieram a mudar consideravelmente durante o século XX. 

Fotografia da Torre Eiffel em 1888, um ano antes de sua inauguração. Ao fundo pode-se ver a extensão da cidade a qual caminhava para a marca dos 2 milhões de habitantes no final do século.

NOVA YORK

Em meados do século XIX, Nova York era considerada o melhor lugar para se ganhar dinheiro nos Estados Unidos da América. No final do XIX, a cidade era a maior, mais populosa, com cerca de 1,5 milhões de habitantes, a mais desenvolvida industrialmente e sede dos principais bancos, já que desde o começo do século, alguns dos mais importantes bancos do pais se estabeleceram em Wall Street. Nova York era  destino de muitos estrangeiros, principalmente após 1860, quando levas de imigrantes da Irlanda, Inglaterra, Escócia, Alemanha, França e Itália chegaram na cidade. Na segunda metade do século, Nova York, capital do estado homônimo, era uma cidade suja, corrupta, caótica.

Pintura retratando duas ruas da cidade de Nova York em 1828. Na época poucas ruas eram pavimentadas.

A medida que a cidade atraía bancos, logo atraía investidores com capital ativo para ser o quanto antes investido. A cidade era uma meca para os negócios. Em poucas décadas a população de algumas dezenas de milhares cresceu para centenas e no final, já passava de um milhão. A cidade cresceu de forma abrupta e desorganizada. Logo esta falta de estrutura faria os nova-iorquinos sentirem as consequências.

Entre as décadas de 1830 e 1840, surtos de cólera e desinteira tomaram a cidade, milhares de pessoas morreram em poucos meses. As condições insalubres e degradantes dos bairros populares, era um convite para todo tipo de praga. Ratos, piolhos, pulgas, carrapatos, baratas, percevejos, eram as principais pragas que viviam sob e sobre as ruas da cidade. Medidas sanitárias foram tomadas para se evitar surtos de cólera, e também de tifo, sarampo, catapora, gripe, febre amarela, etc. Nova York, diferente de Londres e Paris, não era uma cidade visivelmente bonita, a ilha de Manhattan, era um aglomerado de prédios, embora que hoje isso não seja tão diferente assim. 

Pintura retratando a ilha de Manhattan no final século XIX. Já sendo possível ver a ponte do Brooklin (direita).

De fato, Nova York era um bom lugar para se ganhar dinheiro, isso se você tivesse capital para investir, ao contrário, seria um trabalhador comum, ganhando um salário péssimo, trabalhando dez a doze horas por dia, vivendo em apartamentos pequenos e insalubres. Na segunda metade do século, cerca de 50% a 60% da população vivia em cortiços, e tais cortiços eram propriedades dos burgueses que cobravam caríssimos aluguéis, que não valiam a pena. 

Os apartamentos eram pequenos, só possuíam um cômodo ou dois cômodos para abrigar uma família de quatro a seis indivíduos, e em alguns casos, devido ao valor do aluguel, era comum algumas família dividirem o mesmo apartamento. Chegando a ter de dez a doze pessoas sob o mesmo teto. Há relatos de que em alguns apartamentos criavam-se além de cães e gatos, galinhas, porcos e cabras. Em alguns casos, alguns artesãos tinham suas oficinas dentro de casa. Ao longo do dia, as mulheres faziam seus afazeres de cada, as crianças brincavam na rua, já que em geral as crianças das classes baixas não iam a escola; enquanto que os homens, montavam suas oficinas dentro de casa, e a noite, afastava-se as mesas, bancadas e cadeiras e armavam-se os leitos. 

As zonas em volta do porto, e na periferia da cidade onde ficavam as indústrias eram os locais mais sujos, escuros e perigosos da cidade. Açougues e cutelarias também eram locais bem sujos. Embora, parte das ruas já fossem pavimentadas, a quantidade enorme de cavalos que percorriam as mesmas e o lixo jogado nas ruas, contribuía para a imundice da cidade, questão esta que levaram as autoridades decretarem leis aumentando os impostos sobre o lixo, aumentado a contratação de limpadores de rua, e aumentado as multas para quem jogasse lixo nas ruas. Nesse caso, passou-se a proibir, a transição de vacas, porcos e cabras pelas principais ruas e avenidas da cidade, sendo aberto espaço apenas para os cavalos, cachorros e gatos. Embora que durante a noite os ratos percorressem tais lugares. 

Gravura de Nova York em 1848, vista a partir do Brooklin.

Nas últimas décadas do século Nova York cresceu vigorosamente. Levas e mais levas de imigrantes chegavam todos os dias vindos da Europa, para trabalharem nas fábricas, em busca de melhores condições de vida. Ao mesmo tempo, a cidade também ia se tornando mais densamente populosa, poluída, com o crescimento das indústrias na periferia; se tornava uma cidade moderna, mas não tão bela como Londres e Paris, já que na cidade mal havia árvores nas calçadas, praças e parques. O Central Park, ainda era minúsculo nesse tempo, só vindo a ganhar as devidas proporções ao longo do século XX. E para completar, a cidade também se tornava mais violenta.

Ilustração comemorativa da inauguração da ponte do Brooklin em 1883.

A ponte do Brooklin que levou quatorze anos para ser construída se tornou o primeiro grande cartão-postal da cidade, até que a Estátua da Liberdade fosse inaugurada cinco anos depois. 

Ilustração comemorativa da inauguração da Estátua da Liberdade em 1888. Originalmente a estátua era dourada mas devido as intempéries, ela perdeu sua cor original ganhando a atual tonalidade cinza-esverdeada.

A cidade de Nova York se tornava um símbolo da liberdade, do progresso, do crescimento da modernidade. Fora a primeira cidade do mundo a possuir energia elétrica. Thomas Edison (1837-1931), escolheu a Big Apple (apelido da cidade), para ser a primeira cidade a se testar o uso da energia elétrica na iluminação pública. De fato na década de 1870, Edison que então vivia há alguns anos em Nova York, escolheu algumas ruas da cidade, para testarem sua nova invenção que revolucionou o mundo, a lâmpada incandescente. Embora que a cidade só desfrutaria de fato da energia elétrica a partir do século XX com as melhorias criadas por Nikola Tesla (1856-1953) para a rede elétrica.

Fotografia de uma das ruas de Nova York em 1898.

Se por um lado novas construções e monumentos davam outros ares a esta cidade abafada, suja e escura. Problemas de saneamento, de moradia, de emprego, corrupção e violência, eram males que já estavam enraizados nesta cidade e em outras no mundo. Entre as décadas de 1840 a 1860, houveram altos índices de corrupção por parte das autoridades, que desviavam verbas públicas e sonegavam impostos. Da década de 60 em diante, um novo problema tornou as ruas da cidade perigosas, as gangues de rua. 

Com a grande chegada de estrangeiros a cidade, logo o choque entre línguas, culturas e costumes levou ao crescimento do preconceito racial e cultural. Os mais diversos tipos de gangues se formaram para defenderem seu espaço e seus interesses na "cidade do mundo". Bairros alemães, italianos, irlandeses, e afro-americanos se formaram, até mesmo uma china town se estabeleceu na cidade. Assim, rixas étnicas ou meramente por negócios, dinheiro, inveja, e outros motivos torpes, levavam ao confronto destas gangues, que podiam chegar a centenas ou até mais de mil membros. 

Fotocromia da Mulberry Street, na Little Italy (Manhattan) em 1900.

Mesmo tendo chegado na aurora do século XX, Nova York, como tantas outras metrópoles modernas, iniciou o novo século trazendo em sua bagagem todos estes males do século passado, que pouco a pouco fora sanados, e outros ainda não foram solucionados. 

NOTA: O filme Gangues de Nova York (2002), dirigido por Martin Scorcese, baseado no livro homônimo  retrata a realidade das gangues de rua na Nova York do século XIX. 
NOTA 2: O filme O Poderoso Chefão (Godfather) de 1972, dirigido por Francis Ford Coppola, narra a história da Família Corleone na máfia nova-iorquina durante as décadas de 40 e 50 do século XX, tendo como um dos cenários a chamada Little Italy. 
NOTA 3: O escritor inglês Charles Dickens (1812-1870), um dos mais populares escritores ingleses, escreveu importantes contos tendo como protagonistas as pessoas indigentes da cidade de Londres, cidade esta que ele retrata sob várias perspectivas em suas obras. 
NOTA 4: Entre 1870 a 1890, a polícia londrina suspeitava que houvessem pelo menos 20 mil criminosos na cidade. Os altos índices de criminalidade e os crimes não solucionados, levaram Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930) em 1887, lançar a primeira história de seu mais famoso personagem, o detetive Sherlock Holmes

Referências Bibliográficas:
BRESCIANI, Maria Stella Martins. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo, Brasiliense, 2004. (Coleção Tudo é história, 52).
RIOUX, Jean-Pierre. A Revolução Industrial: 1780-1880. São Paulo, Livraria Pioneira, 1975.
THOMPSON. E. P. Costumes em Comum. São Paulo, Companhia das Letras, 1998. 

Links relacionados:
Nos deem comida. O povo tem fome
Fábrica, aço e vapor: A Revolução Industrial
A Revolução Francesa: Liberdade

4 comentários:

Anônimo disse...

20 milhões de pessoas mortas é um número bem grande heim amigo?

Você posta como se fosse a verdade, afinal, quem te falou isso?

Citou o numero 20 milhões umas 3 vezes neste post, e quem contou as milhões de pssoas mortas uma por uma ?

Pelo amor né cara, para de desinformar os leitores.

Leandro Vilar disse...

Tiago Dutra, não entendi sua crítica.

20 milhões de "possíveis" mortes causados pela peste negra. Qualquer livro de medievo fala algo em torno de 20 a 40 milhões. Se você não acredita nisso, é um direito seu.

A França em 1789, tinha cerca de 20 milhões de habitantes, isso é um dado estimado baseado nos precários censos da época.

No entanto, eu não achei o terceiro "20 milhões", mas achei 20 mil criminosos, valor que a polícia londrina estimava no final do XIX. Lembrando que naquela época Londres já tinha 2 milhões de habitantes, o que significaria que pelo menos 10% da população viveria do crime.

Agora lhe pergunto, onde estão os absurdos que você apontou? E pelo contrário, isso não é desenformar, mas sim informar.

Entretanto, se você questiona os valores, bom, não posso fazer nada, pois não fui eu que levantei esses dados estatísticos, mas se você quiser tirar sua própria conclusão, você pode averiguar trabalhos específicos, além do fato de que todos os valores apresentados estão precedidos de "cerca", ou seja, significa algo relativo, não exato, ou absoluto.

Logo, sua queixa de dizer que tomei isso como plena verdade, está enganada, pois com tais dados, recomenda-se sempre colocá-los como relativos, pois os próprios historiadores que os elaboram dizem que eles não são totalmente exatos, pois naquela época o censo não era eficaz, e em alguns locais nem existia censo.

Espero que tenha explicado satisfatoriamente sua indagação.

Unknown disse...

Muito interessante esse artigo. História na sua mais pura essência. Obrigado.

Conversa de Músicos disse...

"20 milhões de "possíveis" mortes causados pela peste negra. Qualquer livro de medievo fala algo em torno de 20 a 40 milhões"

Caro Leandro, vou chamar a atenção no sentido Totalmente Contrário ao da "crítica" do mal-informado Tiago... esses números parecem até "ingênuos", dado que a maioria dos historiadores apontam números Bem maiores. Considerando que a peste, na Europa, parece ter se iniciado no início do séc XIV, tendo seu pico em meados desse mesmo séc, mas ressurgindo, em várias localidades da Europa, em diversos surtos até o início da 2ª metade do séc XVII, a estimativa de perdas, só na Europa, parece girar em torno de pelo menos 50 milhões. E, se consideramos a Eurásia, e partes da África, esse número pode chegar mesmo a 200 milhões de pessoas, isso até quase final do séc XIX, lembrando q houve um surto da mesma na cidade de Nova York, isso no início do séc XX...