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Leandro Vilar

terça-feira, 16 de março de 2021

O indianismo no Brasil: o herói indígena

 

O indianismo consiste num termo para se referir a uma corrente, principalmente literária, mas também vista em menor escala na pintura, em cuja proposta houve a idealização da figura do indígena, para fins ufanistas, nacionalistas, marciais, românticos, heroicos e trágicos. Assim, as diferentes fases do indianismo apresentam esses aspectos com maior ou menor destaque.

As origens do indianismo são algo que ainda gera discordâncias. Alguns teóricos da literatura e historiadores defendem que o indianismo teria surgido no século XVIII, através de poemas com aspectos épicos e arcadistas, mas outros preferem apontar o século XIX com o estabelecimento do Romantismo brasileiro. E uma terceira vertente sugere que escritos do século XVI, redigidos pelo padre José de Anchieta e outros clérigos poderiam ser considerados exemplos de indianismo.

Sobre isso existe uma confusão entre indianismo e indigenismo. O primeiro se refere a uma corrente literária de valorização dos indígenas, como comentado há pouco, já o Indigenismo refere-se a uma ideologia política e cultural de valorização dos costumes dos povos indígenas brasileiros. No caso, o indigenismo foi mais amplamente empregado na política, antropologia, etnologia e na história, para fins nacionalistas, patrióticos e ufanistas. E no caso essa valorização possuía mais um caráter propagandístico do que de respeito e reconhecimento. Fato esse que estudos publicados no XIX, ao mesmo tempo que idealizavam as culturas indígenas, não escondiam o olhar eurocêntrico e colonial, em que tratava os indígenas como o “bom selvagem”, o incivilizado e o primitivo. E se retornarmos aos trabalhos dos séculos XVI e XVII, a ideia de canibais, bárbaros e pagãos era predominante.

1) O indianismo do século XVIII

Algumas das obras mais significativas sobre o indianismo surgiram propriamente no Setecentos, tendo sido poemas com tom aventureiro, épico e com traços do arcadismo, em se valorizar a natureza do país.

A primeira obra de destaque foi escrita pelo poeta mineiro Basílio da Gama (1741-1795), o qual publicou O Uruguai (1769), um poema épico baseado em fatos históricos que narrava a guerra pela dominação do sul do Brasil e do Uruguai, durante o período da Missão dos Sete Povos, em que os missionários jesuítas que catequizavam os indígenas tiveram problemas com as tribos locais, mas também com os interesses dos colonos portugueses e espanhóis na disputa daquelas terras.

Frontispício do poema épico O Uruguai (1769)

O poema O Uruguai possui 1.377 versos divididos em cinco atos. Em termos técnicos é uma obra simples, por apresentar versos brancos (sem rimas) e versos livres (sem métrica). A história romantiza de forma épica alguns conflitos ocorrido no Rio Grande do Sul, destacando as ações do chefe Sepé Tiaruju (c. 1723-1756), o qual realmente existiu e liderou uma revolta. Aproveitando esse conflito como plano de fundo, Gama construiu um poema para exaltar Portugal, o que apresenta um traço nacionalista, uma das características do indianismo. (PICCHIO, 2004, p. 138-139).

O segundo trabalho desse período foi outro poema épico, intitulado Carumaru. Poema épico do descobrimento da Bahia (1781), escrito pelo frei agostiniano José de Santa Rita Durão (1722-1784). Nesse poema também inspirado numa história real, dessa vez referente ao português Diogo Álvares Correia (1475-1557), que naufragou na costa baiana e acabou fazendo parte de uma tribo de Tupinambás, tendo se casado com Paraguaçu, filha do cacique. Correia que foi apelidado pelos indígenas de Carumaru, passou o restante da vida no Brasil, tornando-se uma figura até folclórica, pois por certo tempo desconfiou que realmente sua história fosse real. De qualquer forma, o frei Durão inspirado por essa história real, redigiu sua versão dessa narrativa.

Frontispício do poema Carumaru (1781)

Nesse poema inspirado aos moldes d’os Lusíadas, assim como fez Basílio da Gama anos antes, frei Durão concedeu vários aspectos ufanistas a sua obra, enfatizando as belezas naturais e o estilo de vida simples dos indígenas. Ao mesmo tempo em que a figura de Carumaru personificava o europeu colonizador que trouxe ordem e civilidade aquelas pessoas. E no aspecto nacionalista, o subtítulo do poema deixa explícito a ideia de que aquela obra narraria como se deu a descoberta e colonização da Bahia. (PICCHIO, 2004, p. 139-140).

2) O indianismo no século XIX

Após o advento da Independência do Brasil (1822) o indianismo ganhou destaque sobre os ombros do indigenismo, que era latente naquele período. Roberto Souza (2019, p. 288) assinala que ainda no século XVIII, alguns escritores, poetas e políticos adotavam pseudônimos com nomes indígenas, o que expressaria um uso nacionalista para a figura dos indígenas. E tal aspecto foi retomado no século seguinte, não apenas por indivíduos, mas por jornais, revistas, lojas, etc. Sobre isso o autor cita como exemplo os jornais: O Tamoio (1823), O Caramuru (1832), O Carijó (1832), O Indígena do Brasil (1833), O Tamoio Constitucional (1833). Souza também informa que o D. Pedro I era chamado entre os maçons pelo nome de Guatimozim e José Bonifácio recebeu o pseudônimo de Tibiriçá.

Com esse destaque ao indigenismo nos tempos do império, a literatura indianista chegou ao seu auge. Escritores, jornalistas e historiadores começaram a usar os termos para se referir a essa condição de exaltação da terra, do nacionalismo e do patriotismo, aspectos importantes ainda mais nas primeiras décadas do recém-fundado império brasileiro, fase em que o país vivenciou várias revoltas separatistas. Logo, havia a necessidade de construir toda uma atmosfera e imaginário nacionalista e patriótico de valorizar os brasileiros como sendo agora um povo independente, não mais parte do reino unido português. (VERÍSSIMO, 2015, p. 167).

“O indianismo é um dos primeiros pródomos visíveis do movimento que enfim culminou na independência: o sentimento de superioridade a Portugal. Efetivamente era necessária grave mudança nas condições da sociedade, para que a inspiração se voltasse para as florestas e íncolas primitivos, que até então evitara, mudança tanto mais grave quanto o indianismo foi muito geral para surgir de causas puramente individuais. A verdadeira significação do indianismo é dada pelos contos populares”. (ABREU, 1931, p. 93).

Para o historiador Capistrano de Abreu, o indianismo teria surgido a partir do folclore, quando as antigas histórias sobre índios, caboclos, mamelucos, escravos, etc. ganharam atenção e consideração dos escritores e poetas, que passaram a considerar o indígena não apenas mais como o gentio (termo pejorativo para povos pagãos e tidos bárbaros), mas que embora fossem “primitivos”, ainda assim, teriam alguma qualidade, teriam valores, e era esse lado positivo que o indianismo e o indigenismo se apropriou.

2.1) A poesia de Gonçalves Dias

Gonçalves Dias

O segundo nome de destaque do indianismo brasileiro foi o poeta maranhense Antônio Gonçalves Dias (1823-1864), tragicamente falecido num naufrágio aos 41 anos. Ao longo da vida, além da poesia, Dias dedicou-se ao direito, a docência, ao jornalismo, a etnografia e o folclore. Viajou para a Europa algumas vezes, onde viveu a trabalho temporário. Sua poesia é conhecida por seu tom ufanista e nacionalista. A primeira leva de poemas indianistas do autor foi publicada no livro Primeiros Cantos (1846), sendo inclusive obras pouco conhecidas do grande público. Nesse livro temos os poemas a Canção do Índio, a Canção do Guerreiro e a Canção do Piaga, apesar que a Canção do Exílio seja o poema mais famoso desse livro. De qualquer forma, os outros três poemas tratam o indígena como figura que personifica o ufanismo, algo adotado da escola do arcadismo, apesar de que Dias vivencia-se um período do romantismo. Assim, nesses três poemas o autor exaltava a coragem e força dos indígenas, além de destacar também a natureza. No entanto, foi em outros dois poemas de tom mais dramático, em que o indianismo de Gonçalves Dias ficou mais conhecido.

O pequeno poema I-Juca-Pirama (1851), foi publicado no livro de contos intitulado Últimos Cantos, possuindo 484 versos divididos em 10 cantos, narra a história trágica de um Tupi que é capturado por uma tribo de Timbiras, os quais o escolhem para o ritual antropofágico. Durante o ritual em que o condenado deve cantar seus feitos, o indígena começou a recitar algumas poucas façanhas, mas em seguida começou a chorar e pediu para ser solto, pois tinha um pai velho e cego para cuidar. Como ingerir a carne de covardes era algo ruim, os timbiras soltaram o tupi, o qual voltou para casa e contou o ocorrido para seu pai, o qual se irritou por ter um filho covarde. Indignado e revoltado com o pai, ele decidiu provar sua coragem e partiu para se vingar dos timbiras.

Nesse poema não temos o indígena romântico como visto nos livros de José de Alencar, a versão indianista de Gonçalves Dias é mais nua e crua, apesar de manter um heroísmo trágico, algo em voga no romantismo da época.

Sua segunda produção mais importante é o poema Os Timbiras (1857), obra que inclusive foi publicada na Alemanha, durante a estadia do autor naquele país. Esse poema de caráter épico, foi escrito anos antes e não chegou a ser concluído. Ele narra a viagem de uma tribo de Timbiras do sul do Maranhão até o Amazonas. No percurso, os personagens enfrentam várias ameaças promovidas pela natureza, outras tribos indígenas e pelos portugueses. A obra apesar de não ter sido concluída, contaria com 12 cantos, mas apenas 4 foram publicados.

Esse poema como outras obras de Dias, possui uma forte linguagem simbólica, ufanista e nacionalista. Os Timbiras são um povo comparado aos Troianos da Eneida de Virgílio, apesar que Dias disse ter se inspirado na Ilíada de Homero. De qualquer forma, nota-se algumas poucas semelhanças, onde temos dois povos que possuem suas terras atacadas e uma profecia fala para eles buscaram um novo lar. Infelizmente nunca saberemos o que ocorreu nessa viagem pelo norte do Brasil.

2.2) O épico de Gonçalves de Magalhães

O médico, diplomata, político, escritor e poeta Domingos José Gonçalves Magalhães (1811-1882) é considerado o expoente de início do Romantismo brasileiro, ao publicar seu livro de poemas intitulado Suspiros Poéticos e Saudades (1836). Apesar dessa obra que lhe rendeu reconhecimento no mundo literário, seu trabalho mais significativo sobre o indianismo somente foi publicado duas décadas depois com A Confederação dos Tamoios (1856).

Na época, Magalhães gozava de boa reputação no meio literário, diplomático, político e até nas graças do imperador D. Pedro II. Seu livro, lançado um ano antes do Guarani de José de Alencar, tinha como pretensão ser a grande obra do indianismo romântico de sua época, algo que inclusive gerou críticas por parte de Alencar, quando esse apontou que o poema de Magalhães tinha mais características do arcadismo do que do romantismo. De fato, a crítica de José de Alencar não era infundada, pois Gonçalves Magalhães inspirou-se no O Uruguai de Basílio da Gama, épico com tom do arcadismo e também se inspirou na literatura barroca de Os Lusíadas.

Frontispício da segunda edição da Confederação dos Tamoios (1857)

“Este poema épico [Confederação dos Tamoios] em dez cantos narra a revolta índia de 1560: quando os tamoios guiados por Aimbiré se tinham sublevado contra os portugueses. Conduzida em dois planos, o da guerra e o do amor - onde os portadores do amor romântico e também do ideal libertário são o valoroso Aimbiré e sua esposa Iguaçu - a narrativa tem como eixo a figura do padre Anchieta que, enquanto os navegantes lusitanos traçam o sulco da conquista sobre a praia onde nascerá a cidade do Rio de Janeiro, compõe, piedoso, os corpos enlaçados dos dois índios, salvos pela morte voluntária da ignomínia de serem escravos”. (PICCHIO, 2004, p. 166).

Rafael Brunhara (2020) comenta que entre as polêmicas envolvendo o livro de Magalhães esteve mais uma crítica pelo estilo de sua obra, que oscila entre três escolas literárias, sua tentativa de imitar Os Lusíadas, a pretensão de Magalhães de criar o epopeia brasileira definitiva. Além disso, o autor comenta que outros estudiosos criticaram também o conteúdo, história e desenvolvimento do poema. Mas apesar dessas polêmicas, não se pode negar que a Confederação dos Tamoios foi um marco da literatura indianista, mesmo que hoje seja um livro pouco lembrado e até mesmo ofuscado pela obra de José de Alencar e Gonçalves Dias.

2.3) A trilogia de José de Alencar


José de Alencar
O escritor e político cearense José Martiniano de Alencar (1829-1877) é lembrado como um dos principais nomes da literatura romântica indianista brasileira, por conta de sua trilogia de sucesso, ainda hoje referenciada como clássicos da literatura brasileira e até certa época, utilizada como material paradidático nas escolas. Apesar da fama de seus livros, não significa que Alencar esteve isento de críticas contrárias ao seu trabalho. Em seus livros O Guarani e Iracema, dos quais daqui a pouco comentarei, Alencar foi criticado por representar os protagonistas de forma ingênua, facilmente manipuláveis, e por outro lado, mostrar os demais personagens como pessoas arrogantes, prepotentes e brutas. Para entender melhor isso, vejamos alguns breves resumos sobre sua trilogia. O Guarani (1857) foi publicado em formato de folhetim em jornais cearenses na época, sendo a terceira obra escrita por Alencar, na época com seus 28 anos. Foi com este livro que sua carreira como escritor despontou. A obra ainda hoje considerada um clássico da literatura brasileira, narra um romance conturbado entre o índio Peri, o qual se apaixona pela bela Cecília "Ceci" de Mariz, de cabelos louros e olhos azuis, a qual não corresponde ao amor de seu amigo.

Frontispício de O Guarani (1857)

Embora o nome do livro seja guarani, Peri é descrito como pertencendo ao povo goitacá, natural do Espírito Santo e Rio de Janeiro, e de fato, a trama se passa no interior da Capitania do Rio de Janeiro. Peri é descrito como um guerreiro forte, valente, leal, fiel, mas ingênuo. Pois embora seu amor por Cecília não seja correspondido, ainda assim, ele faz tudo para agradá-la. E tal característica é marcante em vários momentos do romance.

O romance mescla esses aspectos de um amor não correspondido, amizade, inveja, ciúmes e cobiça, pois outros dos personagens que atuam como vilões, geram problemas para o casal, levando inclusive a uma batalha dos aimorés em busca de vingança. Dessa forma, o Guarani apresentava o protagonista como um herói trágico.

Já o segundo livro de Alencar, intitulado Iracema. Lenda do Ceará (1865), inverte os papéis do protagonismo, dessa vez o foco é na mulher, a bela Iracema de lábios de mel e cabelos negros, que é descrita como sendo virgem, filha do pajé Araquém, e “sacerdotisa” da jurema. A qual se apaixona pelo português Martim, que perdido é encontrado por membros da tribo de Iracema, os Tabajara.

Nesse romance a trama se passa em local indeterminado no Ceará, terra natal de Alencar. Embora que os dois povos indígenas representados: os Tabajara e os Pitiguara/Potiguara, sejam populações que habitavam entre os estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, fato esse que no romance há menções a localizações destes outros estados.

Frontispício de edição de 1870 de Iracema

Iracema é a personagem que encarna os aspectos da donzela em perigo e que vive um amor proibido. Seu pai e irmão não querem que ela se relacione com Martim, por ele ser estrangeiro e pertencer a um povo estranho, que por sua vez, é aliado dos Potiguara, inimigos dos Tabajara. Ainda assim, Martim se apaixona por Iracema e tenta ganhar a confiança dela e de sua família. A índia também se apaixona pelo português, mas vivencia o dilema de se arriscar ou não para amá-lo. Mas em meio a esse romance problemático desenvolve-se os problemas bélicos entre os Tabajara e Potiguara, e outros inimigos, apesar que a narrativa não aprofunde esses conflitos. Novamente temos um romance de tons dramáticos como no Guarani.

Nesse livro, Alencar investiu bastante num tom ufanista para destacar as belezas do Ceará, além de uma rebuscada prosa com tom poético. Assim como, Iracema tornou-se a lenda para a origem do povo cearense, surgido da união do indígena e do europeu, na figura de Moacir, o filho de Iracema e Martim. De fato, a proposta de Alencar de criar uma lenda para sua terra natal ganhou êxito, e Iracema hoje é considerada patrimônio artístico cearense, possuindo estátuas, ruas e praças em sua homenagem.

Por fim, a terceira obra é Ubirajara (1874) que é o livro menos conhecido dessa trilogia indianista. Diferente dos romances anteriores em que era apresentado o amor conturbado e romântico entre um indígena e um colono, em Ubirajara a trama toda gira em torno de personagens indígenas, não tendo a presença dos europeus ou dos colonos. Novamente Alencar faz uso do amor e guerra como fatores para sua narrativa, em que o chefe Ubirajara da tribo dos Araguaia, apaixonado por Araci, filha do chefe Iraquê da tribo dos Tocantins,  acaba entrando em conflito contra os pretendentes dela e outras tribos.

Folha de rosto de uma edição de 1919 de Ubirajara

O romance segue a estética das obras anteriores com seu linguajar ufanista e poético, seu foco no amor proibido ou problemático para o casal protagonista, intrigas, ciúmes, invejas e conflitos. A diferença como assinalada anteriormente é que dessa vez temos um foco apenas nos indígenas não tendo a intervenção do colonizador opressor. A briga entre os protagonistas e suas tribos lembra algo visto em Iracema. Além disso, Ubirajara não é um herói ingênuo e melodramático como Peri, ele é um guerreiro que é chefe de sua tribo, além de ser astuto também, pois se disfarça para poder disputar a mão em casamento de Araci, e consegue vencer a disputa. Além disso, o personagem também é o típico herói que consegue conciliar dois povos em desavença, firmando a paz entre os Araguaia e os Tocantins.

3) O indianismo na pintura romântica

Representações de indígenas remontam desde o século XVII, com destaque a pintores holandeses e flamengos que na época do Brasil holandês (1630-1654) fizeram várias pinturas sobre os indígenas. Inclui-se também a publicação de livros e a feitura de gravuras portuguesas, espanholas, francesas e inglesas nos séculos XVI ao XVIII, representando indígenas brasileiros. No entanto, enquanto essa iconografia procurava retratar os indígenas de forma fidedigna ou apenas ilustrativa para livros e exposições, no século XIX surgiram pinturas românticas. Sobre elas, destaquei as mais conhecidas.

No caso das pinturas que se pode ver abaixo, nota-se que elas têm em comum uma morte idealizada, algo que inclusive fez parte do Romantismo em diferentes países. Basta lembrar que obras clássicas do romantismo alemão como Os sofrimentos do Jovem Werther (1774) e Fausto (1808/1832), ambos do escritor Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), abordam o drama, a tragédia e a morte, entre outros assuntos. Logo, as pinturas românticas indianistas também apresentaram essas características, tendo como características principais retratar indígenas em praias, estando tristes ou mortos.

O pintor catarinense Victor Meirelles (1832-1903), conhecido por várias obras na época do império brasileiro, com destaque as suas pinturas sobre batalhas, o imperador D. Pedro II, temas católicos e mitológicos gregos, paisagens brasileiras, ele pintou alguns indígenas. No quesito sua obra mais famosa contendo indígenas é a Primeira Missa do Brasil (1861), no entanto, o quadro que quero destacar aqui é o Moema (1866), baseado na personagem inspirada nas lendas sobre o Carumaru. A personagem em algumas dessas narrativas teve um final trágico, e foi essa tragicidade que Meirelles decidiu abordar.

Moema, Victor Meirelles, 1866. 

Inspirado também numa ideia de morte romantizada, o pintor José Maria de Medeiros (1849-1925) pintou Lindóia, quadro trágico que retrata a morte da indígena, picada por uma cobra. Lindóia é personagem do poema O Uruguai, e acaba tendo uma morte trágica, mesmo que seu amado tenha conseguido matar a serpente, não conseguiu salvá-la. 

Lindóia, José Maria de Medeiros, 1882. 

Inspirado na obra de Meirelles temos o quadro O último tamoio (1883), de Rodolfo Amoedo (1857-1941). O tema do quadro é baseado no poema A Confederação dos Tamoios de Gonçalves de Magalhães. Nessa pintura temos o chefe Aimberê, falecido numa praia e ao seu lado está o Padre José de Anchieta. A cena apresenta novamente elementos trágicos associados ao cenário de uma praia.

O último tamoio, Rodolfo Amoedo, 1883. 

Dois anos depois de pintar Lindóia, José Maria de Medeiros, retornou a temática indianista e dessa vez retratou novamente uma mulher, mas em cenário diferente e em situação menos trágica. Ele pintou Iracema (1884), onde nesse quadro temos também uma indígena em uma praia com tons pastéis, mas enquanto nas obras anteriores Moema, Lindóia e Aimberê estão mortos, Iracema está viva e olha para uma flecha com uma flor. O tema em questão é baseado na parte da história que a indígena teme que Martim pudesse ter morrido ou ido embora.

Iracema, José Maria de Medeiros, 1884. 

Considerações finais

O indianismo na literatura brasileira foi marcado duas fases que se complementam: o século XVIII com seus poemas épicos e arcadistas, os quais tornavam os indígenas protagonistas ou coadjuvantes da ação, sobretudo no poema O Uruguai, que possui temática de guerra. Já em Carumaru o tom é mais calmo e foca-se na relação do colonizador com o colonizado. Mas ambos possuem sua dose de ufanismo e de nacionalismo, o primeiro utiliza a guerra de resistência contra a ambição dos jesuítas e dos espanhóis para justificar o Brasil como território leal a Portugal, já o segundo poema tenta construir uma origem romântica para a descoberta e povoação da Capitania da Bahia. 

Tais características são retomadas no século XIX, a época áurea do indianismo propriamente falando, o qual incorporou diversos elementos do Romantismo como o romance, dilemas amorosos, amores proibidos, rixas familiares, saudade, medo, sonhos, esperança, medo, drama e tragédia, unindo-os as características ufanistas vistas na poesia de Gonçalves Dias e na prosa de José de Alencar, além de inserir também elementos nacionalistas, como em Iracema, o qual se propôs a criar uma lenda para o Ceará, algo visto com Carumaru de frei Santa Maria Durão. Por sua vez, A Confederação dos Tamoios de Gonçalves de Magalhães buscou resgatar a ideia do épico militar vista com O Uruguai

Salienta-se também que os poemas mais famosos de Gonçalves Dias, I-Juca-Pirama e Os Timbiras exploram o drama e a tragédia, retomando a ideia da valentia e do lado belicoso dos indígenas, mas sem inserir o romance propriamente falando, algo mais visível na trilogia de José de Alencar, em que o romance e seus dilemas é ponto central na narrativa dessas obras, além de destacar que em O Guarani e Iracema, o foco se dar sobre a união do indígena com o europeu, já que em Ubirajara, o romance permanece entre os indígenas. Mas além dessa questão romântica, os livros de Alencar também possui elementos de aventura e conflito, que destacam os indígenas por sua força e heroísmo, algo visível com Peri e Ubirajara. Já que no livro de Iracema, o heroísmo pertence aos personagens secundários como seu irmão Caubi e o amigo de seu marido, Poti. 

No tocante as pinturas, o foco é o drama e a tragédia, tendo como cenário a praia, lembrando que praias são cenários bem reconhecidos no Brasil e no exterior. Logo, a escolha deles foi proposital para retratar as mortes de Moema e Aimberê, além do luto de Iracema. Por sua vez, na pintura da morte de Lindoia, temos a praia substituída pela floresta, outro cenário comumente associado a paisagem brasileira. 

Com o término do Império do Brasil o indianismo entrou em declínio. Alguns modernistas tentaram resgatar ideias dele para o século XX, mas essas ideias ou não foram bem aceitas ou não tiveram o impacto esperado. 

NOTA: Em 1870 o compositor Carlos Gomes, lançou a ópera O Guarani, que fez sucesso na época. 

NOTA 2: O Guarani foi adaptado ao cinema em 1979 e 1996. E em 1991 a Rede Manchete fez uma minissérie de 35 capítulos sobre o romance. Além disso, o livro foi adaptado algumas vezes para histórias em quadrinhos. 

NOTA 3: Na Lagoa de Messejana em Fortaleza, fica situada a mais famosa estátua de Iracema. 

NOTA 4: O livro Iracema ganhou um filme em 1979, com a bela Helena Ramos no papel da protagonista. A produção possui um tom erótico. 

NOTA 5: O romance Ubirajara recebeu adaptações para os quadrinhos. 

NOTA 6: O poema I-Juca-Pirama foi adaptado ao teatro em 1869. 

Referências bibliográficas:

ABREU, Capistrano de. Ensaios e estudos: crítica e história. Rio de Janeiro, Sociedade Capistrano de Abreu, 1931.

BRUNHARA, Rafael. A Confederação dos Tamoios, epopeia modelar. Revista Brasileira de Literatura Comparada, Niterói, v. 22, n. 40, 2020, p. 73-83.

CANDIDO, Antônio. O Romantismo no Brasil. 2ª ed. São Paulo, Humanitas, 2004.

GRIZOSTE, Weberson Fernandes. A dimensão anti-épica de Virgílio e o indianismo de Gonçalves Dias. Coimbra, Faculdade de Letras, 2010.

PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. 2ª ed. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 2004.

SOUZA, Roberto Acízelo de. O indianismo e a busca da identidade brasileira: influxos europeus e raízes nacionais. Revista Versalete, Curitiba, v. 7, n. 13, 2019, p. 287-316.

VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira: do período colonial a Machado de Assis. Rio de Janeiro, Contexto, 2015.

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