Após a tragédia do incêndio no Museu Nacional do Brasil, e também após ler comentários ignorantes e pérfidos, se faz necessário tentar conscientizar as pessoas sobre a importância do nosso patrimônio histórico, que no caso do Brasil, apesar de possuir uma legislação com décadas de idade, sempre encontrou e ainda encontra entraves e obstáculos para poder funcionar. No seguinte texto, podemos ler um resumo sobre algumas políticas públicas patrimoniais no Brasil.
Políticas públicas e gestão do patrimônio histórico
Dra. Ana Lúcia Goelzer Meira
O
campo do patrimônio pressupõe atribuição de significado a determinados bens.
Envolve concepções que mudam com o tempo, com os valores da sociedade.
Relaciona-se com os conceitos de identidade, modernidade e nacionalidade e sua
construção apresenta momentos em comum com as trajetórias dos conceitos de
história, arqueologia, arte e arquitetura. Há momentos em comum entre a
construção dos conceitos de história e patrimônio. Para ambos é fundamental o
surgimento de noções como alteridade e cronologia. E tiveram momentos
importantes de afirmação em períodos históricos como o Renascimento, o
Iluminismo, a Revolução Industrial, e outros. Tanto a história quanto o
patrimônio, no senso comum, se relacionam com a Antigüidade Clássica através de
imagens emblemáticas. Quando nos lembramos do patrimônio, afloram as imagens
dos remanescentes da Grécia antiga como seu exemplo consagrado. Quando nos
lembramos da história, é para lá que retrocede a origem do ofício do
historiador. Mas nenhum desses dois conceitos existia, naquela época, com o
entendimento que temos hoje em dia.
Coube
ao Renascimento designar com o nome de antiguidades – herdado de Varrão –
filólogo romano, os temas históricos que não tinham relação com a concepção de
história baseada nos temas da política e da guerra 1. Também foram designados
como antiguidades os remanescentes materiais da civilização romana. Os
estudiosos humanistas começaram a escavar, medir, identificar esses fragmentos,
descobrindo o valor de objetos antigos e desenvolvendo os rudimentos da
arqueologia.
Em
Roma, os humanistas clamavam pela conservação das antiguidades romanas e os
papas passaram a assumir as ações de preservação, mas de maneira ambígua. A
sucessão de bulas papais proibindo as demolições ocorria na mesma medida em que
as estátuas, mármores e travertinos dos monumentos romanos transformavam-se em
material de construção e decoração para as novas igrejas e edificações
religiosas construídas pelos próprios pontífices. 2 Segundo Choay, embora com a
designação de antigüidade e sofrendo uma ação ambígua, o conceito de monumento
histórico emergiu nesse contexto – Roma, em torno de 1420, no qual se fundiram
as perspectivas histórica, artística e de conservação.
Mas
vão decorrer mais três séculos antes do conceito adquirir a sua denominação
definitiva, com a Revolução Francesa. É a partir desse contexto revolucionário
que a preservação do patrimônio deixa de ser uma preocupação de eruditos ou de
setores da Igreja Católica e se torna objeto da preocupação de um governo,
embora também de maneira contraditória. Os comitês revolucionários procuravam
preservar, mas, ao mesmo tempo, autorizavam as demolições realizadas por
revolucionários iconoclastas. Foi implantada uma estrutura de preservação
estatal e centralizada que caracterizou a gestão do patrimônio na França e
inspirou muitos países posteriormente, inclusive o Brasil. A percepção do
passado como herança coletiva “dava validade ao presente e o exaltava (...) e
intensificou o interesse por salvar relíquias e restaurar monumentos como
emblema da identidade, da continuidade e das aspirações comunitárias”.3
Pela
primeira vez, as antiguidades foram consideradas como um bem coletivo de
interesse de uma nação, e passaram a ser objeto de políticas públicas –
oficiais e centralizadas. Para diferenciar as antiguidades nacionais das obras
da Antiguidade Clássica, foi-lhes atribuída a designação de monumentos
nacionais 4. As políticas oficiais são responsáveis por elevar alguns artefatos
à categoria de patrimônio, atuando no nível do imaginário e destacando elementos
constitutivos referenciais no desenvolvimento da sociedade. O poder de
instituir a proteção é atribuição do Estado – o “Estado detentor do monopólio
da nomeação oficial, da boa classificação, da boa ordem” 5. Essa nomeação
oficial, embora aplicada pelo autor em contexto referente aos títulos
nobiliários, no caso dos bens patrimoniais consagra-se com o instituto do
tombamento, que “tem a seu favor toda a força do coletivo, do consenso, do
senso comum, porque ela é operada por um mandatário do Estado”6.
As
políticas públicas relacionadas ao patrimônio sempre tiveram a presença
hegemônica de arquitetos, tanto no Brasil quanto, de maneira geral, em todos os
países ocidentais. Esses técnicos atuam em nome de um interesse coletivo que é,
na maioria das vezes, o interesse das classes dominantes manifesto através do
Estado. Entende-se por políticas públicas o pensamento formulado por Márcia
Sant’anna a partir do conceito de Ana Maria Brasileiro:
“As
políticas públicas são um conjunto de ações que visam determinados objetivos, e
podem se desenvolver tanto no plano da sua implementação efetiva quanto no
nível do discurso através de sua simples formulação. Isto significa que, nestes
casos, o plano das intenções é importante, pois ele tem muito a revelar sobre o
pensamento corrente a respeito de um determinado campo de interesse da
sociedade. As políticas públicas também são perceptíveis e ou codificadas por
meio de um conjunto de leis, decretos e outros documentos que regulam a ação do
estado. Embora as políticas e as ações estatais nem sempre estejam
completamente previstas ou regulamentadas em lei, esta é sempre o limite
máximo, a instância que prevê os parâmetros gerais dentro dos quais deve se dar
a decisão ou a tomada de decisão”.7
Às
políticas públicas contrapõe-se, ou conjuga-se, a participação dos cidadãos.
Entende-se por participação a parte da gestão que se realiza com os atores
sociais diretamente envolvidos no processo. No caso da gestão de uma cidade, a
participação dos cidadãos pode ser espontânea ou incentivada por uma política
pública.
Choay
sugere o período de 1820 como aquele que marcou o início da consagração do
monumento histórico. Poulot indica a geração de 1830 como fundamental,
ressaltando que a Monarquia de Julho instituiu a Inspetoria dos Monumentos
Históricos e o Museu de Versalhes 8. O auge da era industrial havia introduzido
uma ruptura traumática nos modos de produção com reflexos em todas as dimensões
da vida humana, como na divisão do trabalho e na noção de tempo e espaço.
"A busca de origens se tornou inevitável assim que as revoluções política,
econômica e industrial começaram a solapar as certezas religiosas e metafísicas
dos tempos precedentes" 9.
No
Brasil, foi adotado o modelo francês na preservação do patrimônio cultural
através da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
SPHAN (atual IPHAN), ligado ao Ministério da Educação e Saúde, em 1937. É
conhecido o fato do Brasil ser o único país do mundo onde os profissionais que
construíram a idéia da preservação do passado eram os mesmos que projetavam o
país do futuro 10.
A
participação dos modernos na formação do IPHAN é muito significativa: Lúcio
Costa, Carlos Drummond de Andrade, Oscar Niemeyer, Sérgio Buarque de Holanda,
Carlos Leão, Manuel Bandeira, faziam parte da instituição ou participavam de
alguns trabalhos. Antes da criação do SPHAN, existia uma instituição que se
ocupava da fiscalização dos monumentos e objetos históricos – o Museu Histórico
Nacional. Criado em 1922, ano do centenário da Independência do Brasil,
destinava-se “a guardar e expor as relíquias de nosso passado, cultuando a
lembrança de nossos grandes feitos e de nossos grandes homens” 11. O Museu teve
sua estrutura alterada em 1934, e passou a abrigar a Inspetoria dos Monumentos
Nacionais que, segundo a visão do integralista Gustavo Barroso, seu primeiro
diretor, seria o embrião do SPHAN.
Porém,
a visão dos modernos era muito mais abrangente que a história ufanista
defendida por Barroso. A proposta da lei elaborada, em 1936, por Mário de
Andrade, mas que não foi adotada no final, sugeria que o SPHAN deveria se
incumbir da preservação do patrimônio nacional, compreendendo os bens
arqueológicos, ameríndios, populares, históricos e as manifestações de arte
erudita e aplicada. A idéia de nação pretendida pelos modernistas era capaz de
incluir a diversidade nacional. A associação ideológica às heranças monumentais
e a conservação dos bens culturais edificados capazes de exaltar a
nacionalidade, de simbolizar um passado sem conflitos, de expressar união,
harmonia e grandeza, ajudava na construção da identidade nacional almejada pelo
novo governo. Além disso, a implantação pioneira, na América Latina, de uma
instituição voltada à preservação do patrimônio e que se tornou respeitada no
exterior, “inseria o Brasil no conjunto das nações civilizadas.” 12.
O
processo de escolha do que passou a ser considerado patrimônio nacional teve
alguns marcos emblemáticos. Minas Gerais foi identificada como o berço da
civilização brasileira e o barroco mineiro, descoberto pelos modernistas,
adquiriu valor estético e se tornou uma unanimidade nacional 13. O barroco
mineiro passou a dominar o imaginário e as referências do patrimônio nacional –
fato que se observa até hoje nas representações sobre o tema, e Ouro Preto foi
o seu território mais importante. “Esvaziada economicamente, a cidade foi usada
como matéria-prima para um laboratório de nacionalidade de inspiração
modernista, deixando as populações que lá moravam subordinadas a esta visão
idealizada”.14
No
campo do patrimônio, enquanto seus oponentes defendiam aspectos morais e
cívicos com uma conotação nostálgica, os modernistas se dedicavam ao registro e
estudo de manifestações artísticas e antropológicas. A partir de suas escolhas,
o patrimônio passou a se expressar, principalmente, através de exemplares
arquitetônicos ligados ao barroco brasileiro, construindo um imaginário sobre o
patrimônio nacional estratégico para o Estado Novo 15 =. Não raro, os
modernistas da “repartição” eram acusados de terem sido cooptados pelo Estado.
Diz Cavalcanti que o trabalho dos modernistas no SPHAN estava relacionado à
convicção de que o Estado se constituía no lugar da vanguarda e da renovação,
onde eles poderiam implementar as idéias de construção do país que defendiam em
suas obras.
Assim,
“conseguem realizar o sonho de todo revolucionário; deter as rédeas da
edificação do futuro e da reconstrução do passado ou, em outras palavras,
escrever simultaneamente o mapa astral e a árvore genealógica do país” 16. A
coexistência entre passado e futuro está demonstrada em alguns momentos
emblemáticos do IPHAN, como na aprovação do projeto de Oscar Niemeyer para o
moderno Grande Hotel em pleno centro histórico de Ouro Preto, no tombamento do
Edifício do Ministério de Educação e Saúde (atual Palácio Capanema), em 1948, e
no tombamento do Catetinho pelo IPHAN, em 1959, mesmo antes da inauguração de
Brasília.
A
partir do golpe de 64, são promulgados diversos instrumentos que disciplinam e
organizam a produção e a distribuição dos bens culturais no Brasil.
Concretizando o “pensamento autoritário do estímulo controlado da cultura” 17
são criados, dentre outros, o Conselho Federal de Cultura 18, a FUNARTE e o
Centro Nacional de Referência Cultural – CNRC. Ortiz observa que o movimento
cultural após 64 caracteriza-se por dois momentos "que não são na verdade
contraditórios; por um lado ele é um período da história onde mais são
produzidos e difundidos os bens culturais, por outro ele se define por uma
repressão ideológica e política intensa”19.
A
partir daí, houve mudanças importantes nas políticas públicas em nível federal.
Segundo Vera Milet, no campo da preservação, houve a "recorrência ao
nacionalismo e a integração definitiva dos bens culturais à lógica da
mercadoria" 20. As recomendações e normas internacionais ofereciam novas
diretrizes e parâmetros. Foram promovidas reuniões de Governadores, em
Brasília, em 1970, a qual evidenciou a importância ideológica que a preservação
do patrimônio assumiu para a ditadura, e em Salvador, em 1971. 21. Ambas
trataram de assuntos relacionados ao patrimônio e, especialmente, sobre a
necessidade de estender aos estados e municípios as ações de salvaguarda.
A
partir de então começaram a ser assumidas pelos estados e municípios as
políticas de preservação que, até então, eram prerrogativas do governo federal.
Em 1979, foi criada a Fundação Nacional Pró-Memória, que passou a ser o braço
executivo da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O
primeiro presidente das duas instituições foi Aloísio Magalhães. E a noção de
“patrimônio cultural” passou a ser o universo de atuação do órgão federal.
Setores até então marginalizados das políticas culturais, como as comunidades
locais, começaram a ser reconhecidos como parceiros no trato das questões
relacionadas ao seu patrimônio. Diz Aloísio a respeito da ampliação do conceito
de patrimônio ocorrido nessa época:
“É
muito difícil definir bem cultural numa nação que ainda não se estabilizou em
sua formação. Vários contextos, vários momentos, vários hábitos, vários
costumes poderão caracterizar e gerar um bem cultural. Ele não é uma coisa
estática, necessariamente fixa, mas depende de algumas constantes que possam
ser identificadas, algo que tenha sido reiterado na trajetória do país. Não tem
que ser necessariamente original ou autóctone (...). Esse conceito determina o cuidado
com o bem em criação e com o já estabelecido, este que eu chamo de vertente
patrimonial”.22
Mas
esse conceito enfrentou muitas resistências para ser efetivado. A bibliografia
23 converge para o fato de que a preservação do patrimônio cultural brasileiro,
durante décadas, esteve comprometida com monumentos considerados importantes
para construir uma identidade nacional – suficientemente antigos para não haver
dúvidas quanto a sua condição de patrimônio e, concomitantemente a esse
processo, um outro, defendido pelos mesmos protagonistas, no sentido de ampliar
o ideário da arquitetura modernista 24 no país. O critério de seleção estético
e o histórico tradicional foi o preponderante 25.
Na
virada para os anos 90, um novo contexto claramente marcado pela política
neoliberal no país coincide com iniciativas novas de "revitalização"
26 de centros urbanos – Salvador, Recife, Vitória, Porto Alegre, São Paulo e
muitos outros. Algumas experiências foram inspiradas no pioneiro e sério
trabalho do Corredor Cultural do Rio de Janeiro ou no projeto Praia Grande de
São Luis. Outras tiveram no turismo o seu objetivo principal como as
experiências recentes de Salvador e Tiradentes. Acabaram provocando um processo
de 'artificialização' de espaços de grande vitalidade social, reduzindo-os a
“museus urbanos."27.
Atualmente,
ampliaram-se as discussões acerca do patrimônio cultural imaterial, cuja
preservação não era contemplada com um instrumento jurídico apropriado. Para
preservar esses bens patrimoniais, o governo federal instituiu o "Registro
de Bens Culturais de Natureza Imaterial"28. Através dos Livros de
Registro dos Saberes, das Celebrações, das Formas de Expressão e dos Lugares,
serão inscritos os conhecimentos, modos de fazer, rituais, festas,
manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas, mercados,
feiras, santuários, praças e demais espaços, tendo como referência "a
continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a
identidade e a formação da sociedade brasileira" 29.
Trata-se
de um avanço que terá reflexos nos níveis estadual e municipal, como ocorreu
com a lei de tombamento federal, que se transformou em modelo para as demais
legislações. No âmbito dos municípios, a preservação do patrimônio cultural
edificado, no Brasil, foi tradicionalmente efetivada através de lei de
tombamento e pelos instrumentos de planejamento urbano – planos diretores, leis
de uso do solo, etc. Muitas capitais brasileiras apresentam esses instrumentos,
porém de maneira parcial ou em época mais recente.
Em
São Paulo, a lei de proteção é de 1985 e foi modificada no ano seguinte 30.
Considera o tombamento de bens móveis e imóveis em função de seu valor
cultural, histórico, artístico, arquitetônico, documental, bibliográfico,
paleográfico, urbanístico, museográfico, toponímico, ecológico e hídrico;
estabelece a criação do Conselho Municipal de preservação do Patrimônio
Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – CONPRESP e do Fundo de
Proteção do Patrimônio Cultural e Ambiental. O conselho passou a funcionar só
em 1988. Antes a preservação era contemplada pela legislação urbana, que previa
um zoneamento especial de preservação, cujo controle é de competência da
Secretaria do Planejamento.
Florianópolis
conta com uma das mais antigas leis de tombamento municipal do país, promulgada
em 1974 junto com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico e
Natural do Município. A preservação passou a ser concebida como elemento
integrante do planejamento urbano a partir de 1979, quando o setor,
inicialmente vinculado à Secretaria de Educação, foi transferido para o IPUF –
Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis. Passou a incidir sobre o
patrimônio tombado a possibilidade de isenção do IPTU e a transferência do
direito de construir. O conselho municipal, denominado COTESPHAN – Comissão
Técnica do Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural do Município é
formado por representantes da prefeitura e entidades externas à administração
municipal.
Curitiba
não dispõe de lei de tombamento municipal e protege o centro histórico através
de "lei urbanística, de zoneamento e desapropriação de unidades para
orientar o uso urbano do centro" 31. A prática da preservação está
incorporada ao planejamento urbano e é atualizada permanentemente. Em 1982
foram concedidos incentivos para a preservação de imóveis de valor cultural
histórico e arquitetônico, concedendo índices construtivos na área remanescente
do lote. Em vez de conselho há uma Comissão de Avaliação do Patrimônio Cultural
– CAPC, formada por técnicos de instituições públicas e sem a participação de
entidades civis.
No
Recife, a preservação é efetivada através de um conjunto de leis – Plano
Diretor, Lei de Uso do Solo e uma lei específica para o bairro do Recife
concebidas a partir da Constituição de 88. 32. A primeira lei municipal de
preservação foi promulgada em 1979, regulamentando índices urbanísticos
específicos para 31 áreas da cidade – as Zonas Especiais de Preservação do
Patrimônio Histórico, compreendendo setores de proteção rigorosa e de proteção
ambiental. O Plano Diretor de 1991 assimilou essas zonas e criou programas de
revitalização urbana para algumas delas.
No
Rio de Janeiro, há um dos mais bem sucedidos programas de reabilitação urbana
no Brasil – o Corredor Cultural. Iniciado no final da década de 70, junto à
Secretaria de Planejamento Urbano, o programa definiu os limites das áreas de
atuação, no centro da cidade, em 83 e, através da lei nº 506/84, os parâmetros
urbanísticos. A partir da experiência do Corredor, o município criou
posteriormente as Áreas de Proteção ao Ambiente Cultural – APAC. Estas
reproduzem a legislação do programa aplicada a conjuntos arquitetônicos ou
ambientes com características diferenciadas situados fora da área central.
A
lei nº 166/80 implantou o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural e instituiu
o tombamento. Anteriormente, a preservação era contemplada de maneira parcial
no Plano Diretor, que indicava instrumentos para favorecer a proteção ambiental
– como parâmetros de uso do solo, isenção de IPTU e outros. Porém, a grande
contribuição do Rio para a preservação no país foi a implantação do Corredor,
devido à seriedade das decisões técnicas e eficiente articulação com os
parceiros privados e com a população em geral. O Programa se tornou modelo para
diversas cidades, inclusive Porto Alegre.33
Sônia
Rabello esclarece que existem formas jurídicas semelhantes ao tombamento que,
direta ou indiretamente, protegem os bens culturais – como os instrumentos
legais de planejamento urbano no âmbito do município, que podem propor a
preservação de áreas de interesse cultural e ambiental. Há casos, como Porto
Alegre, Florianópolis e São Paulo onde, atualmente, os dois mecanismos –
tombamento e preservação através do planejamento urbano, são empregados. Em
Curitiba e Recife, dispositivos urbanísticos dispõem sobre a preservação.
A
conceituação de políticas públicas, apresentada aqui, permite abarcar, no caso
de Porto Alegre, tanto as ações do poder público que se efetivaram através de
legislações – como o tombamento e as leis urbanísticas quanto aquelas que
constituíram interfaces com o tema e que não foram regulamentadas em lei, como
o Orçamento Participativo.
NOTAS:
1
MOMIGLIANO, Arnaldo. La historiografia griega. Barcelona: Ed. Critica, 1984.
2
Ver CHOAY, Françoise. L’allégorie du patrimoine. Paris: Seuil, 1992, ANDRIEUX
Jean-Yves. Patrimoine et histoire. Paris: Belin, 1997, e BABELÓN, Jean-Pierre;
CHASTEL, Andre. La notion de patrimoine. Aubernas: L.Levi, 1994.
3
LOWENTHAL, D. El pasado es un país extraño. Madrid: Akal Universitária, 1998.
p.7.
4
Cf. CHOAY, op.cit.
5
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: DIFEL, 1989. p.149.
6
Idem, ibidem, p.146.
7
SANT'ANNA, Marcia. Da cidade-monumento à cidade-documento: a trajetória da
norma de preservação de áreas urbanas no Brasil (1937-1990). Salvador: UFBA,
1995. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo), Faculdade de
Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, 1995. p.37.
8 POULOT, Dominique.
Musée, nation, patrimoine: 1789 – 1815. Paris: Gallimard, 1997.
9
HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória. Rio de Janeiro: Aeroplano, MAM, 2000.
p.53.
10
Vários autores referem-se a esse fato – como Françoise Choay, Lauro Cavalcanti,
José Pessoa, Ítalo Campofiorito, e outros.
11
DUMANS, Adolpho. A idéia da criação do Museu Histórico Nacional. Anais do Museu
Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v.29, 1997. p.29.
12
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da
política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ; IPHAN,
1997. p.137.
13
BORGES, Célia. Patrimônio e memória social. Locus, Juiz de Fora, v.5, n.2,
p.113-125, 1999. p.119.
14
MOTTA, Lia. A SPHAN em Ouro Preto: uma história de conceitos e critérios.
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 22,
1987. p.108-122.
15
O Projeto de Lei que tratava do tombamento em nível nacional foi aprovado pela
Câmara Federal e pelo Senado Federal, mas devido ao golpe de 1937, coube a
Getúlio Vargas promulgá-lo, tornando-se o Decreto-Lei nº 25/37.
16
CAVALCANTI, Lauro. Encontro moderno: volta futura ao passado. In: IPHAN. A
invenção do patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN, 1995. p.23.
17
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 4.ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994. p. 85.
18 No qual uma das questões centrais era a
preservação do patrimônio histórico e artístico nacional.
19 ORTIZ, op.cit.
p.89.
20 MILET, apud
SANT'ANNA, op.cit.p.186.
21
Essas reuniões, convocadas pelo Governo Federal, tinham como tema o patrimônio
histórico e artístico brasileiro e visavam à descentralização das ações de
preservação.
22
MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, Fundação Roberto Marinho, 1997. p.71.
23
Dentre os autores que fazem uma reflexão sobre o tema encontram-se Maria
Cecília Londres Fonseca, José Reginaldo Gonçalves, Lauro Cavalcanti, Augusto
Arantes e Marcia Sant'Anna. A própria Revista do Patrimônio – editada pelo
IPHAN desde a década de 30, publica artigos que fazem uma reflexão sobre os
conceitos e práticas da sua atuação, demonstrando uma busca constante de
aperfeiçoamento.
24
Pioneiramente, já nas décadas de 40 e 50 o Brasil tombava edificações
representativas do período modernista.
25
Também o histórico passou a ser valorizado depois. Alguns bens patrimoniais que
não eram obras de arte nem relacionados a fatos históricos também foram
tombados por serem relevantes para a construção do patrimônio nacional. Sobre
isso ver SANT'ANNA, op.cit.
26
Esse termo, cujo significado é ressuscitar, generalizou-se e é muitas vezes
empregado de maneira equivocada, como no caso de Porto Alegre, na qual o
programa de Revitalização do Centro tem por objeto uma das áreas mais dinâmicas
da cidade, que não precisa de uma nova vida, mas sim de uma reabilitação.
27
MORAES, Fernanda Borges de. O tangível e o intangível: preservação do
patrimônio urbano e cultural na pós-modernidade. Texto digitado, apresentado no
V Seminário de história da cidade e do urbanismo, Campinas, [199-].
28
Assinado em agosto de 2000.
29
BRASIL. Decreto nº 3551, de 04 de agosto de 2000. Institui o Registro de Bens
Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências.
30
Leis nº 10032/85 e 10236/86. Em nível estadual, São Paulo apresenta uma das
primeiras legislações – 1968. As informações sobre São Paulo foram obtidas
junto ao DPH – Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura Municipal.
31
SOUZA FILHO, Carlos Marés de. Bens culturais e proteção jurídica. 2.ed. Porto
Alegre: Secretaria Municipal da Cultura / Unidade Editorial, 1999. p.117.
32
Informações sobre Recife a partir de ZANCHETTI, Silvio Mendes. O sistema de
conservação de áreas urbanas de interesse histórico e cultural no Brasil. Texto
digitado.
33
Informações prestadas pela coordenadora do Programa Corredor Cultural, arq.
Maria Helena Mac Laren Maia, em 5/03/2001.
Fonte: MEIRA,
Ana Lúcia Goelzer. Políticas Públicas e gestão do
patrimônio histórico. História em
Revista (UFPel), v. 10, 2004, p. 1-11.
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