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Leandro Vilar

sábado, 18 de novembro de 2023

Uma história da literatura de fantasia

A literatura de fantasia é um dos maiores gêneros literários da atualidade, repercutindo em longas séries ou livros volumosos, os quais criarem esplendidos mundos ou universos fantásticos. O presente texto comenta alguns aspectos da história desse gênero literário, apresentando seu conceito, vários exemplos e subgêneros. 

Introdução

Se considerarmos que uma narrativa de fantasia é aquela que contenha monstros, magia e sobrenatural, então hoje em dia muitas histórias em quadrinhos, seriados, desenhos, filmes e jogos de videogame são obras de fantasia, pois possuem uma ou essas três prerrogativas. 

Por sua vez, se levarmos essas características básicas de forma strictu sensu, significa também que narrativas oriundas de mitos, lendas, contos de fadas, folclore e canções populares também seriam fantásticas por abordarem monstros, heróis, magia, deuses e outros seres. Sendo assim, o gênero fantástico existiria já há milhares de anos, tendo como exemplos a Epopeia de Gilgamesh, a Ilíada, a Odisseia, a Eneida, o Mahabaratha, o Ramayana, somente para citar alguns casos. Neste sentido, o gênero de fantasia se confundiria com a poesia épica (ou epopeia), a qual conota os exemplos dados acima. 

E adentrando o período medieval as obras de fantasia ainda continuaram a surgir como a Edda Poética, a Edda em Prosa, as sagas islandesas, a Divina Comédia, as gestas de cavalaria, as crônicas das lendas arturianas, o Shahnameh dos persas, o Mabinogion dos galeses; mais tarde no período moderno tivemos a compilação dos contos de fadas europeus, a Viagem para o Oeste dos chineses, o Popol Vuh dos maias, Os Lusíadas (1582), Paraíso Perdido (1667), As Mil e Uma Noites (1707). Todas essas obras citadas poderiam ser consideradas do gênero fantástico caso tomemos conceito mais reducionista da coisa, porém, como diferencia essa produção pré-contemporânea da produção contemporânea?

Antes de conceituar o gênero fantasia é preciso distinguir duas palavras: fantasia e fantástico. Neste caso, outros gêneros literários podem possuir elementos fantásticos (magia, monstros, divindades, sobrenatural). Dessa forma, os mitos, lendas, contos de fadas e o folclore possuem elementos fantásticos, mas não seriam definidos como obras de fantasia no sentido de gênero literário, pois se tratam de uma forma de escrita e linguajar próprios. (CLUTE; GRANT, 1997, p. 335). 

O Romantismo e a origem da literatura de fantasia

A literatura de fantasia começou a surgir no século XIX com influência do Romantismo, que resgatou aspectos do medievalismo, das mitologias europeias e do folclore para criar pinturas, esculturas, romances, contos, poemas, peças de teatro, óperas e músicas. Dessa forma, temos a construção de um texto para abordar temas diversos como amor, vingança, amizade, aventura, redenção, viagem, drama, tragédia, suspense, mistério etc., contendo elementos fantásticos em sua trama. Sendo assim, se os mitos e lendas possuem seu estilo de linguagem, o romance de fantasia também possui suas características literárias. (CLUTE; GRANT, 1997, p. 338). 

Brian Stableford (1983) assinala que uma das primeiras obras de fantasia no sentido de gênero literário foi o romance Undine (1811) do escritor Friedrich de la Motte Fouqué (1777-1843), que escreveu a história da paixão de uma ondina (um tipo de espírito aquático) por um humano. A obra fez rápido sucesso, até virou ópera em 1816, todavia, os estudiosos de literatura contestam se esse livro pode ser considerado um representante do gênero fantasia, pois Fouqué se inspirou na escrita e linguagem de contos de fadas para escrever Undine

Entretanto, Penrith Goff (1985, p. 111-121) defendia que desclassificar um romance de fantasia dos idos do XIX só porque ele era baseado nos contos de fadas seria um erro, pois os escritores românticos foram buscar nessas fontes da tradição popular inspiração para suas primeiras obras de fantasia, depois foram recorrer a mitologia, lendas e o folclore. Sendo assim, para Goff, a literatura de fantasia teria nascido com base nos contos de fadas. Dessa forma, ele cita outros exemplos literários como The Golden Pot: A Modern Fairy Tale (1814) e O Quebra-Nozes e o Rei Rato (1816), ambos escritos pelo escritor e compositor prussiano Ernest Theodor Amadeus Hoffmann (1776-1822). 

Vale ressalvar que nessa época o escritor, poeta e tradutor Ludwig Tieck (1773-1853) fundou uma revista literária intitulada Phantasus (1812-1817) na qual se publicava contos fantásticos, a maioria baseados nos contos de fadas. O interessante dessa revista era seu título também, pois remetia a palavra fantasia que é de origem grega estando associada com Fântaso, um dos deuses dos sonhos, responsável por fazer termos sonhos surreais e fantásticos. (HAASE, 1985, p. 89-90). 

Edição de 2018 do volume 1 de Phantasus de Ludwig Tieck, originalmente publicado em 1812. 

O próprio termo fantasia foi empregado em outras obras também como o romance Phantasmion (1837) da escritora Sara Coleridge e Phantastes (1858) do escritor George MacDonald, apenas para citar alguns exemplos, pois existem outros, o que conota como os autores daquele século já estavam ciente do emprego dessa palavra para se referir a um gênero literário em desenvolvimento. 

Por conta disso, a palavra fantasia que era de origem grega, passou para o latim e outros idiomas europeus, significando algo imaginário, surreal, maravilhoso, surpreendente, onírico, estranho, mágico, entre outros adjetivos. A palavra fantasia também passou a ser usada para comentar sobre sonhos e desejos (como o fetichismo sexual), e até a designar trajes e outras coisas. (CLUTE; GRANT, 1997, p. 338-339). De qualquer forma, Tieck usou a palavra phantasus para remeter a essa percepção do fantástico. 

Assim, o gênero fantasia havia surgido no XIX e foi se desenvolvendo pelo restante do século, havendo uma profusão de obras produzidas pela Europa, destacando isso. Inicialmente até a década de 1840, a influência dos contos de fadas era bem nítida, depois ela começou a decair e passou a crescer elementos folclóricos e de mitologia germânica, celta, nórdica, eslava e grega. O uso de monstros também foi se tornando mais comum, surgindo até algumas narrativas sombrias. 

A fantasia no século XX

No século XX, mais especificamente entre as décadas de 1900 e 1940 nos Estados Unidos, o gênero fantasia vivenciou suas primeiras mudanças mais drásticas. Foi nesse período que se popularizou as pulp fiction, revistas de papel barato que publicavam semanalmente ou mensalmente contos, alguns até contendo ilustrações. Eram periódicos que publicavam narrativas de aventura, mistério, investigação, ficção científica, fantasia, romance, terror, erotismo etc. (STABLEFORD, 2005). 

Algumas revistas que se popularizaram nessa época foram: The Popular Magazine, Adventure, Blue Book Magazine, Amazing Stories, Marvel Tales, Planet Stories, Unknown etc. Mas uma das revistas que teve um forte destaque para reinventar o gênero fantasia foi a Weird Tales, lançada em 1923 e que completou cem anos de atividade. Essa revista ficou conhecida por publicar histórias de fantasia, aventura, ficção científica e terror, sendo um grande sucesso nas décadas de 1930 e 1940. 

Capa da primeira edição da Weird Tales, em 1923. 

No caso das histórias de fantasia, observou-se nas décadas de 1920 a 1940 a tendência de apresentar narrativas com pegada adulta, contendo violência, mistério, magia e erotismo. Inclusive a parte erótica era marcante nas capas e ilustrações dessas revistas. Foi na Weird Tales que surgiu Conan, o Bárbaro (1932), que se tornou um ícone de uma nova forma de escrever fantasia no século XX. 

O sucesso das pulp fiction durante a Grande Depressão (1929-1939), contribuiu para impulsionar o mercado de histórias em quadrinhos, o qual por sua vez, alavancou o gênero de fantasia com as histórias de super-heróis. Por sua vez, na década de 1950 uma nova leva de livros de fantasia começaram a serem publicados como O Senhor dos Anéis e as Crônicas de Nárnia, duas obras que tiveram um grande peso no desenvolvimento da literatura de fantasia para fora das revistas e quadrinhos, além de influenciar a origem do subgênero alta fantasia, que marcou o surgimento de algumas séries literárias nas décadas seguintes. 

Por sua vez, nos anos 1990 e 2000, observou-se o aumento de livros de fantasia voltados para o público infanto-juvenil, graças a popularidade de obras como Harry Potter e Percy Jackson, condição essa, que hoje o mercado de literatura fantástica para jovens entre seus 10 a 25 anos é bem produtivo, havendo um aumento de novos escritores na área, embora nem sempre consigam destaque nesse nicho. 

Os Fantasmas do Natal

Em 1843 o escritor Charles Dickens (1812-1870) então escreveu em um mês um pequeno romance natalino intitulado Um Conto de Natal (A Christmas Carol), uma narrativa juvenil-adulta de fantasia. A trama se passa em Londres no século XIX, num ano indefinido, mas a história ocorre principalmente durante as vésperas do Natal, quando o banqueiro avarento Ebenezer Scrooge é visitado tarde da noite pelo fantasma de seu falecido sócio Marley, o qual diz que três fantasmas iriam visitá-lo em breve, pois eles tinham duras lições a ensinar para Scrooge.

Ilustração da primeira edição do livro, mostrando Scrooge recebendo a visita do fantasma de seu sócio, Marley na noite de véspera de Natal. 

Cada fantasma que aparece apresenta o Natal para Scrooge em diferentes épocas: passado, presente e futuro, o que significa que além da presença fantástica de fantasmas, a obra conta com viagem no tempo, conceito até pouco utilizado em produções fantásticas na época. Embora o livro hoje seja visto como uma obra de fantasia, na época que ele foi publicado, Dickens se referia a ele como um livro de histórias de fantasmas (veja a nota 1 no final da postagem), apesar que não fosse uma obra de terror, mas um drama natalino com uma moral no final. 

O País das Maravilhas

Em 1865 o escritor, matemático e reverendo Charles Lutwidge Dodgson (1832-1898) o livro infantil As Aventuras de Alice no País das Maravilhas, assinando a obra com o pseudônimo de Lewis Carroll. O livro mescla os gêneros aventura, fantasia e nonsense de forma brilhante, sendo até inusitado para a época, em que a fantasia juvenil não era tão estranha assim, dessa forma, o livro de Carroll que contava a história da jovem Alice que após seguir um coelho branco e entrar em sua toca, foi parar num misterioso e fantástico País das Maravilhas, com animais falantes e outros seres estranhos. 

Ilustração mostrando Alice participando da hora do chá promovido pelo Chapeleiro Maluco. 

O livro fez sucesso em pouco tempo, tendo recebido novas tiragens, embora que somente em 1871 Carroll publicou uma continuação intitulada Alice no Outro Lado do Espelho, em que apresenta Alice se aventurando por outro país fantástico. Mais tarde Carroll cogitou lançar um terceiro livro, até fez o esboço dele, mas desistiu da ideia. De qualquer forma, ambos os livros se tornaram bem populares no século XIX e ainda hoje influenciam escritores e outros artistas. O primeiro livro que é o mais famoso, ganhou adaptações para o teatro, a rádio, o cinema, a televisão e os videogames. 

Mundos perdidos

A literatura de mundo perdido surgiu como subgênero da literatura de aventura, tendo o livro As minas do Rei Salomão (1885) de Herny Rider Haggard (1856-1925) considerado por alguns como a origem desse subgênero, o qual apresentava a jornada de caçadores de tesouros no sul da África, liderados por Allan Quatermain, os quais seguiam as pistas de um aventureiro que sumiu, mas que teria supostamente descoberto o paradeiro das minas do Rei Salomão. Nessa narrativa não temos elementos fantásticos nítidos, exceto que a trama abordava uma lenda, pois nunca se descobriu onde ficariam as tais minas salomônicas. 

Todavia, Haggard em sua obra seguinte intitulada She: A History of Adventure (1887) acrescentou elementos fantásticos e mágicos a esse subgênero, tornando-o hibrido. Neste segundo livro acompanhamos a expedição do professor Horace Holly, seu discípulo Leo Vencey e o criado Job, os quais procuram pistas sobre uma civilização misteriosa perdida na África. Finalmente os três chegam ao Reino de Kôr, onde vive o povo negro chamado Amahagger (descrito como sendo primitivos e canibais, algo típico do racismo científico da época), porém, eles eram governados por uma bela feiticeira branca chamada Ayesha (referida pelos aventureiros como Ela), que supostamente era imortal, tendo usado magia para viver por séculos. Observa-se nessa narrativa claramente o emprego já de elementos fantásticos como a magia. 

Ilustração de 1887 mostrando a feiticeira Ayesha manipulando o Fogo da Vida, enquanto Horace, Leo e Job estão subjugados diante de seu poder. 

Haggard ainda voltaria a escrever sobre sua feiticeira em Ayesha: The Return of She (1905). Além disso, ele escreveu outras obras neste subgênero, intercalando entre narrativas de aventura com ou sem fantasia. De qualquer forma, nas últimas décadas do XIX a literatura de mundo perdido começou a se tornar popular, embora fossem obras principalmente voltadas para o gênero aventura do que o fantástico. 

No começo do XX o subgênero mundo perdido ganhou uma leva de publicações, algumas com caraterísticas de fantasia como O Mundo Perdido (1912) de Arthur Conan Doyle, que apresenta uma expedição científica a um misterioso platô na Amazônia brasileira. Neste local viveriam dinossauros, homens das cavernas e até homens-macacos. O interessante desse livro é que ele combina aspectos de aventura, fantasia e ficção científica, pois troca os monstros pelos dinossauros. O livro se tornou popular, rendendo filmes, quadrinhos e seriados. 

Inspirado no livro de Doyle, o escritor Edgar Rice Burroughs decidiu escrever algo similar. Burroughs já era conhecido por seus romances de espada e planeta com a série Barsoom sobre John Carter e as aventuras de Tarzan, mas influenciado sobre a temática de mundos perdidos e dinossauros ele escreveu o livro The Land that Time Forgot (1916), que aborda a aventura de sobreviventes num submarino alemão que vão parar num mundo perdido situado na Antártida, habitado por dinossauros e outros animais pré-históricos. A história se tornou popular e rendeu uma trilogia, sendo publicada em partes em algumas pulp fiction. Novamente os monstros eram substituídos por dinossauros, os quais estavam em moda. 

Capa de uma edição de 1924 compilando a trilogia. 

Burroughs até voltou a abordar sobre mundos perdidos em sua franquia de maior sucesso, Tarzan, embora em algumas narrativas o fantástico não era visto, tratando-se mais de aventuras em que Tarzan visitava cidades perdidas na África, tendo que confrontar povos selvagens. 

O escritor e editor Abraham Merritt (1884-1943) se popularizou na literatura de mundos perdidos no século XX, sendo hoje considerado uma referência neste subgênero, especialmente com o viés da fantasia. Merritt ganhou destaque com sua trilogia The Moon Pool (1918), The Conquest of Moon Pool (1919) e The Metal Monster (1920), as quais acompanham as aventuras do cientista Dr. Goodwin, protagonista das três aventuras. Embora que o terceiro romance não tenha uma conexão com os outros dois.

Em The Moon Pool e The Conquest of Moon Pool, Dr. Goodwin e sua equipe descobrem uma civilização perdida vivendo na Terra oca, a qual detém conhecimento avançado sendo encarado como algo mágico, além de construírem autômatos também. Por sua vez, em The Metal Monster, Goodwin no Himalaia se depara com o misterioso reino do Imperador de Metal, que possuí uma estátua metálica que solta raios. Com o sucesso dessas obras, Merritt se consolidou como um escritor de fantasia, tendo passado o restante da vida escrevendo romances, novelas e contos.

Capa de 7 de agosto da revista Argosy, destacando o romance fantástico The Metal Monster, serializado nesse periódico. 

O subgênero mundo perdido continuou a crescer bastante até a década de 1940, quando entrou em declínio, no entanto, permitiu a publicação de centenas de narrativas sobre aventura, fantasia e ficção científica. Inclusive ele influenciou as histórias em quadrinhos, em que algumas deram continuidade a esse subgênero, mantendo vivo até hoje, apesar que fora dos quadrinhos e desenhos, ele tenha quase desaparecido. 

O menino de madeira

Em 1881 o escritor italiano Carlo Collodi (1826-1890) criou seu personagem mais famoso, uma marionete de madeira chamado Pinóquio, esculpido pelo velho Gepetto. Graças a magia de uma fada de cabelos azuis, o boneco de madeira ganhou vida, tornando-se uma criança tagarela, travessa e até mentirosa, por isso seu nariz crescia quando ele mentia. 

Ilustração original para a primeira edição de Pinóquio.

Por conta de ser um menino desobediente e travesso, Pinóquio acaba se metendo em confusões e foge de casa, sendo enganado por oportunistas como animais falantes, funcionários de um circo e ladrões, iniciando a jornada de Gepetto para reaver o filho, o qual aprenderá algumas lições durante suas atribulações. Pinóquio se tornou tão famoso que foi adaptado para desenhos, quadrinhos, filmes e jogos até hoje. 

O Mágico de Oz

O escritor L. Frank Baum (1856-1919) em 1891 ao se tornar jornalista e redator em Chicago, Baum passou a escrever contos infantis para os jornais e revistas, gostando da temática. Nove anos depois ele decidiu publicar uma história original, já que normalmente trabalhava na adaptação de contos de fadas e histórias infantis antigas, então ele publicou O Mágico de Oz (1900), que narrava a aventura inesperada de uma menina chamada Dorothy Gale e seu cachorro Totó, os quais viviam no Kansas, até que eles foram sugados por um tornado e ao despertarem, eles se encontravam na mágica Terra de Oz, um país habitado por bruxas, animais falantes e outros seres estranhos. 

Em Oz, Dorothy e Totó decidem procurar uma forma de retornar para casa, então ela fica sabendo que na Cidade Esmeralda viveria um poderoso mágico que poderia ajudá-la. No caminho para essa encantada cidade, Dorothy e Totó fazem importantes amizades com um espantalho, um homem de lata e um leão medroso, enquanto seguem pela estrada de tijolos amarelos. 

Ilustração de W. W. Denslow para a primeira edição do livro, mostrando Dorothy, Totó e os demais personagens principais. 

A obra de Braum fez rápido sucesso a ponto de que o público lhe escrevia cartas pedindo continuações dessa fantasia juvenil. Entusiasmado com aquilo, Braum passou o restante da vida publicando outras histórias na Terra de Oz, com direito a introduzir novos personagens. A série de Oz rendeu quatorze livro e alguns contos, todos escritos por L. Frank Baum. Após sua morte em 1919, a franquia continuou a ser produzida por outros escritores, por mais de cem anos, tornando-a série de fantasia juvenil mais longeva. 

A fada da areia

Certo dia, cinco crianças chamadas Cyril, Anthea, Robert, Jane e Lamb, se deparam com uma misteriosa criatura que vive no jardim da nova casa deles. O pequeno ser mágico se chama Psammead e diz ser uma fada da areia, podendo realizar desejos, assim tem início ao livro Five Children and It (1902) da escritora britânica Edith Nesbit (1858-1924). Psammead acaba enganando os irmãos iniciando assim um problema entre eles de como conseguir escapar da armadilha daquele traiçoeiro fada de areia. 

Uma edição de Five Children and It, destacando Psammead, a fada da areia. 

Com a popularidade desse livro, Nesbit decidiu escrever uma continuação que foi intitulada The Phoenix and the Carpet (1904), nesta segunda história que se tornou o livro mais popular da série, os irmãos ganham um tapete velho de presente, no qual descobrem um misterioso ovo que se choca e revela ser de uma fênix falante. A ave diz que aquele tapete era mágico também, podendo voar, então os irmãos partem para a ajudar a fênix a encontrar um tesouro. Eventualmente o grupo acaba se metendo em problemas e tem que pedir a ajuda de Psammead. 

Capa de uma edição em áudio-livro. 

No entanto, as aventuras dos cinco irmãos não chegaram ao fim, Nesbit lançou o terceiro e último livro, intitulado The Story of Amulet (1906), em cuja obra a autora aumentou o tom fantástico. Nessa narrativa Cyril, Anthea, Robert e Jane estão hospedados na casa de uma babá, pois seus pais estão em viagem, e Lamb foi com a mãe. Ali os irmãos conhecem um egiptólogo de nome Jimmy, que estuda um misterioso amuleto. Eventualmente os irmãos se deparam com Psammead, que estava preso e o libertam. A fada de areia em retribuição decide ajudá-los a procurar pelo amuleto, e eles acabam viajando para o passado, iniciando a jornada para tentar voltar para o futuro. 

A trilogia de Nesbit originou quadrinhos, livros de colorir, peças de teatro, filmes, desenhos e até continuações por outros autores. 

A Terra do Nunca

O escritor e dramaturgo James Matthew Barrie (1860-1937) no começo do século XX escreveu algumas peças juvenis-adultas como Little White Bird (1902), Boy Who Wouldn't Grow Up (1904) e Peter Pan in Kensington Gardens (1906). Foi na primeira peça que ele criou o seu personagem mais famoso, uma garoto que não queria envelhecer e era chamado de Peter Pan. Entretanto, levou alguns anos para Barrie decidir aprofundar e expandir a história desse menino travesso, e assim surgiu o livro Peter Pan & Wendy (1911), em que finalmente fomos apresentados a uma ilha misteriosa chamada Terra do Nunca (Neverland). 

Ilustração de 1915 de uma edição de Peter Pan & Wendy. 

Neste livro somos apresentados ao jovem, travesso, arrogante e teimoso Peter Pan e sua fada Sininho, os quais viajaram até Londres, pois Peter perdeu sua sombra. Ao entrar na casa dos Darling para recuperá-la, ele acorda os filhos do casal, chamados Wendy, João e Miguel. Peter convence os irmãos a viajarem com ele até à Terra do Nunca, então ele voam para lá, um país habitado por piratas, indígenas, sereias, fadas e os Garotos Perdidos, meninos que nunca deixavam de serem crianças. 

Apesar da trama simples, a qual mistura elementos do gênero aventura e fantasia juvenil, Peter Pan se tornou o maior sucesso da vida de J. M. Barrie, mesmo ele tendo escrito mais de trinta livros e peças, ainda assim, ele ficou marcado por apenas essa história. Por sua vez, Peter Pan originou filmes, desenhos e jogos, e até levou a criação do Complexo de Peter Pan, uma síndrome na qual as pessoas se recusavam a reconhecer sua vida adulta. 

O Sítio do Picapau Amarelo

Concebido pelo escritor brasileiro Monteiro Lobato (1882-1948), trata-se de sua obra mais famosa e a série brasileira de literatura infantil fantástica mais conhecida no país, rendendo mais de vinte livros. A ideia inicial surgiu no conto A Menina do Narizinho Arrebitado (1920), que contava a história de uma travessa menina chamada Lúcia, mais conhecida por seu apelido de Narizinho, a qual vivia no encantado Sítio do Picapau Amarelo com sua avó Benta, seu primo Pedrinho, a cozinheira chamada tia Anastácia, a boneca falante Emília, o porco falante Marquês de Rabicó, o erudito Visconde de Sabugosa, entre outros personagens. Como Lobato gostava de ler sobre folclore, várias ideias desse foram sendo acrescentadas a série do Sítio do Picapau Amarelo como a condição de termos o Saci-pererê como um personagem e a Cuca como vilã. Além disso, o livro traz animais falantes, seres fantásticos e acontecimentos mágicos. 

Capa da primeira edição da obra. 

A trama dos livros mescla a aventura e a fantasia, geralmente acompanhando Narizinho, seu primo Pedrinho e a boneca de pano falante de nome Emília. No caso, foi a partir do livro Reinações de Narizinho (1931) que a série foi estabelecida, ganhando novas histórias anualmente. Além das referências ao folclore, Lobato também colocou referências históricas como a visita do holandês Hans Staden que esteve no Brasil no século XVI, realizou um crossover com Peter Pan, Dom Quixote e até com personagens da mitologia grega como o Minotauro e Hércules

Por se tratar de uma obra fantástica, os personagens do sítio conseguiam viajar para outras épocas e lugares, incluindo o Reino das Águas Claras e até uma rápida viagem ao Céu. Mas além dessas referências folclóricas, literárias e mitológicas, Lobato também publicou narrativas com teor educacional, escrevendo livros que abordavam temas sobre gramática, matemática, geografia e geologia.

Solomon Kane, o justiceiro

O escritor e poeta Robert Ervin Howard (1906-1936) se notabilizou no gênero fantasia e de faroeste, ele escreveu para várias pulp fiction nos anos 1920 e 1930. Seu primeiro personagem de fantasia famoso foi concebido ainda na adolescência, embora somente suas histórias vieram a ser publicadas anos depois com o conto Red Nails (1928), que saiu na Weird Tales, revista que Robert manteve parceria até o fim da vida. 

Ilustração de Solomon Kane

Dessa forma em Red Nails surgia o protótipo do caçador de monstros e bandidos, que usava espadas, pistolas e até magia para combater as forças do mal, esse era Solomon Kane, um colono inglês das Treze Colônias, revoltado com o mundo, que decidiu usar suas habilidades de combate para fazer justiça com as próprias mãos. Kane era descrito como um homem alto, pálido, de cabelos pretos longos, olhos azuis, puritano e temperamento frio que agia entre os séculos XVI e XVII. 

Howard escreveu as histórias de Solomon Kane de 1928 a 1932, publicando-as na Weird Tales, cujas aventuras levavam o caçador de monstros através da América do Norte, Europa e África. Tais histórias lhe concederam fama. Ele depois acabou deixando de lado o personagem focando nas narrativas de seus bárbaros: Kull e Conan. As narrativas de Kane foram mais tarde incluídas no subgênero de espada e feitiçaria, inspirando outros caçadores de monstros como John Constantine

A era dos bárbaros

Com a popularidade do trabalho de Robert E. Howard através de suas publicações com Solomon Kane, ele decidiu investir no gênero fantasia, assim surgiu o bárbaro Kull, o Atlante, no conto The Shadow Kingdom (1929), que narrava a jornada de um bravo guerreiro, pirata, bárbaro, escravo e gladiador que mais tarde se tornou um rei. Kull era um atlante que foi ainda bebê exilado de sua terra natal, vindo a morar em Thuria. Sua trajetória de vida foi bastante difícil e marcada por muitas batalhas e façanhas num mundo antigo violento e assombrado por monstros e magia (normalmente a magia era representada como algo perigoso e maligno nessas histórias). Tais façanhas lhe renderam a alcunha de Kull, o Conquistador

Kull, o Conquistador, o primeiro bárbaro criado por Robert. E. Howard.

Howard ainda lançou mais três histórias sobre Kull na Weird Tales, mas as narrativas não causaram o sucesso esperado, condição essa que ele engavetou as demais narrativas, as quais somente foram publicadas após sua morte. Entretanto, em 1932, ele decidiu apresentar uma versão diferente desse personagem e assim surgiu Conan, o Cimério

Vários dos conceitos de Kull e seu universo situado numa Pré-história fantástica foram reutilizados para criar o personagem de Conan, um bárbaro, mercenário, ladrão e pirata do reino da Ciméria, que acabou se tornando rei da Aquelônia. A trama de Conan se passa quase três mil anos depois da Kull, não havendo uma conexão direta entre eles, inclusive a geografia de seus mundos é ligeiramente diferente, pois na época de Kull, a Atlântida e a Lemúria ainda não tinham afundado, como Howard escreve nas histórias de Conan. 

Uma ilustração de Conan. O personagem se tornou o estereótipo do bárbaro das produções de fantasia, seja em livros, quadrinhos, filmes, séries e jogos. 

Assim, Howard publicou a primeira aventura de Conan, intitulada The Phoenix in Sword (1932) na revista Wierd Tales, a mesma que quatro anos antes ele apresentou a primeira aventura de Kull (inclusive esse conto era uma reescrita de uma aventura de Kull). Porém, diferente do bárbaro atlante que era mais sério e honrado, Conan interessou mais o público da época, por ser um brutamontes grosseiro, um mulherengo, um beberrão, além de que nas histórias dele temos mais ação e erotismo do que nas narrativas de Kull, pautadas mais na aventura. Assim, Howard mesclando ideias e elementos advindos da mitologia egípcia, grega, indiana, mesopotâmica e nórdica, porém, as aventuras de Conan duraram poucos anos, pois em 1936, num ato de desespero, Howard cometeu suicídio. 

Robert E. Howard ainda conseguiu concluir 17 histórias sobre Conan, embora tenha deixado outras inacabadas, além disso, ele também escreveu um importante ensaio no qual explicava e descrevia seu mundo mitológico que se passava na fictícia Era Hiboriana (sucessora da Era Thuriana de Kull), um mundo de fantasia, monstros e magia, características tão marcantes que levaram ao surgimento do subgênero espada e feitiçaria, marcado pelo padrão narrativesco da bela donzela em perigo, locais sombrios e um feiticeiro (ou feiticeira) maléfico, que influenciou várias gerações, fato esse que Conan ganhou histórias em quadrinhos, em desenho animado e até rendeu filmes, seriado e jogos. Kull também recebeu adaptações para os quadrinhos e filme, mas não teve o mesmo impacto do que seu irmão literário. 

Faroeste fantástico

Trata-se de um subgênero surgido nos anos 1930 nas pulp fiction, contendo elementos de fantasia inseridos no cenário histórico do Velho Oeste. Na década de 1970 esse subgênero foi nomeado também de weird west ou fantasy western. O escritor Robert E. Howard que criou Solomon Kane, Kull e Conan, também era autor de histórias de faroeste, ganhando inclusive fama escrevendo contos fantásticos no Velho Oeste. 

Howard é considerado um dos primeiros escritores notáveis desses subgênero, publicando The Horror from the Mound (1932). Além dele se destacaram outras publicações como The Circus of Dr. Lao (1935) de Charles G. Finney, Spud and Cochise (1936) de Oliver La Farge.

As histórias de faroeste fantástico são um subgênero bem flexível, pois algumas continham elementos de fantasia sombria, comédia, romance, aventura, ação e até ficção científica, mas tudo girando em torno de uma versão fantástica do Velho Oeste, trazendo caubóis confrontando zumbis, lobisomens, vampiros, fantasmas, bruxas, maldições, deuses indígenas etc. Algumas narrativas não focavam os caubóis, mas a ambientação estereotipada do Velho Oeste com suas pequenas cidades de uma rua só, os ranchos, os acampamentos, as feiras, os rodeios, os circos etc. 

A revista Weird Western Tales popularizou novamente o faroeste fantástico entre as décadas de 1970 e 1980. 

O subgênero do faroeste fantástico rapidamente se popularizou migrando para o cinema, as histórias em quadrinhos e depois a televisão e mais tarde os videogames. Embora hoje em dia esteja bastante em baixa, ele influenciou franquias como Jonah Wex, Preacher, Desesperados e o Cavaleiro Solitário

O realismo fantástico latino-americano

Chamado também de realismo mágico, consiste num subgênero artístico surgido inicialmente na pintura da década de 1920, influenciada pelo modernismo e o surrealismo. Porém, na literatura esse subgênero começou a despontar nos anos 1930 com escritos da América Latina. Uma das primeiras obras creditadas tem o título de La Lluvia (1936) do escritor Uslar Pietri, que aborda um misterioso homem que aparece durante um dia de chuva e vai embora quando a chuva termina. 

O termo realismo fantástico foi desenvolvido na década de 1940 para se referir a alguns trabalhos de escritores latino-americanos que abordavam narrativas baseadas no cotidiano, mas com algum toque de fantástico. Fato esse que nessas narrativas a fantasia fica em terceiro plano, o foco é a realidade nua e crua da vida, mas em dados momentos os personagens se depararam com acontecimentos misteriosos e fenômenos inexplicáveis. Neste tipo de literatura não há a presença de monstros ou de magia, mas apenas do sobrenatural que pode ser retratado como uma visão, uma praga, o destino, um milagre, uma maldição, uma profecia, uma anomalia etc. 

O escritor colombiano Gabriel Gárcia Márquez (1927-2014) ficou famoso nesse subgênero com seu romance Cem Anos de Solidão (1967), no qual acompanhamos sete gerações da Família Buendía, os quais estavam entre os fundadores do vilarejo de Macondo, mais tarde uma pequena cidade. Úrsula Iguarán Buendía, a matriarca da família, acompanha cada uma das gerações, testemunhando suas alegrias e tragédias, já que alguns dos familiares acabam indo embora, cometem adultério, são invejosos, arrogantes, apáticos, ambiciosos, outros se envolvem com a guerra revolucionária e a política. Em meio a esse drama familiar ocorrem acontecimentos sobrenaturais como a peste da insônia, os truques de mágica dos ciganos, os estudos alquímicos de Melquíades e José Arcádo Buendía, as visões de Aureliano Buendía etc. 

Capa da primeira edição de Cem Anos de Solidão. 

No Brasil temos o livro Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971) de Ariano Vilar Suassuna. A obra apresenta toda a concepção artística do movimento armorial concebido por Ariano anos antes, como forma de valorizar a cultura nordestina e sertaneja. Neste longo livro de mais de 700 páginas, somos apresentados as peripécias de vários personagens, as quais se conectam pela narração do protagonista, um bibliotecário chamado Pedro Dinis Quaderna, preso em 1938, em Taperoá no estado da Paraíba. Ele é acusado de ter roubado seu padrinho, que morreu misteriosamente num quarto-forte na torre de sua casa. 

Todavia, Quaderna alega que é descendente da monarquia sertaneja, pois seus antepassados foram imperadores do Reino da Pedra do Reino, situado no sertão paraibano e pernambucano no século XIX. Assim, ele diz ser o imperador Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna IV, legítimo soberano do Brasil e profeta da Igreja Católica-Sertaneja

Cenário usado na minissérie de A Pedra do Reino (2007). Na história essas duas pedras seriam as torres da catedral do reino, o qual misteriosamente sumiu. 

A partir de então, Quaderna relata ao corregedor as histórias desse reino que ninguém havia ouvido falar, fundado de forma mística, assim como, soterrado de forma misteriosa; ele também relata os problemas de sucessão, das tragédias acometidas por sua família, da profecia do Sebastianismo, além da sua mirabolante trajetória até ser preso. A obra mescla o tom da literatura de cordel, dos romances de cavalaria com o realismo fantástico, abordando os costumes e crenças sertanejos. 

Outro romance com elementos de realismo fantástico é Como água para chocolate (1989) de Laura Esquivel, a narrativa aborda o drama romântico entre o jovem casal Tita de la Garza e Pedro Muzquiz, que são apaixonados desde a infância, mas Elena de la Garza proíbe o casamento dos dois, forçando Pedro a casar-se com a filha mais velha, Rosaura de la Garza. A narrativa gira em torno de receitas típicas da culinária mexicana, pois Tita é uma exímia cozinheira. Porém, os sentimentos dela afloram durante o preparo dos alimentos, causando reações inusitadas como melancolia, êxtase e tesão. Um exemplo do realismo fantástico é quando a irmã do meio de Tita, Gertrudes, após comer codorna assada com pétalas de rosas, fica tão excitada sexualmente que ela vai tomar banho e o banheiro pega fogo. Ou quando durante o casamento de Rosaura, todos que comeram do bolo de casamento começam a se sentir tristes e choram, pois reflete o sofrimento de Tita ao ver seu amado casar-se com a irmã dela. 

A Terra-Média

Foi também na década de 1930 fomos apresentados a um fantástico mundo literário criado pelo escritor, poeta, professor e linguista John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973). Enquanto a Era Hiboriana se passava num Antiguidade primitiva, caótica, selvagem, violenta e sombria, a Terra-Média de Tolkien passava-se num mundo fantástico medieval, com monstros e magia, apresentando humanos, elfos, anões, orcs, magos, hobbits e outros seres. 

Tolkien começou a conceber a Terra-Média quase vinte anos antes, tendo feito rascunhos que viriam originar O Silmarillon (livro incompleto, somente publicado postumamente em 1977). Todavia, foi em 1928 quando ele começou a escrever o esboço de O Hobbit, lançado somente nove anos depois, que ele começou a dar forma a seu mundo fantástico. Tolkien devido a seu amor pela linguística e a filologia, se valeu disso para criar idiomas e alfabetos, com destaque os alfabetos élficos. Além disso, como era um ávido leitor de mitologia nórdica, celta e lendas medievais, ele reuniu ideias dessas fontes para criar a grande narrativa de seu mundo fantástico: a Demanda do Anel, iniciada com o O Hobbit (1937), mas apresentada e finalizada em O Senhor dos Anéis (1954-1955), volumosa obra com mais de mil páginas que lhe rendeu mais de uma década de escrita, tornando-se sua obra mais famosa. 

Ilustração representando os membros da Sociedade do Anel, no primeiro livro de O Senhor dos Anéis. 

Em O Senhor dos Anéis somos apresentados a uma densa e poderosa história sobre superação, amizade, dever, lealdade, traição, honra, esperança, temor, desconfiança etc., que giram entorno do clássico maniqueísmo Bem vs Mal, Luz vs Trevas, apesar disso, a trama foi belamente escrita, pois Tolkien era perfeccionista e um linguista nato, tendo cuidado em escrever seus livros, inclusive com direito a passagens exaustivamente detalhadas, além de outras com canções e poesia. 

Entretanto, as aventuras e descrições da Terra-Média não se limitaram a esses dois livros. Tolkien foi um escritor prolífico, tendo dedicado a vida a expandir e explorar seu universo literário, por conta disso, ele escreveu mais de vinte livros, entre romances, contos e ensaios que se passam por esse mundo fantástico, inspirando filmes, livros, jogos e seriados. Diferente da Era Hiboriana que acabou não sendo melhor explorada por seu criador, a Terra-Média contou com uma profunda densidade de detalhes que se tornaram temas de estudos literários. Mesmo as produções derivadas da obra de Tolkien, ainda não conseguiram adaptar nem metade do que ele concebeu. 

Mapa da Terra-Média

O mundo mágico de Nárnia

O escritor irlandês Clive Staples Lewis (1898-1963) o qual era amigo de Tolkien, também decidiu investir no gênero de fantasia, mas diferente de seu amigo, ele optou por tramas voltadas para um público infanto-juvenil. Dessa forma, Lewis escreveu entre 1949 e 1954 sete livros que formam as Crônicas de Nárnia. Inicialmente ele pretendia escrever apenas um livro no que resultou em O Leão, a Feiticeira e o Guarda Roupa (1950) que apresentava a jornada dos jovens quatro irmãos Pevensie, que em meio a Segunda Guerra, descobrem um guarda roupa com uma passagem secreta para um mundo fantástico, iniciando sua jornada para combater a Feiticeira Branca

Ilustração mostrando o leão Aslan e os irmãos Pevensie. 

Devido a popularidade da história, o público e a editora pediram uma continuação. Curiosamente a trama do livro se encerrava nele mesmo, já que após a batalha contra a Feiticeira Branca, os Pevensie estabeleceram a paz em Nárnia  governaram pacificamente pelos anos seguintes, quando já adultos eles reencontram o guarda roupa mágico e voltam para sua época. Entretanto, como Lewis decidiu escrever outras histórias, transformou sua ideia em sete livros, redigindo-os em fora de ordem cronológica, explorando outros acontecimentos desse período e até outros protagonistas, como um primo e amigos dos Pevensie. Além de que o livro O cavalo e o seu menino (1954) não conta com os personagens principais e se passa a maior parte no reino desértico de Calormânia, um dos reinos vizinhos de Nárnia, inspirado na cultura persa e árabe. 

Além do reino de Nárnia, outras localidades fantásticas são apresentadas nos livros, além disso, por conta de Lewis ser um fervoroso cristão, tendo escrito livros de apologia, vários elementos do Cristianismo foram incorporados a sua obra, além de elementos da mitologia grega, céltica, irlandesa e obviamente ideias e conceitos dos contos de fadas. Sua obra fez bastante sucesso, sendo adaptada logo cedo para a rádio e o teatro, apesar que não conquistou o cinema, em que apenas três filmes foram produzidos. 

O Dr. Seuss

Thedoro Seuss Geisel (1904-1991) foi um escritor, ilustrador, cartunista, animador e cineasta que se popularizou na literatura infantil. Seuss inspirado em Alice no País das Maravilhas, no Mágico de Oz, nos desenhos da Disney e em contos de fadas, começou a produzir seus próprios livros de fantasia infantil, puxando bastante para o lado cômico e nosense visto na obra de Lewis Carroll. Condição essa que ele criou personagens icônicos, apresentando tramas em versões fantásticas da realidade ou em mundos completamente novos. 

Seuss passou a vida escrevendo livros infantis e produzindo desenhos animados e ilustrações, na década de 1950 ele se lançou no mercado literário com algumas de suas obras mais populares como Horton e o Mundo dos Quem (1955), O Gato de Chapéu (1957) e Como o Grinch roubou o Natal! (1957), foram os primeiros livros de sucesso do autor, que contribuiu para impulsionar sua carreira na década seguinte.

Primeira edição do livro. 

Seuss escreveu mais de vinte livros, embora a maioria não fez sucesso como seus clássicos, no entanto, isso o notabilizou como escritor de literatura infantil, e como ele era desenhista e animador, ele mesmo produziu curtas-metragens animados de seus livros, os quais também se tornaram histórias em quadrinhos, peças de teatro e filmes. Além disso, por ser um cartunista que fazia sátiras políticas, alguns dos seus livros abordam temas políticos e sociais como pano de fundo das narrativas, apresentando críticas ao consumismo, ao racismo, a guerra, a indiferença, etc. 

O Ciclo de Terramar

Em 1964 no conto The Word of Unbinding, a escritora Ursula K. Le Guin (1929-2018), criou um mundo fantástico chamado Terramar (Earthsea), que consistia numa nação insular. Anos depois a autora decidiu retornar a esse mundo pouco explorado no conto, vindo a publicar o livro The Wizard of Earthsea (1968), cuja obra deu origem a sua série de fantasia mais famosa, embora não tenha sido a única. Le Guin escreveu inclusive séries literárias de ficção científica também.

No primeiro livro acompanhamos o jovem e imprudente mago Ged da ilha de Golt. Durante uma briga na escola de magia, Ged utiliza um feitiço proibido e invoca um monstro, iniciando os problemas que irão acompanhá-lo na narrativa até ele conseguir resolver essa sua culpa, além de amadurecer e aprender a ter responsabilidade com seus poderes. Por se tratar de uma obra infanto-juvenil, Le Guin abordou temas associados a vida escolar e a adolescência. Por sua vez, a autora decidiu escrever uma trilogia, contando com os livros The Tombs of Atuan (1971) e The Fartest Shore (1972), os quais apresentam outros protagonistas, e as histórias não necessariamente são continuações diretas. Então ela se deu satisfeita em encerrar a história.

Capa da primeira edição do livro, mostrando o mago Ged.
 
No entanto, muitos anos depois, Ursula K. Le Guin decidiu retornar ao mundo de Terramar, publicando Tehanu (1990), que acompanha o mago Ogion e a trama ocorre antes do terceiro livro. A série chegou novamente ao fim até que onze anos depois a autora escreveu mais dois livros: Tales from Earthsea (2001) e The Other Wind (2001), o primeiro um livro de contos, o último um romance que encerrou as histórias ambientadas em Terramar. 

As histórias de Terramar foram best-sellers nos Estados Unidos em distintos momentos e até inspirou um filme animado Contos de Terramar (2006) do renomado Studio Ghibli, apesar que a autora apontou que o filme fosse totalmente diferente de seus livros, apenas pegaram o mundo fantástico que ela criou. 

A fábrica de chocolate

Em 1964 o escritor britânico Roald Dahl (1916-1990), lançou seu livro infantil mais famoso, A Fantástica Fábrica de Chocolate (Charlie and Chocolate Factory), obra de baixa fantasia, a qual apresenta a maravilhosa fábrica de chocolate e doces de Willy Wonka, em que ele utiliza uma tecnologia misteriosa que parece ser muito mais mágica do que tecnológica a ponto de criar doces que fazem as pessoas mudarem de cor, esticarem, flutuarem, crescer pelos etc. 

Capa original do livro. 

Dessa forma, Charlie, seu avô e outras crianças premiadas pelo concurso de Wonka, tem a oportunidade de visitar essa encantadora fábrica, na qual trabalham os Oompa Loompa, um misterioso povo que é uma mistura de pigmeus com duendes, os quais atuam como operários na fábrica de Wonka, além de ajudá-lo na criação dos fantásticos doces. 

A fantasia sombria

O termo fantasia sombria (dark fantasy) é creditado ao escritor Charles L. Grant (1942-2006), especializado em histórias de terror, a ponto de despertar a admiração de Stephen King, um dos atuais mestres do terror. Grant concebeu o termo fantasia sombria para se referir a parte de sua produção literária, em que suas narrativas de terror continham monstros, maldições e forças sobrenaturais. No caso, Grant salientava que uma história de terror não necessariamente precisa ter monstros ou sobrenatural, ela pode contar com assassinos humanos. Além disso, a presença desses elementos fantásticos não necessariamente a torna uma fantasia sombria. 

Embora Grant tenha criado esse termo na década de 1970, nos estudos de literatura fantástica observou-se que décadas antes obras que poderiam ser classificadas nesse subgênero já tinham sido lançadas. Por conta disso, a fantasia sombria já existia no século XIX, antes do conceito ser criado. No entanto, é difícil distinguir naquele tempo a fantasia sombria da história de terror, pois se considerarmos apenas a presença de elementos fantásticos, obras como Frankenstein (1818) e Drácula (1897), poderiam ser consideradas de fantasia sombria? No caso, os estudiosos do assunto, dizem que não. 

Brian Stableford (2004) aponta que a fantasia sombria não poderia ser totalmente aterrorizante, pois isso a tornaria numa obra de terror, porém, esse subgênero contém elementos de terror que endossam alguns momentos ou personagens da trama. Por exemplo, o conto The Masque of the Red Death (1842) de Edgar Allan Poe (1809-1849) é considerado uma fantasia sombria, embora a obra normalmente seja classificada como pertencente ao subgênero terror gótico. Todavia, no estudo dos gêneros literários é preciso ter em mente que uma obra pode ser encaixar em mais de um gênero. 

No começo do século XX o mestre do terror H. P. Lovecraft (1890-1937), escreveu várias histórias de fantasia sombria e algumas até com elementos da ficção científica, a ponto de combinar características de três gêneros distintos. Lovecraft como outros escritores americanos do período, publicavam vários de seus trabalhos nas pulp fiction, que inclusive ajudaram na difusão do gênero terror, aventura, fantasia e ficção científica. Sendo assim, alguns dos contos lovecraftianos de fantasia sombria que podem ser citado são: A Tumba (1917), Dagon (1917), O Templo (1920) e O Chamado de Cthulhu (1928). Esses são exemplos de narrativas que abordam lugares assombrados e criaturas monstruosas adoradas como divindades. 

Página inicial de O Chamado de Cthulhu na revista Weird Tales, em 1928. 

O escritor, pintor e escultor Clark Ashton Smith (1893-1961) é considerado um dos três grandes escritores de fantasia da Weird Tales, ao lado de Robert E. Howard e H. P. Lovecraft. Como ele era amigo de Lovecraft, se inspirou em algumas ideias dele, com direito a fazer menção a monstros e narrativas que seu amigo escreveu. Smith teve uma fase produtiva na Weird Tales entre 1926 e 1936, escrevendo várias histórias de fantasia sombria e de ficção científica. Alguns de seus trabalhos de destaque são The Tale of Satampra Zeiros (1931), The Empire of Necromancers (1932) e Xeethra (1934). O trabalho com fantasia também repercutiu na pintura e escultura de Smith. 

Graças as pulp fiction a literatura de fantasia sombria ganhou espaço no mercado literário, podendo se desenvolver e crescer e até sobreviveu a queda desse mercado de revistas, adentrando os mercado de histórias em quadrinhos e da literatura comum. Condição essa que décadas depois escritores como Stephen King, seguiram publicando em alguns momentos, algumas obras de fantasia sombria, embora é preciso ressalvar que grande parte do trabalho dele seja do gênero terror. Uma de suas obras de destaque é a série A Torre Negra (1978-2012), a qual combina elementos de fantasia sombria, terror, ficção científica e faroeste. 

Os canibais do Norte

A década de 1970 foi produtiva para a literatura de fantasia, levando ao surgimento de alguns subgêneros ou a reformulação de outros, um dos que se destacou nessa época foi a fantasia histórica com o livro Devoradores de mortos (1976) de Michael Crichton (1942-2008). Baseado na popularidade da Vikingmania, Crichton decidiu escrever um livro que mesclasse uma base histórica, com elementos de aventura e fantasia. 

Neste livro acompanhamos a jornada do emissário árabe Ahmed ibn Fadlan, que em 922 viajou pela Ásia e a Europa oriental. Em uma de suas jornadas pelo o que hoje é o sul da Rússia, Fadlan conheceu uma comunidade de vikings, que estavam realizando os ritos fúnebres pela morte de seu chefe. Crichton decidiu pegar essa especificidade para criar sua narrativa. Na história real, após o funeral, Fadlan seguiu com sua comitiva para outro destino da expedição, mas em Devoradores dos Mortos o árabe é sequestrado pelos vikings que decidem voltar para a Dinamarca, onde atuam como mercenários para ajudar um rei cujo salão é atacado por supostos monstros. 

Capa da primeira edição. 

Na Dinamarca, Fadlan e os demais personagens do romance passam a defender o salão que é atacado à noite por possíveis monstros. Mais tarde é revelado que não eram monstros e o dragão de fogo era uma farsa, todavia, o livro contém elementos de fantasia, por mostrar anões e um povo de canibais que habitava em cavernas, povo esse inspirado nas ideias das pulp fiction. Vale ressalvar que Crichton também se baseou no poema épico Beowulf (1000) para compor sua aventura. Assim, mesclando fantasia e história, o livro fez relativo sucesso e até rendeu um filme intitulado o 13o Guerreiro (1999). 

As Brumas de Avalon

A escritora Marion Zimmer Bradley (1930-1999) decidiu escrever sua própria versão das lendas arturianas, mas saindo do convencional, a autora decidiu dar voz as mulheres dessas lendas, uma decisão muito acertada, pois resultou em quatro volumes publicados na década de 1980, que compõe essa série focada em Morgana, Guinevere, Viviane, Igraine, Morgause, entre outros personagens. 

A trama dos livros segue a premissa básica das lendas arturianas com direito a alguns dos personagens clássicos e acontecimentos, o diferencial é que tais acontecimentos são narrados a partir do ponto de vista das mulheres que conviveram diretamente com o Rei Artur, alguns dos cavaleiros da Távola Redonda, ou outros personagens da narrativa. Bradley também acrescentou fortes elementos de magia, baseados na cultura céltica, além de dar um toque feminista para as personagens. 

Capa da primeira edição. 

The Witcher

O escritor polonês Andrzej Sapkowski antes de se dedicar a literatura, era um caixeiro-viajante, por conta disso, ouvia muitas histórias, se interessando especialmente pelas narrativas folclóricas de seu país. Em 1986 ele decidiu participar de um concurso literário da revista Fantastyka e escreveu um conto de fantasia chamado O Bruxo (Wiedzim), o qual ficou em terceiro lugar. 

Os amigos de Sapkowski gostaram da narrativa que apresentava a aventura de um caçador de monstros, um bruxo forte, frio, charmoso, de olhos amarelados e cabelos prateados, chamado Geralt de Rívia. Assim, eles incentivaram Sapkowski a escrever outros contos, e ele o fez nos anos seguintes, vindo a reuni-los em dois livros intitulados O Último Desejo (1993) e a Espada do Destino (1992). Quando o autor lançou esses dois livros de contos, as aventuras de Geralt e seu universo no chamado Continente, um mundo fantástico inspirado na Europa medieval, fortemente influenciado pelo folclore eslavo, com alguns elementos de mitologia nórdica e de histórias de cavalaria, já havia feito relativo sucesso na Polônia, o que levou Sapkowski a expandir aquele universo literário, vindo a escrever cinco romances, totalizando sete livros que narravam a jornada de Geralt de Rívia, da princesa Cirilla de Cintra, da feiticeira Yennefer de Vengerberg, e uma outra série de personagens. 

Ilustração do bruxo Geralt de Rívia. 

Incialmente seus dois livros focavam apenas nos trabalhos de Geralt em caçar monstros, já que nesse mundo literário, os bruxos são mutantes criados e treinados para essa finalidade, porém, como Sapkowski foi incentivado a expandir a história, ele deu maior atenção a Cirilla e os outros personagens, criando uma trama sobre destino e guerra. 

Diferente de Tolkien, Sapkowski não gastou muitos anos trabalhando em sua obra, fato esse que ainda na década de 1990, ele concluiu todos os sete livros, vindo lançar um prequel em 2013, apesar que atualmente ele trabalhe em novas histórias de Geralt; no entanto, o Continente não é um mundo tão detalhado como a Terra-Média, mas isso não chega a ser um demérito. Sapkowski possui uma escrita diferente da de Tolkien, puxando para questões de intrigas políticas, traições, violência e sexo, fato esse que todas as feiticeiras de seus livros são retratadas como mulheres extremamente belas e sensuais, além do fato de Geralt ser mulherengo, pelo menos em alguns momentos da sua vida. Em seus livros ele também descreveu os problemas da geopolítica militar do Continente, algo desenvolvido ao longo da saga, além de também possuir descrições geográficas, sociais e culturais de seu mundo fantástico medieval. 

Mas se por um lado Andrzej Sapkowski não deu mais detalhes e expansões para seu universo literário, a Saga The Witcher cresceu consideravelmente com as adaptações feitas para os quadrinhos e videogames, os quais popularizaram essas histórias, originando filmes e um seriado, que expandem alguns dos conceitos criados pelo autor ou inseriram novas ideias. 

A Roda do Tempo

O escritor Robert Jordan (1948-2007) se especializou em literatura fantástica tendo ingressado na literatura na década de 1970. Embora tenha escrito vários livros, inclusive alguns sobre Conan, o Bárbaro, no entanto, a maior criação de Jordan foi a série de alta fantasia A Roda do Tempo (The Wheel of Time), em que o primeiro volume o Olho do Mundo saiu em 1990. À medida que escrevia seus longos livros, Jordan os concebeu para serem seis, mas acabou estendendo a saga para 11 volumes! Acreditando que o décimo segundo o encerraria. Entretanto, ele faleceu antes de concluir a série, legando o trabalho ao seu amigo Brandon Sanderson, que utilizando as várias anotações e recomendações de Jordan, escreveu mais três livros, totalizando 14 volumes. 

A longa trama do livro aborda centenas de personagens e acontecimentos, os quais giram em torno do destino do mundo, em que o Dragão Renascido é incumbido de derrotar o Tenebroso. Os livros são fortemente influenciados por ideias religiosas como destino, carma, profecia, bem, luz, trevas e mal. Além desse teor religioso, a trama aprofunda-se em questões de guerra, conspiração, traição, superação, política e evidentemente magia, com direito que os principais personagens mágicos são mulheres chamadas Aes Sedai, cuja sede fica na Torre Branca. As Aes Sedai se dividem em classes, identificadas pelas cores de suas vestes, o que conota também algumas especialidades de seus poderes. 

Os quatorze volumes da série A Roda do Tempo. 

Com a expansão da narrativa, a história deixa de ser centrada nos amigos Rand al'Thor, Perrin, Nynaeve, Egwene, Moiraine, incluindo muitos outros, além de apresentar outros povos, países e continentes. Por se tratar de livros volumosos, Robert Jordan foi bem detalhista nos cenários e acontecimentos, o que até concede um ritmo lento de leitura. 

A franquia foi adaptada para história em quadrinhos (pelo menos alguns dos livros), inspirou músicas, jogos de rpg e recentemente foi adaptada como seriado pelo Prime Video, em que os dois primeiros livros foram apresentados nas temporadas iniciais. Embora que a série traga várias mudanças em relação a obra original, tanto na fisionomia dos personagens, quanto na ordem de acontecimentos, omissões de personagens e momentos, etc. Por conta de serem livros longos, o seriado resume os acontecimentos. 

Os materiais sombrios

Influenciado pelas Crônicas de Nárnia, o poema épico Paraíso Perdido (1667) e outras fontes, o escritor Phillip Pullman iniciou sua série de fantasia, com a diferença de conter elementos de ficção científica. Inicialmente ele escreveu uma trilogia nomeada His Dark Materials (no Brasil chamada de Fronteiras do Universo), em que conhecemos uma realidade paralela similar a nossa Terra no começo do século XX, onde acompanhamos a jornada da jovem Lyra Belacqua e seu daemon Pan. Lyra vive na Faculdade Jordan, em Oxford, e é tratada como uma órfã, vivendo na tutela de seu tio Lorde Asriel, um aristocrata e cientista. 

O primeiro livro A Bússola de Ouro (1995) somos apresentados ao mundo de Lyra, em que existe uma substância mágica primordial chamada de , a qual permite a existência dos daemon, animais falantes que são conectados com seus donos, numa conexão espiritual, condição essa que se um dos dois morrer, ambos morrem. Além dos daemon, nesse mundo existe também magia, principalmente representada pelas feiticeiras e as alguns aparatos mágicos usados pela organização religiosa nomeada Magisterium, que representa os interesses do deus referido como Autoridade.  

Capa de uma edição do primeiro volume da série. Em português ele foi renomeado como Bússola de Ouro

A partir do segundo livro somos apresentados a outros mundos paralelos que se conectam com a nossa realidade e o mundo de Lyra Belacqua, dessa forma, ela e seu amigo Will Parry começam a explorar esses outros mundos, dando continuidade a jornada que inicialmente se encerrou no terceiro livro. Embora tenha sido concebida como uma série infanto-juvenil, a trama contém momentos dramáticos e até sombrios, como vingança, experimentos com crianças, o mundo dos mortos etc. 

A obra de Pullman é marcada não apenas pela combinação de fantasia possuindo animais falantes, magia, feiticeiras e outros seres, como também contém elementos de ficção científica devido aos experimentos para estudar o Pó, as armas e veículos do Magisterium e até de outros mundos, mas também se destaca pelo tom religioso, especialmente de crítica ao Cristianismo, em que o Magisterium representa o estereótipo da Igreja corrupta e opressora, assim como, a Autoridade é uma referência a Lúcifer. Além disso, o livro também faz referências aos conceitos de pecado, carma, destino, pureza, livre-arbítrio etc. 

A trilogia rendeu um filme que não fez sucesso, mas depois virou a série His Dark Materials (2019-2022) que adaptou os três livros, embora com várias diferenças para o enredo original, uma delas foi atualizar a realidade da Terra para o século XXI. Além disso, o multiverso criado por Pullman segue em desenvolvimento, pois após concluir a trilogia, ele já escreveu outros livros e iniciou uma nova série intitulada The Book of Dust (no Brasil chamada de O Livro das Sombras). 

A guerra pelo Trono de Ferro

Na década de 1990 o escritor e roteirista George R. R. Martin publicou o livro A Guerra dos Tronos (1996), que veio a originar a série As Crônicas de Gelo e Fogo (Song of Ice and Fire), que originalmente seria uma trilogia, mas o autor estendeu a longa trama para cinco livros, embora tenha prometido mais dois para encerrar essa série, livros esses que estão a anos em produção. 

Ilustração do imponente Trone de Ferro como descrito nos livros. 

Inspirado por Tolkien, Howard e outros escritores, Martin criou seu universo fantástico, também baseado num mundo medieval, mas reunindo aspectos inspirados na Europa e na Ásia, originando os continentes de Westeros e Essos, apesar que nos seus livros ele cite o nome de outros continentes que não são retratados. Em sua obra ele nos apresenta vários reinos, povos e culturas, tendo até criado línguas e religiões. 

As Crônicas de Gelo e Fogo consiste em densos livros de mais de 600 páginas, os quais apresentam uma série de tramas e subtramas que acompanham vários personagens, as quais se desenvolvem em paralelo, tendo contato ou não entre si, focando principalmente em conspirações políticas, que giram em torno do controle do Trono de Ferro, o símbolo do poder sobre os Sete Reinos de Westeros, que é o grande mérito de sua saga literária. 

Esse tom de complôs, alianças, casamentos, justas, traições, golpes, regicídios e guerras concedem o diferencial ao mundo fantástico de Martin, que não fica preso aos dragões, mortos-vivos, espadas mágicas, gigantes etc. Além disso, sua obra conta com grande quantidade de personagens, várias casas reais e genealogias até detalhadas em alguns casos, além da descrição geográfica de várias localidades, dos brasões, castelos e cidades. 

Mapa dos continentes e ilhas apresentados em As Crônicas de Gelo e Fogo. Os principais continentes que aparecem na trama são Westeros (à esquerda) e Essos diante dele. 

Assim como visto em The Witcher e A Roda do Tempo, os livros de Martin tem um tom adulto, contendo tensão, drama, violência, sexo, elementos até pesados em alguns momentos como vícios, incesto, estupro, tortura etc., características que foram aproveitadas no seriado Game of Thrones (2011-2019) que adaptou os cinco livros e foi além, desenvolvendo seu próprio fim para a trama, que inclusive ainda hoje divide a opinião dos fãs da série e dos livros. Apesar disso, o seriado expandiu algumas ideias concebidas por Martin e ainda não exploradas em seus livros, como também entregou outras versões de seus personagens e tramas. O sucesso da trama rendeu uma série derivada House of Dragon (2022-presente). 

Além disso, Martin também expandiu as histórias por Westeros, escrevendo livros de contos, novelas, romances e até uma enciclopédia sobre seu mundo fantástico, ainda em desenvolvimento, quase trinta anos depois. Nessas obras paralelas ele explora mais sobre o passado de Westeros, especialmente sobre a Dinastia Targaryen que veio de Varília e tomou o controle do continente.

O mundo bruxo 

Em 1997 a escritora britânica J. K. Rowling apresentava ao mundo seu livro Harry Potter e a Pedra Filosofal, que iniciava a jornada por sete livros, acompanhando a trajetória escolar do bruxo adolescente durante as décadas de 1980 e 1990 numa versão mágica do Reino Unido, condição essa que boa parte da trama se desenvolve no castelo que serve como a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, situado em algum lugar da Escócia, embora a trama também ocorra em Londres e em outras localidades da Inglaterra. 

Diferente dos outros livros aqui anteriormente apresentados, em que a maioria ocorre em fictícios mundos situados na Antiguidade ou Medievo, Rowling optou pelo chamada baixa fantasia, termo usado para se referir a produções que se passam numa versão fantástica do mundo real, no caso, seu país natal. Entretanto, apesar dessa escolha, a autora soube construir ao longo de sete livros e alguns spin-offs todo um Reino Unido mágico, contando até com menções a alguns outros países também, embora esses raramente aparecem na obra. 

Capa da primeira edição britânica de Harry Potter. 

A saga de Harry Potter consiste numa produção fantástica de caráter infanto-juvenil, algo perceptível no tom das narrativas e no seu linguajar, condição essa que somos apresentados a uma aventura mágica no colegial, embora que os últimos livros acabaram se tornando mais sérios e sombrios, culminando com a fatídica Batalha de Hogwarts, em que parte dos personagens acaba morrendo, e encerrando com o destinado confronto de Harry Potter e Lorde Voldermot

Harry Potter se tornou um fenômeno mundial rapidamente, virando uma série de oito filmes, ganhando vários jogos, uma peça de teatro, um site com conteúdo extra produzido pela autora, e até rendeu a origem de uma segunda franquia de filmes, baseada no livro Animais Fantásticos e onde Habitam, que explora outros países dessa Terra mágica concebida por Rowling. 

O mundo de Malazan

Trata-se de um vasto mundo de alta fantasia criado pelos amigos Steven Erikson e Ian Cameron Esslemont no começo da década de 1980 para um jogo de RPG de mesa que eles estavam desenvolvendo. No entanto, vários anos depois, Erikson aproveitou os conceitos e ideias desse jogo de rpg e decidiu publicar livros, o primeiro foi Os Jardins da Lua (1999), iniciando uma série de dez livros, concluída em 2011. Com o tempo, Erikson escreveu outras séries ambientadas no mesmo mundo, e no caso, Esslemont também aproveitou para fazer isso. 

Mapa dos continentes e ilhas de Malazan. 

Malazan consiste num mundo fantástico em que as séries escritas por Eriksen e Esslemont transcorrem em diferentes países e épocas. Os dois amigos passaram a escrever muitos livros a respeito, expandindo as narrativas e detalhes desse mundo. Atualmente a franquia conta com 26 romances publicados. E por se tratar de histórias que não necessariamente possuem conexão direta, somos apresentados a uma variedade de personagens e tramas que se desenrolam em lugares específicos, ou durante grandes eventos que afetam diferentes livros, além de que algumas narrativas ocorrem com anos, décadas ou séculos de distância uma da outra. O mundo de Malazan é um exemplo de mundo fantástico literário constantemente ampliado pelos seus autores, algo visto com a franquia Star Wars.  

Eragon e os cavaleiros de dragões

Originalmente escrito na adolescência de Christopher Paolini, Eragon seria inicialmente apenas um livro, publicado em 2001 pelos pais do autor, já que somente em 2003, o livro saiu por uma editora, ganhando rápido sucesso. A história se passa no continente fantástico de Alagaësia, em que existe magia, dragões e outras criaturas e raças mágicas. A trama começa com Eragon, um jovem de quinze anos que é agricultor e descobre que a pedra azul que ele herdou, na verdade era um ovo de dragão. Desse nasce sua dragoa, chamada Saphira

Capas da série Ciclo da Herança. 

Com exceção do rei Galbarotrix, não havia outros dragões naquele reino, então ao saber da existência de um novo dragão, o monarca ordena que Saphira seja capturada, iniciando a fuga dela e de Eragon, o qual vem aprender sobre os antigos cavaleiros de dragão, iniciando sua jornada do herói para confrontar a tirania de Galbarotrix. Porém, ao término do primeiro livro, o herói e seus aliados percebem que a guerra somente estava começando. Paolini lançou as continuações alguns anos depois, sendo intituladas Eldest (2007), Brisingr (2008) e Herança (2011), encerrando assim o Ciclo da Herança.

À medida que ele escreveu a tetralogia, somos apresentados a outros dragões, cavaleiros, reinos e povos, como elfos e anões. Eragon também teve um filme lançado em 2006, mas devido ao fracasso de bilheteria, os planos de lançar as continuações foram descartados.

Velhos deuses e novos semideuses

O escritor americano Rick Riordan em 2005 lançou o livro O ladrão de raios que apresentava a história de um adolescente chamado Percy Jackson que descobre ser um semideus, pois seu pai era Poseidon. Percy é levado para o Acampamento Meio-Sangue para treinar e ser educado ao lado de outros meio-sangues, lá ele conhece seus amigos inseparáveis Annabeth Chase e Grover Underwood. Percy e seus amigos iniciam sua jornada pelo mundo da mitologia grega secretamente escondido em pleno século XXI, ou seja, os antigos deuses eram reais. 

Ilustração combinando as artes para uma edição dos cinco livros de Percy Jackson e os Olimpianos. 

Com o sucesso do primeiro livro, Riordan escreveu mais quatro, criando assim a série Percy Jackson e os Olimpianos, uma obra infanto-juvenil. Mesmo tendo finalizado a série em 2009, o autor seguiu produzindo derivados, escrevendo contos e guias sobre seu mundo fantástico baseado em mitologia grega. Porém, Riordan decidiu expandir esse mundo, entre 2010 e 2012 ele publicou a trilogia das Crônicas dos Kane, em que acompanhamos os irmãos Carter e Sadie, que descobrem ser reencarnações de faraós. A trilogia se passa no mesmo mundo de Percy Jackson, no entanto, seu foco é em mitologia egípcia. A trilogia acabou se expandida nos quadrinhos. 

Capas da trilogia As Crônicas dos Kane. 

Enquanto escrevi sobre os Kane, ele voltou a investir naquilo que lhe fez famoso: a mitologia grega, escrevendo a série de seis livros chamada Os Heróis do Olimpo (2010-2014), cuja narrativa é uma continuação de Percy Jackson e os Olimpianos, apesar de não ter o trio original como protagonistas em toda a trama. A série até ganhou um spin-off de contos. 

Rick Riordan decidiu então investir numa terceira mitologia, vindo a publicar entre 2015 e 2017 a trilogia Magnus Chase e os Deuses de Asgard. Seguindo o mesmo estilo infanto-juvenil das suas séries anteriores, agora Riordan contava a história de um adolescente, que é primo de Annabeth, que descobre ser filho de Freyr. Assim, a presente trilogia inspira-se na mitologia nórdica para desenvolver seu enredo. 

Capas da trilogia do Magnus Chase. 

Concluída a trilogia sobre mitologia nórdica, Riordan retornou para a mitologia grega novamente, escrevendo a série As Provações de Apolo (2016-2020), formada por cinco livros e dois spin-offs, que segue continuando alguns acontecimentos de Os Heróis do Olimpo. Nessa série atual, o autor já apresenta versões jovens adultas dos protagonistas Percy, Annabeth e Grover. Além disso, o autor informou que está trabalhando em mais livros a respeito, que focará no trio. 

Percy Jackson e seus derivados e séries irmãs causaram forte impacto nos últimos anos, a franquia original rendeu dois filmes que não fizeram sucesso, embora que a Disney lançará em 2024 a série que adaptará O ladrão de raios, com a expectativa de adaptar os cinco livros da série original. 

Subgêneros da literatura de fantasia

Pode haver variação no nome desses subgêneros, pois alguns não possuem consenso entre os escritores, roteiristas e literatos. Além de haver casos que alguns subgêneros são bem parecidos, o que suscita confusão, assim como, um mesmo livro pode ser classificado em mais de um subgênero. 

  • Fantasia de fadas: subgênero surgido no começo do XIX, que era caracterizado pelo estilo de narrativa comum dos contos de fadas, histórias curtas e simples. Entrou em declínio no final daquele século. 
  • Fantasia juvenil: subgênero voltado para as crianças e adolescentes, surgido no XIX, influenciado pelos contos de fadas também. Trata-se de narrativas curtas ou medianas, simples e leves, como exemplos, Alice no País das Maravilhas, o Mágico de Oz, Peter Pan, Sítio do Picapau Amarelo. Esse subgênero ainda hoje continua a ser praticado. 
  • Fantasia romântica: narrativas focadas no romance dos protagonistas, que se passam em mundos fantásticos, tendo surgido no XIX. É um subgênero comum de livros juvenis, alguns mangás e em desenhos animados. 
  • Fantasia urbana: surgido na segunda metade do XIX, trata-se de histórias ocorridas exclusivamente em cidades, mansões, palácios, castelos, prédios, bibliotecas, escolas etc. São narrativas que poderiam conter elementos de suspense, tragédia, romance, terror, valendo-se inclusive de tecnologia mágica. 
  • Mundo perdido: é um subgênero surgido no final do XIX, que combina elementos do gênero aventura, fantasia e ficção científica, abordando civilizações geralmente fictícias ou as vezes reais (mais representadas de forma fantástica), que guardavam geralmente algum tipo de tesouro, mistério ou perigo. Esse subgênero influenciou franquias como Indiana Jones, Tomb Raider e Uncharted. 
  • Espada e feitiçaria ou Fantasia heroica: surgido na década de 1930, é uma variação do subgênero de aventura espada e capa, com a diferença de ter mais elementos mágicos presentes. Consistem em histórias centradas num herói, normalmente guerreiro ou feiticeiro. Conan, o Bárbaro popularizou esse subgênero. 
  • Faroeste fantástico: o conceito surgiu na década de 1970, sendo conhecido também como Weird Western ou Fantasy Western, todavia, sua origem remonta a década de 1930 com as pulp fiction. Tratava-se de histórias de faroeste com elementos fantásticos como magia, monstros e o sobrenatural. 
  • Realismo fantástico ou realismo mágico: é um subgênero surgido nas artes plásticas, mas que migrou para a literatura. Consiste em narrativas baseadas no mundo contemporâneo, focada no subgênero do realismo literário, com a diferença de se acrescentar acontecimentos estranhos e sobrenaturais que afetam diretamente ou indiretamente os personagens e acontecimentos, mesmo que tais fenômenos sejam ambíguos. O livro Cem Anos de Solidão é um clássico exemplo. 
  • Alta Fantasia ou Fantasia épica: designa as narrativas que se passam em mundos fantásticos inteiramente criados por seus autores, apresentando densidade e riqueza de detalhes. O termo surgiu no final da década de 1950 para se referir a obra de Tolkien. 
  • Média Fantasia: consiste num meio termo, pois as narrativas podem ocorrer entre o nosso mundo e um mundo fantástico, algo visto com As Crônicas de Nárnia, Percy Jackson, a Bússola de Ouro
  • Baixa Fantasia: são tramas que ocorrem no mundo real, mas possuindo elementos fantásticos. Por exemplo, Harry Potter
  • Fantasia sombria: termo surgido na década de 1970 para se referir a tramas em que o sombrio é mais marcante, além de as narrativas conterem mais elementos de terror. Alguns contos de Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft, além de livros de Charles L. Grant e Stephen King se encaixam nesse subgênero. Nos quadrinhos, Vampirella e Sandman são exemplos. 
  • Ficção fantástica: uma combinação de características da fantasia e da ficção científica, em que as narrativas apresentam monstros e alienígenas, magia e tecnologia avançada. Esse subgênero é muito popular nos quadrinhos e videogames, em especial em jogos de RPG. 
  • Fantasia cômica: como o nome sugere, são histórias de comédia ambientadas em mundos fantástico. Algo comum em narrativas para crianças, mas também em histórias em quadrinhos, mangás e animes
  • Fantasia histórica: narrativas que apresentam personagens históricos ou acontecimentos históricos num tom fantasioso. As narrativas também não precisam retratar acontecimentos reais, mas podem passar em períodos históricos. O livro Devoradores de Mortos (1976) é um exemplo. 
  • Isekai: um subgênero de origem japonesa surgido na década de 1980 para se referir a histórias em que o protagonista ou protagonistas são levados para um mundo fantástico, fosse na mesma época, no passado ou no futuro. Esse mundo fantástico poderia ser plenamente mágico, ficar numa realidade paralela ou dentro de uma realidade virtual. Atualmente os isekais mais populares ocorrem em mundos baseados em jogos de RPG. 
  • Hard Fantasy: são histórias nas quais a magia é tratada como uma ciência, havendo inclusive uma lógica por trás dela. Os praticantes de magia agiriam como cientistas, respeitando parâmetros e leis. Em outas palavras, uma "cientifização da magia". Esse subgênero é inspirado no hard scifi
  • Fantasia de pólvora: um subgênero inspirado no subgênero steampunk da ficção científica. As narrativas se passam em mundos com armas de fogo a pólvora, indústrias, máquinas a vapor, trens, mas possuindo a presença de monstros, magia e o sobrenatural. A série Carnival Row (2019-2022) é um exemplo recente desse subgênero. 
NOTA: Histórias de fantasmas (ghost stories) é conhecido como um gênero literário, embora hoje ele seja mais visto como um subgênero dos gêneros de terror, mistério e fantasia. 
NOTA 2: O subgênero mundo perdido embora costuma ser creditado tendo iniciado em 1885 com o lançamento de As Minas do Rei Salomão, é questionável de ter sido a primeira obra, pois no século XVIII encontramos narrativas de viajantes que foram parar em mundos perdidos. E no XIX temos também o caso de Viagem ao Centro da Terra (1864) de Júlio Verne
NOTA 3: Alguns escritores e literatos conceberam outros termos para designar subgêneros de fantasia de acordo com sua temática, então é possível encontrar termos como fantasia pré-histórica, fantasia antiga, fantasia medieval, fantasia contemporânea, fantasia árabe, fantasia oriental, fantasia africana, fantasia céltica etc. 

Referências bibliográficas
BLEILER, E. E. Supernatural Fiction Writers: Fantasy and Horror. New York, Charles Scribner's Sons, 1985. 
CLUTE, John; GRANT, John (eds.). The Encyclopedia of Fantasy. London, Orbit Books, 1997. 
GOFF, Penrith. E. T. A. Hoffmann. In: BLEILER, E. E. Supernatural Fiction Writers: Fantasy and Horror. New York, Charles Scribner's Sons, 1985, p. 111-121.  
HAASE, Donald P. Ludwig Tieck. In: BLEILER, E. E. Supernatural Fiction Writers: Fantasy and Horror. New York, Charles Scribner's Sons, 1985, p. 83-91. 
STABLEFORD, Brian. The A to Z of Fantasy Literature. Plymouth, Scarecrow Press, 2005. 

Link relacionado:

domingo, 12 de novembro de 2023

200 anos da Noite da Agonia: a dissolução da Primeira Assembleia Constituinte Brasileira

No ano de 1823 a primeira constituição brasileira começou a ser produzida, tendo uma série de reveses até que o projeto foi recusado pelo imperador D. Pedro I, por conta disso, a constituição foi refeita e somente aprovada em 1824. No texto de hoje conheceremos alguns aspectos dessa primeira tentativa de conceder ao Império do Brasil uma constituição nacional. 

Palácio Tiradentes, no centro histórico do Rio de Janeiro. Em 1823 o local abrigou as sessões da Assembleia Constituinte. 

Antecedentes

O processo revolucionário tinha começado ainda em 1820, aproveitando a Revolução do Porto que obrigou o retorno de D. João VI para Portugal, assim, o monarca deixou seu filho Pedro de Alcântara como regente. Dessa forma, o príncipe com o apoio das elites do Rio de Janeiro e São Paulo começou a se interessar pelo projeto de independência que se desenvolveu nos dois anos seguintes, condição essa que a situação se acirrou em 1822, quando D. Pedro recusou-se novamente a ir à Portugal, iniciando assim a guerra de revolução, já que os portugueses tentaram aprisioná-lo ainda em maio daquele ano, por sua vez, a guerra estourou propriamente na Bahia, espalhando-se por algumas outras províncias. 

A guerra de independência brasileira se estenderia até 1824, apesar disso, após o 7 de setembro de 1822 (independência do Brasil) e o 1 de dezembro de 1822 (coroação de D. Pedro I), o governo revolucionário já estava formalizado a meses, mas havia a necessidade de elaborar uma constituição, uma das principais reivindicações dos apoiadores da independência e do império, assim, o recém empossado imperador encomendou para 1823 a elaboração de uma constituinte. 

Em 3 de maio de 1823 a constituinte foi iniciada no Rio de Janeiro, no prédio da Cadeia Velha (atual Palácio Tiradentes), ao lado do Paço Imperial (onde morava o imperador), sendo presidida pelo capelão-mor José Caetano da Silva Coutinho (1768-1833), um dos homens de confiança do imperador, já que ele providenciou a coroação, casamento e mais tarde o batismo dos filhos do monarca. Além de Coutinho, a assembleia contava com representantes do Conselho dos Procuradores ou Conselho do Estado, criado no ano anterior, contando com membros que representavam as 14 províncias brasileiras. 

Ao todos foram 90 membros entre fazendeiros, empresários, políticos, advogados, médicos, juristas, profissionais liberais etc. Esses membros eram divididos entre os partidários de uma constituição mais conservadora e outros que representavam a proposta de uma constituição mais liberal. 

É preciso destacar que o próprio imperador em seu discurso inaugural do início das atividades da constituinte, criticou as constituições da França, Espanha e Portugal, apontando se tratar de cartas magnas que acabaram sendo fracassos, tendo sido meramente "teóricas", não possuindo um efeito prático. Curiosamente Pedro I não citou a constituição dos Estados Unidos, a qual era eficaz, mas sobretudo, era uma constituição republicana, e o monarca não estava interessado nisso, fato esse que ele apontou que a constituição republicana da França, não havia dado certo, condição essa que o país com Napoleão voltou a ser uma monarquia. 

Em seu discurso, o imperador salientou que a constituição que estava sendo feita deveria evitar a desordem, a implementação de uma anarquia, os abusos de poder por parte dele, dos políticos, das forças armadas e do povo. As leis deveriam serem elaboradas de forma consciente, objetiva e prática para que fossem devidamente aplicáveis, não conjecturas de difícil aplicação, ponto que ele alegou haver de errado nas constituições francesa, espanhola e portuguesa. Assim, os membros da constituinte tendo esse apelo feito no dia 3 de maio, deram início as atividades. 

Retrato de D. Pedro I no ano de 1823. 

Três facções constituintes

À medida que os meses avançavam e os trabalhos da constituinte se desenvolviam, três facções surgiram entre os membros da Assembleia Constituinte, embora todos os lados defendessem a monarquia, cada um o fazia com diferenças consideráveis.

O grupo dos "bonifácios" tinha esse nome em referência a José Bonifácio de Andrade e Silva (1763-1838), conhecido como o Patriarca da Independência, tendo papel importante no processo de 1821 e 1822, apesar de estar brigado com o imperador em 1823. Seus seguidores defendiam um governo centralizado, moderado, mas tinham em pauta a proposta de abolir a escravidão, uma reforma agrária, além de outras medidas econômicas políticas, que visivelmente não agradavam o agronegócio, que dependia do modelo escravocrata para funcionar. (LUSTOSA, 2007). 

A segunda facção era chamada de "portugueses", pois era formada por portugueses que apoiaram a independência, mas também descendentes diretos e simpatizantes. Esses "portugueses" eram a favor de uma monarquia também centralizada, mas que mantivesse a escravidão e concedesse maior autoridade ao imperador, por isso ser dito que eles era a favor do absolutismo monárquico. 

E a terceira facção era a dos "liberais" que representavam a proposta de uma monarquia constituinte federalista, em que o imperador não deteria autoridade propriamente, mas para isso seria eleito um primeiro-ministro ou chanceler. Os liberais eram inspiradores no modelo britânico, propondo maior autoridade e autonomia as províncias e o parlamento, embora eles também defendessem a manutenção do sistema escravocrata. (LIMA, 1989). 

O primeiro esboço da constituição foi apresentado pelo deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845), irmão de José Bonifácio, o que o tornava membro da facção dos "bonifácios". Antônio Carlos e seus partidários se basearam no modelo das constituições da França (1791) e da Noruega (1814), da primeira eles tiraram ideais iluministas e liberais, da segunda, ideias monarquistas que permitiam o estabelecimento de um parlamento e da democracia, mas mantinha a autoridade régia. (HOLANDA, 1976). 

Embora o projeto dos "bonifácios" fosse bom, eles sofreram rejeições por parte dos "portugueses" e dos "liberais". Pontos sobre a divisão das terras, a possibilidade de alterar o sistema econômico, tributação, reorganização geopolítica das províncias etc., desagradaram os "portugueses" e os "liberais" também, ainda mais os "liberais" que discordavam da condição que o imperador teria mais autoridade do que deveria tê-lo, pois a Constituição Norueguesa daquele tempo permitia isso. 

A adoção dos Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário como proposto por Montesquieu em O Espírito das Leis (1748) e já adotada pelos países anteriormente citados, foi aceita no projeto brasileiro, mas com a diferença de que os "bonifácios" e "portugueses" concediam maior autoridade de intervenção ao monarca, que representava o Poder Executivo, podendo inclusive ter direito de veto na Assembleia e no Senado. Evidentemente que isso não agradou os "liberais". 

Porém, a situação era mais complexa, pois não eram apenas os "liberais" que representavam a oposição ao projeto dos "bonifácios", os "portugueses" também eram contrários a ele, não apenas pelas propostas de abolir a escravidão ou encerrar o tráfico negreiro (o encerramento do tráfico não significaria o fim da escravidão, apenas da importação de escravos), mas os "portugueses" também estavam ressentidos com o ministro José Bonifácio por conta da perseguição que ele cometeu contra os portugueses no ano anterior, retirando direitos e confiscando bens e propriedades, sob alegação de combater os inimigos do Estado. Assim, juntando esses aspectos com outras condições que foram se desenvolvendo nas sessões da assembleia, em junho de 1823, os "portugueses" e "liberais" propuseram uma aliança para derrubar os "bonifácios". (LUSTOSA, 1989). 

A aliança formada por duas das facções da constituinte levou a uma crise não apenas interna na assembleia, mas que respaldou publicamente. Os irmãos Andrada: José Bonifácio, Antônio Carlos e Martim Francisco, foram acusados de antilusitanismo, pois supostamente os jornais vinculados a eles e seus aliados divulgaram críticas e sátiras ao imperador, políticos portugueses e os próprios portugueses que viviam no Brasil. Algumas brigas ocorreram na rua, além de atos de vandalismo contra os jornais. (LUSTOSA, 1989). 

D. Pedro I nessa época estava sendo influenciado a desconfiar dos Andrada, condição essa que ele cogitava usar o exército para intervir em caso de uma revolta estourasse na capital. 

A Noite da Agonia

No mês de novembro a tensão entre o monarca e os "bonifácios" não era mais disfarçada como antes, D. Pedro I já tinha sido influenciado a tal ponto de desconfiar de seus antigos aliados, ainda mais pelo fato de que os próprios "bonifácios" mudaram de projeto durante a constituinte, se aproximando de propostas mais liberalistas como defendidas pelos "liberais", e uma delas era reduzir drasticamente a autoridade do soberano, apesar disso, não significa que os "liberais" deixaram de lado sua rixa. 

Devido a desentendimentos que atrapalharam a ocorrência da sessão do dia 12 de novembro, a assembleia solicitou estender o horário de funcionamento para a madrugada, para poder votar em pautas importantes. No entanto, pela noite o imperador autorizou a invasão da assembleia, os "bonifácios" foram presos e enquanto os demais deputados foram enviados para suas casas. A sessão foi encerrada. Por conta dessa ação inesperada aquela noite foi dita ser agonizante para os constituintes. (LIMA, 1989). 

Pintura representando uma sessão da Assembleia Constituinte. Ao centro, na mesa temos José Bonifácio. 

Consequências

No dia 13 de novembro o ministro Francisco Vilela Barbosa (1769-1846), obedecendo ordens de D. Pedro I, publicou decreto dissolvendo a Assembleia Constituinte e informando que suas atividades seriam remetidas a um novo Conselho de Estado, formado pelos atuais seis ministros e mais seis membros a serem escolhidos por ele, dentre homens justos, honrados, cultos e comprometidos com a causa da nação. O novo conselho teria o prazo de menos de um mês para concluir a elaboração do esboço da Constituição. 

Apesar dessa atitude autoritária tendo sido expressa logo no dia seguinte a dissolução da constituinte, as medidas de Pedro I não pararam por aí. O monarca também mandou fazer patrulhamento em praças, restaurantes e bares para evitar debates políticos e críticas as suas ações, com direito a voz de prisão. Os "bonifácios" mais radicais foram deportados, incluindo os três irmãos Andrada, enviados para exílio. Todavia, as ordens também incluíam que se qualquer outro ex-membro da constituinte se posicionasse publicamente contrário a decisão do soberano, seria preso ou exilado. O autoritarismo do monarca dividiu a opinião pública, entre os que apoiavam suas medidas e outros que o criticavam por agir como um tirano. (HOLANDA, 1976). 

Para justificar suas ações drásticas, D. Pedro I emitiu um manifesto no dia 16 de novembro. Neste manifesto o imperador alegou que suas medidas severas se deveram para evitar o pior para a nação, pois parte dos membros da Constituinte haviam se distanciado dos objetivos daquela assembleia, e passaram a lutar por seus próprios interesses (de fato, isso era verdade), os quais fomentavam uma traição ao soberano e ao povo, dessa forma, para evitar mazelas maiores, D. Pedro I decidiu agir imediatamente e cortar o mal pela raiz. 

No dia 11 de dezembro, menos de um mês desde a dissolução da Assembleia Constituinte, uma nova versão da constituição foi apresentada ao imperador pelo Conselho de Estado. Ele gostou do que viu, mas ordenou reajustes que foram feitos nos meses seguintes, já que essa constituição somente foi aprovada em março de 1824. 

A Constituição da Mandioca

O projeto da Constituição de 1823, que acabou nunca sendo aprovado, ganhou o apelido desdenhoso de "constituição da mandioca" por conta de que os alqueires de cultivo de mandioca foram usados como modelo para definir a riqueza dos cidadãos aptos a poderem votar e se candidatar. O problema era que o valor apresentado era demasiadamente elevado, o que acarretava que somente os ricos teriam direito ao voto e participar da vida política. 

No caso, o cultivo de mandioca não necessariamente estava atrelado ao consumo da população geral, pois as pessoas comiam trigo, milho e soja, a mandioca era cultivada principalmente para alimentar os escravos e os mais pobres, por conta disso ela ser chamada também de "pão de pobre". Dessa forma, quanto mais escravos um fazendeiro ou mercador tivesse, mas mandioca teria que plantar para alimentar seus empregados. Logo, alguém que possuísse vários alqueires de mandioca tecnicamente era uma pessoa rica por conta desse contexto do sistema escravocrata. No entanto, devido ao desentendimento dessa taxa anual de alqueires, os opositores da ideia começaram a usar o termo mandioca de forma debochada. 

Referências bibliográficas

HOLANDA, Sérgio Buarque de Holanda. O Brasil monárquico: o processo de emancipação. 4a ed. São Paulo, Difusão Europeia do Livro, 1976. 

LIMA, Manuel de Oliveira. O império brasileiro. São Paulo, Editora da USP, 1989. 

LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I. São Paulo, Companhia das Letras, 2007. 

Links relacionados: 

200 anos da Independência do Brasil

200 anos da coroação de D. Pedro I

LINKS: 

Manifesto da dissolução da Assembleia Constituinte - 16 de novembro de 1823

Atas do Conselho de Estado (1823-1834)

sábado, 4 de novembro de 2023

A invenção do avião

Voar é um sonho antigo da humanidade, fato esse que nos mitos e lendas encontramos narrativas de deuses, espíritos, seres, monstros e até pessoas que conseguiam voar de diferentes formas. Inventores chineses, persas e árabes tentaram criam meios de fazer pessoas voarem. Leonardo da Vinci elaborou projetos de máquinas voadoras, embora não tenha conseguido fabrica-las e testá-las. Todavia, somente a partir do século XVIII quando surgiu os primeiros balões tripuláveis, começou a oportunidade das pessoas poderem voar. No século seguinte os balões foram sendo aperfeiçoados, assim como, surgiu o dirigível e os planadores, para finalmente chegarmos aos aviões. 

Existe uma polêmica que tenta definir quem inventou o avião, como historiador, a pergunta correta seria: quem foram os pioneiros da aviação? Pois vários homens contribuíram de alguma forma para que o avião fosse criado. 

George Cayley e o planador tripulado (1853)

No século XVIII alguns engenheiros, físicos e inventores que estudavam balonismo escreveram artigos sobre projetos distintos para criar máquinas com asas e hélices, porém, tais projetos nunca saíram do papel. Entretanto, seus estudos foram importantes para conceber a forma básica do avião: uma estrutura comprida com duas asas, movido a motor. Entretanto, no século XVIII o motor a vapor era pesado; por sua vez, motoros a combustão movidos a gasolina e diesel surgiriam somente na segunda metade do século XIX, e esses ainda não tinham a potência adequada para propulsionar as aeronaves, por conta disso, os primeiros aviões eram planadores.

No ano de 1799 o engenheiro e inventor inglês George Cayley (1773-1857) publicou alguns artigos sobre aeronaves com asas e cabine para um piloto. Como os motores a combustão ainda não existiam naquele tempo e os motores a vapor eram pesados, Cayley concebeu sua aeronave movida apenas pela corrente de ar, surgia assim o planador contemporâneo, já que ideias similares já tinham sido cogitadas no passado. Mas diferente do protótipos dos séculos anteriores, Cayley a partir de 1804 começou a construir planadores não tripulados. (DEE, 2007). 

Cayley dedicou a vida a aperfeiçoar os planadores, fazendo vários testes e designers, além de ter escrito artigos sobre aerodinâmica, tendo estabelecido alguns dos princípios desse campo da física, ainda hoje utilizados no voo de aviões e aeronaves similares. Além dessa questão física, Cayley também estabeleceu princípios da fuselagem das aeronaves como duas asas, cabine, cauda de três pontas, trem de pouso etc., embora que nem todos os aviões dos primeiros anos seguissem esse padrão. (DEE, 2007). 

Cayley relutou em construir planadores motorizados, pois em seus testes observou que os motores a vapor não era eficazes para isso. Apesar dessa condição, dois inventores ingleses chamados Wiliam Samuel Honson e John Stringfellow conceberam o Aerial steam carriage em 1842, que consistia numa aeronave motorizada usando um motor a vapor. O problema é que os testes falharam todos. Somente em 1848 um pequeno modelo conseguiu alçar voo de forma segura, mas foi teste não tripulado. O protótipo do aerial voou cerca de dez metros num hangar. (BARROS, 2006). 

Modelo de 1852 de um planador de George Cayley. 

Após vários anos de estudos, fracassos e descobertas, em 1853 um companheiro de Cayley, de identidade desconhecida (talvez algum empregado seu), realizou um teste tripulado, voando num planador por alguns metros em Brompton-by-Sawdon, na Inglaterra. Como o planador possuía trem de pouso, o piloto conseguiu realizar a aterrissagem. Esse é considerado o primeiro teste satisfatório de uma aeronave tripulada que não era um balão ou dirigível. (DEE, 2007). 

Jean-Marie Le Bris e L'Albatros (1868)

Com o sucesso do planador de Cayley, outros inventores ingleses, mas também franceses, alemães e de outras nacionalidades começaram a investir em modelos de planadores. Um que se destacou foi o inventor francês Jean-Marie Le Bris (1817-1872). Influenciado por sua vida costeira, na qual ele observava aves como gaivotas e albatrozes, Le Bris começou a desenvolver seus planadores, fazendo testes bem sucedidos a partir de 1856. (GIBBS-SMITH, 2008). 

Le Bries inicialmente fez testes não tripulados, usando cavalos para rebocar os planadores fazendo-os alçar voo. Em 1857 um de seus experimentos permitiu que um de seus protótipos alcançasse uma altura de cerca de 100 metros e percorresse 200 metros de distância. Ainda no mesmo ano, Le Bries fez um teste tripulado, mas a aterrissagem foi brusca e ele fraturou uma das pernas. (GIBBS-SMITH, 2008). 

Após esse acidente ele se tornou prudente, pois poderia ter morrido na aterrissagem insegura. Assim, ele passou a década seguinte aperfeiçoando seus planadores e desenvolvendo o sistema de pouso e controle, para finalmente em 1868 ele realizou novo teste com o L'Albatros, que embora tenha ficado ligeiramente avariado na aterrissagem, Le Bries conseguiu voar nele por mais de cem metros de distância. 

Le Bries abordo do L'Albatros em 1868. Fotografia de Pépin. 

Embora tenha conseguido voar, o L' Albatros apresentou instabilidade no voo por conta de seu formato, apesar disso, o projeto de Le Bries chamou atenção do Exército francês, já que em 1870 teve início a Guerra Franco-Prussiana (1870-1971), da qual ele participou, embora não tenha conseguiu desenvolver de forma satisfatória planadores para reconhecimento do campo de batalha. Vale ressalvar que a ideia de usar máquinas voadoras para isso não era nova, pois antes balões foram usados para fazer isso. 

Os irmãos Du Tample e o Monoplano (1874)

Na década de 1870 vários projetos para se criar aviões motorizados combinando o conceito dos planadores de Cayley, Le Bries e outros inventores, foram desenvolvidos. Como os motores a combustão tinham se desenvolvido melhor, acreditava-se que agora seria possível criar aviões que pudessem voar sem precisar serem rebocados ou catapultados. Na prática isso ainda levaria décadas para ser resolvido. 

Os irmãos Felix e Louis Du Tample de La Croix desde a década de 1850 vinham estudando planadores, mas sem sucesso conseguiram produzir algo eficaz e seguro. Entretanto, no começo dos anos 1870 eles investiram em novos projetos e desenvolveram o Monoplano, um avião feito com estrutura de alumínio, tendo 13 metros de envergadura, pesando cerca de 80 quilos. Ele possuía uma hélice e um motor movido a gasolina. (GIBBS-SMITH, 2008). 

Usando uma rampa, os Du Tample conseguiram lançar o Monoplano que obteve sucesso ao voar e depois aterrissar, consistindo num primeiro avião primitivo a conseguir fazer isso utilizando um motor. Porém, a aeronave não era tripulada e ainda precisou usar uma rampa para ganhar velocidade e altitude. 

Réplica do Monoplano dos irmãos Du Temple, 1874. 

O projeto dos Du Tample inspirou outros inventores a investirem em aviões motorizados, algo visto com Alphone Pénaud e Victor Tatin, que conseguiram construir seus modelos, mas todos eram não tripulados e os motores a vapor e a combustão não detinham potência suficiente para fazer o avião decolar por conta própria, além de permanecer alguns minutos voando. Os voos de testes duravam apenas segundos. (GIBBS-SMITH, 2008). 

Clément Ader e o Avión III (1897)

Clément Ader (1841-1925) foi um inventor e engenheiro francês que na década de 1880 passou a investir em projetos de planadores e aviões. Baseado nos estudos daquela década, em que existiam vários projetos da construção de aviões motorizados, Ader concebeu o Éole em 1890, um protótipo não tripulado, tendo um motor a vapor de 20hp, que conseguiu erguer a aeronave de 300 quilos por uma distância de 50 metros, mas apenas a 20 centímetros acima do solo. Insatisfeito com aquilo, Ader passou os anos seguintes criando novos protótipos e motores mais potentes, mas todos os testes foram sem tripulação. (LISSARAGUE, 1990). 

Em 1897 ele criou o Avión III (ou Éole III), possuindo dois motores de 30hp, movendo duas hélices. Seu avião tinha a estranha forma de asas de morcego, que Ader julga ser mais aerodinâmico que asas lisas. Em 14 de outubro de 1897 um teste com piloto foi realizado num campo diante de representantes do Exército francês, o qual patrocinava o trabalho de Ader. Entretanto, o Avión III não conseguiu alçar voo, apenas realizou alguns saltos. (LISSARAGUE, 1990). 

Fotografia do Avión III (1897) de Clément Ader. 

Embora os projetos de Ader tenham fracassado em não conseguir criar um avião tripulado que conseguisse decolar, voar e pousar, no entanto, ele ficou famoso por ter criado a palavra avión, que originou o termo avião em alguns idiomas como o português e espanhol. Além disso, observa-se novamente o interesse das forças armadas em desenvolver aviões para fins militares, algo que somente se concretizou com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). 

Os irmãos Wright e os aviões catapultados (1900-1905)

A partir de 1900 os irmãos Wilbur (1867-1915) e Orville (1871-1948) que eram empresários do ramo de bicicletas, passaram por hobby a se interessar por aeroplanismo, assim começaram a estudar a respeito, tendo como principais influências os artigos de George Caylay, o aeroplano de Chanute-Herring e os experimentos de Otto Lilienthal com planadores. Dessa forma, os Wright começaram a construir em 1901 seus planadores sem motor, mas que conseguiam voar dezenas de metros de distância, assim como, eram pilotados por um dos irmãos, normalmente o Wilbur. (HOWARD, 1998). 

Wilbur Wright no planador Wright 1 em 1901. 

Com os voos promissores do Wright 1, os irmãos investiram em novos modelos revendo os dados fornecidos por Lilienthal, na época uma referência em planadores. Além disso, Wilbur e Orville construíram um pequeno túnel de vento para testar a aerodinâmica de modelos em escala, fazendo alterações no formato das asas. 

Após dois anos de testes e vários voos, em 1903, os dois decidiram testar o Wright Flyer 1, um avião motorizado, que realizou um voo de demonstração em 14 de dezembro, mas sofreu uma queda segundos depois, tendo que ser reparado. Finalmente no dia 17 de dezembro, Orville e Wilbur realizaram quatro voos que duraram segundos, percorrendo dezenas de metros, mas a baixa altitude. No último voo, o avião não aterrissou de forma segura e ficou danificado, mas Wilbur não se feriu. Cinco homens, incluindo um jornalista e um fotógrafo testemunharam os voos. (HOWARD, 1998). 

O Wright Flyer 1 em teste de voo rasante em 1903. Orville o pilotava na época, enquanto Wilbur assistia. 

Embora os quatro voos tenham sido satisfatórios, apesar da baixa altitude, entretanto, o Wright Flyer 1 dependia de suporte para levantar voo. Os Wright usavam uma combinação de trilhos para rebocar ou catapultar seus aviões. Isso levou a algumas controvérsias, fato esse que nas primeiras décadas os dois não eram creditados como os inventores do avião, pelo menos, de um modelo eficiente. (ANDERSON, 2004). 

Com o sucesso do Flyer 1, o Flyer 2 foi lançado em 1904 e depois o Flyer 3 em 1905. Esses dois modelos voaram mais longe e mais alto do que o seu antecessor. E finalmente o reconhecimento público e oficial que os Wright aguardavam somente veio a partir de 1905, após os testes do Flyer 3, que conseguiu em sua última volta, voar por 39 km antes de ter que pousar devido ao término do combustível. O voo histórico de longa distância foi realizado sobre Huffman Praire, tendo o avião sido pilotado por Orville, pois Wilbur havia se ferido em uma queda nos testes anteriores. (ANDERSON, 2004). 

O Flyer 3 pilotado por Orville Wright em 1905. 

Apesar do sucesso desse voo, alguns jornais americanos questionavam a veracidade do feito. Seria possível que um avião que não conseguia levantar voo sem ser ajudado, poderia ter potência para percorrer uma longa distância como eles dois e as testemunhas na fazenda alegaram? Essa dúvida chegou aos jornais europeus, especialmente os franceses que contestavam as longas distâncias que os aviões do Wright teriam percorrido. 

Fato esse que Wilbur e Orville passaram os dez anos seguintes tentando provar a veracidade de seus experimentos, o que incluiu demonstrações públicas e idas à Inglaterra e França. No entanto, somente a partir de 1908 é que os aviões dos Wright passaram a decolar sem ajuda externa, mas nesse período eles já eram famosos, especialmente nos Estados Unidos onde eram creditados como os inventores do avião. (ANDERSON, 2004). 

Santos Dumont e o 14-bis (1906)

O engenheiro e inventor brasileiro Alberto Santos Dumont (1873-1932) vivia a vários anos em Paris, sendo uma figura pública famosa por conta de seus experimentos com balões e dirigíveis. Dumont então influenciado por aeroplanistas franceses, alemães e ingleses decidiu desenvolver seu modelo de avião. Dumont diferente dos Wright que estudavam planadores desde 1900, não tinha familiaridade com esses veículos, já que sua especialidade eram os balões e dirigíveis, apesar disso, ele montou em 1906 o 14-bis, um avião bem estranho, pois as asas e a hélice ficavam na traseira. (BARROS, 2006). 

De julho a novembro de 1906, Dumont realizou vários testes com o 14-bis, resultando em voos fracassados e até acidentes leves. O avião não tinha potência para conseguir alçar voo, tendo sido atirado de um lugar alto para planar e depois acionar os motores. Condição essa que Dumont trocou de motor e alterou alguns detalhes da estrutura para conceder maior estabilidade. Vale ressaltar que nesses meses ele conseguiu voar várias vezes curtas distâncias, mas o desafio proposto pelo Aeroclube da França era que o avião deveria levantar voo por conta própria (uma clara indireta aos voos do Wright, que já era conhecidos naquela época). 

Assim, após meses de testes e reformulações do projeto do 14-bis (conhecido em francês como Oiseau de Proie), finalmente o avião de Dumont conseguiu voar. Ao longo dia 12 de novembro de 1906, Dumont realizou cinco voos com o 14-bis, sendo demonstrações públicas, as quais milhares de pessoas assistiram, além de juízes do Aeroclube. O último voo realizado foi o mais extenso, percorrendo mais de 200 metros e passando dos 35 km/h. (FONTES; FONTES, 1967). 

Matéria de um jornal francês de 12 de novembro de 1906, noticiando o voo histórico de Santos Dumont com o 14-bis. 

Os Irmãos Wright ficaram abismados com o relato dos voos de Santos Dumont, em Paris. Eles cobraram descrições e dados a respeito, pois estavam incrédulos como um piloto que não tinha experiências com aqueles veículos conseguiu em cinco meses tamanha façanha, algo que os Wright passaram anos estudando e não tinha obtido sucesso similar. (BARROS, 2006). 

Dumont ainda chegou a realizar outros voos com o 14-bis até que numa queda em 1907 o avião ficou tão danificado, que ele desistiu de consertá-lo, então passou a trabalhar em outro modelo. Apesar disso, os jornais franceses e de outros países europeus creditavam ao brasileiro Santos Dumont a criação do avião, ou pelo menos o reconhecimento de sua proeza. (FONTES; FONTES, 1967). 

Gabriel Voisin e o biplano (1907-1908)

O empresário e piloto Gabriel Voisin (1880-1973) inspirado pelo sucesso dos voos dos Wright e de Santos Dumont decidiu investir no mercado de aviões, com isso ele contratou engenheiros para auxiliá-lo, incluindo seu irmão Charles Voisin, vindo a criar o Voisin I, o primeiro modelo bem sucedido de avião produzido em massa, lançado poucos meses antes do Demoiselle de Santos Dumont. 

Assim, Voisin usou sua empresa a Appareils d'Aviation Les Frères Voisin para produzir aviões para pilotos de testes, aviadores e ricos que gostavam de aventura. Entre esses destacaram-se Leon Delangrange (1872-1910), piloto e escultor que se destacou nas competições de voo e Henri Farman (1874-1958), piloto e empresário que ganhou fama em participar de competições de voo, mas ele ficou tão interessado por aviões que abriu a própria empresa para produzir motores e peças para aviões. Farman passou a fazer negócios com Voisin, ambos cooperaram para as melhorias dos aviões. (GIBBS-SMITH, 2008). 

Henri Farman voando num Voisin I em 1908. 

Santos Dumont e o Demoiselle (1907-1909)

Após o sucesso do 14-bis, Dumont decidiu mudar totalmente seus projetos de aviões, vindo a desenvolver o Demoiselle N. 19, também chamado de Libellule. O primeiro nome se devia que o designer do avião era bonito e delicado, já o outro nome se referia a condição de ser uma aeronave leve e frágil. De fato, o Demoiselle pesa somente 56 kg, o que o torna o primeiro ultraleve eficiente da História. (FONTES; FONTES, 1967). 

Em 1907, Dumont realizou alguns voos com seu Demoiselle pelos céus de Paris, mesmo que fosse a distâncias inferiores a 200 metros, o motivo se devia a capacidade de combustível da aeronave, que ainda era pequena. Apesar disso, ele construiu nos anos seguintes alguns modelos dessa aeronave, cada um aperfeiçoava problemas do anterior. Em 1909 o Demoiselle N. 22 foi considerado a melhor versão desenvolvida por Dumont. Com esse modelo ele realizou vários voos por Paris e cidades nos arredores, percorrendo pela primeira vez, alguns quilômetros de distância. O aviador estava tão habituado aos passeios aéreos que viajava de uma cidade para a outra para ir almoçar ou jantar com admiradores e amigos. Vale ressalvar que nessa época voo longos não era incomuns, além de haver competições aéreas na França. (FONTES; FONTES, 1967). 

Santos Dumont voando no Demoiselle em 1909. 

A ideia de um avião tão pequeno e leve advinha do sonho do aviador brasileiros de tornar os aviões em veículos baratos e acessíveis ao público. Para Dumont, havia a expectativa que nas décadas seguintes voar fosse algo comum, além de que as pessoas teriam seus aviões como tinham carros, condição essa que ele liberou as patentes do Demoiselle, tornando-as públicas para que qualquer pessoa pudesse construir a aeronave. Diferente do que fez empresários como Voisin, os Wright e Farman. 

No ano de 1910, após uma queda com o Demoiselle N. 22, Dumont desistiu de continuar pilotando, mesmo que não tenha sofrido ferimentos graves. Entretanto, o aviador sofria de outros problemas de saúde como vertigens agudas quando passava muito tempo voando.  

Louis Blériot e o voo sobre o Canal da Mancha (1909)

O empresário, inventor e aviador Louis Blériot (1872-1936) ganhou fama mundial ao sobrevoar a França para a Inglaterra, cruzando o Canal da Mancha. Blériot começou a construir seus aviões ainda em 1905, mas sem muito sucesso, de fato, os melhores exemplares foram surgir em 1907. Assim, em 1908 ele teve interesse em participar de uma disputa de voo proposta pelo jornal Daily Mail que oferecia 500 libras esterlinas para o aviador que cruzasse o Canal da Mancha. Alguns candidatos cogitaram participar da disputa, incluindo Wilbur Wright, que na época estava na Europa divulgando sua empresa e aviões. Todavia, ele e outros concorrentes desistiram. (ELLIOT, 2000). 

Assim, em 1909, como o prêmio havia sido aumentado para 1000 libras esterlinas, Blériot decidiu se arriscar, pois seria um voo de mais de 30 km de distância e sem nenhum lugar para aterrissar em caso de pane. Cair no mar seria morte certa. Apesar disso, Blériot escolheu seu melhor modelo de avião, o Blériot IX, ele partiu antes das 5h da manhã do dia 25 de julho, levando 36 minutos para chegar em Dover na Inglaterra. Apesar do voo curto, Blériot relatou que foi a meia-hora mais demorada de sua vida, inclusive ele não levou bússola, tendo que se guiar pela visão, enquanto seguia um navio que atravessava o canal. (ELLIOT, 2000). 

Louis Blériot no Blériot IX em 1909. 

Blériot ganhou o prêmio de 1000 libras e fama, se tornando o primeiro homem a cruzar o Canal da Mancha num avião. Ele nos anos seguintes como Voisin e Farman, desenvolveu sua fábrica de aviões, investindo na construção desses. 

Os irmãos Nieuport e o Nieuport IV (1911)

O piloto e empresário Édouard Nieuport (1875-1911) junto com seu irmão Charles fundaram a empresa Société Anonyme Des Éstablissementes Nieuport em 1909, para produzir aviões. Inicialmente eles produziram aviões para participar das competições aéreas, bastante comuns na França, fato esse que Édouard ganhou algumas disputas, especialmente as de velocidade, que eram suas preferidas. Todavia, com a eclosão da Guerra Ítalo-Turca (1911-1912), o governo italiano negociou com a empresa de Nieuport para fornecer aviões para fins de reconhecimento do território inimigo. (SANGER, 2002). 

Naquela época o modelo Nieuport IV era a melhor versão da empresa, mas além do uso para reconhecimento, a aeronave também foi a primeira da História a ser usada para ataque, atuando como bombardeio, quando pilotos italianos bombardearam acampamentos turcos. A ideia rapidamente se espalhou e a Turquia tratou de fazer o mesmo, além disso, países como França, Alemanha, Inglaterra e Rússia também demonstraram interesse nesse modelo de avião para fins militares. (SANGER, 2002). 

Um Nieuport IV.G em fotografia de 1911 ou 1912. 

Édouard morreu num acidente aéreo, não vivendo para ver seus aviões serem amplamente empregados na Grande Guerra, porém, seu irmão Charles seguiu comandando a empresa, tendo feito negócios com vários países para fornecer suas aeronaves. O modelo Nieuport IV e suas variantes foram usados ao longo da guerra. Além disso, foi o primeiro modelo de avião a definir alguns padrões de designer que seriam adotados por outras empresas durante a guerra. 

Considerações finais

Com o sucesso de aviões inventados pelos Wright, Santos Dumont e outros inventores baseados neles, países como Alemanha, Inglaterra, França, Estados Unidos e Itália começaram a investir em aviões de guerra. Lembrando que a ideia para isso já existia no século XIX. Os próprios irmãos Wright trabalharam para o Exército produzindo modelos para fins militares. Santos Dumont foi convidado a fazer o mesmo pelo governo francês, mas recusou a proposta por ser um pacifista, inclusive foi um crítico ao uso de aviões na guerra. 

As empresas de Farman, Voisin, Blériot e Nieuport ganharam muito dinheiro com a guerra, produzindo aviões, motores e peças. Fato esse que além de produzir motores e peças para as aeronaves, algumas dessas empresas também faziam isso para carros, motos e caminhões. A Grande Guerra impulsionou a indústria de veículos terrestres, náuticos e aéreos. Dessa forma, milhares de aviões foram produzidos em quatro anos, sendo testados em condições extremas. 

Entretanto, durante a guerra os aviões já estavam bem mais avançados do que eram cinco anos antes, permitindo realizar manobras rápidas, voos de longa distância, atingir velocidades superiores aos 200 km/h, possuir uma maior dirigibilidade, poder carregar armamento, e em alguns casos havia aviões que levavam dois a três pilotos, embora o usual fosse apenas um piloto. A guerra com toda sua infelicidade em destruição e morte, ajudou a consolidar a invenção do avião. 

Aviões modelo Albatros D.IIIs e Jasta 11 do exército alemão em uma pista de pouso na França, em 1917. 

Referências bibliográficas:

ANDERSON, John D. Inventing Flight: The Writgh Brothers and Their Predecessors. Baltimore, John Hopkins Univrsity Press, 2004. 

BARROS, Henrique Lins de. A invenção do avião. Rio de Janeiro, Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT/Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas - CBPF, 2006.

DEE, Richard. The Man who Discovered Flight: Geroge Cayley and the First Airplaine. Toronto, McCelland and Stuart, 2007. 

ELLIOT, B. A. Bleriot, Herald of An Age. Stroud, Tempus, 2000. 

FONTES; Ofélia; FONTES, Narbal. A vida de Santos Dumont. 3a ed. São Paulo, Reper Editora, 1967.

GIBBS-SMITH, C. H. Aviation: An historical survey. London, NMSI, 2008.  

HOWARD, Fred. Wilbur and Orville: A biography of the Wright brothers. New York, Ballantine Books, 1998. 

LISSARAGUE, Pierre. Ader, inventor of Aeroplanes. Toulose, Edition Privat, 1990. 

SANGER, Ray. Nieuport Aircraft of World of War. Wilthshire, Crowood Press, 2002. 

Links relacionados: 

Santos Dumont: o brasileiro que ganhou os céus

O Barão Vermelho e os primórdios da guerra aérea