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Leandro Vilar

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A realidade dos Contos de Fadas: Uma análise social

Quando ouvimos falar de contos de fadas, pensamos em crianças, histórias sobre princesas, fadas, anões, bruxas, animais falantes, etc. Histórias contadas pelos pais durante a noite, ou nas escolas. Histórias que viraram clássicos pela mãos de Walt Disney. Contudo tais histórias, a princípio sem nenhum contexto mais importante, escondem um passado sombrio de uma realidade de vida miserável e cruel. Se vocês tem crianças em casa, não contem para eles o que será dito aqui, deixe que a fantasia destes contos os encantem e os alegrem por enquanto.

Os principais contos de fadas que conhecemos no Ocidente, como Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, Cinderela, O Pequeno Polegar, O Gato de Botas, Barba-azul, Os contos da Mamãe Ganso, etc., tiveram suas origens em tempos remotos que se perdem na história. Tais histórias se originaram em parte na Idade Média europeia e em outra parte, vieram do Oriente, possuindo diferentes versões. Histórias como da Branca de Neve e Cinderela possuem várias versões ao longo da Idade Média até o século XX, de fato as versões da Disney são as mais famosas e conhecidas no mundo.

Chapeuzinho Vermelho: 

Comecemos a tratar da realidade destas histórias a partir de agora, começando com a clássica história da Chapeuzinho Vermelho. Essa história ainda possui suas origens desconhecidas, mas os relatos mais antigos são encontrados na França, posteriormente outras versões deste conto surgiram na Inglaterra e na Alemanha, em especial na Alemanha temos a versão dos famosos Irmãos Grimm (Jacob e Wilhem). 

Ilustração de Gustavo Doré, XIX. 
Em resumo, a história da Chapeuzinho Vermelho, narra a aventura de uma jovem menina, as vezes descrita como uma criança entre seus dez e doze anos ou uma adolescente entre seus 14 e 16 anos, a qual viaja por uma sombria floresta a fim de visitar sua avó doente e lhe levar comida e remédios, mas no caminho ela se depara com um grande e feroz lobo que a engana, lhe apontando um suposto atalho que na realidade era um caminho mais longo. O lobo aproveita e corre para a casa da avó dela, e a devora. Depois engana a jovem garota com aquelas famosas perguntas. Porém nas versões que vemos hoje, no final da história a vovozinha e a Chapeuzinho são retiradas da barriga do lobo por um bondoso lenhador. Contudo nas versões mais antigas, esta história não possuía um final feliz. Devemos nos lembrar que o propósito destas histórias não eram meramente entreter as crianças, mas lhe ensinar lições de moral e alertar sobre alguns perigos.

Assim, a viagem pela floresta, o lobo mau, eram na realidade mecanismos metafóricos utilizados pelos adultos, para dizer que as crianças deveriam ficar longe da floresta, a qual era um lugar perigoso tanto para crianças como para adultos. Na Idade Média e Moderna, em algumas regiões, bandos de lobos vagavam pelas campos causando perdas aos rebanhos de pastores, e gerando medo nas pessoas (em alguns casos, estas invasões de lobos, era consideradas como obras de bruxas e de lobisomens). Mas, a moral da história fica em se dizer que tenha cuidado com a floresta, não ande sozinho e cuidado com os estranhos. Nas versões mais antigas, tanto a Chapeuzinho como a sua avó, morriam no final. Há outras interpretações para esta história, mas me reterei a ficar apenas nessa.

Barba Azul: 

Ilustração de Gustavo Doré, XIX. 
Outro conto com um tema sombrio é o conto do Barba-azul (La Barbe Bleue), escrito por Charles Perrault (1628-1703), publicado nos Contos da Mamãe Gansa em 1697. Nessa história, uma mulher se torna noiva de um rico viúvo chamado Barba-azul, contudo este sombrio homem guardava um segredo tenebroso. Sua noiva ficara sabendo que seu marido já havia tido seis mulheres, as quais misteriosamente haviam morrido; a trama se desenvolve entre a curiosidade da mulher em saber o que se encontraria atrás de uma porta que ficava sempre trancada. Num dia ela consegue pegar a chave do noivo e abre a porta, ao entrar no cômodo, ela se depara com os cadáveres das ex-esposas pendurados nas paredes. Em si este conto tenebroso procurava alertar as mulheres e os pais para terem cuidado com os maridos que estes procuravam para suas filhas, e além disso, em outra interpretação, temos também uma crítica para a "curiosidade feminina", tenha cuidado no que você procura, por que a verdade pode ser cruel.

"Na Itália, Barba Azul é um demônio, que atrai uma sucessão de moças camponesas para o inferno, contratando-as para lavar sua roupa e, depois, tentado-as com o truque habitual da chave da porta proibida". (DARNTON, 1986, p. 67).

"Longe de ocultar sua mensagem com símbolos, os contadores de histórias do século XVIII, na França, retratavam um mundo de brutalidade nua e crua". (DARNTON, 1986, p. 29).

Cinderela: 

No conto da Cinderela, o seu famoso sapato de cristal se tornou parte de uma das versões deste conto para dar um final feliz a protagonista, que nem sempre vivenciou algo do tipo. A história da Cinderela é bem antiga, versões deste conto foram encontrados na China antiga, no século IX.  


“A exaltação da pequenez do pé feminino, em torno da qual gira a trama de Cinderela, foi associada ao hábito, característico das classes altas na China, de amarrar bem apertado, desde a primeira infância, os pés das mulheres. Trata-se de uma conjetura plausível. Por outro lado, sabe-se que a mais antiga dentre as versões conhecidas da fábula de Cinderela foi redigida por um erudito funcionário, Tuang Ch'eng-Shih (800-863), que a ouvira de um de seus servos, originário da China meridional. Juntando os ossos de um peixe milagroso, morto pela madrasta, a protagonista - Sheh-Hsien - obtém um par de sandálias de ouro e um vestido de penas de alcione, com o qual vai à festa em que encontrará o rei”. (GINZBURG, 1991, p. 225-226). 

Contudo as versões de Perrault, dos Grimm e da Disney são as mais conhecidas e famosas. A Cinderela também pode ser encontrada sob o nome de a Gata Borralheira, a qual narra a história de uma jovem e bonita mulher sofredora, que procura a felicidade.

"Num dos primeiros contos do ciclo de Cinderela, a heroína torna-se empregada doméstica, a fim de impedir o pai de forçá-la a se casar com ele. Em outro, a madrasta ruim tenta empurrá-la para dentro de um fogão, mas incinera, por engano, uma das mesquinhas irmãs postiças". (DARNTON, 1986, p. 28).

“Na versão européia mais remota, Cinderela, a enteada maltratada, não pode ir ao baile porque a madrasta a impediu (proibição); recebe o vestido, os sapatos etc. (doação dos instrumentos mágicos pelo ajudante); dirige-se ao palácio (superação da proibição); foge, perdendo o sapato, que depois consegue, a pedido do príncipe, calçar (tarefa difícil que conduz ao reconhecimento da heroína), enquanto as meias-irmãs tentam inutilmente fazer o mesmo (o falso herói manifesta pretensões infundadas); desmascara as meias-irmãs antagonistas; casa com o príncipe. O enredo, como se vê, repete o esquema que foi identificado nas fábulas mágicas. Uma de suas funções - a marca impressa no corpo do herói ou da heroína - é facilmente reconhecível no detalhe crucial do sapato perdido. O monossandalismo de Cinderela é o sinal de quem foi ao reino dos mortos (o palácio do príncipe)”. (GINZBURG, 1991, p. 221). 

Ilustração de Gustavo Doré, XIX. 
Em algumas das versões europeias do conto, a Cinderela era uma jovem que passa a viver com a família da sua madrasta após a morte de seu pai, contudo sua madrasta e suas três filhas eram mulheres cruéis com Cinderela, a maltratando com profundo desprezo. Ela passa a viver como uma empregada ou uma serviçal no contexto da época. Tal história procurava retratar a realidade de algumas filhas que passavam a viver com suas madrastas, já que nesta época o índice de mortalidade era grande, sendo assim era comum haver muitos viúvos e viúvas, e nem sempre estes homens e mulheres eram gentis com os filhos de seus cônjuges. Assim, o incremento da fada, do sapato de cristal, do baile, do príncipe encantado, se tornou meios para que a protagonista pudesse ter a esperança de que a vida poderia ficar melhor, ter um sonho pelo qual lutar. 

“Até aqui, consideramos Cinderela uma unidade compacta, negligenciando as variantes, que são muito numerosas. Examinemos aquelas que se referem à figura do ajudante mágico, de quem a heroína obtém os objetos que lhe permitem dirigir-se à festa no palácio. Na versão de Perrault, a ajudante é uma fada, madrinha de Cinderela. Com mais freqüência, as mesmas funções são desempenhadas por uma planta ou um animal - uma vaca, uma ovelha, uma cabra, um touro, um peixe - que a heroína protege. Por esse motivo, é morto ou tem a morte determinada pela madrasta, Antes de morrer, confia à heroína os próprios ossos, pedindo-lhe para recolhê-los, enterrá-los e aguá-los. Em alguns casos, os ossos transformam-se magicamente nos objetos presenteados; em outros, a heroína encontra os objetos no túmulo, sobre o qual às vezes cresceu uma árvore. Em três versões, o animal-ajudante - uma ovelha ou um carneiro na Escócia, uma vaca ou um peixe na Índia - ressuscita dos ossos e entrega à heroína os presentes mágicos”. (GINZBURG, 1991, p. 221). 

Independente da forma como a Cinderela adquire seu vestido, sapatos de cristal ou sandálias, ela o ganha de alguma forma mágica, que por sua vez proporciona o meio pelo qual ela poderá ter acesso a uma "zona de conforto", ou seja, o baile, no qual ela conhecerá o amor de sua vida. Por sua vez, o sapato ou a sandália, é o objeto pelo qual o príncipe irá reconhecê-la posteriormente, por não saber sua verdadeira identidade. A ideia da Cinderela além de mostrar esse ponto negativo o qual muitas mulheres realmente estiveram sujeitas, também proporciona a esperança de que talvez a vida possa melhorar ao encontrar seu "príncipe encantado", no caso antigo, literalmente. 

Tais ideais são visíveis em outros contos como da Bela Adormecida (Dornöschen) e a Bela e a Fera (La Belle et la Bête), contos que de início possuíam um cenário sombrio, marcado por mortes, medo, traição e até mesmo estupros; mas, para se contornar tão sombria realidade, novos finais foram acrescidos as antigas histórias. Em uma das versões da Bela Adormecida, essa era enganada pelo príncipe o qual a engravida e posteriormente a abandonava. Em algumas versões da Bela e a Fera, a Fera tenta violentar a Bela, em outras ela chega a se casar com a Fera que volta se tornar um homem normal, mas os dois vivem um péssimo casamento, pois o príncipe era um homem rude. Em ambos os casos a moral da história era se alertar as mulheres as falsas promessas que os homens faziam para conquistá-las.

Pequeno Polegar: 

Ilustração de Gustavo Doré, XIX. 
No conto o Pequeno Polegar (Le Petit Poucet), história que se perde no tempo, tendo a versão de Charles Perrault como sendo a mais conhecida, narra a história de uma pequena criança chamada de Polegar, devido a sua diminuta estatura. Polegar era um dos sete filhos de um lenhador, o qual em um período de fome, decide abandonar os filhos para tentar salvá-los e a salvar a si mesmo e a sua esposa. Não irei relatar a história em si, mas o conto diz que o Pequeno Polegar e seus irmãos acabaram chegando no castelo de um ogro, onde tentaram sobreviver a sua voracidade, neste caso o final da história é feliz. Contudo tal conto expressa uma realidade dura dos europeus e especialmente neste caso dos franceses: a fome. Na França desde a Idade Média até o século XVIII, períodos de longos invernos e de longas secas, pragas, falta de técnicas melhores para aumentar-se a produção de alimentos, geravam más colheitas, logo a escassez de alimentos, em especial o trigo com o qual se fazia a farinha, logo o pão de cada dia, principal alimento da população.

"Durante quatro séculos - dos primeiros estragos da Peste Negra, em 1347, até o primeiro grande salto da população e produtividade, por volta de 1730 - a sociedade francesa permaneceu aprisionada em instituições rígidas e condições maltusianas". (DARNTON, 1986, p. 41).

Para tentar salvar a vida dos filhos, algumas famílias expulsavam os mais velhos para fora de casa, para que estes procurassem seguir seu próprio rumo, em alguns casos, as crianças mais novas eram deixadas nas portas de mosteiros e de igrejas, ou eram dadas ou vendidas para famílias ricas para que pudessem criá-las, e logo as salvassem. Em casos mais extremos, ocorria o infanticídio.

"Cerca de 45 por cento dos franceses nascidos no século XVIII morriam antes da idade dos dez anos". (DARNTON, 1986, p. 44).

A comida passou a ser um assunto recorrente em alguns contos conhecidos e outros desconhecidos, o sonho de se ter uma mesa farta era para muitas pessoas sua maior realização.

"Comer até se encher, comer até a exaustão do apetite (manger à sa faim), era o principal prazer que tentava a imaginação dos camponeses e que eles raramente realizavam em vida". (DARNTON, 1986, p. 53).

O Gato de Botas: 

Ilustração de Gustavo Doré, XIX. 
O Gato de Botas (Le Maítre chat ou le Chat botté) foi escrito por Perrault e lançado no livro os Contos da Mamãe Gansa em 1697. Nessa história um moleiro no fim de sua vida deixa sua herança para três filhos. Para o mais velho ele lhe deixa o moinho, para o do meio, um burro, e para o caçula um gato. O filho mais jovem fica decepcionado em ter recebido um gato, o qual não lhe tinha utilidade nenhuma, pelo menos o burro poderia carregar algo. Mas, logo o gato se mostrou ser uma criatura especial, ele passou a andar sobre as patas traseiras, a usar botas e a falar, o gato se mostrou astuto, e disse que poderia ajudar seu dono. Na história o gato engana um poderoso rei, que tinha o poder de se transformar em qualquer animal, o rei assumiu a forma de um poderoso leão, contudo o Gato de Botas o desafiou, dizendo que ele não conseguiria se transformar num pequeno rato, o rei aceitou o desafio para esbanjar seus poderes, e se transformou num rato, então o gato o devorou e assim seu dono se tornou o novo rei.

"O Gato de Botas italiano, como o francês, mas ao contrário do alemão, é uma raposa que brinca com a vaidade e a credulidade de todos em torno dela, para conseguir um castelo e uma princesa par seu dono". (DARNTON, 1986, p. 67).

A busca por riqueza, a fuga da pobreza, da extrema miséria, tornou-se um sonho recorrente em contos como este e em vários outros. Contudo nem sempre a comida representou a salvação, ela em algumas histórias simbolizava perigo, como a maçã envenenada da Branca de Neve, ou a casa de doces em João e Maria.

João e Maria: 

No conto de João e Maria (Hänsel und Grutel), tem sua versão mais conhecida pelas mãos dos Irmãos Grimm, já que tal história tem sua origem perdida no tempo. Em suma, nesta história as duas crianças os irmãos João e Maria estão perdidos em uma floresta, o caminho que eles haviam marcado com migalhas de pão, havia sido devorado por um corvo, deixando as crianças perdidas. Vagando pela floresta os dois encontram uma casa feita de doces, onde vivia uma velha bruxa, que planejava engordar as crianças para comer-las. 

Ilustração do conto de João e Maria feita por H. J. Ford em 1889, para o livro The Blue Fairy Book, editado por Andrew Lang. 
Em outras versões, não era uma bruxa, mas um ogro, e em outras versões não havia uma casa de doces, mas uma mesa farta em comida, de qualquer forma, o vilão sempre procurava devorar as crianças. E em algumas versões, os dois irmãos não triunfavam ao final da história, mas acabavam eventualmente sendo mortos. Sonhar com comida, como já foi visto, era um desejo procurado pelas pessoas nos tempos de fome, mas em alguns casos, a cobiça poderia ser traiçoeira.

João e o pé-de-feijão: 


Outra história que envolve comida, aventuras e perigos se encontra em João e o Pé de Feijão (Jack and the Beanstalk). Neste conto de origem inglesa, tendo a versão mais conhecida datada de 1890, por Joseph Jacobs, consiste numa adaptação de histórias bem mais antigas. Em suma o conto narra a história de João e sua mãe, ambos pobres, que num dia não tendo mais o que comer em casa, a mãe de João pede que ele levasse a vaca ao mercado para trocar por comida, pois se matar a vaca seria um erro, já que não haveria formas de conservar a carne a longo prazo. Embora que pudesse deixá-la para secar ao sol ou defumá-la, mas no conto tais alternativas não existem. 


No caminho ou no mercado, João conhece um misterioso homem que o engana e o faz trocar a vaca por feijões mágicos. Ao voltar para casa, a mãe de João fica indignada com o erro do filho, contudo João planta os feijões no quintal, e no dia seguinte ele descobre que um pé-de-feijão gigantesco que subia pelo céu, se encontrava por ali. No topo do pé-de-feijão ficava um castelo onde vivia um gigante e sua esposa (em algumas versões a esposa do gigante não aparece). 

Contudo o foco da história consiste nas artimanhas de João como ladrão, o que o leva a roubar os tesouros do gigante, tesouros estes que em algumas versões apontam para uma gansa que colocava ovos de ouro, e uma harpa de ouro mágica, contudo se pensarmos bem, o vilão da história não é o gigante, mas sim o próprio João. 

Se pensarmos atentamente veremos todos os indícios que pesam contra a imagem de "bom moço" de João. Ele invade o lar do gigante; engana a esposa dele, e com isso rouba seus tesouros. No fim, o gigante zangado pelo crime de João vai atrás dele para reaver seus pertences e puni-lo, mas João corta o pé-de-feijão, fazendo o gigante cair e vir morrer. Moral da história: João é um ladrão, mentiroso e assassino. 

Se isso pareceu violento para um conto de fadas, saibam que em parte a história de João e o Pé de Feijão se baseia num conto inglês mais antigo, chamado de João o Matador de Gigantes (Jack the Giant Killer), tal história faz parte das chamadas lendas arturianas, histórias que envolvem o lendário rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda

Nesse caso João era um dos cavaleiros de Arthur, o mais versátil caçador de gigantes, mesmo com o tom violento e adulto, tal história é tida como um conto de fadas. Nas histórias de João o Matador de Gigantes ele caça e mata muitos gigantes pela Bretanha, Irlanda e Escócia, dentre os gigantes mais famosos que João matou estava Thunderdell, um gigante de duas cabeças. 

João, o Matador de Gigantes e Thunderdell. 
Na história, Thunderdell se mostra bem difícil de ser morto, então João consegue uma capa da invisibilidade, contudo o gigante percebe que há alguém com ele pelo cheiro e diz: "Fee-fi-fo-fum, sinto o cheiro do sangue de um inglês. Seja ele vivo, seja ele morto. Eu vou moer os ossos dele para fazer o meu pão". Mesmo tendo notado João, ele consegue surpreender o gigante e lhe cortar as duas cabeças. Neste ponto, a versão infantil do pé-de-feijão ainda conserva alguns traços do Matador de Gigantes: o fato de João se valer da astúcia para matá-los. 

Branca de Neve: 

Por fim um último conto que abordarei aqui, é o conto da Branca de Neve (Schneewittchen), um conto da tradição oral alemã, tendo uma versão bem difundida pelos Irmãos Grimm. Na versão de Walt Disney, a Branca de Neve conta com a ajuda de simpáticos e engraçados sete anões, contudo em algumas versões alemãs desta história, não há anões, os quais são substituídos por sete ladrões, em outras versões, os anões não são mineiros, mas ladrões, e existem versões que falam em dragões nessa história e até mesmo de uma irmã da Branca de Neve, chamada Rosa Vermelha. Nessa história também escrita pelos Irmãos Grimm, Branca de Neve é bem diferente da versão tradicional, e as duas irmãs vivem outras aventuras.

Branca de Neve na floresta. Ilustração de Franz Jüttner, 1910. 

Basicamente na história de Branca de Neve a moral gira entorno de uma crítica a vaidade, a inveja, a cobiça; de se ter cuidado com estranhos e com o que eles lhe oferecem (a maçã envenenada personifica isso); a amizade e a união, ambos personificados pelo companheirismo dos sete anões ou dos sete ladrões, etc.

Se até aqui estes contos pareceram sombrios para alguns saibam que nem todos eram assim, isso dependia também da região e do país, em certos lugares as pessoas preferiam uma história com a temática mais voltada para a comédia e outras para o medo.

"Enquanto os contos franceses tendem a ser realistas, grosseiros, libidinosos e cômicos, os alemães partem para o sobrenatural, o poético, o exótico e o violento. Naturalmente, as diferenças culturais não podem ser reduzidas a uma fórmula - astúcia francesa contra crueldade alemã - mas as comparações possibilitam que se identifique o tom peculiar que os franceses davam às suas histórias; e a maneira como eles contam histórias fornece pistas quanto à sua maneira de encarar o mundo". (DARNTON, 1986, p. 75).


NOTA: Charles Perrault (1628-1703), foi um importante escritor e poeta francês que contribuiu para a popularidade dos contos de fadas e da literatura infantil.
NOTA 2: Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), foram importantes escritores, contistas, linguísticas e folcloristas alemãs, que contribuíram para o estudo da tradição oral das antigas histórias alemãs compiladas em contos de fadas em suas próprias versões. Eles também contribuíram para a elaboração de um dicionário da língua alemã.
NOTA 3: Walt Disney lançou em 1937 sua versão animada de Branca de Neve, chamada de Branca de Neve e os Sete Anões (Snow White and Seven Dwarfs). Em 1950, foi a vez de Cinderela. Em 1959, A Bela Adormecida (Sleeping Beauty) e em 1991, sua versão de A Bela e a Fera (Beauty and the Beast). Contudo outros contos foram adaptados por Disney, mas reterei-me a estes que citei ao longo do texto.
NOTA 4: Os Irmãos Grimm também escreveram Branca de Neve e Rosa Vermelha (Schneewittchen und Rosenrot).
NOTA 5: Hoje pode-se encontrar novas versões destas histórias com temáticas mais cômicas, satíricas e até mesmo violentas e adultas.
NOTA 6: A série Sherk baseada no livro homônimo, perfaz uma miscelânea dos contos de fadas, especialmente nos filmes que abrangem o universo do livro.
NOTA 7: O seriado Grimm retrata as aventuras e investigações de Nick Burkhardt entre outros parceiros seus. Nick descobre que é descendente de uma elite de caçadores de monstros chamados Grimms. A história do seriado gira em torno das missões e Nick e seus companheiros em se caçar os Wesens, designação dada aos monstros dos contos de fadas. Embora não tenha uma ligação direta com os Irmãos Grimm o seriado os tem como inspiração. 
NOTA 8: O filme os Irmãos Grimm (2006) traz os dois irmãos como sendo falsos caçadores de monstros, porém os mesmos acabam se deparando com perigos reais. A história não se baseia nos contos dos verdadeiros Irmãos Grimm, mas faz alusão a seus autores. 
NOTA 9: O filme A Garota do Capuz Vermelho (Red  Riding Hood) de 2011, traz uma nova versão do conto da Chapeuzinho Vermelha, onde na história a mesma é uma adolescente e o Lobo mau é um lobisomem. 
NOTA 10: O filme Branca de Neve e o Caçador (Snow White and the Huntsman) de 2012, traz uma Branca de Neve valente e guerreira. 
NOTA 11: O filme João e Maria: Caçadores de Bruxas (Hansel and Gretel: Witch Hunters) de 2013, amplia a história de João e Maria, contando que após sobreviverem ao cativeiro na Casa dos Doces, eles decidiram se tornar caçadores de bruxas. 
NOTA 12: O filme Jack, o Caçador de Gigantes (Jack the Giant Slayer) de 2013, consiste numa adaptação que mistura aspectos do conto de João e o Pé-de-Feijão e João, o Matador de Gigantes. 
NOTA 13: A série Once Upon a Time criada em 2011, se passa na ficcional cidade de Storybrooke, onde personagens de contos de fadas são transportados para o mundo real devido a uma maldição, e por sua vez a protagonista, Emma Swan é levada para o mundo destes contos, e tenta quebrar a maldição. A série mescla personagens e aspectos destes contos em sua trama. Uma série derivada intitulada Once Upon a Time in Wonderland, segue o conceito proposto da série original, mas só que agora misturando elementos das histórias de Alice e o País das Maravilhas

Referência Bibliográfica:
DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos: e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro, Graal, 1986. (Capítulo I: Histórias que os camponeses contam: o significado de Mamãe Ganso).
GINZBURG, Carlo. História noturna. Tradução de Nilson Moulin Louzada. 2a ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1991. (Parte III, capítulo 2: ossos e pele). 

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Momento: Expressões da História - parte VI

O peso da culpa/ A pena da verdade

É normal ouvirmos as pessoas falarem que a culpa é um fardo pesado, que pagaremos pela nossa culpa, que temos um peso a carregar. Mas, afinal, de onde vem tal expressão? Para se descobrir a origem desta velha expressão devemos voltar no tempo, até a época do Antigo Egito.

No Antigo Egito, acreditava-se em vida após a morte, contudo para se alcançar o "paraíso" na outra vida, você primeiro teria que mostrar aos juízes do Outro Mundo, liderados pelo deus Osíris, que era digno de ir para o "paraíso", que seu coração não era corrompido por culpas. Para isso, no caso do faraós que é o melhor exemplo devido as retra
tações nos templos, pirâmides e livros, o faraó quando chegava ao Mundo dos Mortos, ele se deparava com várias divindades, dentre as quais, Osíris, o deus do mundo dos mortos, Anúbis, o mensageiro da morte, Thot o deus da lua, da sabedoria e da magia, Maat a deusa da verdade.

Osíris presidindo o tribunal do Mundo dos Mortos.

Em meio a este panteão, o faraó ficava diante de uma balança, a qual seria usada para "pesar" a sua culpa em vida. Ele pegava seu coração e o punha sobre uma das bandejas da balança, então Maat punha a pena da verdade na outra bandeja, se você fora uma pessoa honesta, correta e de bem, a balança ficaria equilibrada, e você seria agraciado, contudo, se você fora uma pessoa ruim, mau caráter, que cometera muitos erros em vida, tinha toda uma culpa que carregava consigo, e este coração culpado pesaria mais que a pena. O destino para os culpados seria uma espécie de "morte derradeira", os culpados seriam jogado no mundo inferior onde seriam perseguidos por uma criatura com corpo de leão e cabeça de crocodilo, se tal besta o devora-se, sua alma desapareceria para sempre.

A ideia de peso da culpa também foi difundida entre o Cristianismo, tendo como a cruz carregada por Jesus Cristo seu simbolismo. Todavia o peso da culpa também remete a outras interpretações ligadas ao karma, o qual consiste em culpas ou benefícios de vidas passadas, no caso das culpas, você vem numa outra reencarnação se redimir de seus erros. No hinduísmo, budismo e espiritismo se ver tais relações com as culpas das vidas passadas e a procura do melhoramento espiritual em cada reencarnação.

Presente de grego 

Tal expressão diz respeito a um presente nada agradável, a um presente ou uma surpresa traiçoeira. Tal expressão se originou a partir do mito da Guerra de Troia, narrado por Homero na Ilíada e na Eneida por Virgílio. Após dez anos de guerra, a conquista de Troia parecia ser impossível, os gregos já tinham perdido muitos homens e até mesmo heróis como Aquiles e Sarpédon nesta guerra, por fim a saída encontrada viera de Odisseu (Ulisses). Odisseu concebeu a ideia de se construir um grande cavalo de madeira oco e esconder alguns guerreiros dentro deste, então os gregos fingiriam que haviam abandonado a guerra e deixariam o cavalo na praia como um presente de rendição para os troianos. Por mais que Laocoonte, sacerdote de Apolo tentou convencer o rei Príamo que aquele cavalo era uma armadilha, um mau agouro, contudo, ele foi silenciado por uma serpente marinha enviada por Poseidon, que o matou. Assim, Príamo decidiu que o cavalo seria levado para a cidade como um troféu. Na calada da noite os gregos saíram do cavalo e abriram os portões da cidade, Troia foi saqueada e queimada, muitos foram mortos e outros foram feito escravos. Hoje falar em Cavalo de Troia pode significar algo traiçoeiro, algo com que devemos ter cuidado.

Trabalho hercúleo

As palavras hercúleohercúlea e herculano são termos originados do nome do grande herói grego Hércules (Héracles na versão original). Tal expressão é utilizada para referir-se a trabalhos que envolvam grandes dificuldades para serem realizados, dificuldades físicas e mentais, que parecem ser quase impossíveis de ser realizadas por pessoas comuns, isso era a ideia original do termo, contudo necessariamente o trabalho hercúleo seja algo impossível de se fazer, mas consiste de algo bem difícil. Tal expressão tem origem dos famosos Doze Trabalhos de Hércules, no qual o herói para se redimir de seu crime, consulta o importante Oráculo de Delfos, o qual diz que ele deveria se submeter a "boas ações" para se redimir de seu crime o qual foi de ter matado sua esposa Mégara e seus três filhos após um ataque de loucura causado por Hera.

Por mais, que ele não tenha sido o culpado do crime que cometera, mesmo assim ele decidiu procurar a rendição e glória, para isso, ele se pôs a serviço de seu primo, o rei Euristeu de Tebas que lhe propôs os doze trabalhos, tidos como sendo impossíveis de se realizar. Os doze trabalhos foram:
  1. Matar a Hidra de Lerna
  2. Matar o leão de Némeia
  3. Capturar a veloz corça cerenita
  4. Capturar o feroz javali de Erimanto
  5. Limpar os currais do rei Áugias
  6. Caçar os temíveis pássaros do lago Estínfalo
  7. Capturar o touro branco de Creta
  8. Domesticar as éguas carnívoras do rei Diomedes
  9. Pegar o Cinturão de Ares de Hipólita, rainha das amazonas
  10. Roubar o rebanho de bois do gigante Gérion
  11. Levar a corte de Euristeu, Cérbero o cão de três cabeças.
  12. Colher os pomos de ouro do Jardim das Hespérides

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A conquista da Paraíba (1574-1585)

A conquista e a fundação da Capitania da Paraíba representou um grande feito na história brasileira, feito esse que fica relegado a obscuridade como tantos outros marcos da história deste país. Conquistar as terras nos arredores do rio Paraíba se revelou numa verdadeira guerra, que durou mais de dez anos, que envolveu as autoridades de Pernambuco, do Governo-Geral e da própria Coroa. Conquistar aquelas terras representava não apenas a superioridade portuguesa sobre os indígenas e os franceses que contrabandeavam pau-brasil nessa região, mas representava o acesso por via terrestre ao norte e consequentemente as riquezas daquela região; era dito na época que o pau-brasil destas terras eram de melhor qualidade do que se achava em Pernambuco, além disso, as terras paraibanas da zona da mata eram férteis e propícias ao cultivo da cana de açúcar.

As capitanias hereditárias foram criadas em 1534 (embora que a vila de São Vicente date de 1532, sendo a vila mais antiga a ser fundada no Brasil), nessa época duas capitanias se encontravam nesta região, a capitania de Pernambuco e a capitania de Itamaracá, para o norte estavam as capitanias do Rio Grande (hoje Rio Grande do Norte), do Ceará e do Maranhão (dividida em duas partes). Itamaracá fazia fronteira ao sul com Pernambuco, ocupando hoje as terras do município de Igarassu, e se estendia ao norte até a chamada Baía da Traição, hoje município paraibano. 

Contudo os donatários de Itamaracá não realizaram uma colonização eficiente, grande parte do norte do território era inexplorado e controlado pelos indígenas, em especial os Potiguaras, os quais comercializavam pau-brasil com os franceses na região da Baía da Traição. Por longos anos essas terras ficaram fora da povoação portuguesa, os capitães donatários de Pernambuco culpavam o governo de Itamaracá por descaso com suas obrigações. No caso da Capitania do Rio Grande, a colonização dessa não tinha se efetivado por esta época, e o local residia abandonado pelos portugueses. As tentativas que foram implantadas desde sua criação, em 1534, fracassaram. 

As primeiras capitanias hereditárias no Brasil anterior a 1585. Ao longo da história, outras capitanias foram criadas e desfeitas.

A situação mudou a partir de 1574, quando ocorreu o Massacre de Tracunhaém, ocorrido no engenho de Tracunhaém em Itamaracá, o qual ficava a alguns quilômetros da Vila de Goiana, fundada em 1570. A tragédia ocorreu devido a um mau entendido entre uma tribo potiguara e o engenho, no qual a filha do cacique que retornava para casa escoltada pelos irmãos, foi "sequestrada" enquanto eles passavam a noite no engenho, isso aumentou a ira da tribo, a qual atacou e destruiu o engenho. 

Com tal episódio, o então rei de Portugal D. Sebastião I, ordenou que aquelas terras fossem conquistadas de uma vez por todas. O rei ordenou que o governador-geral Luís de Brito, fundasse uma cidade fortificada que seria a capital de uma nova capitania, já que o governo de Itamaracá não estava dando conta do serviço. Contudo, o governador estava muito ocupado em Salvador e enviou o ouvidor-geral Fernão da Silva para Pernambuco, para resolver tal problema.

"Cabia ao ouvidor, com a tropa que pudesse reunir em Pernambuco, desoprimir os moradores de Itamaracá, pondo cobro pelas armas ao desassossego e agressividade do gentio paraibano. Chegando a Olinda, juntou um troço de soldados e muito resoluto marchou para a conquista da terra rebelde, disposto a castigar os potiguaras e seus aliados franceses". (ALMEIDA, 1978, p. 61).

Primeira expedição (1574)

A primeira expedição chegou ainda no ano de 1574 a foz do rio Sanhauá, um dos afluentes do rio Paraíba, nessa região chamada de Cabedelo (pequeno cabo, atualmente é um município paraibano) Fernão da Silva tomou posse daquelas terras em nome do el-rei D. Sebastião I. Contudo, enquanto o ouvidor-geral acreditando que já estava tudo resolvido, que aquelas terras haviam sido de fato, já reconquistadas mais uma vez, para a sua surpresa, ao invés dos indígenas se debandarem para o interior das florestas, eles os atacaram com grande ferocidade.

Em Lucena fica localizado o Forte Velho fundado em 1584. Pode-se ver entre Lucena e Cabedelo a foz do rio Paraíba do Norte e no meio a ilha da Restinga. A Baía da Traição marca o local onde os franceses costumavam desembarcar e onde várias lutas foram travadas.

"O ataque foi feito no velho estilo dos urros, das pulhas e das flechadas certeiras. Diante daquela investida inesperada, a tropa se tomou de pânico e arrancou pela praia, numa carreira desabalada, em demanda de Itamaracá, onde sabia encontrar refúgio seguro". (ALMEIDA, 1978, p. 63).

Fernão da Silva retornou para Salvador, derrotado e humilhado. No ano seguinte o governador-geral confiou a liderança de uma nova expedição, ao seu sobrinho Bernado Pimentel de Almeida, dessa vezm se enviaria doze navios com homens bem equipados, mas por azar do destino, os navios não chegaram a costa paraibana, ventos vindos do Norte, impediram que a frota que vinha de Portugal, avançasse, e a expedição não chegou a ocorrer. 

A expedição que não houve (1578)

Em 1577 o governo de Luís de Brito chegou ao fim, e este foi substituído por Lourenço da Velga, contudo, não existem registros que apontem que o novo governador-geral enviou alguma expedição para a Paraíba, o que se sabe é que ele planejou fazer isso, escolhendo o seu ouvidor-geral Cosme Rangel, porém, ele nunca chegou a levar a cabo alguma iniciativa.

Em 1578 o ouvidor Cosme de Macedo e o provedor Cristóvão de Barros foram incumbidos pelo governador-geral Lourenço da Velga de organizarem uma expedição para a Paraíba, mas problemas ocorridos em Portugal, levaram a expedição ser cancelada. Todavia, o historiador J. F de Almeida Prado, alega que ainda em 1578, João Tavares com o apoio do governo pernambucano partiu para a Paraíba a fim de negociar uma trégua com os indígenas, como também acertar acordos a respeito da exploração do pau-brasil na região, embora não tenha se saído bem com isso. Horácio de Almeida e outros historiadores não consideram a expedição de Tavares em 1578, como uma expedição oficial de conquista, mas apenas uma expedição diplomática particular. 

Segunda expedição (1582)

Rei Filipe II de Espanha e I de Portugal
Em 1582 a situação de Portugal e suas colônias havia mudado, o rei D. Sebastião tinha morrido em 1578, numa batalha na Bárbaria (atual Marrocos) e foi sucessido pelo seu tio o Cardeal-Rei Henrique I. Pelo fato de ser cardeal e pela idade avançada, o novo rei governou apenas por dois anos, e veio a falecer, sem deixar herdeiros, isso gerou um problema para a Coroa portuguesa no que resultou na ascensão do rei espanhol Felipe II como rei de Portugal, dando início a União Ibérica, período que marcou a união dos domínios espanhóis e portugueses de 1580 a 1640. Felipe II se apresentou como candidato ao trono português, alegando parentesco com a Família Real Lusa, por parte de sua mãe. Além de Filipe II havia outros cinco pretendentes ao trono português, porém Filipe era o que possuía maior poder e recursos para conquistar o trono. Mas, antes do Cardeal-Rei ter morrido, ele já havia contratado o experiente navegador e comerciante Frutuoso Barbosa para liderar uma expedição à Paraíba em 1579.

"Fora Frutuoso Barbosa nomeado por alvará de 1579 capitão-mor por dez anos da região que devia conquistar, com vencimentos de duzentos mil cruzados anuais, mais a incumbência de coletar rendas". (PRADO, 1964, p. 73). 

Ainda em 1579, Frutuoso chegou com sua frota em Pernambuco, trazendo além de soldados e munição, famílias e casais de colonos. De fato, ele trouxe consigo sua esposa e filhos também. A ideia era que se a conquista fosse efetivada, aqueles portugueses seriam os novos habitantes da cidade que estaria para ser fundada na Paraíba. Porém, quando partiu para a mesma, ventos acabaram levando seus navios em direção as Antilhas, na ocasião, sua esposa acabou falecendo, e de lá, Frutuoso preferiu retornar para Portugal do que voltar para Pernambuco. O rei Henrique I faleceu, e depois de alguns meses de problemas com a sucessão, Filipe II assumiu o trono e dois anos depois decidiu enviar novamente Frutuoso ao Brasil, a fim de conquistar a Paraíba.

Frutuoso chegou com sua frota a Pernambuco, onde reuniu forças com o governo pernambucano, tendo apoio direto das vilas do Recife e Olinda (Olinda era a capital nesta época). Duas frentes seguiram para a Paraíba; por mar seguiu-se a frota liderada por Frutuoso e por terra, cerca de 200 homens seguiam a pé e a cavalo, liderados por Simão Rodrigues Cardoso, capitão-mor e ouvidor de Pernambuco. Além de 200 homens brancos, Simão levou vários "índios mansos", como referia-se na época. 

As duas frentes chegaram a Paraíba, próximo a Cabedelo ou a barra do rio Paraíba, como alguns autores também se referem. Ao chegar lá, Frutuoso ficou sabendo de que naus francesas tinham sido vistas rio acima, e ele foi de encontro a elas. Neste ponto há divergências nos relatos: os portugueses contam que a tropa de Frutuoso incendiou cinco navios de oito, e que os outros três conseguiram fugir, contudo na versão dos franceses, foram eles mesmos que incendiaram os navios, na impossibilidade de salvá-los, e para que não caíssem nas mãos dos portugueses. Com a rápida vitória, a tropa portuguesa retornou para Cabedelo. Entretanto, nem todos os franceses tinham partido, e eles contra-atacaram. 

"Não andaram muito, quando os índios e os franceses, que estavam a espreita, caíram sobre eles e foram matando os que fugiam até junto aos batéis. Mais de quarenta homens ficaram prostrados no matagal, inclusive um filho de Frutuoso Barbosa". (ALMEIDA, 1978, p. 66).


Mapa mostrando os cursos d'água do Rio Paraíba e seus afluentes, como as atuais cidades de hoje e outras localidades. 

Frutuoso havia perdido a esposa e agora um dos filhos que se encontrava na expedição terrestre, que foi pega de assalto pelos indígenas e franceses. Frei Vicente do Salvador conta que pelo menos quarenta portugueses morreram nesta emboscada feita principalmente pelos potiguaras que estavam em maior número e saíram de surpresa da floresta. Um dos navios da expedição, capitaneado por Gregório Lopes de Abreu, foi tomado pelos indígenas. Frutuoso ordenou que todos os homens recuassem para os navios e retornassem para barra do rio. Frutuoso planejou ir embora, mas para seu alívio a força terrestre comandada pelo capitão Simão chegou naquele dia. 

Frei Vicente do Salvador conta que a expedição permaneceu mais oito dias acampada na barra norte, no que hoje é o distrito de Costinha em Lucena, pois considerava mais seguro do que a barra sul (Cabedelo), porém, a expedição não conseguiu iniciar as obras para se erguer um forte, e novos ataques dos potiguaras os forçaram a ter que abandonar a empreitada. 

Terceira expedição (1584)

Em 1584 o então governador-geral Manuel Teles Barreto decidiu enviar uma nova expedição à Paraíba. Frutuoso Barbosa comandaria novamente esta expedição, mas desta vez ele contaria com o apoio do general espanhol Diogo Flores de Valdez. Valdez tinha sido incumbido pelo rei Felipe II para uma expedição situada no Estreito de Magalhães, a fim de assegurar aquela importante passagem, mas por conta da urgência de se conquistar a Paraíba, seu missão no estreito foi adiada, sendo ele convocado a ir ao Brasil. Ele chegou ao Rio de Janeiro e depois foi para Bahia.

"Só os detinham as esperanças que tinham de serem soccoridos da Bahia, onde haviam mandado por procurador um Antônio Raposo ao governador Manuel Telles Barreto com grandes protestos de encampação, o qual fez sobre isto junta e conselho em sua casa, em que se acharam com elle o bispo D. Antônio Barreiros, o general da armada castelhana Diogo Flores de Valdez, o ouvidor geral Martim Leitão e os mais que na matéria podiam ter voto, e se assentou que fosse o general Diogo Flores, e em sua companhia o licenceado Martim Leitão, com todos os poderes bastantes pera effeito da povoação da Parahiba e por provedor da fazenda e mantimentos da armada Martim Carvalho, cidadão da Bahia, os quaes todos aceitaram com muito animo e gosto, particularmente Diogo Flores, por ver, já que o jogo lhe succedeu tão mal no estreito, si ao menos podia levar este vinte de caminho". (SALVADOR, 1918, p. 276.). 

Em 1 de março, saindo da Bahia, zarpou uma frota de nove navios, sete espanhóis e dois portugueses, nessa frota iam Frutuoso Barbosa, Diogo Valdez e o ouvidor-geral Martim Leitão a mando direto do governador-geral. Após 19 dias de viagem com maus ventos, eles chegaram no dia 20 de março em Pernambuco, onde Martim Leitão e o bispo D. Antônio de Barreiros deixaram a tripulação ficando em Recife. 

Martim Leitão empenhou seus afazeres organizando com o capitão D. Phillipe de Moura, uma tropa que seguiria por terra. A tropa terrestre foi reunida na Vila de Igarassu de onde partiram para a Paraíba. Antes de partirem após a Páscoa, Alvaro Bastardo enviou para D. Phillipe, 40 soldados para reforçar a tropa terrestre. Quando D. Phillipe chegou ao rio Paraíba alguns dias depois, Diogo Valdez já havia queimado três navios franceses próximo a ilha da Restinga.

"Valdez queria o forte à margem esquerda do Paraíba, em frente à ilha da Restinga, onde incendiara as naus francesas. Frutuoso Barbosa era contra, queria na foz do rio, onde está hoje a velha fortaleza do Cabedelo". (ALMEIDA, 1978, p. 69).

Contudo os dois comandantes entraram num impasse, Valdez discordava de Frutuoso dizendo que a foz do rio não era segura para se estabelecer um povoado e um forte, por outro lado, Frutuoso também discordava de Valdez, isso contribuiu para deixar o clima mais tenso entre os dois comandantes, já que um não reconhecia a autoridade do outro. No fim, foi convocado um conselho e votou-se pela foz do rio como local do forte.

"A obra de taipa foi iniciada imediatamente e concluída em pouco mais de um mês, porque nela trabalhavam todos os soldados, índios domésticos e escravos. Anos depois o que restava da obra era apenas uma tapera dentro do mato e a denominação histórica de Forte Velho que ainda hoje guarda o lugar". (ALMEIDA, 1978, p. 70).

Em primeiro de maio Valdez batizou o forte ainda inacabado com o nome de São Felipe e Santiago (veja o mapa anterior, onde há a localização do forte, chamado de Forte Velho) em homenagem aos apóstolos, e consequentemente uma homenagem ao monarca das duas coroas ibéricas, Felipe II. Nessa época, Valdez havia nomeado seu capitão Francisco Castejon como alcaide (chefe de uma fortaleza), assim, Castejon teria maior autoridade do que o próprio Frutuoso a quem havia sido dado o direito de comandar aquela expedição, isso aumentou ainda mais as desavenças com Valdez. O general espanhol deixou Castejon no comando de 110 espanhóis e 50 portugueses, além da tropa que D. Phillipe havia trazido consigo. Acreditando que seus serviços haviam sido concluídos com a construção do forte, Valdez deixou a Paraíba e retornou para a Espanha a fim de buscar suas mercês prometidas pelo rei. 

Nas semanas seguintes, tropas fizeram excursões pelos arredores, e quem liderou inicialmente esta excursão foi Simão Falcão e posteriormente Felipe de Moura, então governador de Pernambuco. Uma aldeia foi encontrada nas proximidades, batizada de Campo das Ostras, já que havia coleta desses animais naquela área. Enquanto os portugueses comemoravam sua rápida vitória sobre a tribo local, não tardou que mais indígenas viessem ao seu encontro. Os cronistas da viagem dizem que o ataque súbito causou tanto medo que o próprio Felipe de Moura correu com muito medo de volta ao forte. Os indígenas os seguiram e atacaram o forte, as baixas que os portugueses tiveram foram de mais de 50 soldados, 400 indígenas e 100 escravos.

A situação ficou ainda mais precária nas semanas seguintes. Valdez havia ido embora antes mesmo de toda essa confusão ter começado, para ele a fundação do forte mesmo sendo a contragosto de sua escolha, encerrava sua missão ali. Frutuoso dividia a autoridade do local com Castejon, e os dois não se davam bem.

"Castejon estava por comandante da cidadela, Frutuoso por capitão da nascente capitania, um arrogante pelo temperamento e pela superioridade de sua força, o outro confiado na posição que lhe fora dada pelo Rei, ambos se odiando, ambos obrigados a morar juntos, porque o forte era o único lugar onde todos podiam estar ao abrigo do inimigo. A essa situação precária, exposta aos contratempos internos e externos, reduzia-se a conquista da Paraíba". (ALMEIDA, 1978, p. 72).

Cerca de 160 homens ficaram praticamente presos ao forte, com pouca comida, água e munição. Os indígenas ainda mantinham o cerco. Em um determinado momento eles conseguiram alcançar seus navios e pedir socorro a Pernambuco, onde o ouvidor-geral lhes enviou munição, comida e 24 soldados, mas isso não alterou em praticamente nada a situação, então quando a crise apertou, o próprio Castejon, no mês de setembro, pegou um navio e foi para Pernambuco conseguir reforços.

Em novembro Castejon retornou com pouca ajuda para o forte, porém para piorar a situação nesse mês, alguns navios franceses haviam chegado a região. Os franceses desembarcaram na Baía da Traição mais ao norte, e seguiram a pé com armas para ajudar os potiguaras no cerco. Novamente um pedido de socorro foi enviado a Pernambuco, lá o ouvidor-geral que se encontrava doente se pôs imediatamente a lutar contra sua condição a fim de reunir o máximo de homens e recursos possíveis, dessa vez o capitão-mor de Itamaracá, Pero Lopes Lobo enviou apoio (Itamaracá estava praticamente arruinada nesta época, se limitando apenas a ilha de mesmo nome).

Com a chegada dos reforços, Castejon seguiu para a Baía da Traição onde derrotou os franceses. Com a vitória, aumentou-se o ânimo entre as tropas e logo a esperança. Contudo, esta história tomaria um novo rumo no ano seguinte. Em janeiro de 1585 outro povo indígena, chamado de Tabajara, chegou ao litoral, vindo dos sertões. Os tabajaras haviam sido expulsos de suas terras no litoral há vários anos pelos portugueses e pelos potiguaras, seus velhos rivais. Nesse tempo transcorrido, eles viveram praticamente como nômades até retornarem em 1585, sob a liderança de seu líder, Piragibe (braço de peixe, em tupi-guarani).

De início os tabajaras sitiaram o forte de São Felipe e Santiago, junto aos potiguaras, piorando ainda mais a situação dos portugueses, tal combate perduraria por alguns meses, até que outra expedição fosse enviada para ajudar.

Quarta expedição (1585)

Em meados do ano, a quarta expedição foi formada, agora sob a liderança do próprio ouvidor-geral Martim Leitão, enfermo anteriormente. Leitão reuniu mais de 500 soldados, além de indígenas e negros para essa expedição, ele contou também com o apoio de ricos mercadores, capitães e de alguns membros da nobreza pernambucana (deve-se lembrar que se a conquista fosse concretizada, seria algo bem lucrativo, nesse caso, muitos homens buscavam rendição de seus crimes prestando serviço militar, além de irem atrás de glória, terras e riquezas). Além de toda esta comitiva, Leitão levou dois jesuítas, Jerônimo Machado e Simão Travassos, os quais conheciam a língua dos potiguaras e tabajaras, e também seriam os responsáveis por realizarem os registros históricos da expedição.

"Martim Leitão, movido de grande fervor patriótico, foi o braço forte da conquista. Pela visão que tinha de como resolver o problema, convocou às armas todos os homens válidos de Pernambuco". (ALMEIDA, 1978, p. 78).

Em 5 de março a expedição de Martim Leitão cruzou as cercanias do rio Tibiri - hoje no território do município de Santa Rita -, lá eles se depararam com os tabajaras de Piragibe. Ao invés de partir para o combate, ele preferiu tomar uma medida mais amistosa e enviou alguns missionários. Contudo, os tabajaras desconfiavam que isso poderia ser um truque para uma possível emboscada, a final eles tinham sido expulsos de suas terras pelos antepassados de muitos dos homens que estavam ali. 

As tentativas de fundamentar a paz demoraram e parecia ser inviável. Após três dias de tentativas fracassadas, Martim Leitão decidiu prosseguir atacando a aldeia que se encontrava ali perto. A aldeia foi queimada e parte de sua população morta, outros fugiram por entre as matas. Com a vitória, os portugueses seguiram caminho pela região e destruíram mais duas aldeias, até entrarem em conflito com um dos parentes próximos de Piragibe, contudo, a aldeia havia sido abandonada há pouco tempo. Com a vitória, a expedição partiu em direção ao forte no litoral.

"O deplorável estado do forte causou a todos a maior consternação, já pelos estragos que apresentava, já pelo aspecto físico e moral dos que nele viviam prisioneiros. A fome e a doença reduziram as ruínas humanas os bravos soldados da conquista que mal se conservavam de pé. Era uma coisa piedosa de se ver, conforme o testemunho do padre Jerônimo Machado". (ALMEIDA, 1978, p. 81).

Frutuoso Barbosa ainda se encontrava no forte, tão debilitado fisicamente, moralmente e psicologicamente, que na descrição do padre Jerônimo Machado, aquele pobre homem já não tinha mais forças para lutar por aquela terra que lhe foi prometida. Para ele, sair daquele lugar era o que mais desejava na vida, segundo o relato do padre.

Enquanto Martim Leitão se manteve no forte, uma pequena expedição de trezentos homens foi enviada para a Baía da Traição a fim de atacar os franceses, contudo dois dias depois da chegada ao forte, 40 homens foram vítimas da câmara-de-sangue (tuberculose), devido as péssimas condições higiênicas do local.

Dias depois ficou-se sabendo que a aliança entre potiguaras e tabajaras estava próxima de acabar. Os potiguaras acusavam os tabajaras de não terem se esforçado para combater os portugueses, isso piorou a situação entre os dois povos, que viria repercutir mais a frente. Em abril, Martim Leitão retornou para Olinda, deixando homens e provisões no forte na Paraíba, além de enviar mais tropas, alimentos, munição e outros recursos. No lugar de Frutuoso Barbosa ficou o capitão Pero Lopes de Sousa, capitão-mor de Itamaracá. 

Contudo em junho, Martim Leitão recebeu a notícia que Pero Lopes havia abandonado o forte e voltado para a ilha de Itamaracá, não tardou para que o próprio Castejon, o alcaide do forte, também abandonasse o local após vários ataques. Com isso, o forte foi abandonado de vez. Castejon antes de sair, ordenou que o forte fosse incendiado, provavelmente para que não caísse nas mãos dos potiguaras e franceses. 

"Do forte São Filipe, situado à margem esquerda do Paraíba, entre o rio Gargaú e o da Guia, não ficou mais que um montão de ruína e o nome que pegou no lugar, Forte Velho". (ALMEIDA, 1978, p. 83).

Martim pediu que Frutuoso liderasse mais uma expedição, mas este se recusou, então ele escolheu o capitão Simão Falcão, o qual já vinha ajudando desde então, porém o capitão adoeceu poucos dias antes da viagem, parecia que uma praga atormentava os portugueses e os impedia de conquistar aquelas terras.

Este mapa é de 1958, mas dá para se ter uma noção de alguns dos locais citados. De Igarassu a Baía da Traição, perfazia as fronteiras norte-sul da então Capitania de Itamaracá com sua capital na Ilha de Itamaracá. Hoje no então município de Santa Rita se encontra o rio Tibiri, local que durante a quarta expedição fora o palco da vitória das tropas lideradas pelo ouvidor geral Martim Leitão sobre os tabajaras, nesse local também seria construído o primeiro engenho da Paraíba e no século seguinte mais de 15 engenhos.

Quinta expedição (1585)

Se por um lado tudo parecia dar errado para mais uma expedição, a situação mudou nos fins de julho, quando dois indígenas enviados por Piragibe chegaram a Olinda a fim de falar com o ouvidor-geral. Piragibe propunha um acordo de paz e aliança aos portugueses, se os ajudassem contra os potiguaras; Martim Leitão confiou a João Tavares, escrivão da Câmara e Juiz de Órfãos em Olinda, a liderança dessa expedição.

Tavares partiu a 2 de agosto em uma caravela com apenas 20 homens e os dois tabajaras. Dentre todas as expedições essa foi a mais simples delas. Em 3 de agosto Tavares firmou paz com Piragibe e dois dias depois em 5 de agosto, ele escolheu um local para se fundar o novo forte e a cidade, nesse dia de Nossa Senhora das Neves, oficialmente a Paraíba estava conquistada e se criava a Capitania da Paraíba. Tal data marca o aniversário da cidade, contudo como aponta alguns historiadores e os próprios relatos do Sumário das Armadas - mais importante relato histórico da conquista da Paraíba -, diz que a cidade começou a ser construída apenas em novembro por volta do dia 4. Além disso, a conquista não foi consolidada naquele ano, pois os potiguaras e até tabajaras ainda se rebelariam contra o domínio portugueses mais algumas vezes.

Fundação da cidade

A vitória foi festejada com grande ânimo em Olinda e Recife. Em 29 de outubro de 1585, João Tavares, então capitão-mor interino da Paraíba, retornara para a capitania trazendo um grupo de trabalhadores, escravos e soldados pra começar erguer um forte na região do Varadouro, usada como porto natural. O forte ficou parcialmente pronto em janeiro de 1586. Pelo mesmo ano, João Tavares foi efetivado capitão-mor e assinou as primeiras sesmarias (documento que distribuía terras para o cultivo). Duas sesmarias foram dadas para proprietários no campo e uma terceira no local onde viria a se construir a cidade, pois ainda em 1586, existia apenas o forte que era considerado uma povoação. Uma destas sesmarias doadas viria originar o Engenho de el-Rei, o primeiro engenho da Paraíba. 

Contudo, antes das casas começarem a serem erguidas, os demais prédios do governo, e outras construções, novos ataques dos potiguaras e franceses, e desentendimento com os tabajaras, levaram João Tavares a adiar o início das obras pela falta de segurança. Apenas em 1587 é que as casas, a prisão, o pelourinho, a câmara, o açougue, armazéns etc., começaram a serem construídos. Foi criada a Rua Nova (atual rua General Osório) e a chamada ladeira de São Francisco, onde começou a ser construído em 1589 o Convento de São Francisco, o prédio religioso mais antigo da Paraíba. 

Em 1588, Frutuoso Barbosa retornou a Paraíba tendo sido nomeado pelo rei, como novo capitão-mor, substituindo João Tavares. Foi durante o governo de Frutuoso que a cidade de Nossa Senhora das Neves passou a ser chamada de Filipéia ou Filipéia de Nossa Senhora das Neves, em homenagem ao rei Filipe II. Frutuoso governou até 1591, quando deixou o cargo e foi embora do Brasil. 

Sendo assim, historicamente embora a Paraíba tenha sido fundada como capitania em 5 de agosto de 1585, a cidade de Nossa Senhora das Neves só veio a surgir em 1587. Em 1585 começou a erguer-se o forte no Varadouro, forte este que ainda hoje se desconhece o nome oficial, mas décadas depois passou a ser referido como Forte da Cidade ou Forte do Varadouro; em 1586, apenas o forte existia na região que era chamada de Povoação de Nossa Senhora das Neves, para finalmente 1587 a cidade surgir de fato. No entanto, o governo paraibano aceita como data de surgimento da cidade, 5 de agosto de 1585, celebrado como aniversário da cidade. 

A luta contra os potiguaras ainda perduraria até 1599, depois disso uma paz prolongada com os indígenas prevaleceria, apenas no século XVIII é que novos conflitos com os indígenas voltariam acontecer. Os franceses passariam a vir com menos frequência a Paraíba, mas posteriormente decidiram invadir o Maranhão. Mas, por fim a Paraíba, chamada de terra bravia, de terra indomável, que passou pelo reinado de dois reis sem ser conquistada, finalmente fora domada. 

NOTA: Em 1634 a Paraíba foi conquistada pelos holandeses, a capital passou-se a chamar-se Frederikstad em homenagem ao Príncipe de Orange. Em 1654 com a expulsão definitiva dos holandeses do Brasil, a cidade passou-se a se chamar Parahyba, e décadas depois fora chamada de Paraíba do Norte (devido ao fato de existir o rio Paraíba do Sul e o rio Paraíba do Meio) e manteve este nome até 1930, quando após o assassinato de João Pessoa, na época candidato a vice-presidente de Getúlio Vargas, a cidade fora novamente renomeada para João Pessoa, qual permanece desde então. Mas embora os holandeses tenham mudado o nome para Frederica, em alguns documentos holandeses, e até mesmo portugueses e espanhóis consta o nome da cidade sendo chamado de Parahyba. 
NOTA 2: O nome Paraíba significa em tupi "mar corrompido ou água má". Tal fato se devia as correntezas do rio, que dificultavam a navegação em certos pontos. No entanto, o diretor da Paraíba durante o Domínio Holandês, Elias Herckmans, apontara que o nome Paraíba significava "grande enseada" e não "mar corrompido" ou "água má". 
NOTA 3: A cidade mais antiga do Brasil é Salvador, fundada em 1549 pelo primeiro governador-geral Tomé de Sousa. A segunda cidade fora São Sebastião do Rio de Janeiro (hoje apenas Rio de Janeiro) fundada em 1565 por Estácio de Sá. Natal é a quarta cidade mais antiga, fundada em 1599.
NOTA 4: O título completo do Sumário das Armadas é, Sumário das Armadas, que se fizeram e guerras que se deram na conquista do rio Paraíba, escrito e feito por mandado do muito reverendo padre em Cristo, o padre Cristovão de Gouvêa, visitador da Companhia de Jesus de toda a província do Brasil. Porém não se sabe ao certo se fora realmente o padre Cristóvão de Gouvêa que escreveu este livro, alguns historiadores apontam que possivelmente fora Jerônimo Machado, que acompanhou o padre e fora testemunha ocular, e teria escrito este livro por volta de 1603. No entanto ainda existe um terceiro possível nome, o jesuíta Simão Travassos o qual também fora testemunha destas expedições, o historiador Capistrano de Abreu defendia esta hipótese. 
NOTA 5: Todavia, hoje não existe certeza acerca da identidade do autor do Sumário das Armadas. Contudo, o professor Guilherme Lins, sócio do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano disse para mim que sabe a identidade do autor. O professor Guilherme a mais de quinze anos vem estudando esta obra, e diz ter chegado a uma resposta. Infelizmente ele ainda não concluiu sua pesquisa e não encontrou nenhuma editora interessada em publicar o material que já se encontra pronto. 
NOTA 6: A Baía da Traição recebeu esse nome, devido a aliança entre os potiguaras e franceses, visto pelos portugueses como um ato de traição.
NOTA 7: O Rio Paraíba em alguns mapas portugueses antigos era chamado de Rio São Domingos, porém tal nome nunca chegou a se efetivar mesmo na época. 
NOTA 8: A rua ao lado do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano chama-se Rua Frutuoso Barbosa, embora o endereço do instituto fique na Rua Barão do Abiaí, rua de frente para a outra. 
NOTA 9: Inicialmente os portugueses batizaram o rio Paraíba com o nome de rio São Domingos. Em alguns mapas do século XVI pode-se ver tal nome para esse rio, contudo, o nome acabou não sendo usado pela população, que preferia usar o nome indígena, Paraíba. 

Referências Bibliográficas:
ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba - tomo I. 2a edição, João Pessoa, Editora Universitária da UFPB, 1978. (Capítulo II).
SALVADOR, Vicente de. História do Brazil de Frei Vicente do Salvador. Edição revista por Capistrano de Abreu. São Paulo, Weiszflog Irmãos, 1918. (Capítulos III ao XVI)
PRADO, J. F. Almeida. A Conquista da Paraíba: séculos XVI ao XVIII. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1964. (Capítulos 1 ao 5). 
ANÔNIMO. Sumário das Armadas. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, tomo XXXVI, parte I, 1873, p. 5-90. 

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