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Leandro Vilar

sexta-feira, 25 de julho de 2025

Sakamoto Ryoma, o samurai revolucionário

Durante a crise do Xogunato Tokugawa no conturbado período conhecido como Bakumatsu, uma série de revoltas, conspirações e batalhas ocorreram por mais de uma década, entre as lideranças a favor do fim do xogunato esteve o samurai Sakamoto Ryoma, tido por alguns como um herói revolucionário, para outros um rebelde traidor. O presente texto contou um pouco da história desse samurai que lutou pela Restauração Meiji e o fim do autoritarismo do Clã Tokugawa. 

Retrato de Sakamoto Ryoma. 
Introdução

O Japão passou por séculos de instabilidade política, a qual marcou boa parte de sua história medieval e moderna. No final do século XII surgiu o xogunato, um governo político-militar gerido pelo xogum ("general superior"), o qual retirava das mãos do imperador o direito de governar. o Clã Kamakura foi o primeiro a fundar um xogunato, que durou mais de cem anos, lançando as bases para esse tipo de governo no Japão, marcado por uma política armamentista, feudal e severa. Com a dissolução do Xogunato Kamakura (1185-1333), o imperador Go-Daigo tentou recuperar o poder através da chamada Restauração Kemmu (1333-1336), mas sua tentativa falhou, abrindo caminho para que o Clã Ashikaga funda-se um novo xogunato que durou mais de cem anos também. 

Todavia, o Xogunato Ashikaga (1336-1573) a partir de meados do século XV entrou em profunda crise pela disputa dos daimiôs por terras, riquezas e poder. Esses senhores feudais já não obedeciam mais o xogum, tampouco o imperador, assim decidiram expandir seus domínios, lançando o país numa terrível guerra civil cuja época foi chamada de Sengoku (1467-1573). O segundo xogunato entrou em declínio frente as investidas do daimiô Oda Nobunaga (1534-1582), o qual ambicionava reunificar o país sob seu controle. Com sua morte seus planos foram assumidos pelo seu general Toyotomi Hideyoshi (1537-1598), o qual mesmo não tendo assumido o título de xogum, governou como um. 

Após a morte de Toyotomi, cujo herdeiro era uma criança, o governo do país entrou em crise pelos anos seguintes. Antigos generais dele e de Oda passaram a disputar o poder vago, despontando Tokugawa Ieyasu (1543-1616), o qual saiu vitorioso na Batalha de Sekigahara, sendo eleito xogum em 1603, iniciando o terceiro e último xogunato do Japão. 

As primeiras décadas do Xogunato Tokugawa (1603-1868) foram severas, pois para pôr ordem e restaurar a paz, os xoguns Tokugawas foram implacáveis. Mas não foram apenas os japoneses que sofreram em suas mãos, os europeus que mantinham negócios comerciais, políticos e religiosos no país desde meados do século XVI, sofreram duramente. Tokugawa Ieyasu e seu filho proibiram o cristianismo no Japão, a presença de missionários, padres e frades, além de banir os europeus, vetando sua vinda ao país. Somente alguns holandeses foram tolerados, mas os portugueses, espanhóis e ingleses foram proibidos de viver no Japão, tampouco visitá-lo. 

Após o fechamento do país em meados do século XVII, o Japão entrou em profunda reclusão e numa política xenofóbica. Por outro lado, as guerras terminaram, havendo revoltas eventuais, no entanto, os samurais seguiam como classe dominante, assim como, o sistema feudal foi mantido. Enquanto outras nações asiáticas se modernizam politicamente, socialmente, economicamente e tecnologicamente no século XIX, o Japão devido ao seu regime militar e feudal, se manteve retrógrado e obsoleto. Porém, japoneses que conseguiam viajar para fora ou tinham contato com chineses, filipinos, americanos e ingleses passaram a nutrir ideias para modernizar o país.

A realidade sofreu uma brusca reviravolta em 1853 quando o comodoro Matthew C. Perry (1794-1858) invadiu a baía de Tóquio com sua pequena frota e coagiu o xogum Tokugawa Iesada a revogar o isolamento político do país. Iesada sob pressão política e o risco de uma guerra que não teria chance de vencer, concordou com os termos do comodoro Perry, vindo a assinar o Tratado de Kanagawa em 1854, que iniciava o acordo de amizade e paz entre Japão e Estados Unidos. Após os americanos, os ingleses e os franceses começaram a frequentar o país, levando suas culturas e ideias políticas, econômicas, sociais, além de tecnologias. 

Retrato do comodoro Matthew C. Perry. 

O Bakumatsu (1853-1867)

Sakamoto Ryoma (1836-1867) nasceu em Kochi, na Província de Tosa, ele pertencia a uma família de samurais mercantes, sendo filho de Sakamoto Yahei e Sakamoto Sachi. Ele era o segundo filho do casal, o qual teve ao todo dois homens e três mulheres. Por conta da riqueza da sua família, pôde se dedicar aos estudos e as artes marciais. Na juventude interessou-se pela cultura europeia que chegava ao país, por conta disso, ele como outros jovens eram entusiastas das novidades modernas, no quesito político estavam ideias sobre democracia, república, parlamento etc. No entanto, no governo do xogunato não havia espaço para isso.

Embora houvessem grupos favoráveis a democracia e o republicanismo, Sakamoto como outros jovens samurais, optaram em aderir ao movimento do Sonno Joi ("Reverência ao imperador, expulsão dos bárbaros"), surgido após o Tratado de Kanagawa, o qual passou a defender a restauração da monarquia, recuperando a autoridade política do imperador, assim como, freando a crescente influência estrangeira no país. Dessa forma, o Sonno Joi foi um movimento político de tendência monarquista, nacionalista e conservadora. 

Sakamoto aderiu as ideias do Sonno Joi a partir de seu mestre Takechi Hanpeita (1829-1865), líder do grupo Tosa Kin no To ("Partido monarquista de Tosa"), um dos mais influentes no país durante o Bakumatsu, termo que designa o período final de crise do xogunato Tokugawa, que levaria ao seu fim. Sakamoto passou a apoiar politicamente as ideias do partido de Tosa em defesa ao fim do xogunato e a restauração do poder monárquico. Entretanto, a situação não era simples assim.

Da mesma forma que surgiam partidos pró-imperador, o xogum também possuía seus aliados e quem defendia com unhas e dentes a manutenção do xogunato e a diminuição da presença estrangeira no país. Isso gerou conflitos entre os dois grupos, resultando em brigas, revoltas e batalhas. O então daimiô Yoshida Toyo (1816-1862) era o governador da Província de Tosa, sendo servo leal ao xogum, o que o colocou diretamente contrário ao partido de Hanpeita, havendo bastante atrito entre ambos, mas a situação piorou em 1862 quando três membros do Tosa Kin no To assassinaram Toyo numa tentativa de golpe de estado para o partido tomar o controle de Tosa. A repercussão foi severa, pois o partido foi cassado, seus membros foram considerados traidores e passaram a serem perseguidos. Hanpeita foi forçado a cometer seppuku (o suicídio honroso dos samurais). 

Sakamoto Ryoma tinha seus 28 anos na época quando teve que deixar Tosa devido a perseguição sofrida ao partido do qual ele era membro. Além disso, com a morte de seu mestre, ele se tornou um ronin. Durante sua fuga para se esconder, ele voltou para casa e chegou a se alojar no dojo de Chiba Sana, mulher por quem nutria interesse e cogitou se casar com ela. Apesar que formalmente nunca tenha se casado com ela. 

O conspirador

Como ronin e foragido da justiça, Sakamoto adotou identidades falsas para fugir da polícia, passando a usar nomes falsos como Saedani, Naonari, Naokage. Em 1864 Sakamoto seguiu para Edo (atual Tóquio), onde cogitou assassinar Katsu Kaishu (1823-1899), importante comandante da Marinha que defendia uma reforma na organização militar, além de apoiar a modernização do país. No entanto, ele era a favor do xogunato. Porém, Kaishu convenceu Sakamoto a não matá-lo, mas se unir a ele. Se desconhece os detalhes dessa conversa, mas o samurai aceitou. 

Retrato de  Katsu Kaishu. 

Assim, por alguns meses de 1864 Sakamoto atuou como assistente e espião do almirante Katsu, realizando atividades burocráticas, de supervisão e espionagem. Embora o almirante fosse um xogunista, no entanto, isso não desmerecia seu patriotismo, já que ele defendia que o Japão necessitava-se modernizar-se tecnologicamente para evitar ameaças militares de outras nações, como havia ocorrido em 1853. Sobre isso, vale ressalvar que quando o comodoro Perry chegou ao país com sua frota de navios a vela e a vapor, maiores e bem mais armados, enquanto os japoneses ainda faziam uso de navios de madeira com tecnologia que remontava o século XVII. Por conta dessa diferença, a marinha japonesa não tinha a mínima chance numa batalha. 

Todavia, ainda em 1864 o xogum Tokugawa Iemochi endureceu a perseguição aos opositores. Katsu Kaishu não foi afetado, mas seus funcionários eram visados como suspeitos, alguns inclusive apontados como infiltrados e espiões. Sakamoto para evitar problemas, partiu para o sul do país, para Kagoshima, indo refugiar-se no feudo de Satsuma, ali havia um forte núcleo de apoiadores do imperador. 

Em Kagoshima ele conseguiu emprego e proteção, supervisionando negócios para o daimiô Shimazu Tamayoshi de Satsuma, o mais notável foi seu envolvimento na fundação da empresa Kameyama Shachu em 1865, uma companhia marítima de comércio em Nagasaki, que recebeu capital de Shimazu para desenvolver uma frota mercante. Por sua vez, Sakamoto também esteve a par dos acordos políticos entre os feudos de Satsuma e Choshu, historicamente inimigos de longa data, mas que se uniram contra o xogum vindo a ocorrer a Aliança Satsuma-Choshu ou Aliança Satcho, firmada em 1866 para apoiar o imperador contra o xogum. 

Samurais da Aliança Satcho em reunião durante a Guerra Boshin (1868-1869). Fotografia de Felice Beato, 1868. 

A aliança impôs medo ao xogum Tokugawa Yoshinobu, que havia assumido o governo naquele ano de 1866, fazendo-o mobilizar o restante das tropas leais, embora outra parcela estivesse já apoiando o imperador. No caso de Sakamoto Ryoma, sua atuação no desenvolvimento da Aliança Satcho, o levou a ser convocado de volta a Tosa, para retomar os planos do antigo partido ao qual era filiado. Assim, ele decidiu voltar em fevereiro daquele ano. 

Por essa época, quando passou a morar temporariamente em Quioto, onde era noivo (ou casado) de Narasaki Ryo (Oryo), filha de um médico e de uma estalajadeira, Sakamoto estava hospedado na estalagem de sua noiva, quando em 9 de março de 1866 em Teradaya, ao sul de Quioto, assassinos invadiram o local para matar Sakamoto, mas Oryo conseguiu alertar o noivo/marido, o qual escapou. 

Retrato de Narasaki Ryo, a esposa de Sakamoto Ryoma. 

Após essa tentativa ele deixou Quioto e passou alguns meses longe dali, sendo seus caminhos incertos. Todavia, ele retornou a Quioto e estava hospedado em Omiya, com seu amigo Shintaro Nakoaka e cinco servos, incluindo um guarda-costas que era lutador de sumô. No dia 15 de novembro de 1867 uma nova tentativa de assassinato contra Sakamoto foi executada, dessa vez, ela saiu exitosa. Apesar do confronto ocorrido na hospedagem, ele, Nakoaka e os servos foram mortos na ocasião ou sucumbiram aos ferimentos nos dias seguintes. 

Membros do Shinsegumi, a polícia especial do xogum, foram acusados de matar Sakamoto e seus aliados. Porém, anos depois dois membros do Mimawarigumi, uma força-tarefa de patrulhamento que atuava em Quioto, confessaram que a ordem veio da sua entidade para executar o traidor do Sakamoto Ryoma. Os dois homens apontados como assassinos se entregaram, mas não deram o nome de quem deu a ordem para o crime. 

No mesmo ano de seu assassinado, o xogum Tokugawa Yoshinobu renunciou sob pressão da instauração de uma guerra civil, transferindo o poder para o imperador Meiji, que deu início a chamada Restauração Meiji, uma série de ações políticas para pôr fim a estrutura política do xogunato, além de reestabelecer a autoridade monárquica. Porém, enquanto isso era providenciado, apoiadores do xogum que recusavam aceitar sua renúncia, iniciaram revoltas que levaram a Guerra Boshin (1868-1869). A ala pró-xogunato acabou sendo derrotada, permitindo a consolidação do governo do imperador Meiji. 

O notável revolucionário? 

É possível encontrar sobretudo em produções ficcionais como filmes, livros, mangás e jogos, os quais exaltam a pessoa de Sakamoto Ryoma como um grande revolucionário dos tempos do Bakumatsu, cuja coragem e determinação foram cruciais para o estabelecimento da Restauração Meiji que colocou fim ao xogunato Tokugawa. Sakomoto até ganhou estátuas e memoriais por conta de seu trabalho prestado entre 1862 e 1867, mas isso realmente ocorreu? 

Historiadores japoneses questionam até onde as ações de Sakamoto Ryoma foram reais ou imaginárias, já que a literatura contribuiu bastante para torná-lo um herói da causa revolucionária do Bakumatsu e da Restauração Meiji. Retratando-o como um samurai comprometido pela causa de libertar o país da ditadura do xogunato. Inclusive é creditado a ele o documento Shin Seifu Koryo Hassaku (Programa de outros pontos para um novo governo), que apresentava ideias sobre democracia e uma monarquia parlamentarista e constitucional. 

Sakamoto Ryoma em uma fotografia de 1867, uma das últimas fotos dele. 

Além disso, a atuação de Sakamoto no Bakumatsu é dúbia. Ora ele pretendia assassinar o almirante Katsu Kaishu, mas estranhamente se aliou ao mesmo. Ainda em 1864 fugiu para Kagoshima, para evitar de ser capturado, ali ele teria sido um dos auxiliadores no acordo da Aliança Satsuma-Choshu, apesar que alguns historiadores contestam até onde sua participação realmente foi efetiva quanto a isso, se ele realmente foi um agente político ativo, um assistente, um observador, um conselheiro ou teve outra função. 

Sakamoto também é lembrado pela fundação da companhia de comércio Kameyama Shachu, inclusive alguns autores até o elogiaram como "patrono da marinha mercante", mas na prática ele foi um "testa de ferro" do daimiô de Satsuma para fundar a companhia em Nagasaki, além de ser um dos sócios envolvidos na criação da empresa, apesar de constar seu nome como "presidente" da mesma. 

Ademais, outros imbróglios se encontram na carreira revolucionária dele. Um deles diz respeito a Aliança Satsuma-Choshu, da qual Sakamoto teria atuado como "membro neutro" para coordenar a assinatura da aliança. Porém, esse acordo ocorreu em algum momento de 1866, sendo que desde o final de fevereiro daquele ano, Sakamoto estava seguindo viagem para Quioto, onde veio a ser atacado em 9 de março. 

Ora, se o acordo ainda estava em desenvolvimento, não tem como afirmar que Sakamoto foi atacado naquele dia por ter sido um mediador crucial, já que a aliança talvez nem tivesse sido ainda aprovada. Além disso, o samurai e advogado Komatsu Kiyokado (1835-1870), que trabalhava para o daimiô Shimazu, teve papel na formulação da aliança, inclusive alguns historiadores creditam a ele uma função mais significativa na elaboração dessa aliança do que o próprio Sakamoto Ryoma. 

Dessa forma, Sakamoto Ryoma embora tenha tido um papel de conspirador rebelde no período do Bakumatsu, seus supostos grandes feitos e atuação notável naquela época são frutos mais da ficção do que históricos. A documentação do período apresenta uma série de lacunas, ainda mais considerando que entre 1864 e 1867 ele viajou várias vezes e esteve escondido por certo tempo, devido a ser foragido desde 1862. Mas é fato de que seu papel no Bakumatsu foi de alguma forma relevante a ponto de irritar o grupo pró-xogunato a fim de mandar assassiná-lo, por tê-lo como uma ameaça em potencial. 

NOTA: O filme Ryoma Ansatsu (1974) centra-se nos últimos dias de vida de Sakamoto. 

NOTA 2: O mangá Jin (2000-2010) conta uma história que se passa durante o Bakumatsu, um dos personagens e Sakamoto Ryoma. O mangá recebeu uma adaptação live-action em formato de série, possuindo duas temporadas entre 2009 e 2011. 

NOTA 3: Em 2003 o aeroporto de Kochi foi renomeado para Aeroporto Kochi Ryoma. Na mesma cidade também existe o Museu Memorial Sakamoto Ryoma

NOTA 4: O seriado Ryomaden (2010) narra a jornada de Sakamoto. 

NOTA 5: A história de Sakamoto Ryoma é retratada de forma bem ficcional nos jogos Yakuza Ishin (2014) e no seu remake Like a Dragon: Ishin! (2023). Em ambas as produções ele é representado pela figura de Kazuma Kiryu, o protagonista da franquia. 

NOTA 6: Sakamoto aparece no filme televisivo Segodon (2018) exibido pela NHK. 

NOTA 7: Ele é um personagem no jogo Rise of the Ronin (2024). 

Referências bibliográficas: 

JANSEN, Marius B. Sakamoto Ryoma and the Meiji Restoration. Princeton: Princeton University Press, 1961. 

SANSOM, George. The History of Japan: 1615-1867. Tokyo, Charles E. Tuttle Company, 1963. 

Link relacionado: 

O que foram os xogunatos?

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Os mosqueteiros

Mundialmente conhecidos pelo livro Os Três Mosqueteiros (1844) do escritor Alexandre Dumas, os mosqueteiros consistiram num regimento militar multifuncional, criado pelo rei Luís XIII da França para servi-lo diretamente. Apesar de serem lembrados principalmente por conta da literatura e do cinema, como soldados usando floretes, na prática, os mosqueteiros eram especializados no combate com armas de fogo. 

Pintura de um mosqueteiro holandês. Jacob van Gheyn, 1608. 

Mosqueteiro origem do termo

Mosqueteiro é o termo que designa o soldado que combate usando um mosquete. Essa arma consiste numa espécie de rifle surgido no século XVI na Europa, como um melhoramento do arcabuz, o qual tinha como problema a falta de precisão, assim como, a falta de capacidade de penetrar armaduras a distâncias medianas e longas. Assim, o mosquete foi desenvolvido em data incerta no começo do XVI em algum lugar da Itália, ou França ou Alemanha, não se sabendo onde exatamente, tendo um cano mais fino e longo do que o do arcabuz. Alguns exemplares possuíam canos medindo de 100 cm a 150 cm, o que permitia um alcance estimado em até 300 metros de distância, além de aumentar o poder de penetração. Assim, o mosquete passou a ser classificado como um rifle de médio alcance, sem mira acoplada, tendo disparo único, sendo ativado por pólvora e pederneira. (CHASE, 2003). 

O mosquete rapidamente se popularizou entre os exércitos europeus, sendo amplamente utilizado nos séculos XVI e XVII, apesar de ainda ser fabricado até meados do XIX. Melhorias no designer da arma, especialmente deixando-a um pouco mais leve, mais precisa e melhorando o gatilho, foram desenvolvidas nesses séculos da Idade Moderna. Inclusive alguns mosquetes passaram a incluir o uso de uma baioneta para ser usado como uma espécie de lança. 

“Em meados do século XVI, como podemos verificar na legislação filipina de 1567, o arcabuz mais ligeiro consistia na principal arma de fogo do terço. Suplantava largamente, em termos quantitativos, o mosquete, mais pesado, mas também mais potente e preciso. Em finais do século esta situação já se encontrava em processo de inversão, e nas campanhas militares de meados de Seiscentos, o mosquete substituiu quase universalmente o arcabuz”. (SOUSA, 2013, p. 121).

Modelo de mosquete inglês do século XVIII.

A palavra mosquete é possívelmente de origem francesa, vindo de mousquette, termo usado para designar um tipo de falcão. Porém, outros autores sugerem uma origem italiana, advindo de moschetti, que designava a seta de uma besta. Apesar da origem incerta da palavra, em países como Portugal e Espanha, as vezes a arma era referida como espingarda. (CHASE, 2003). 

O mosquete fazia uso de balas feitas de ferro ou chumbo, diferente do arcabuz que poderia disparar pedras e pregos devido ao seu cano mais largo, o mosquete não possuía essa capacidade. 

Mosqueteiros em outros exércitos

"O exército moderno europeu no século XVII havia assumido sua forma básica, a qual manteria quase inalterada até o século XIX. A formação dos exércitos europeus era fundamentada naquele tempo em quatro categorias de combatentes: o piqueiro, ou lanceiro ou alabardeiro, os quais representavam os soldados equipados com diferentes tipos de lanças, daí a variação no nome; a segunda categoria era a da artilharia leve, formada pelos mosqueteiros e arcabuzeiros; depois vinha a artilharia pesada, formada pelos artilheiros, os quais eram responsáveis pelo transporte, montagem e manuseio dos canhões. Por fim, havia uma pequena participação da cavalaria". (OLIVEIRA, 2016, p. 184).

Tropas de um tercio espanhol. Da esquerda para direita: alferes, mosqueteiro, arcabuzeiro e piqueiro. Pintura de Serafim María de Sotto, 1861. 

Para Geoffrey Parker (1996) os principais marcos da “revolução militar” da Idade Moderna foram: a criação e desenvolvimento das fortificações com baluarte; o emprego recorrente das armas de fogo; o desenvolvimento de uma indústria da guerra; diminuição do uso da cavalaria em detrimento de uma infantaria armada com lanças e mosquetes; reformulação na organização das tropas; mudança nas táticas de batalha; surgimento de escolas militares; aumento na quantidade de soldados nos exércitos.

"No início do século XVII, à metade, grosso modo, dos soldados de infantaria deviam ser fornecidos piques de treze pés (cerca de quatro metros) e couraças; a outros deviam ser fornecidos mosquetes de mecha (com cinco pés – metro e meio – de comprimento) com as respectivas forquetas de apoio (ou arcabuzes, mais curtos e leves), e também recipientes para a pólvora, balas e mechas de combustão lenta; às tropas de cavalaria, uma meia armadura, pistolas e lanças; e a todos os soldados, elmos e espadas". (PARKER, 1994, p. 48).

Embora haja dúvidas se o mosquete surgiu na França, Itália ou Alemanha, mas foi na Holanda onde desenvolveu-se a técnica de combate em fileiras. O stadhoulder Maurício de Nassau (1567-1625) foi responsável por implementar uma série de reformas na organização militar do exército holandês, que acabaram se tornando modelo para outras nações. 

"Maurício alterou a disposição das tropas em combate. Em vez de falanges de 40 ou 50 filas frontais de lanceiros usadas nas guerras do século XVI, colocou os seus homens em 10 filas. A força de choque das suas formações, mais pequenas, provinha mais do poder de fogo do que das cargas dos lanceiros. [...]. O exército holandês aperfeiçoou sobretudo a técnica do fogo de fileira: a primeira linha descarregava simultaneamente os mosquetes sobre o inimigo, depois parava para recarregar as armas enquanto as outras nove linhas iam ocupando o seu lugar, criando assim uma cortina de fogo constante". (PARKER, 1994, p. 52).

Dessa forma, a maior parte dos países europeus da Idade Moderna adotaram o uso do mosquete com principal arma de fogo, somada ao arcabuz e a pistola. Com a colonização europeia nas Américas, África e Ásia, mosquetes foram levados para esses continentes e rapidamente incluídos na composição de seus exércitos. Assim, nas colônias americanas temos as tropas coloniais usando mosquetes, passando pelas nações islâmicas na África, chegando a Arábia, a Turquia, a Pérsia, a Índia, a China, a Coreia e o Japão. Em todos esses países nos séculos XVI e XVII já se fazia uso de mosquetes, o que revela como essa arma, apesar de pesada e lenta, ainda assim, foi bem recebida pelas forças militares de diferentes povos. 

Mosqueteiros chineses em gravura do século XVI, durante a Dinastia Ming
(1368-1644).

A Guarda dos Mosqueteiros na França

Apesar de que na Europa quase todo exército possuísse regimentos de mosqueteiros, no entanto, os mosqueteiros mais famosos surgiram na França durante o reinado de Luís XIII (1601-1643), o qual governou por trinta anos. No ano de 1622, época na qual o monarca engajou-se em suas campanhas militares, Luís XIII reformulou a guarda real criada pelo seu pai Henrique IV, permitindo a contratação de plebeus e estipulando que os mesmos passassem a usar armas de fogo, no caso, especialmente o mosquete. Assim, surgiu a Guarda dos Mosqueteiros, também referidos como "mosqueteiros do rei". (DURIEUX, 1928). 

Embora no romance Os Três Mosqueteiros (1844), consequentemente nos filmes e no imaginário desenvolvido com base no sucesso do livro, vemos os mosqueteiros principalmente usado espadas do tipo florete, na prática, a espada era uma arma secundária, porém, Dumas influenciado pelo Romantismo, descreveu seus mosqueteiros como habilidosos espadachins, não atiradores. De qualquer forma, no campo de batalha os mosqueteiros lutavam com mosquetes como arma principal, por isso o nome da tropa. 

A guarda dos mosqueteiros possuía três funções principais: proteger o rei e a família real, logo, ficavam de guarda nos palácios e locais onde o monarca e seus familiares estivessem; escoltar o rei, a rainha, nobres e ministros; em terceiro, ser despachado para a guerra, fosse para acompanhar o rei caso ele fosse ao campo de batalha ou iriam como tropa de reforço. (DURIEUX, 1928). 

A sede da guarda ficava em Paris, tendo quartel próprio gerido por seu comandante. Por ser um regimento diretamente à serviço do rei da França e do primeiro-ministro, ela era prestigiada e recebia muitos recursos. Pela condição de Luís XIII permitir que plebeus se alistassem para guarda dos mosqueteiros, muitos jovens viajavam através da França com o sonho de entrar na guarda. Vale lembrar que no livro de Alexandre Dumas, o personagem D'Artagnan é um jovem de 18 anos, filho de agricultores da Gasconha, que tem o sonho de se tornar um mosqueteiro. Ao longo do livro ele atua como cadete, pleiteando uma vaga na guarda, algo obtido no final da narrativa. 

Para se tornar mosqueteiro do rei havia algumas condições: ser nobre, ser indicado ou tentar uma vaga como cadete, servindo em outras guarnições ou tropas para ganhar experiência e reputação, para em seguida se apresentar aos mosqueteiros e tentar o ingresso. Devido ao prestígio gerado ao ser membro da guarda, era comum os cargos mais altos serem dados a nobreza. Nos próprios livros de Dumas, alguns de seus mosqueteiros se tornaram nobres ou burgueses. 

A guarda dos mosqueteiros seguiu vigorando após a morte de Luís XIII, servindo o Cardeal Richelieu, o Cardeal Mazarino, ambos atuaram como primeiros-ministros, os reinados de Luís XIV, Luís XV Luís XVI. Embora que a guarda não existiu de forma regular continuamente tendo sido suspensa por Luís XVI (1774-1792) em 1776, reativada brevemente por Napoleão Bonaparte (1804-1815) em 1814, sendo extinta definitivamente em 1816

Trajes dos mosqueteiros franceses da guarda real, entre 1660 e 1814. 

Por conta de ter existido por quase duzentos anos, a guarda sofreu várias reformulações no seu contingente, trajes e organização. No caso dos livros de Alexandre Dumas, a guarda que vemos referem-se aos governos de Luís XIII e Luís XIV, o período áureo desse regimento militar. 

NOTA: Embora Os Três Mosqueteiros seja uma das obras mais famosas de Alexandre Dumas, ele forma uma trilogia composta por Vinte Anos Depois (1845) e o Visconde de Bragelonne (1847-1850). 

NOTA 2: Ambrósio Richshoffer (1612-?) foi um soldado estraburguês que serviu por quatro anos no Brasil pela Companhia das Índias Ocidentais (WIC) da Holanda. Ele escreveu um diário de viagem, dizendo que após 1632, quando voltou para a França, viajou a Paris e se alistou na guarda dos mosqueteiros, servindo ali por alguns anos até alcançar a patente de capitão. Mas por motivos não informados por ele, o mesmo teve que deixar seu cargo e voltou para Estrasburgo. 

NOTA 3: Luís XVI suspendeu a guarda dos mosqueteiros para conter gastos, porém, quando cogitou retomá-la, o contexto a Revolução Francesa (1789-1799) o impediu. O monarca foi decapitado em 1793. Por sua vez, Napoleão recriou a guarda para buscar apoio da nobreza e dos militares, após sua fuga da ilha de Elba e a tentativa e retomar o trono. 

Referências bibliográficas

CHASE, Kenneth. Firearms: A Global History to 1700. Cambridge, Cambridge University Press, 2003. 

DURIEUX, Joseph. Le Périgord militaire. Mousquetaires du Roi au XVIIIe siècle. Bulletin de la Société historique et archéologique du Périgord, v. 55,‎ p. 167-180. 

OLIVEIRA, Leandro Vilar. Guerras luso-holandesas na Capitania da Paraíba (1631-1634): um estudo documental e historiográfico. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2016. 

PARKER, Geoffrey. The Military Revolution: military innovation and the rise of the West, 1500-1800. 2a ed. Cambridge, Cambridge University Press, 1996.

PARKER, Geoffrey. O Soldado. In: VILLARI, Rosario (dir.). O homem barroco. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa, Editoria Presença, 1994.

SOUSA, Luís Filipe Guerreiro Costa e. Escrita e Prática de Guerra em Portugal: 1573-1612. Tese (Doutorado em História dos Descobrimentos e Expansão) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2013.