Estou voltando para mais uma publicação sobre a história dos alimentos, dessa vez, abordei um dos alimentos mais consumidos no mundo, o pão. No presente texto contei a respeito da longeva história desse alimento, o qual foi criado há milhares de anos, tornando-se uma comida não apenas costumeira, mas em algumas épocas era a base da alimentação de vários povos, moeda de pagamento, recompensa, presente, salvação contra a fome, e até comida sagrada e ritualística.
Basicamente o pão consiste numa massa preparada com farinha de cereais, sendo o mais comum o trigo, embora possa se usar o centeio, a cevada, a aveia, o milho, o arroz, e até outros alimentos como a batata e a farinha de mandioca. Além de ser fabricado com farinha, o pão pode ser fermentado ou sem fermento, recebendo adição de açúcar, ou sal, ou leite, ou ovos. Ele pode ser recheado ou não, além de receber a adição de outros ingredientes no preparo de sua massa. Atualmente existem centenas de receitas de pães, havendo uma enorme variedade desse produto pelo mundo.
Não se sabe exatamente quando o pão surgiu ou quem foi o primeiro povo a fabrica-lo. Evidências arqueológicas apontam o fabrico de pão entre a Cultura Natufiana, datada entre 14000 e 7500 a.C na região do Levante (atualmente compreende Israel, Síria, Palestina, Líbano, Jordânia e Chipre). As evidências apontam o uso de ferramentas para se produzir farinha. No caso, o pão neste período seria produzido com base em cereais silvestres, pois a domesticação vegetal ainda estava no início. E provavelmente seria o pão achatado, devido a falta de conhecimento a levedura e outras técnicas.
Um moedor manual datado do Neolítico, ainda na Pré-história. |
Civitello (2008, p. 8) aponta que o pão de trigo teria sido desenvolvido no Sudeste asiático por volta do ano 7000 a.C. A autora sublinha que nesse período o trigo já tinha sido domesticado e o pão começou a ser alimento corriqueiro. Para Rubel (2011, p. 12) a origem do pão de trigo estaria associada com o Crescente Fértil, entre 10000 a 8000 a.C. Já Pallant (2021, p. 20), o pão de trigo pode ter sido feito por volta de 8000 a.C, na Mesopotâmia, época em que duas espécies de trigo começaram a serem domesticadas, a Triticum monococcum e a Tricalle dicoccum.
No entanto, os três autores assinalaram que o pão teria sido produzido inicialmente com cereais selvagens, somente depois com a domesticação de tais cereais, principalmente o trigo e depois a cevada, é que o pão tornou-se alimento mais comum. O problema é que faltam evidências arqueológicas de quando esse processo teria começado e passado a ser regular.
O pão na Antiguidade
O pão desde os primórdios da civilização agrícola passou a fazer parte da alimentação regular. A parte mais difícil era a moagem dos grãos, em que na falta de ferramentas e aparelhos mais eficientes, tornava-a um processo moroso e árduo. Todavia, estando a farinha pronta, bastava usar água para fazer a massa e depois levá-la ao forno. E em poucos minutos o pão estaria pronto.
À medida que a população das vilas e cidades começava a crescer, a demanda por farinha e pães também aumentava, com isso surgiram os padeiros e as padarias. Sendo assim, o padeiro é uma profissão bastante antiga, existindo a milhares de anos. Por sua vez, as padarias na Mesopotâmia eram basicamente locais com vários fornos em que os pães eram preparados e depois assados. Lembrando que em muitos lugares o pão costumava ser produzido em casa, mas não falta de condições para se adquirir farinha, optava-se em ir as padarias.
Rubel (2011, p. 10) aponta que registros cuneiformes oriundos da Suméria, datados de antes de 3000 a.C, já citam pães entre o alimento consumido no dia a dia, até o comércio desse alimento. O autor também sublinha o caso de Uruk, importante cidade sumeriana, surgida por volta de 3000 a.C, em que escavações arqueológicas revelaram que essa cidade já possuía celeiros e padarias, e em seus campos cultivou-se o trigo e a cevada. Rubel (2011, p. 20) também assinala que neste período, na Suméria, o pão já fosse ofertado aos deuses como oferenda. Ele também cita o caso da Epopeia de Gilgamesh, famoso poema épico, em cuja narrativa, para o homem selvagem Enkidu ser "civilizado", ele comeu pão e bebeu cerveja, pois era um costume diário que as pessoas faziam.
Exemplo de como poderia ter sido um pão feito na Mesopotâmia. |
Pallant (2021, p. 23) aponta que existam referências iconográficas e escritas no Egito Antigo, anteriores a 2500 a.C, mostrando a produção de pão. Civitello (2008, p. 15) comenta que no Egito a palavra pão etimologicamente estava associada com a palavra vida, logo, o pão, simbolicamente era uma "fonte de vida", ainda mais a condição de ser um pão circular, cujo formato lembraria o disco solar, sendo as divindades solares, importantes deuses na cultura egípcia antiga. A autora também complementa que os egípcios já produzissem um tipo de levedura, usado para fermentar o pão.
Em algumas épocas da história egípcia os trabalhadores não eram pagos em dinheiro, por não existirem moedas ou essas serem escassas. No lugar disso, eles eram pagos com sacas de farinha ou recebiam pães, as vezes até cerveja. Tal prática não era exclusiva dos egípcios, outros povos como os sumérios, babilônios, indianos, chineses, etc. também chegaram a pagar o dia de trabalho com comida, sendo algo comum em diferentes momentos do mundo antigo.
Trecho de um mural egípcio mostrando o preparo de pão. Tumba de Qenamum, Tebas Ocidental, entre 1550 a 1292 a.C. |
Os gregos antigos comiam pão em praticamente todas as refeições, e ele inclusive era a base do café da manhã, do lanche, do almoço e do jantar. Os gregos comiam pão com sopa, com queijo, com frutas e carnes, o comiam embebido em vinho, água ou azeite. Alguns pães eram recheados ou cobertos com carnes, queijos e legumes, lembrando uma pizza.
Padeiras preparando a massa de pão, enquanto ouvem flauta. Escultura encontrada em Tebas, datada entre 525 e 475 a.C. |
Os romanos com os séculos aperfeiçoaram a produção de farinha, utilizando-se de tração de animais como burros e bois, e até de escravos. Graças a grande quantidade de farinha produzida em suas moendas, surgiu uma diversidade de pães, em diferentes formatos. Eram pães redondos, quadrados, achatados, levedados ou ázimos; pães acompanhados com queijo, ou temperados com sementes de papoula, pimenta, sal e mel. A produção era tamanha que muitas pequenas padarias se desenvolveram nas cidades romanas para atender a crescente população, ainda mais, que grande parte do povo alimentava-se muitas vezes só de pão, queijo, legumes e frutas, não tendo dinheiro para carne e embutidos. Por conta disso, em algumas épocas como 122 a.C e 58 a.C, houve decretos baixando o preço do trigo para que os pobres tivessem condições de se alimentar. (CIVITELLO, 2008, p. 46).
Ruínas de uma padaria em Pompeia. Na imagem se observa dois tipos de fornos. |
No entanto, o pão tem também outro destaque na Roma Antiga, e esse é com a chamada política do pão e circo (panem et circenses). Tal política surgiu em período em certo da República Romana (509-27 a.C), atrelada ao financiamento do trigo pelo Estado e os espetáculos nas arenas, especialmente os jogos de gladiadores. Tradicionalmente a historiografia desde o século XIX, defendia que essa política era uma forma simples de enganar a plebe, lhes oferecendo pão e entretenimento através das lutas e corridas. Porém, isso é questionável, apesar que não esteja totalmente errado.
A política do pão e circo realmente foi aplicada para se apaziguar os ânimos, mas eram usada principalmente para fins populistas. Imperadores, políticos e cidadãos ricos podiam financiar jogos e doar pães, e as vezes cerveja e vinho de baixa qualidade, para celebrar algo, ou melhorar sua reputação. A ideia de que tal tática era infalível, hoje é descartada, pois nos últimos séculos da República Romana, houve várias revoltas e rebeliões.
Um tipo de pão consumido na Roma Antiga. Pães assim era ofertados na política do pão e circo. |
O pão nosso de cada dia
Embora distintas religiões fizessem uso de pães como oferendas, no entanto, citarei o caso de duas delas em que o pão ganhou um destaque ritualístico, sendo o judaísmo e o cristianismo. Na Bíblia a palavra pão é citada 390 vezes, referindo-se tanto ao pão em si, mas as vezes usada como metáfora para alimento e até um dos epítetos concedidos a Jesus Cristo, chamado de "Pão da Vida". Não obstante, o pão começa a ser citado desde o livro do Gênesis, percorrendo vários dos livros que compõe a Bíblia.
Em Gn 14,18, o rei Melquisedeque recebeu Abraão com pão e vinho, embora possa parecer um gesto simples para um monarca, no entanto, nos tempos antigos servir pão era comum desde o pobre ao nobre, pois o pão era a base da alimentação de vários povos. No entanto, o pão além de ter sido um alimento regular para os hebreus, ele também tinha e tem um papel importante em sua religião; o pão chamado de chalá (shallah) é consumido tradicionalmente em festivais e durante o sabá, o dia santo para os judeus.
Um exemplo de chalá com gergelim. |
O pão mátza consumido durante a Páscoa judia (Pessach). |
No capítulo seis do Evangelho de João, é dito que Jesus já homem afamado por sua reputação e milagres, viajava próximo do Mar da Galileia, com seus discípulos, mas uma multidão os seguiam, querendo ver novos milagres e ouvir seus ensinamentos. Em dado momento, Jesus indaga a Filipe se eles tinham dinheiro para comprar comida, o discípulo respondeu que mesmo com 200 moedas, não daria para comprar comida o suficiente para aquela alimentação, até que André, irmão mais novo de Simão Pedro, disse que havia um homem ali na multidão que possuía uma cesta com cinco pães e dois peixes.
No Evangelho de João é narrado o milagre em que Jesus Cristo multiplicou cinco pães e dois peixes para alimentar quase cinco mil pessoas. |
Então Jesus pediu que todos se sentassem e ele começou a partilhar o pão e o peixe, e milagrosamente aqueles cinco pães de cevada e dois peixes se multiplicaram para saciar a fome de quase cinco mil pessoas. No final, Jesus ainda mandou recolher as sobras de pães, enchendo doze cestos.
Outro momento marcante no cristianismo relacionado ao pão, encontra-se durante a Última Ceia ou Santa Ceia, celebrada na véspera da Sexta-feira de Páscoa. Na ocasião, Jesus reuniu seus doze discípulos, e eles cearam pão e vinho. Durante a refeição, Jesus lhes instruiu sobre a Eucaristia, em que fez a analogia simbólica ao dizer que o pão representaria sua carne e o vinho representaria seu sangue. Até hoje a ceia como é celebrada nas igrejas cristãs, faz-se o uso do pão, e mais raramente do vinho, sendo substituído pelo suco de uva, ou inclusive ignorado. Por exemplo, na igreja católica é comum fazer a eucaristia com a hóstia, uma pasta sem fermento que emula o pão ázimo. Porém, os fiéis não recebem o vinho, sendo esse reservado ao padre.
Representação da Ceia do Senhor com o pão e o vinho. |
O pão na Idade Média
No período medieval com a expansão do cristianismo pela Europa, o pão tornou-se alimento não apenas do cotidiano, mas também religioso devido a Eucaristia católica. Por outro lado, o consumo de pão ainda era a base da alimentação de vários povos, fosse o pão de trigo, centeio e o de cevada.
No entanto, Montanari (2006, p. 72) salienta que no medievo europeu houve uma mudança tanto na produção de farinha, quanto no consumo de pão. Se no passado os romanos importavam trigo da Síria e do Egito, e a ilha da Sicília era tida como um celeiro no Mediterrâneo, mas com a Queda do Império Romano do Ocidente em 476, toda a logística, acordos comerciais de importação se findaram. O acesso ao trigo se tornou mais escasso, por conta disso, as pessoas tiveram que passar a consumir o pão feito de centeio e cevada, e de cereais considerados de qualidade inferior como o espelto (ou trigo-vermelho) e o orzo (ou arroz italiano). Por conta disso, o gosto e textura do pão era diferente e até mesmo sua coloração.
O pão de centeio tem uma coloração escura que lembra o chocolate, mas seu sabor é levemente azedo e mais forte do que o pão de trigo refinado ou farinha branca. |
Alguns territórios medievais também foram assolados pela fome em várias ocasiões. Montanari (2006, p. 106-107) cita um relato do historiador e padre Gregório de Tours (538-594), o qual comentou que a Gália (atual França) em sua época vivenciava uma crise de fome a ponto dos pobres usarem capim e terra para fazer pão. Posteriormente, Montanari cita os Anais de São Bertin, o qual informou que em 843, também na França, informava que novo surto de fome ocorria, e as pessoas misturavam terra com farinha escassa para poderem fazer pão, para assim não morrerem de fome. Montanari comenta que na literatura medieval de alguns países europeus, esse pão feito com capim, terra, restos de farinha, e outros ingredientes ruins, eram chamados de "pães da fome", pois eram oriundos de tempos de desespero. Observa-se nestes dois casos como o pão ainda era alimento essencialmente para a vida de muitas pessoas.
Um exemplo de "pão da fome", o qual é feito com ingredientes ruins e inapropriados, num ato de desespero. |
Na China medieval, desenvolveu um pão popular no país, chamado de baozi ou bao. Esse pão é feito de farinha de trigo ou farinha de arroz, sendo cozido no vapor, e normalmente é recheado com carnes ou legumes, sendo descrito como tendo textura macia e saboroso. Segundo uma lenda, tal receita teria surgido durante a época dos Três Reinos (222-280), todavia, historiadores apontam que menções mais antigas a esse pão, datem da Dinastia Song (969-1279). O baozi é conhecido por algumas peculiaridades: seu formato, seu modo de preparo e por um dos ingredientes ser o arroz (Oryza sativa). O consumo de baozi se espalhou para a Mongólia, Coreias, Japão, Tailândia, Taiwan, Camboja, Indonésia, Nepal, Butão, etc.
O baozi é um tradicional pão chinês recheado, feito no vapor. |
Porém, alguns povos inovaram ao misturar o pão com o consumo de outros alimentos e bebidas. Um exemplo disso foram os árabes, os quais inventaram o hábito de comer pão e beber café, prática hoje tão comum em vários países. A partir do século XIII os árabes começaram a difundir pelo Oriente Médio e Norte da África, as cafeterias, onde você podia comer pães, bolos, doces e tomar café e chá. Tal hábito somente chegou à Europa no século XVI. Um dos principais pães consumidos por tais populações é o chamado pão pita (conhecido no Brasil também como pão árabe ou pão sírio) o qual é levedado, mas sendo achatado, podendo ser comido puro, ou com molho ou usado para se fazer um sanduíche, misturando carnes, queijos e legumes. O pão pita além de ser consumido na Ásia e África, foi levado para a Europa, sendo ainda hoje consumido pelos gregos. (CIVITELLO, 2008, p. 66).
O pão pita dos árabes, o qual na Idade Média já era consumido junto com café. |
Na Itália um tipo de pão que se popularizou foi a focaccia, cuja palavra teria surgido por volta de 1300 no dialeto ligúrio. Todavia, esse tipo de pão deve ser bem mais antigo, já que sua feitura é até simples, sendo feita de farinha branca, água e sal, sendo redonda ou plana. Com o tempo em diferentes cidades começaram a surgir receitas diversas, incluindo coberturas salgadas e doces. No passado a focaccia era uma refeição como o almoço ou o jantar, pois tão pão era preparado de forma grande, recebendo adição de linguiças, salames, queijo, tomates, cebolas, azeitonas, etc. Atualmente a focaccia é mais consumida como lanche.
Um exemplo de focaccia, a qual é um pão que lembra visualmente uma pizza neste caso. |
O costume de consumir tapas como aperitivo antes do almoço e do jantar, prática hoje comum em vários lugares da Espanha, remontaria a Idade Média, embora não haja um consenso de quando e onde tal prática começou, embora alguns estudiosos apontem que sua invenção seria mais tardia. Goméz (2009) aponta que existam diferentes lendas atribuindo a origem desse costume, porém, é preciso salientar que tapas trata-se de um aperitivo que inclui fatias de pães, ou pequenos pães, queijo, presunto, azeitonas, batata frita etc. Atualmente tal prática ainda se conserva, e os pães podem ser torrados ou não, inclusive há casos em que os pães servidos nas tapas lembrem a bruschetta dos italianos.
Exemplo de tapas contemporâneas, as quais são servidas como aperitivos na Espanha, sendo um costume. |
Entre os séculos VIII e X os persas desenvolveram o primeiro moinho de vento eficiente, para moer grãos e fabricar a essencial farinha para se fazer pão. |
Moinhos de vento em La Mancha, na Espanha. Eles ficaram famosos na literatura, pois Dom Quixote os confundiu com gigantes. |
Com a modernidade novos costumes e receitas se desenvolveram. A partir do século XVI, as cafeterias que eram comuns no mundo islâmico começaram a se difundir pela Europa, levando consigo o consumo de cafés e chás. Por sua vez, das Américas veio o cacau que se tornou o chocolate, mas também advinha grande parte do açúcar consumido pelos europeus. Inclusive o Brasil nos séculos XVI e XVII estava entre os maiores produtores de açúcar no mundo. Logo, devido a abundância desse condimento, os doces se proliferaram pelas nações europeias, incluindo pães doces. Assim surgia a confeitaria ou pastelaria europeia. (PALLANT, 2021).
O padeiro. Job Berckheyde, 1681. |
Com o açúcar o sabor mais azedo e amargo de alguns pães era amenizado, além de que os pães comuns também passaram a receber açúcar em suas receitas. Por outro lado, os pães doces que anteriormente eram feitos com leite, mel, geleias e frutas, receberam novas receitas, fazendo surgir os pães polvilhados com açúcar e os recheados com pasta de confeiteiro e outros recheios adocicados. Portugal, Espanha e França se notabilizaram pela produção de uma rica culinária de doces.
Foi a partir do século XVI com a grande produção de açúcar nas Américas, em que os pães doces a base de açúcar se popularizaram. |
Um prato com rabanadas segundo receita tradicional portuguesa. |
Outro pão doce que se tornou popular é o panetone, receita de origem italiana, de data incerta, mas já citado no século XIX, consiste num pão grande com massa adocicada, sendo tradicionalmente recheado com frutas cristalizadas. Apesar que variações hoje incluam gotas de chocolate, além de recheios como chocolate, doce de leite, entre outros. O panetone além de seu sabor, formato e textura icônicos, ele também se destaca pelo fato de que acabou sendo associado com o Natal. Por conta disso, normalmente ele é produzido nos meses de novembro e dezembro, apesar que em algumas padarias e mercados, possa se encontrar panetones em outras épocas do ano. Na Inglaterra ele se assemelha ao fruitcake.
A ideia de que foram os portugueses, espanhóis, franceses, ingleses e holandeses que introduziram o pão nas Américas é imprecisa. Realmente os europeus levaram o pão, mas sendo esse feito de trigo, cevada e centeio. Porém, distintos povos ameríndios já consumiam pães, bolos e massas feitos com outros ingredientes, o que incluía milho, batata e mandioca.
Na América Central e nos Andes do Norte, vários povos cultivavam variedades do milho (Zea mays), o principal cereal nativo das Américas. E como é possível fazer farinha de milho, essa era utilizada para preparar massas, bolos e até pães. Um exemplo disso são as tortillas, chamadas pelos astecas de tlaxcalli. O nome tortilla (tortinha) foi dado pelos espanhóis, por considerarem que esses pães redondos e achatados lembravam tortinhas. Originalmente elas eram feitas de farinha de milho, mas com a introdução do trigo, elas hoje são feitas com essa farinha também. Inclusive as tortillas são normalmente consumidas em distintos países da América Central, e usada na confecção de pratos famosos como o burrito e o taco.
Indígena mexicana preparando tortillas. |
Não se sabe quando as tortillas foram desenvolvidas, mas isso pode remontar milhares de anos, devido o milho ter sido domesticado há bastante tempo. De qualquer forma, as tortillas eram consumidas puras ou acompanhadas por molhos, carnes e legumes. Tal prática até hoje se mantém.
Seguindo para a região nortenha da Cordilheira dos Andes, a qual compreende atualmente os países da Colômbia, Equador, Peru e Bolívia, o milho também era consumido naquelas terras altas, porém, havia outro alimento nativo daquele lugar, a batata. Os povos andinos ao longo de milênios domesticaram dezenas de tipos de batata (Solanum tuberosum), alguns utilizados para preparos específicos, para serem cozidas, assadas, fazer purê, etc. Com isso eles produziam um tipo de pão parecido com a tortilla, por ser achatado também.
O pão chuta é bastante popular em Cusco, antiga capital dos incas. |
Exemplo contemporâneo de pão feito de farinha de mandioca. No entanto, por séculos essa farinha foi considerada de qualidade inferior e comida de pobre. |
Na região da Floresta Amazônica, distintos povos produziram o chamado "pão de índio". Os arqueólogos e etnólogos apontam que se tratava de uma biomassa feita de plantas, raízes e tubérculos diversos, os quais eram amassados e compactados, podendo ser cozidos ou mantidos crus, depois eram armazenadas em cestas ou potes, sendo enterrados. Em alguns casos buracos forrados com folhas, eram preparados e os pães colocados ali. A ideia de soterrá-los era para sua conservação, pois prolongava em alguns dias o produto. Isso poderia ser feito em acampamentos de caça, trilhas de viagem ou até mesmo nas aldeias e casas. (SANTOS, 2021).
A Inglaterra do século XVIII passou por alguns problemas envolvendo escassez de farinha para se fazer o pão diário, mas também envolvendo a venda adulterada de farinha de trigo, algo considerado bastante grave, pois tratava-se de um produto não apenas de péssima qualidade, mas que poderia causar problemas de saúde, e a maioria das pessoas que o consumiam era as classes baixas.
"Na década de 1750, um certo dr. Manning publicou um arrazoado declarando que o pão era adulterado, não só com alume, giz, greda branca e farinha de favas, mas também, com cal extinta e chumbo branco. Causou grande sensação a sua afirmação de que os moleiros misturavam na farinha "sacos de ossos velhos muídos": "os cemitérios dos mortos são revolvidos, para acrescentar sujeira ao alimento dos vivos", ou, como dizia outro folhetista, "a era presente [está] se banqueteando com os ossos do passado". (THOMPSON, 1998, pp. 166-167).
"Os bodes expiatórios eram os
padeiros, os moleiros, assim como os comerciantes de cereais e os
açambarcadores acusados de rarefazer artificialmente os grãos para aumentar sua
circulação e, se necessário, vendê-los mais longe com maior lucro".
(DELUMEAU, 1989, p. 173).
"No entanto, não era somente os moleiros
que praticavam esses atos de desonestidade, os próprios padeiros também
realizavam ao seu modo, suas artimanhas para burlar as Leis do Pão, e enganar
os próprios consumidores. Uma das práticas utilizadas pelos padeiros era
comprar a farinha fina, a qual era de melhor qualidade e mais cara, e fabricar
seus pães para vende-los. Sendo assim, restava aos mercados a farinha grossa,
que era de menor qualidade e mais barata. Neste caso, muitos diziam que o pão
feito desta farinha causava náuseas, diarreia, cólicas, e possuía um gosto
ruim. Isso forçava as pessoas a desistirem de fazer o "pão caseiro" e
irem comprar nas padarias. E no entanto nem sempre o pão das padarias era de
boa qualidade devido a origem de sua farinha". (VILAR, 2010).
"A maioria dos londrinos suspeitava que todos os envolvidos na produção e comércio dos grãos, da farinha e do pão praticavam todo tipo de extorsão". (THOMPSON, 1998, p. 166).
Mesmo com as medidas do governo através das Leis dos Pobres (1601) para regulamentar o preço do pão de forma que não ficasse tão caro a ponto de gerar revoltas populares, ainda assim, a lei costumava ser burlada, e revoltas ocorriam, incluindo brigas, atos de vandalismo e saques.
"Em tempos de preços altos, mais da metade do orçamento semanal da família de um trabalhador poderia ser gasto em pão". (THOMPSON, 1998, p. 155).
Em diferentes épocas da história ocorreram revoltas devido a fome ou o aumento dos preços envolvendo os alimentos. No caso do pão, isso não foi diferente. Para este estudo citei três casos. O primeiro ocorreu em 1789 antes do início da Revolução Francesa (1789-1799). Naquele ano os ânimos da sociedade estavam exaltados: a fome assolava parte da França, a burguesia ansiava por uma república, o povo estava revoltado com o luxo da corte, Luís XVI estava com a popularidade em baixa.
Entre 1787 e 1789, invernos rigorosos, escassez de chuva e péssimas colheitas afetaram a produção de alimentos, os encarecendo, logo, os pobres sempre são os primeiros a sofrer com o aumentos do preço da comida.
"Os agricultores não podiam obter cereais em quantidade suficiente para alimentar grande número de animais e não tinham gado bastante para produzir o adubo capaz de fertilizar os campos e aumentar a colheita". (DARNTON, 1986, p. 42).
"Para a maioria dos camponeses, a
vida na aldeia era uma luta pela sobrevivência, e sobrevivência significava
manter-se acima da linha que separava os pobres dos indigentes. [...]. Assim,
uma sucessão de más colheitas podia polarizar a aldeia, levando as famílias
marginais à indigências, enquanto os ricos ficavam mais ricos". (DARNTON,
1986, p. 45).
Durante as semanas que antecederam o 14 de julho de 1789, data que marcou a Queda da Bastilha (prisão política) em Paris, servindo de marco para o início da revolução, a situação na capital francesa e em outras cidades e vilas era problemática. As autoridades relataram ataques à mercearias, padarias e depósitos, em que multidões revoltadas iam roubar comida, farinha e pães. Tais ataques se estenderam pelos meses seguintes, pois toda a situação política do país estavam num grande impasse. (PALLANT, 2021, p. 106-107).
Ilustração mostra a população francesa saqueando sacas de farinha. |
A invenção do sanduíche
O consumo de pão com o recheio de carne, queijo, presunto, embutidos, legumes, etc. é bastante antigo e se perde no tempo. Porém, foi no século XVIII que surgiu na Inglaterra, a palavra sandwich para se nomear um alimento feito com duas fatias de pão, recheadas com salame. O termo surgiu em 1762 de forma engraçada, envolvendo o nobre John Montagu (1718-1792), conhecido como o 4th Conde de Sandwich, o qual foi um viajante, tendo visitado vários países, além de ter ganho títulos honoríficos na Marinha Britânica.
Montagu também era homem influente na elite inglesa, e conhecido por ser um jogador de cartas viciado, fato esse que um de seus amigos apelidou os lanches que ele consumia, com o nome de sandwich, pois para Montagu não perder tempo se alimentando, ele preferia comer sanduíches de salame, queijo e carne. O termo que surgiu de uma brincadeira, foi citado pelo historiador Edward Gibbons (1737-1794) em 1762, mencionou esse nome num jornal da época, todavia, somente no século XIX, a palavra sanduíche passou a ser usada corriqueiramente para se referir ao que conhecemos hoje.
A partir de uma brincadeira o nome do Conde de Sandwich passou a nomear a refeição sanduíche. |
O termo sandwich inclusive é usado para se referir de forma genérica a uma diversidade de alimentos feitos com duas fatias de pão. Fato esse que o queijo quente, misto quente, hambúrguer, cachorro-quente, americano, bauru, panini, etc. todos são sanduíches, embora recebam nomes específicos em alguns casos.
O pão no Japão: um caso curioso
Pode parecer surpreendente, mas o consumo regular de pão no Japão é algo que começou no século XIX. Embora que o primeiro contato que os japoneses tiveram com o pão foi no XVI, com os portugueses. Antes disso, a culinária nipônica desconhecia o pão, sendo focada principalmente no consumo de arroz, hortaliças, pescado e carnes. Mesmo o macarrão não era tão consumido assim no país, devido a falta de trigo. Até mesmo o pão chinês baozi, não era consumido também, embora hoje seja encontrado no país.
Os primeiros europeus que se tem notícia no Japão, foram os portugueses, os quais visitaram a ilha de Tanegashima em 1543, a partir de uma viagem num junco chinês saído de Macau, colônia portuguesa na China. No entanto, os portugueses só passaram a frequentar o Japão mais regularmente na década de 1550, após a missão evangelista de Francisco Xavier, ocorrida entre 1549 e 1552, que deu início a cristianização do sul do país. Por conta disso, nos sessenta anos seguintes, portugueses, espanhóis, franceses, italianos, ingleses e holandeses passaram a frequentar o Japão. Com isso, eles levaram o pão. (YAMASHIRO, 1978).
Todavia, o pão foi inicialmente introduzido pelos portugueses, fato esse que a palavra japonesa para pão é pan. Esse era produzido com farinha de trigo à moda portuguesa, sendo uma iguaria, já que trigo não era produzido no país. Entretanto, com a expulsão dos europeus decretada em 1639, com o Édito de Isolamento do País, toda a influência europeia - exceto a dos holandeses, que ainda foram tolerados por mais alguns anos - deveria ser extirpada, incluindo o cristianismo, roupas, costumes, cultura, etc. (YAMASHIRO, 1978).
Por conta disso, a importação de trigo encerrou-se, e o pão deixou de ser feito. Embora não se sabe se os japoneses o fizessem com arroz, mas isso era feito as escondidas, pois o pão era considerado costume europeu, sendo proibido. E no caso, a censura japonesa do governo Tokugawa, foi bem severa nesse quesito de combater a influência europeia.
Sendo assim, foi durante a Restauração Meiji (1868-1889) que o pão voltou a ser reintroduzido na cultura japonesa. E desde então o alimento tornou-se algo comum na culinária nipônica, havendo diversos tipos de pães, alguns bem peculiares, que somente existem naquele país, como o anpan, um pão doce, recheado com doce de feijão vermelho (anko), alimento bastante popular no Japão. O anpan teria sido desenvolvido em 1875 por um ex-samurai chamado Yasubei Kimura, que decidiu investir numa padaria, mas passou a fazer pães segundo o gosto japonês, já que o padrão anteriormente era o britânico ou americano.
O anpan é um tradicional pão japonês recheado com doce de feijão vermelho (anko). |
Alguns tipos de pães japoneses hoje em dia. |
A industrialização do pão
Até o século XIX o pão era ainda feito de forma artesanal ou manufatureira, ambas as práticas ainda hoje são feitas, na maioria das padarias, porém, com o advento da Revolução Industrial, surgiu a indústria alimentícia de massas, pães, bolos e biscoitos. E essa foi impulsionada com a invenção do moedor de cilindro, que facilitava a moagem dos grãos para se fazer farinha. Além disso, soma-se a criação de fornos industriais a carvão, a vapor e elétricos, os quais maximizaram o cozimento dos pães em escala industrial. Se antes um forno de uma padaria produzia dezenas de pães por hora, um forno industrial poderia produzir centenas ou milhares de pães. (PALLANT, 2021, p. 157).
Uma fábrica de pão no século XIX. |
Um dos pães que se popularizaram no começo do século XX, graças a industrialização foi o pão de forma ou pão de caixa, surgido na Escócia, ele se espalhou pela Inglaterra e se popularizou nos Estados Unidos. Graças ao pão de forma, sanduíches de pasta de amendoim com geleia, queijo quente e misto quente, se tornaram rotineiros no cardápio dos estadunidenses.
Graças a industrialização que criou o pão de forma, o sanduíche de pasta de amendoim com geleia se tornou o sanduíche mais apreciado pelos estadunidenses. |
A industrialização alimentícia e a culinária estadunidense, ajudaram a popularizar a cultura alimentar do fast food. |
- Alemanha: currywurst, fischbrötchen, bratwurst.
- Angola: xandula, magoga.
- Arábia Saudita: falafel.
- Argentina: choripán.
- Brasil: queijo quente, misto quente, sanduíche de mortadela, cachorro quente, hambúrguer, bauru, beirute, americano.
- Chile: chacarero, cachorro quente.
- China: bun, bao.
- Cuba: medianoche.
- Espanha: bocadillos, lanche, montado.
- Estados Unidos: hambúrguer, hot dog, peanut butter and jelly sandwich, BLT, meatball sandwich, submarine sandwich, tuna melt.
- França: croque monsieur, croque madame, roulé, clube laudureé.
- Índia: vada pav.
- Inglaterra: sandwich, toastie, tuna melt, panini, bacon butty, egg mayonese
- Itália: caprese, panini, muffuletta, porchetta, ciabatta.
- Japão: yakisoba pan, hambúrguer, katu-sando, soseji pan, korokke.
- México: cemita
- Moçambique: badijas
- Portugal: sandes, bifana, francesinha, prego, buraco quente.
- Rússia: buterbrod, reuben
- Uruguai: chivitos, hambúrguer, cachorro quente.
NOTA 2: Os romanos foram grandes apreciadores de pão, inclusive as línguas neolatinas herdaram da palavra pane, os termos pão (português), pan (espanhol e japonês), pane (italiano), pain (francês), pâine (romeno), entre outros.
NOTA 3: A mandioca pode ser chamada de mandioca-brava, mandioca-amarga, maniva, uiapi, etc. Devido a sua aparência ela é confundida com a macaxeira, a qual também é chamada de mandioquinha, aipim, mandioca-doce, mandioca-mansa etc., e também é confundida com o inhame.
NOTA 4: A famosa frase "que comam brioche", atribuída a rainha francesa Maria Antonieta (1755-1793), a qual teria dito em resposta as petições públicas contra a fome e o aumento do preço dos alimentos, é um erro histórico. Antonieta nunca disse isso. A frase seria uma anedota criada por Jean-Jacques Rousseau em seu livro Confissões (1782). Na época da rainha, o brioche era um pão refinado, sendo consumido apenas pelos ricos. Logo, o tom da frase é de escárnio, pois se as pessoas não teria dinheiro para comprar pão comum, o que dizer de brioches? Além disso, suspeita-se que a frase tenha sido uma sátira a rainha Maria Teresa (r. 1660-1683), segunda esposa de Luís XIV.
NOTA 5: No Brasil os tipos de pães mais populares são: o pão francês (carioquinha, cassetinho, pão de sal, etc.), o pão doce, o sonho, o pão de queijo e o pão sovado.
NOTA 6: O pão de ló apesar desse nome, na verdade ele é um tipo de bolo.
Referências bibliográficas:
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SOLIMAN, Nayera Abdelrahman. Remembering the 1977 Bread Riots in Suez: Fragments and Ghost of Resistance. International Review of Social History, v. 66, n. 29, 2021, p. 23-40.
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YAMASHIRO, José. Japão: passado e presente. São Paulo: HUCITEC, 1978.
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