Na segunda metade do século XIX o Brasil ainda era uma nação predominantemente rural, as primeiras indústrias ainda nem tinham surgido. O Barão de Mauá em meados do XIX decidiu levar para frente vários projetos de empreendimento, influenciados após viagens suas a Europa, onde ele teve contato com ferrovias, estaleiros, fábricas e outras tecnologias emergentes. Assim, tirando do próprio bolso ou formando sociedades, ele deu início a industrialização do Brasil, mesmo que de forma bem restrita, ainda assim, foi o ponta pé.
Introdução
Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889) nasceu na Vila de Nossa Senhora da Conceição do Arroio Grande, na então capitania de São Pedro e Rio Grande do Sul, sendo filho do fazendeiro João Evangelista de Ávila e Sousa e de Mariana de Batista de Jesus Carvalho. Embora seu pai fosse fazendeiro, assim como, seus avós, Irineu não advinha de uma família abastada propriamente. Seu pai foi assassinado durante uma invasão de bandidos as terras de sua fazenda, quando Irineu tinha seus cinco anos. Mais tarde sua mãe se casou novamente, mas por pressão do novo marido, teve que se afastar dos filhos. Irineu foi enviado para morar com seu tio Manuel José de Carvalho, que era agrimensor, jurista e depois político. O que levou o garoto a se mudar para o interior da província de São Paulo, onde vivia seu tio. (CALDEIRA, 1995).
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Retrato de Irineu Evangelista de Sousa por volta de 1870. |
Em 1830 começou a trabalhar numa empresa britânica de importação pertencente a Richard Carruthers, o qual nutriu admiração e confiança pelo rapaz. Ali se aperfeiçoou na administração, virando gerente, além de aprender sobre economia, finanças, investimentos, a falar e ler em inglês, assim como, leu os clássicos do liberalismo econômico inglês como Adam Smith e David Ricardo. Inclusive nesse período ingressou na maçonaria. Anos depois, Carruthers decidiu desistir dos negócios no Rio de Janeiro e voltar a Europa, Irineu que já tinha juntado dinheiro por esse tempo, ofereceu-se em comprar parte das ações, se tornando sócio da empresa para que não fosse fechada. Carruthers concordou, pois considerou que deixaria a empresa em boas mãos.
Estando estabelecido financeiramente, Irineu trouxe sua mãe Mariana que havia ficado viúva novamente, assim como, sua irmã Guilhermina que também tinha enviuvado. Ela tinha uma filha de nome Maria Joaquina de Sousa Machado (1825-1904). Irineu se apaixonou perdidamente por sua sobrinha, a qual era doze anos mais nova que ele. Apesar disso, o casamento se concretizou. Irineu e Maria Joaquina tiveram 18 filhos, embora alguns morreram ainda prematuros e outros durante a infância devido a doenças distintas geradas pelo casamento intersanguíneo. (CALDEIRA, 1995).
Surge o industrial
No ano de 1840, Carruthers convidou Irineu a ir visitar a Inglaterra, o qual aceitou, sendo sua primeira viagem internacional. Tendo viajado direto para o coração da revolução industrial, Irineu ficou maravilhado com a industrialização.
"A verdadeira indústria só existia na Grã-Bretanha e no norte dos Estados Unidos. Na Alemanha e na França, ela apenas engatinhava, e em países retardatários, como a Itália, a Espanha e Portugal, só era conhecida por ouvir dizer, Na Rússia e no Japão, nem isso. Mergulhada em pleno feudalismo, a sociedade japonesa estava dividida em estamentos, sendo proibido o comércio com o exterior. Os portos japoneses só seriam abertos ao Ocidente pelo comodoro Peary, onze anos depois da estada de Mauá na Inglaterra". (BARÃO DE MAUÁ, 2018, p. 18).
Ao voltar ao Brasil, passou os anos seguintes pesquisando sobre diferentes oportunidades e reunindo capital. Em 1845 conseguiu um acordo com o governo para fazer a canalização do rio Maracanã na cidade do Rio de Janeiro, porém, a oportunidade que ele esperava veio no ano seguinte, quando conseguiu comprar uma fundição e passou a fabricar ferro e aço. Naquele ano de 1846 ele comprou o estaleiro de Charles Colman, renomeando para Estaleiros da Ponta da Areia (1846-1860) em Niterói, passando a ser uma referência na construção naval do país nos anos seguintes. (BARÃO DE MAUÁ, 2018).
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O Barão de Mauá visitando seu estaleiro de Ponta de Areia. Litogravura de Pieter Gottfried Bertichem, 1857. |
De banqueiro a barão
Com a proibição do tráfico negreiro em 1850, Irineu passou a incentivar os senhores de escravo a investirem seus capitais em outros negócios, especialmente no ramo industrial. Assim, em 1851 ele fundou o Banco do Brasil (ironicamente o mesmo nome do outro banco fundado por D. João VI em 1808), uma instituição privada voltada para investimentos em diversos negócios. Como Irineu já era um dos homens mais ricos do país, investiu muito capital em seu banco para atrair investidores e isso resultou no investimento de novos negócios. (CALDEIRA, 1995).
Conseguindo uma concessão do governo, Irineu criou a Companhia de Iluminação a Gás (1851) no Rio de Janeiro, cuja proposta era iluminar a maior parte das ruas principais da cidade. Em seguida ele fundou a Companhia de Navegação do Rio Amazonas (1852-1866), fabricando os navios que faziam o trajeto daquela rota fluvial, além de operar o seu tráfego. Outras companhias do tipo foram instituídas no estado do Rio de Janeiro, especialmente operando na Baía de Guanabara, e no Rio Guaíba no Rio Grande do Sul. (CALDEIRA, 1995).
No entanto, o novo negócio que atraiu mais fama a Irineu foi a construção da primeira estrada de ferro do país, com extensão de 14 quilômetros, ligando o porto e estaleiro de Irineu até suas propriedades em Fragoso, o percurso levou o industrial a ter que trazer uma locomotiva da Inglaterra (nomeada de Baroneza em homenagem a sua esposa). A estrada de ferro foi inaugurada em 30 de abril de 1854, contando com a presença de ministros, senadores, nobres e do próprio imperador D. Pedro II, o qual fascinado com a proeza de Irineu Evangelista, lhe concedeu o título de Barão de Mauá. A via férrea foi renomeada como Estrada de Ferro Mauá. Mais tarde o percurso ganhou mais quatro quilômetros. (CALDEIRA, 1995).
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Lançamento da pedra fundamental da Estrada de Ferro Mauá, em 1852. Autoria desconhecida. |
Entre esses projetos esteve a Companhia Caminho de Ferro da Tijuca (1856-1868) designada para instalar trilhos naquela região do Rio de Janeiro. Posteriormente em 1858 foi inaugurada Estrada de Ferro D. Pedro II (renomeada Estrada de Ferro Central do Brasil), uma das principais vias férreas do Rio de Janeiro. Mas nem tudo foi bom nesse período próspero. Seu estaleiro foi destruído por incêndio criminoso, sendo reconstruído em 1860. Ainda hoje não se sabe quem mandou pôr fogo. Mas como Mauá suscitava inveja de muitos homens importantes, devido a sua fama rápida a nível nacional, os candidatos para isso, eram muitos. (BARÃO DE MAUÁ, 2018).
Deputado e negócios com o Uruguai
Aproveitando o auge de seus negócios com as ferrovias, o estaleiro, a fundição, o banco e outras empresas, o Barão de Mauá ainda na década de 1850, decidiu se lançar na política, tornando-se candidato pela província do Rio Grande do Sul, sua terra natal. Além de um senso de honrar suas origens, apesar de ter vivido a maior parte da vida no Rio de Janeiro, Mauá também escolheu o RS devido a sua proximidade com o Uruguai, país no qual ele possuía negócios e amizades. Inclusive ele foi contrário a disputa política brasileira por lá, financiando inclusive campanhas liberais. (BARÃO DE MAUÁ, 2018).
Mauá foi eleito deputado algumas vezes, tendo realizado seus mandatos consecutivos entre 1855 e 1863, começando como suplente em 1855-1856, mas elegendo-se propriamente em 1857 e depois reeleito em 1861. Porém, não se reelegeu novamente devido a crise financeira que começou a acometer seus negócios. Que veremos mais adiante. De qualquer forma, sua popularidade como político do Rio Grande do Sul não significou que tivesse ganhado a simpatia da nobreza e da elite política fluminense.
O fato de ser um político liberal e abolicionista, apesar de defender a monarquia, o tornou malvisto diante da elite imperial, predominantemente conservadora e apoiadora da manutenção da escravidão. Além disso, essa mesma elite era a favor da intervenção política no Uruguai, da qual Mauá discordava, que mais tarde influenciou os rumos para uma nova guerra. (BARÃO DE MAUÁ, 2018).
Quando eclodiu a Guerra do Paraguai (1864-1870), Mauá foi um dos políticos que se manifestou contrário ao conflito, especialmente pela condição do mesmo durar anos. Inicialmente a guerra iniciada com a partir dos ataques do Paraguai ao Brasil, Uruguai e Argentina, levaram os três países a se unirem e formarem a Tríplice Aliança. No entanto, passados dois anos de guerra, Argentina e Uruguai abandonaram o conflito, permanecendo Brasil e Paraguai sem negociarem um armistício ou fim da guerra. Mauá em diferentes ocasiões que esteve na câmara, protestou contra isso. Porém, para os políticos tidos como patriotas fervorosos, a guerra era essencial para provar o valor do povo e a superioridade da nação.
Crise nos negócios
No auge de seus negócios, Mauá era considerado um dos homens mais ricos do Brasil, possuindo mais de 15 empresas, embora fosse coproprietários de outras. A maioria de seus negócios não eram diversificados, pois centrou-se nas companhias ferroviárias e de transporte fluvial. A diferença estava em seu estaleiro, fundição, banco, companhia de gás, depois de energia elétrica, de telégrafo e até chegou a ter um curtume. De qualquer forma, os negócios na década de 1860 começaram a sofrer um revés devido a aprovação de leis que passaram a prejudicar seus investimentos.
A série de leis aprovadas pela Tarifa Silva Ferraz, então ministro da fazenda, prejudicaram diretamente os negócios de Mauá. Uma permitiu que empresas estrangeiras pudessem atuar no transporte e comércio no Amazonas, área que quase era seu monopólio, logo, a concorrência ficou grande, levando a desistir da sua companhia em 1866. A segunda, removeu os descontos sobre a compra de máquinas, peças e veículos importados. Por mais que Mauá tivesse duas fábricas, parte de seu material era importado, advindo sobretudo da Inglaterra. Com o aumento da importação da compra de maquinário e outros insumos, sua produção foi afetada, levando-o a subir os valores para compensar a diferença de lucro obtida, além de que outros estaleiros foram fundados, assim como, o governo que era antes seu cliente, começou a comprar navios na Europa. A queda na receita foi se acumulando gradativamente ao longo da década de 1860, levando-o a vender seu estaleiro em 1877. (SOUZA; FOSSATTI, 2013).
Outros projetos desse período também não deram certo. A companhia férrea da Tijuca que operava bondes entrou em declínio, sendo fechada em 1866. Antes disso, Mauá criou uma pequena empresa de bondes para atuar no bairro do Jardim Botânico, expandindo a atuação de sua companhia de bondes, porém, a falência da primeira levou investidores desistirem do negócio. Mauá que já estava com alguns problemas financeiros, desistiu de manter os negócios com os bondes, vendendo a empresa para um grupo inglês.
Suas finanças estavam num momento delicado a ponto de que sua parceria com a McGregor & Cia foi desfeita a respeito do banco em 1867. Assim, Mauá renomeou seu banco para Banco Mauá & Cia. Além do fim dessa parceira, ele teve que vender algumas ações que possuía em empresas ferroviárias para pagar dívidas imediatas.
Mauá ainda tentou reverter tal prejuízo ao investir na mão de obra italiana que começou a chegar ao Brasil na década de 1870, agindo como contratante deles, fosse empregando-os em suas companhias e fábricas, ou atuando como intermediário para achar vagas de empregos para os mesmos. A iniciativa apesar de interessante, não rendeu o retorno esperado. Muitos dos italianos imigrados partiam diretamente para as fazendas, especialmente as lavouras de café de São Paulo, uma área de negócios na qual Mauá não atuava.
No ano de 1872, ele foi reeleito ao cargo de deputado federal do Rio Grande do Sul, tendo permanecido anteriormente alguns anos afastado da vida política, mas devido aos problemas financeiros e interesse em saná-los, Mauá renunciou ao mandato no ano seguinte. Ainda mais por conta que em 1872 ele recebeu autorização pelo Decreto n. 5.058 de 16 de agosto de 1872, o direito de instalar um cabo submarino entre o Brasil e Portugal. Embora a empresa britânica British Eastern Telegraph Company tenha feito o serviço, o investimento veio direto do barão. Assim, em 1874 o cabo estava conectado e operante, rendendo o reconhecimento do imperador D. Pedro II, que lhe deu o título de Visconde de Mauá. Na época, o monarca concedeu monopólio de 20 anos de uso dos serviços telegráficos. No mesmo ano ele conseguiu por parte do imperador o direito de cuidar do abastecimento de água da capital imperial, fundando uma companhia para isso, a qual teve vida curta. (SOUZA; FOSSATTI, 2013).
Porém, a década de 1870 não foi problemática apenas para o visconde, mas para muitos homens de negócios. O mundo ocidental vivenciava a chamada crise da Longa Depressão (1873-1879), que afetou países como Alemanha, Inglaterra, França, Itália, Áustria, Estados Unidos, Brasil, entre outros. Uma série de fatores envolvendo guerras, safras perdidas, falência de indústrias e companhias de comércio, culminou para afetar bolsas de valores e bancos.
Assim, Mauá decretou falência do seu banco em 1875, após uma série de receitas baixas, retiradas de investimentos, queda nas ações etc. Além disso, o governo numa jogada escrupulosa para beneficiar os investimentos nos bancos públicos, começou a difundir que bancos privados não eram de confiança e não rendiam tanto quanto os bancos públicos. Pela condição de Mauá ter investimentos em outros países, especialmente as filiais de seu banco, esses foram diretamente afetados por essa crise, levando suas filiais se fecharem, cortando muito da renda que o banco obtinha graças aos investimentos estrangeiros. (SOUZA; FOSSATTI, 2013).
A crise foi tão forte, que em dois anos a receita caiu significativamente, levando Mauá a declarar falência e pedir socorro ao governo imperial para renegociar suas dívidas. Todavia, ele não obtive sucesso. O banco após vinte anos de funcionamento fechou as portas. Em seguida ele encerrou suas atividades com a empresa de telégrafo, a qual ainda estava pagando o investimento, revendendo-a para uma empresa inglesa. Sua companhia de abastecimento de água também foi fechada. E a situação era tão crítica, que Mauá chegou ao ponto de ter que vender sua fundição e estaleiro para poder pagar as contas, sendo ambas as fábricas suas mais antigas.
Na tentativa de buscar apoio do governo, renegociar suas dívidas e recuperar crédito financeiro, ele escreveu um extenso relatório intitulado Exposição do Visconde de Mauá aos Credores de Mauá & C e ao Público (1878), no qual relatava todos seus investimentos feitos ao longo dos anos, suas ideias e sonhos para aquelas empresas e negócios, os problemas enfrentados etc. O livro tem um valor documental bastante importante para conhecer a trajetória de Mauá como empresário e industrial, mas a obra não surtiu efeito que o visconde aguardava. Seus credores não se convenceram. (SOUZA; FOSSATTI, 2013).
Considerações finais
Após a falência decretada a partir de 1875 com o fechamento do seu banco, Mauá procurou honrar suas dívidas, mas isso levou alguns anos. Ele somente conseguiu quitar a maioria delas em 1884, quando constava dos seus 71 anos. Assim, tendo tornado seu "nome limpo" novamente, recebeu autorização para virar comerciante, levando-o a se mudar para Petrópolis, onde comprou uma casa e abriu uma loja. Passou o restante da vida morando naquela cidade, quando faleceu em 21 de outubro de 1889, antes da instalação da república. Naquele tempo, já era visto como um velho homens de negócio que tinha passado de sua época dourada.
Embora não tenha ficado pobre, Mauá deixou de ser milionário, sendo um exemplo na época de como a má gestão e sócios duvidosos poderiam comprometer os negócios. Apesar disso, seu legado histórico permaneceu, pois seu sonho de industrializar o Brasil conseguiu ser realizado até certa parte, embora não tenha ido para além das ferroviais e companhias de transporte fluvial, já que as pretensões de expandir fábricas, levar iluminação a gás, sistema de bondes, energia elétrica e abastecimento de água para outras províncias, não se concretizou.
NOTA: Os brasões de barão e visconde de Mauá possuem como iconografia, duas locomotivas, uma referência a ele ter sido pioneiro na implementação das ferroviais no Brasil.
NOTA 2: Em 1910 foi fundada a Praça Mauá no centro do Rio de Janeiro (a mais famosa praça do país com seu nome), ali se encontra uma estátua do visconde. Ao redor temos o Museu do Amanhã, o Museu de Arte do Rio, um prédio da marinha e outras construções.
NOTA 3: Irineu foi homenageado com o seu nome em várias ruas, avenidas, praças, escolas, estações de trem, bairros pelo país, organizações de comércio e indústria etc.
NOTA 4: Seu nome também foi dado a cidades como Visconde de Mauá (RJ), Mauá (SP) e Mauá da Serra (PR).
NOTA 5: O barão foi interpretado pelo ator Paulo Betti no filme Mauá - O Imperador e o Rei (1999), principal filmografia sobre ele.
NOTA 6: Em 2018 o presidente Michel Temer criou a Ordem Nacional Barão de Mauá, uma honraria dada as pessoas que contribuíram para a indústria e comércio do país.
Referências bibliográficas
BARÃO DE MAUÁ. Empreendedor do Império. [s. l]: LeBooks, 2018.
CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SOUZA, Ricardo Timm de; FOSSATTI, Nelson Costa. Mauá: paradoxos de um visionário – obra comemorativa dos 200 anos de nascimento do Visconde de Mauá. Porto Alegre: Letra & Vida, 2013.