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Leandro Vilar

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

O subgênero punk na cultura pop

O termo punk é usado em vários contextos hoje em dia, incluindo como forma de insulto e depreciação de algo. Na cultura pop que engloba livros, filmes, desenhos, seriados, histórias em quadrinhos e jogos de videogame, punk é usado para designar um conjunto de subgêneros da ficção científica que apresentam passados, presentes e futuros distópicos, envolvendo a presença de tecnologia surreal para o período e suas consequências, geralmente negativas. Assim, o presente texto apresenta esses subgêneros e suas características. 

Obs: No caso, não considerei o punk como gênero musical, pois esse possui outras características que são distintas das outras mídias citadas aqui. 

A origem do punk

O punk consiste numa contracultura ou subcultura surgida na Inglaterra de meados da década de 1970, influenciado por aspectos culturais dos Estados Unidos, especialmente advindos do punk rock dos anos 1960, como parte de vários movimentos de culturas juvenis, oriundos após a Segunda Guerra (1939-1945), num período marcado pelo retorno da prosperidade dos Estados Unidos e o crescimento econômico de alguns países como Japão e Austrália, por outro lado, a economia europeia ainda demorou algum tempo para se recuperar, atingindo isso na década de 1960. Porém, as crises dos anos 70, especialmente as chamadas crises do petróleo de 1973 e 1979, além do acirramento do contexto da Guerra Fria (1945-1991), levaram a um desencantamento pela presente, algo explorado por alguns filósofos como Michel Foucault, Jean-Paul Sartre, Jean-François Lyotard, Gilles Deleuze, Jacques Derrida, entre outros, que observaram a "queda da ideia" de modernidade e passaram a considerar ser tempo da pós-modernidade. (COGAN, 2008). 

Em meio a esse desencanto pelo presente surgiram movimentos culturais como os Hippies, os Hipsters, os Roqueiros, os Skatistas, os Surfistas, o próprio movimento religioso da Nova Era (New Age), entre outros. Cada um desses movimentos foram caracterizados por adotarem estilos de se vestir próprios, os quais identificavam seus membros; tais pessoas passaram a serem contrários ao conservadorismo, defendendo mais o liberalismo, ou o socialismo, ou o comunismo ou a anarquia. Alguns eram até indiferentes a política. Esses movimentos também protestavam contra o autoritarismo, a censura e o falso moralismo, inclusive eram até contrários as guerras no período (embora houvessem grupos que promovessem o radicalismo, realizando brigas de rua, vandalismo e pichação). Tais movimentos também apoiaram a terceira onda do Feminismo, outros defendiam a legalização das drogas e a liberdade de orientação sexual(COGAN, 2008). 

A música foi uma forte forma de manifestação cultural para esses grupos de contracultura, especialmente o rock n' roll, o jazz, o blues, o rap, o reggae, a bossa nova etc. No caso dos punks, o rock foi o mais influente, inclusive existe o estilo punk rock, o qual originou o termo punk adotado por essa contracultura. A palavra punk (identificava algo "rebelde") era usada para designar um estilo de rock alternativo, marcado por uma batida bastante metálica e pesada, letras de protesto, abordando temas radicais, críticas ao governo, aos costumes, a religião, defesa da liberdade de expressão etc. Grupos como The Standells, The Sonics, The Seeds e Sex Pistols são exemplos de bandas de punk rock oriundas nos anos 1960 e 1970. (COGAN, 2008). 

Devido a essa agressividade musical, os punks começaram a se vestir de preto, usarem casacos, luvas e pulseiras com espinhos; trajarem calças jeans e botas. Posteriormente adotaram brincos, pierciengs, tatuagens e os cabelos coloridos e espetados. A aparência dos punks era uma forma de protesto as regras morais de vestuário na época. No caso, uma das características das contraculturas do século XX era se vestir diferente do que era "taxado como normal", como forma de promover sua desobediência a essa "ordem civil", ao mesmo tempo que tal ato expressava a liberdade de expressão dessas pessoas. 

Visual típico de punks dos anos 80 e 90. 

Assim, essa estética dos punks acabou influenciando as produções culturais, pois os "mundos punks" costumam explorar algo subversivo, sombrio, bruto, sujo, perigoso, decadente. Inclusive a ideia de decadência, marcante em algumas produções punks é reflexo do pessimismo dessas gerações de entre 1970 a 1990, que tinham uma visão pessimista sobre o mundo marcado pelo contexto da Guerra Fria. 

Com a popularização do punk rock no Ocidente e o crescimento de grupos punks na Inglaterra, Estados Unidos, depois Austrália e até outros países europeus como Alemanha, França, Espanha e Iugoslávia, surgiram revistas dedicadas a esse movimento cultural, as quais apresentavam ilustrações caóticas, que misturavam estilos contemporâneos, exploravam temas subversivos e polêmicos, enfatizavam o grafite e a arte de rua, quebrando com os padrões da chamada "arte erudita" e arte clássica. 

Todas essas características mencionadas influenciaram artistas, fossem ilustradores, desenhistas, pintores, fotógrafos, músicos, escritores, cinegrafistas etc., a incorporarem o punk como um subgênero da cultura pop, mesclando-o principalmente com a ficção científica, especialmente a influenciada pelo subgênero do retrofuturismo. 

A estética do retrofuturismo

O retrofuturismo ou futuro retrô é uma estética surgida nas ilustrações do final do século XIX, mostrando uma tecnologia mais avançada do que havia no período. Esse tipo de ilustração foi comum nos Estados Unidos e parte da Europa, em revistas, jornais, livros de ficção científica, os quais imaginavam o progresso tecnológico. Assim é possível encontrar ideias de navios voadores, trens cruzando o mar, carros voadores, robôs, espaçonaves, prédios gigantes, dirigíveis, aviões etc. Algumas obras de Júlio Verne e H. G. Wells influenciaram esse estilo artístico por conta da presença de tecnologia sofisticada, fosse o submarino Nautilus em Vinte mil léguas submarinas (1869); ou a máquina do Viajante do Tempo em A Máquina do Tempo (1895), ou a presença dos Tripods marcianos na Terra em a Guerra dos Mundos (1898). Essa estética foi se desenvolvendo ao longo do século XX, se popularizando nas histórias em quadrinhos e em alguns filmes e séries de ficção científica

Ilustração no estilo retrofuturismo. 

Entretanto, o conceito de retrofuturismo somente surgiu na década de 1980 para designar esse estilo artístico de se representar tecnologia avançada ou não, segundo o designer retrô, ou seja, mostrar aviões, trens, submarinos, veículos de guerra, espaçonaves, robôs etc., conforme a estética geralmente entre os anos 1920 e 1970. Isso acabou originado alguns subgêneros que foram influenciados pelo punk.

Cyberpunk

O subgênero do cyberpunk surgiu durante os anos 1980 fortemente influenciado pela cultura punk em seu auge, por isso vários elementos dessa contracultura foram assimilados a esse subgênero como a rebeldia de seus personagens, a marginalização, um pessimismo de vida, a desigualdade social, a frustração com o trabalho e a realidade, a solidão, a ânsia de buscar um local de pertencimento, o gosto pelo rock, a presença de drogas lícitas ou ilícitas, ambientes urbanos das grandes cidades com sua violência, lixo, poluição e neon, e o encanto com a crescente tecnologia digital. (FRELIK, 2018).

Quando o cyberpunk surgiu, computadores e videogames já existiam, a internet ainda era algo restrito, mas nessas obras ela já era mundialmente difundida como é hoje em dia. Aqui entra uma característica do retrofuturismo: livros, filmes, desenhos, hqs e jogos cyberpunk imaginavam para os anos 1980 uma tecnologia digital inexistente como robôs, computadores portáteis, realidade virtual, espaçonaves, carros voadores, internet etc. 

Night City no jogo Cyberpunk 2077. 

O conceito cyberpunk adveio do conto Cyberpunk (1983) do escritor Bruce Bethke, publicado na revista Amazing Science Fiction Stories, v. 57, n. 4. Porém, a popularização da ideia veio com o livro Neuromancer (1984) de William Gibson, que conta a história de um ex-hacker que foi envenenado e procura uma forma de evitar sua morte. Em sua busca por uma cura ele conhece várias pessoas em Chiba City, uma cidade tecnologicamente avançada, mas moralmente decadente (por conta disso tais produções costumam passar num futuro distópico). Em Neuromancer somos apresentados a um cyberespaço parecido com a Matrix que surgiria no filme Matrix (1998). (WOLFE, 2003). 

Capa da edição original

Com o sucesso de Neuromancer, Gibson decidiu escrever uma trilogia para explorar mais desse mundo cyberpunk, marcado por guerras de megacorporações, hackers, IA avançada, espionagem, realidade virtual, violência, tráfico, corrupção, miséria, forte desigualdade social, complôs e traições, isso originou os livros Count Zero (1986) e Mona Lisa Overdrive (1988). Mais tarde os três livros foram chamados de Trilogia Sprawl(FRELIK, 2018). Vários aspectos dos livros de Gibson se tornaram modelos para as produções de cyberpunk ainda hoje, como o caso do jogo Cyberpunk 2077 (2020). 

Com a popularização do cyberpunk na literatura, esse subgênero também foi explorado em outras mídias como as produções audiovisuais, destacando-se filmes como Fuga de Nova York (1981), Blade Runner (1982), Tron (1982), Videodrome (1983), Exterminador do Futuro (1984), Brazil (1985), Robocop (1987), o Vingador do Futuro (1990). O Japão se interessou bastante pelo subgênero cyberpunk ainda nos anos 80, explorando-o em seus mangás e animes, destacando-se produções como Bubblegum Crisis (1987), Neo Tokyo (1987), Akira (1988) e Ghost in the Shell (1989-1997). 

Capa do mangá Ghost in the Shell.

Outras produções cyberpunk são os filmes Hardware: O Destruidor do Futuro (1990), O Passageiro do Futuro (1992), Cyberjack: Caçada ao vírus letal (1995), Assassino Virtual (1995), O Quinto Elemento (1997), a franquia Matrix (1998-2021), Pi (1998), Minority Report: A Nova Lei (2002), Tron: O Legado (2010), Blade Runner 2049 (2019). Entre alguns desenhos temos Ghost in the Shell (1995), Batman do Futuro (1999-2001), Metrópoles (2001), Cyberpunk: Mercenários (2022). Nos videogames cito a franquia Deus Ex (2000-2016), Ghostrunner 1 e 2 (2020-2023), Stray (2022). Destaca-se também o rpg de mesa Ex Machina (2004), influente na difusão desse subgênero. 

Com a popularização do cyberpunk nos anos 1980, esse continuou a crescer nas décadas seguintes, expandindo-se para os videogames, mas também originando subgêneros que passaram a investir em características mais específicas ou explorar o retrofuturismo. 

Steampunk

O chamado steampunk é um subgênero do retrofuturismo que troca a tecnologia virtual do cyberpunk, pela tecnologia a vapor e analógica. As tramas costumam ocorrer geralmente no século XIX, as vezes no começo do XX, ou em mundos ficíticios sem uma época definida, tendo como referência o período da Era Vitoriana (1837-1901), absorvendo muito do contexto, arquitetura e costumes dessa época. Dessa forma, o steampunk aproveita-se de alguns acontecimentos históricos como a Segunda Revolução Industrial, o Imperialismo Britânico, o Neocolonialismo, o otimismo pelo desenvolvimento da tecnologia da chamada "Era do Progresso", a filosofia do Positivismo, a Teosofia, o Velho Oeste etc. (NEVINS, 2020). 

A tecnologia do steampunk era marcada pelo uso das máquinas a vapor, energia elétrica, engrenagens, hidráulica, os quais se uniam para criar locomotivas, navios, veículos terrestres, aeronaves, dirigíveis etc. Inclusive em algumas obras de steampunk até mesmo existem máquinas elétricas inspiradas nos projetos de Nikola Tesla, robôs, computadores primitivos (mais voltados para se fazer cálculos), radares, sonares etc. Essa tecnologia avançada é vista nessas produções num misto de curiosidade, assombro e receio, pois embora elas tragam melhorias para a sociedade, especialmente ao tocante a indústria e o transporte, essa tecnologia também é usada para se fomentar a opressão, a censura e guerras. Assim, o steampunk é um subgênero que transita entre produções distópicas, mas também utópicas, diferente do cyberpunk, em que normalmente a tecnologia é vista com pessimismo. As produções steampunk também utilizam o vestuário do final do XIX e começo do XX, que incluem vestidos longos, terno, casaca, cartola, bengalas, chapéus, sombrinhas, botas. Normalmente os trajes são inspirados na moda inglesa e francesa do período. (NEVINS, 2020). 

Uma ilustração no estilo steampunk. 

A ideia do steampunk remonta ainda o século XIX, com livros, contos e ilustrações de ficção científica ou aventura, mostrando máquinas avançadas para aquele tempo, especialmente máquinas voadoras, bastante populares. O livro Vinte mil léguas submarinas (1869) de Júlio Verne é considerado hoje como uma referência ao steampunk produzido naquele período. O conto The Steam Man of Prairies (1868) de Edward S. Elliot, mostra um autômato movido a um motor a vapor. Já o romance A Eva Futura (1886) de Auguste Villiers de L'Isle-Adam, mostra uma androide criada por Thomas Edison no final do século XIX. 

Todavia, o conceito steampunk surgiu em 1987 com o escritor K. W. Jeter autor de livros como Morlock Night (1979) e Infernal Devices (1987), obras as quais ele as classificou como sendo steampunk. O conceito surgiu seguindo a onda de popularização do cyberpunk. O termo se popularizou na década seguinte para se referir a esses escritores do XIX, a ilustrações daquele período, mas a algumas hqs e contos publicados em revistas de ficção científica ou fantasia no século XX.(NEVINS, 2020). 

No cinema alguns filmes steampunk são: As Loucas Aventuras de James West (1999), A Liga Extraordinária (2003), Van Helsing (2004), A Bússola de Ouro (2005), A invenção de Hugo Cabret (2011), Máquinas Mortais (2018), Pobres Criaturas (2023). Os japoneses também se interessaram pelo assunto, havendo alguns animes como Castelo do Céu (1986), Nadia: The Secret of Blue Water (1990-1991), Castelo Animado (2004) e Steamboy (2004). Já nos videogames temos Bioshock Infinite (2013). 

Arte conceitual de Steamboy. 

Dieselpunk

O chamado dieselpunk é outro subgênero do retrofuturismo influenciado pela cultura punk. No caso, ao invés do foco remontar o século XIX com a revolução industrial da época, a arquitetura vitoriana e as máquinas a vapor, as produções dieselpunk já se estabeleceram num período de tempo entre 1930 e 1940, marcado pelo uso de veículos a combustão ou energia elétrica, inexistentes para o período, e até mesmo acrescentando-se outras tecnologias como espaçonaves, satélites, computadores e robôs. (PIECRAFT; OTTENS, 2008). 

O conceito dieselpunk surgiu com o jogo de rpg de mesa Children of Sun (2001), desenvolvido por Dan Ross, Joe Carl e Lewis Pollak, e lançado pela Misguided Games. Em que a trama se passa num mundo inspirado na primeira metade do século XX, mas onde a tecnologia da época era mais avançada. O termo foi concebido pelos autores para se referir ao estilo do jogo, que acabou originando todo um novo subgênero, embora que produções dieselpunk já existissem anteriormente, algo especialmente visto em hqs e alguns livros como O homem do Castelo Alto (1962). (PIECRAFT; OTTENS, 2008). 

Robôs gigantes em Capitão Sky e o mundo de amanhã (2004). O filme ocorre numa realidade alternativa da década de 1930. 

Incialmente o dieselpunk consistia em narrativas ocorridas na primeira metade do século XX, englobando o contexto das duas guerras mundiais e suas consequências. Por conta disso, algumas dessas produções fazem referência a tais guerras. Por outro lado, esse estilo também foi influenciado pelo estilo de vida americano e da Europa ocidental daquela época, a cultura do jazz e do blues, os movimentos artísticos do modernismo, do futurismo, do dadaísmo, do cubismo etc. A arquitetura ia da art décor passando pelo Bahaus, chegando aos estilos dos anos 50. (PIECRAFT; OTTENS, 2008). 

As produções dieselpunk viam o uso da tecnologia geralmente como algo positivo, não necessariamente retratando o futuro de forma pessimista ou sombrio, embora problemas existissem, especialmente o uso indevido dela por ditadores, tiranos, cientistas loucos, militares, governos corruptos etc. Por outro lado, algumas variações do dieselpunk surgiram, mostrando cenários mais degradantes e até distópicos como o caso da franquia Mad Max (1979-2024), a qual se passa numa Austrália do século XXI desolada e caótica, em que impera a lei do mais forte e as pessoas fazem uso de veículos antigos, mas modificados para o combate. 

Cena de Mad Max: Estrada da Fúria (2014), um dieselpunk distópico e pós-apocalíptico. 

Além da franquia Mad Max que já puxa mais para o lado do dieselpunk futurista e distópico, outras produções dieselpunk mais retrofuturismo são: a franquia de jogos Wolfenstein (1981-2019), a hq The Rocketeer (1982), o anime Nausicaa: O Vale do Vento (1984), o anime Porco Rosso (1992), a franquia de jogos Metal Slug (1996-2023), o filme Waterworld (1995), o filme animado O Gigante de Ferro (1999), o filme Capitão Sky e o mundo do amanhã (2004), os jogos Bioshock 1 e 2 (2007-2010), o filme Iron Sky (2012), os jogos Gravity Rush 1 e 2 (2012-2017).

Excetuando-se Nausicaa que se passa num mundo fantástico, as demais produções ocorrem em versões alternativas da Terra. Por exemplo, Wolfenstein mostra uma realidade em que os nazistas venceram a Segunda Guerra e se tornaram uma potência militar e tecnológica avançada, criando armas inexistentes para o período como robôs, grandes veículos de guerra, estações voadoras etc. Essa ideia é vista também em Iron Sky. Já os jogos Bioshock 1 e 2 mostram uma cidade utópica chamada Rapture, construída no fundo do mar na costa leste dos Estados Unidos. Ali existe uma tecnologia avançada que concede poderes para quem usa um soro inovador. Nos jogos de Gravity Rush, as pessoas vivem em cidades aéreas. 

Um capa de 1985.

Piecraft e Ottens (2008) separam as produções dieselpunk em quatro subcategorias propostas por eles. No caso, Piecraft assinala as produções com temática dieselpunk voltada para ambientações distópicas como Fahrenheit 451 (1966), 1984 (1984) e Brazil (1985), nesses livros somos apresentados a Estados autoritários que usam a tecnologia de vigilância para monitorar e controlar a humanidade. No caso de Fahrenheit 451 existem televisores mais sofisticados e até um cão-robô. A segunda categoria proposta por Piecraft são os dieselpunk pós-apocalípticos como Mad Max (1979), Diesel (1985) e Radioative Dreams (1985).

Já Ottens é mais favorável a dieselpunks baseados no contexto dos anos 1930 a 1950, tendo como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial. Sobre isso, ele concebe duas categorias: as produções esperançosas como The Rocketeer (1991), O Gigante de Ferro (1999) e Capitão Sky e o mundo do amanhã (2004). A segunda categoria refere-se a produções sombrias como Eraserhead (1977), Wolfenstein (1981), Delicatessen (1991) e The Shadow (1994). 

Atompunk

O subgênero do atompunk as vezes é confundido com o dieselpunk por conta de ambos ocorrerem em épocas coincidentes. No caso, as tramas de atompunk geralmente abarcam um período que vai de 1940 a 1970, além de se remeter a características similares como o uso da tecnologia para o progresso da humanidade, porém, a mesma também é explorada por ditadores, tiranos, governos corruptos, cientistas loucos, organizações criminosas etc., fazendo uso indevido dessa tecnologia para cometer crimes diversos. Mas enquanto as produções dieselpunk enfocam em máquinas movidas a combustíveis fósseis ou energia elétrica, o atompunk opta em enfatizar o uso da energia nuclear (ou atômica), por isso o termo atompunk (atômico + punk). 

As produções atompunk são marcadas por algumas características básicas: tecnologia nuclear, contexto da Guerra Fria, propaganda anticomunismoespionagem, medo de uma guerra nuclear, desenvolvimento de tecnologia espacial, arquitetura googie e raygun gothic, além do designer populuxe. O que mostra edificações com aspecto "futurista", além de veículos grandes com traços dos anos 1950 e 1960. A decoração também é baseada nessa época. 

Os Jetsons (1962) apesar de não abordarem a temática da Guerra Fria, possuíam um visual atompunk inspirado na arquitetura raygun gothic e no designer populuxe. 

O conceito de atompunk surgiu em 2008 a partir de um fórum de debates envolvendo escritores e fãs de ficção científica. No caso, os autores Bruce Sterling e Cory Doctorow escolheram tal termo para designar um novo subgênero punk, o qual já vinha sendo desenvolvido desde a década de 1960, principalmente influenciado pelas histórias em quadrinhos de super-heróis. Assim, o atompunk passava a designar o que Doctorow chamou de "fetichismo da era atômica", uma referência a criação de um retrofuturismo nas décadas de 1960 e 1970. 

Sobre isso, menciono algumas hqs que apresentavam características associadas ao atompunk como O Quarteto Fantástico (1961), Hulk (1962) e Homem de Ferro (1963), X-Men (1963). No caso do quarteto eles ganharam seus poderes a partir da exposição à radiação solar enquanto estavam numa estação espacial, o uso de tecnologia espacial remonta diretamente o contexto da época, já que dois anos antes Yuri Gagarin havia se tornado o primeiro humano ir ao espaço. Já em Hulk temos o físico nuclear Dr. Bruce Banner fazendo experimentos com os raios gama, mas isso acaba dando errado e ele sofre uma mutação, tornando-se um gigante verde com superforça e resistência. Em Homem de Ferro temos o herói em algumas missões atuando na Guerra do Vietnã, combatendo um grupo terrorista chamado I.M.A (inspirado na URSS). Por sua vez, nas narrativas dos X-Men temos mutantes de diferentes nacionalidades, incluindo mutantes russos, os quais estão infiltrados nos EUA por conta de espionagem. Além disso, as hqs do grupo apresenta tecnologia avançada para a época, algo visto principalmente com os Sentinelas. 

Um exemplo de atompunk é a franquia de jogos Fallout (1997-2018), a qual mostra que os Estados Unidos na década de 1950 se tornou uma potência mundial no uso da energia nuclear, que permitiu criar robôs, computadores, novos tipos de veículos e outras tecnologias como clonagem, criogenia etc. Ao mesmo tempo que essas maravilhas eram desenvolvidas, a Vaultec começou a construir uma série de bunkers pelo país temendo um ataque nuclear, que realmente ocorreu, arruinando o país. Assim, a trama dos jogos pula para décadas no futuro, mostrando um EUA distópico, arrasado pelo ataque nuclear, mas ainda possuindo tecnologia avançada, apesar que seu visual seja retrô. 

Wallpaper de Fallout 4 (2016). No caso, temos ume exemplo de atompunk pós-apocalipse nuclear. 

Já o jogo Atomic Heart (2023) mostra uma URSS avançada tecnologicamente, a qual venceu a Segunda Guerra, subjugando os nazistas e as forças aliadas. Assim, ainda na década de 1940 graças a descoberta de uma substância chamada de polímero, essa permitiu criar-se robôs, cidades aladas, computadores, máquinas de exploração e guerra, televisores melhorados etc. No jogo, a Rússia dos anos 50 vive a expectativa do anúncio de um grande projeto do governo envolvendo as máquinas, mas algo dá errado e os robôs passam atacar os humanos. 

Tela do jogo Atomic Heart (2023) mostrando uma colônia aérea em uma URSS atompunk nos anos 50. 

Alguns dos filmes do espião James Bond como 007 contra o satânico Dr. No (1962), 007 contra Chantagem Atômica (1965), 007 Só se Vive Duas Vezes (1967), 007 - O espião que me amava (1977) e 007 contra o foguete da morte (1979), neles não temos um visual estereotipado como visto nos videogames, porém, a presença da ameaça nuclear, a espionagem, a Guerra Fria e o uso de tecnologia surreal para o período são encontrados. 

Outros exemplos de produções atompunk são as séries The Twilight Zone (1959-1964), alguns episódios das primeiras temporadas de Dr. Who (1963), O Agente da UNCLE (1964-1968), Thunderbirds (1965-1966), a série animada Jonny Quest (1966-1967). O mangá Astroboy (1952), o desenho animado de Os Jetsons (1962), a franquia de jogos Destroy All Humans! (2005), a trilogia de livros e jogos Metro 2033 (2005-2015). 

Assim, o atompunk pode englobar desde produções que se passam entre as décadas de 1950 e 1970, ou que possuam referência visual a esse período, mas podendo ocorrer num futuro distante como no caso da franquia Fallout, em que alguns jogos chegam a acontecer depois de 2200. Tais produções podem mostrar um tom mais leve e cômico como os Jetsons, enfatizar a espionagem como nos filmes do 007, as séries do Agente da UNCLE, Thunderbirds e Jonny Quest. Algumas produções também podem destacar a questão do mistério, da alta ficção científica, do estranho, algo visto em The Twilight Zone e Dr. Who

Raypunk

O subgênero do raypunk é retrofuturista e combina aspectos da estética do decopunk e do atompunk, por ser inspirado em produções feitas entre 1930 e 1970, marcadas pela influência da tecnologia nuclear e da corrida espacial, além da popularização de narrativas de temática espacial como as histórias em quadrinhos do Buck Rogers (1928) e do Flash Gordon (1934), além dos livros de ficção científica de Arthur Clarke, Isaac Asimov Frank Herbert, os quais algumas dessas obras como Fundação (1951) e Duna (1965) originaram o subgênero space opera

Por fim, o raypunk também aproveitou-se do sucesso de produções audiovisuais como filmes trashs espaciais ou de terro espacial dos anos 1950 e 1960, além da série Star Trek (1966-1969) e os filmes da trilogia original de Star Wars (1977-1983). Inclusive a franquia Star Wars conserva elementos do raypunk por conta da estética retrô vista nas naves, trajes, robôs, armas, veículos e construções, apesar que isso tenha diminuído nas produções do século XXI. 

O termo raypunk foi proposto pelo escritor e editor de revistas de ficção científica Paul Di Filippo, nos anos 90, combinando a ideia de armas a laser (rayguns) com a arquitetura do raygun gothic de caráter retrofuturista, surgida na década de 1950 com a popularização da temática espacial. Logo, temos edificações, objetos, móveis e decorações que emulavam espaçonaves, foguetes, disco-voadores, trajes de astronautas etc. 

As narrativas raypunk abarcam temas geralmente associados com a aventura e a ação, mas podendo conter elementos de suspense, drama e mistério, as vezes de terror e sobrenatural. Mais tarde narrativas com críticas sociais, uma pegada mais sombria, suja, violenta, decadente e até psicodélica, sendo isso mais influenciado pelo cyberpunk, começou a surgir. 

Entre as produções raypunk temos as hqs da Barbarella (1964-1982), cuja protagonista é uma bela e sensual mulher loura, que atua como agente especial, viajando por diferentes planetas, numa ambientação retrofuturista. Além da temática de aventura e ação, Barbarella também foi influenciada pelo feminismo, o movimento hippie e a psicodelia dos anos 70, abordando temas como erotismo, liberdade sexual, consumo de drogas, opressão, revoltas etc. 

Arte promocional do filme Barbarella (1968). 

Outra produção é o filme animado Le Planet Sauvage (1973), um desenho voltado para adultos, com seu visual bizarro, inspirado no Surrealismo, que mostra um mundo estranho habitado por alienígenas azuis e animais monstruosos. Le Planet Sauvage inclui-se no raypunk por ser uma produção subversiva, voltada para causar impacto.

Cena de Le Planet Sauvage. 

Outras produções raypunk são alguns filmes como O Marechal do Universo (1952), Fantasma do Espaço (1953), Planeta Proibido (1956), Rainha do Espaço Sideral (1958), O Lodo Verde (1968), Marte Ataca! (1996). No caso dos videogames temos a franquia Borderlands (2009-presente) com seu universo violento, sujo, decadente, corrupto, zoado e louco, e o jogo The Outer Worlds (2019), inspirado na estética do raypunk dos anos 1960. 

Os jogos da franquia Borderlands combinam a estética do dieselpunk e do raypunk. 
Biopunk

O subgênero do biopunk é uma variação do cyberpunk, valendo-se da tecnologia virtual e digital, mas com a diferença de que se dar maior ênfase a questões envolvendo intervenções biológicas. Ou seja, os personagens podem ser ciborgues, possuírem implantes eletrônicos. Tais produções também podem incluir clonagem, mutações e a criação de monstros. A ideia para o biopunk surgiu inicialmente no XIX, embora não tenha ganho destaque no período. Lars Schmeink (2020) comenta que livros como Frankenstein (1818) e A ilha do Dr. Moreau (1896) podem ser considerados obras de biopunk. 

Em Frankenstein temos o médico Victor Frankenstein criando uma espécie de homúnculo feito a partir da união de partes de cadáveres, lhe dando a vida através da energia gerada por raios. Em A ilha do Dr. Moreau, o protagonista realiza experimentos numa ilha secreta, na qual ele cria quimeras, sendo um misto de humanos e animais. Ambos os livros embora tendam para o lado do terror, ainda assim, possuem elementos de ficção científica. 

Dessa forma, o biopunk inclui produções que podem se passar entre os séculos XIX e XXI, ou até além disso, mostrando o uso de algum tipo de tecnologia médica ou biotecnologia para se criar ciborgues, mutantes, clones ou monstros. Em geral as produções biopunk tendem a adotar alguns aspectos do cyberpunk como a violência, o sombrio, o sujo, o imoral, a desigualdade social, a tecnologia usada de forma irresponsável etc. 

Cartaz francês da série. 

O conceito de biopunk se desenvolveu a partir do trabalho do escritor Bruce Sterling que publicou o conto Our Neural Chernobyl (1988), inspirado no Desastre de Chernobyl (1986) e no cyberpunk, criou uma narrativa envolvendo biotecnologia e mutação. 

"No cenário futuro de Sterling, os biohackers se baseiam no sucesso revolucionário de usar uma sequência de RNA viral para inserir e cortar DNA à vontade e com facilidade lúdica, estimulando experimentos genéticos que atendem não apenas a pacientes com doenças crônicas, mas também a usos ilegais, como usuários de drogas desejando uma alta permanente. Um desses experimentos causa o ‘Chernobyl neural’, desencadeando uma explosão de crescimento em células cerebrais, o que deixa os humanos em uma alta cognitiva de “gênio excêntrico” antes de sofrer de “colapso dendrítico” e mergulhá-los em “insanidade poética e repleta de visão”. Mas mais do que apenas impactar usuários de drogas, o vírus tem um efeito colateral não intencional, pois ele salta a barreira das espécies e infecta a vida animal, essencialmente aumentando as habilidades cognitivas de animais não humanos. A história termina com uma visão de um mundo pós-humano alterado por melhorias genéticas tanto dos animais humanos quanto dos não humanos, um mundo possível onde nós “compartilhamos o planeta com uma espécie civilizada” e “uma fração da população alcançou a imortalidade física” por mutação genética". (SCHMEINK, 2020, p. 73, tradução minha). 

A partir dessa obra o escritor Lewis Shiner criou o termo "sci-fiberpunk", mas esse acabou não "pegando", então ele foi reformulado por outros autores, passando a ser conhecido como biopunk. Atualmente a temática do biopunk inclusive encontra paralelo com entusiastas do movimento do transumanismo, que defendem que o próximo passo da "evolução humana" é nos tornarmos ciborgues.  

Algumas produções biopunks incluem o filme animado Akira (1988), onde crianças passam por experimentos para desenvolverem poderes e um dos jovens se descontrola; a franquia de jogos Resident Evil (1996-presente), a qual apresenta armas biológicas como o T-Vírus, o G-Vírus, outros tipos de vírus, além de mutantes; os jogos Deus Ex: Human Revolution (2011) e Deus Ex: Mankind Divided (2016), os quais fazem uso de implantes; a série Carbono Alterado (2018-2020), baseada nos livros de Richard K. Morgan, se passando num futuro distante, no qual as pessoas com dinheiro conseguem gravar suas memórias e consciência em chips, e assim trocam de corpos, ou se clonam, viram ciborgues ou robôs. O filme Crimes do Futuro (2022) onde as pessoas passam a usar biotecnologia para alterar seus organismos e metabolismos, se tornando mais resistentes a doenças e até nem mais sentirem dor; e Pobres Criaturas (2023), baseado no livro homônimo, em que um médico e cientista transplanta cérebros de meninas para o corpo de mulheres mortas, reanimando-as, e passando-as a educá-las, enquanto elas aprendem sobre o mundo. 

O personagem Adam Jensen se torna um ciborgue. 

Nanopunk

O subgênero nanopunk surgiu como uma variação do biopunk, por conta disso, ele possui características bem parecidas com esse e o cyberpunk. No caso, o nanopunk tem esse nome por se referir a nanotecnologia, a qual passa a ser o foco dessas produções, substituindo a tecnologia digital do cyberpunk e a biotecnologia do biopunk. Assim, através de diferentes usos dados a nanotecnologia pode-se criar máquinas, robôs, veículos, trajes, implantes, doenças, tratamentos, medicamentos etc., os quais são utilizados positivamente ou negativamente na sociedade. Tais tramas podem se passar no presente ou no futuro, em épocas comuns ou distópicas. (AHKTER, 2024). 

O termo nanopunk surgiu com o escritor Nathan McGrath e seu livro Nanopunk (2013) o qual aborda um mundo num futuro apocalpítico, em que a Terra está congelada e um vírus criado em laboratório dizimou grande parte da humanidade. No caso, a criação de vírus e outras doenças é considerada nanotecnologia nesse contexto. Mas embora o termo nanopunk tenha surgido em 2013, anteriormente tivemos alguns livros que já abordavam a temática como The Invecible (1964) e Peache of Earth (1985), ambos dos escritor polonês Stanislaw Lem, cujas obras abordam nanorobôs, "poeira inteligente", inteligência artificial avançada etc. Outros livros são The Diamond Age (1995) de Neal Stephenson, Queen City Jazz (1997) de Kathleen Ann Goonan e Prey (2002) de Michael Critchton. Em todas essas obras a nanotecnologia apresenta algum uso indevido. (AHKTER, 2024). 

Capa original de The Invencible, considerado o primeiro livro sobre nanopunk. 

Algumas produções nanopunk incluem as hqs e filmes do Homem-Formiga, o qual faz uso de uma tecnologia que altera a dimensão dos corpos, fazendo ele, objetos e outras coisas crescerem ou diminuírem; a minissérie Homem de Ferro: Extremis (2005-2006), em que Tony Stark desenvolve uma nanotecnologia para seus trajes, mas que acaba se tornando uma ameaça; alguns jogos da franquia Deus Ex (2001-2016) citam nanotecnologia, já nos jogos Crisis (2007-2013), o protagonista utiliza um traje de nanotecnologia que lhe concede mais resistência, força, velocidade, camuflagem etc. 

O traje de nanotecnologia da franquia Crysis. 

Decopunk

A escritora Sara M. Harvey definiu em 2010 o decopunk como um estilo punk de futuro retrô que se passa entre o steampunk e o dieselpunk, sendo influenciado pela estética da arte déco, a qual surgiu na Europa na década de 1910 e vigorou até 1939, influenciando as artes, o designer, o desenho industrial, as decorações e a arquitetura. Na época de sua origem, a arte déco era pretendida ser um estilo de arte moderno para representar o século XX e seu progresso tecnológico e a ideia de futurismo, fato esse, que se combinou várias ideias para isso. Inclusive os ricos gostaram bastante desse estilo, construindo mansões, prédios e hotéis luxuosos, pois a arte déco se encaixa bem nesse quesito de uma decoração imponente, ostentosa e as vezes até excessiva. (MCCANNA-PORTER, 2024).

Nos Estados Unidos a arquitetura e designer da arte déco se espalhou por grandes metrópoles como Nova York, Chicago, Boston e Detroit. Fato esse que o icônico Empire State Building é nesse estilo. Assim, as produções decopunk costumam serem ambientadas entre as décadas de 1920 e 1940, geralmente em cidades americanas, como as citadas anteriormente, ou inspiradas nas mesmas. Tais produções apresentam a estética do déco mesclada como uma tecnologia avançada para sua época, que pode conter carros, navios, trens-balas, dirigíveis, aviões, robôs, computadores etc., os quais não existiam naquele período. O decopunk também foi influenciado pela estética dos filmes noir, assim, no quesito do cinema, alguns filmes decopunk apresentam uma ambientação mais noturna, com cores pastéis, ritmo lento e dramático. (MCCANNA-PORTER, 2024).

A primeira produção em decopunk foi Metropolis (1927), um filme alemão dirigido e roteirizado por Fritz Lang, o qual contou com a ajuda de sua esposa Thea von Harbou. A produção ainda em preto e branco mostrava uma grande cidade no ano de 2026, com seus arranha-céus, monotrilhos e robôs. Porém, Metrópoles é uma cidade de contrastes. Os ricos vivem nos seus luxuosos arranha-céus, enquanto os pobres moram em conjuntos habitacionais pequenos e superlotados, além de parte desse grupo trabalhar no subterrâneo, operando o maquinário que faz a cidade funcionar. 

Cartazes do filme Metrópoles com seu visual de arte déco. 

Por ser uma produção dos anos 1920, Metrópoles apresenta toda a influência da arte déco em sua arquitetura e estética, transportando-a para o século XXI. Além disso, o filme também foi influenciado por problemas sociais da época, como a falta de direitos trabalhistas, uma forte exploração do trabalho e o acirramento da desigualdade social.

O decopunk não costuma ter muitos exemplos na cultura pop, sendo mais fácil encontrá-lo em ilustrações, além de ele ser confundido com produções noir. A principal diferença é que obras decopunk devem ter elementos de retrofutirismo e uma pegada mais problemática, sombria, violenta, além de enfatizar problemas envolvendo a tecnologia e desigualdades sociais. 

Entre alguns exemplos destaco os jogos Bioshock (2007) e Bioshock 2 (2010), em que a arquitetura de Rapture é déco, mas a tecnologia remonta ao dieselpunk. Temos as hqs do Homem-Aranha Noir (2009), cuja trama acontece em Nova York da década de 1930, contendo elementos de suspense e ficção científica também. A série animada do Batman (1992-1995) é também um exemplo de decopunk, pois combina a estética do déco na arquitetura, decoração, trajes e veículos, como se a narrativa ocorre-se entre as décadas de 1930 e 1960, com o tom de filmes noir, mesclando-os com a tecnologia da década de 1990, que inclui televisores, radares, GPS, computadores, satélites, rastreadores etc. 

Gotham City no estilo decopunk. 

Mais recentemente o filme Megalopolis (2024) de Francis Ford Coppola, apresenta a cidade de Nova Roma, com sua arquitetura decopunk. Inclusive nessa produção a trama aborda dilemas como o conservadorismo e o progressismo, manter a cidade do jeito que ela é, o que inclui a manutenção de suas desigualdades sociais, ou abraçar o futuro, modernizando a cidade, tornando-a urbanamente melhor. Além desses dilemas ligados a tecnologia, outras questões morais e sociais são tratadas no filme, as quais se inserem no subgênero punk, manifestado por sua rebeldia, oposição e pessimismo. 

Clockpunk

O subgênero clockpunk é também de viés retrofuturista, voltando ainda mais no passado, antecedendo o Steampunk do século XIX. O termo é uma referência aos complexos relógios surgidos na Europa entre os séculos XVI e XVIII, além da popularização do chamado "relógio suíço" com suas várias engrenagens. Neste caso, o clockpunk como os outros estilos punk futuro retrô, imagina o passado entre 1500 e 1800 contendo tecnologia avançada para a época, o que pode incluir máquinas voadoras, veículos terrestres ou aquáticos, autômatos, produtos químicos, até mesmo antecipar algumas tecnologias como a energia elétrica, o vapor e o magnetismo. (MACKAY, 2020).

O clockpunk também foi influenciado pelas descobertas tecnológicas do Renascimento e da Revolução Científica, por conta disso, parte da sua estética é inclusive baseada nos projetos de Leonardo Da Vinci e nos inventos de Galileu Galilei e outros cientistas do período. Por sua vez, as cidades representadas nessas produções tendem a serem inspiradas em cidades reais como Londres e Paris, geralmente as versões dos séculos XVII e XVIII. (MACKAY, 2020).

Navios voadores no filme Os Três Mosqueteiros (2011). 

O termo clockpunk foi empregado nos rpgs de mesa GURPS, criado por Steve Jackson, especialmente no jogo GURPS Steampunk (2000), em que se utilizou clockpunk para se referir a tecnologia anterior ao período industrial. (MACKAY, 2020). Algumas produções que abordam esse subgênero estão: o livro Mainspring (2008) de Jay Lake que originou uma trilogia; o livro Whitechapel Gods (2008) de S. M. Peterso jogo Assassin's Creed II (2009), em que Ezio Auditore utiliza alguns dos inventos de Da Vinci;o filme Os Três Mosqueteiros (2011), onde temos navios voadores; o seriado The Da Vinci's Demons (2013-2015); o jogo Steelrising (2022) que se passa durante a Revolução Francesa, onde existem autômatos. 

Steelrising insere autômatos em Paris no contexto da Revolução Francesa. 

Pós-cyberpunk

Quanto ao subgênero pós-cyberpunk esse divide opiniões. Alguns o consideram uma atualização apenas do cyberpunk, não merecendo receber outra nomenclatura. Porém, outros assinalam que ele apresenta diferenças consideráveis, por isso ser considerado um gênero à parte. 

Em 1998 o escritor Lawrence Person no fórum online Slashdot escreveu acerca do pós-cyberpunk, dizendo que os próximos trabalhos deveriam atualizar a tecnologia representada, mas sobretudo, mudar alguns aspectos narrativescos, deixando de lado personagens que eram sempre marginalizados, rebeldes, solitários, intrigas corporativistas, hackers e coisas do tipo. Person defendia criar novos tipos de personagens, melhor inseridos na sociedade, explorar essa tecnologia digital não apenas por seu aspecto negativo, mas também mostrar que ela teria um lado positivo. Além de sair da perspectiva de sempre produzir histórias num futuro distópico ou sombrio. Rafael Huereca também concordou com Person, realizando ume estudo acerca. (MORAIS, 2022). 

Para Person o anime Ghost in the Shell: Stand Alone Complex (2002-2005) era um ótimo exemplo do que ele definia como pós-cyberpunk, mostrando um Japão após 2030, com tecnologia virtual e cibernética avançada, existindo robôs e ciborgues, a sociedade não é necessariamente decadente, o futuro não é distópico, mas cibercrimes e ciberterrorismo seguem ocorrendo, por conta disso, os protagonistas são agentes de uma força tarefa especial especializados no combate desses crimes, não sendo personagens marginalizados, solitários, rebeldes e frustrados. Cada um possuis suas próprias características, metas e problemas pessoais. Apesar que a protagonista major Motoko Kusanagi seja uma ciborgue bastante séria e estoica (diferente da versão do mangá, onde ela é bem-humorada e sarcástica). 

Para Person e Huereca, esse anime é um exemplo de pós-cyberpunk. 

"Rafael Miranda Huereca aponta que enquanto no Cyberpunk as obras exibem um 'fatalismo e determinismo' que evidenciam os efeitos da tecnologia na sociedade, o Pós-Cyberpunk realça uma atitude que, ao mesmo tempo, desconfia e confia na tecnologia, especialmente as novas tecnologias. Para o autor, o Pós-Cyberpunk é mais livre de preconceitos sobre estes extremos e seus personagens podem ser tão perturbados e torpes, quanto entusiastas que utilizam a cibernética para “melhorar o status quo e sua própria condição pessoal”. Huereca defende que os resultados das suas análises apontam que a principal transformação entre esses estilos ocorreu no campo das “descrições, usos e vantagens da rede de computadores, ciberespaço, realidades virtuais ou simuladores cibernéticos”. Enquanto os trabalhos Cyberpunk associavam esses elementos ao dinheiro, consumismo e abuso econômico, no Pós-Cyberpunk eles são inseridos em um contexto em que são utilizados em busca de múltiplos objetivos além do financeiro. Ademais, esse último faz uso de uma infinidade de tecnologias inovadoras como a nanotecnologia, wetwares e paisagens cibernéticas". (MORAIS, 2022, p. 4). 

Tailor Morais (2022) comenta que a série Black Mirror (2011-2023) apresenta em alguns episódios tramas que se encaixam no cyberpunk e no pós-cyberpunk. Por outro lado, Murphy e Schmeink (2018) consideram que o termo pós-cyberpunk seja algo mais ligado a nomenclaturas de perspectivas sociais do que um subgênero novo. Eles comentam termos como "segunda onda cyberpunk", "cyberpunk feminista", "cyberpunk pós-colonial", sendo esses dois últimos imbuídos por pautas sociais. Assim, para os autores, o pós-cyberpunk seria uma atualização de ideias do cyberpunk, não algo diferente como proposto por Person em 1998 e Huereca em 2011.

Considerações finais: como traçar os limites do punk?

Em uma busca pela internet o leitor se deparará com outras terminologias como cowboypunk, seapunk, piratepunk, solarpunk, lunarpunk, mannerpunk, elfopunk, mitopunk, entre outra variedade de termos. O problema é que tais nomenclaturas carecem de mais explicação, surgindo na maior parte das vezes em debates de fãs em fóruns, blogs e redes sociais. As pessoas no afã de querer criar categorias, acabam esquecendo de melhor definir seus critérios e tudo acaba se tornando "punk", mesmo não tendo características do tipo. 

Por exemplo, o cowboypunk também é referido como westernpunk e cattlepunk, nota-se aqui três termos distintos para a mesma coisa. Porém, quando se vai ver os exemplos desse suposto subgênero, ele lembra bastante as características do faroeste fantástico (weird western) surgido nos anos 1930 e em alta até a década de 1970. Por conta disso, o filme As Loucas Aventuras de James West (1999) é taxado como cowboypunk, embora ele seja um steampunk inserido na ambientação do Velho Oeste, o que o torna uma exceção nesse caso. 

Outro exemplo é o filme Waterworld (1995) o qual é referido em alguns fóruns e sites como sendo um seapunk, oceanpunk, waterpunk (observa-se que não há um consenso de nomenclatura), apesar que o filme seja classificado como um dieselpunk pós-apocalíptico e distópico. 

O problema de criar essas nomenclaturas é que falta consenso entre seus idealizadores e apoiadores, no tocante as definições e exemplos. Nem toda produção de weird western é punk, já que muitas dessas eram voltadas para o sobrenatural por conta da influência das produções de fantasia e terror da época; já o caso de Waterworld é interessante, mas quanto seapunks você conhece por aí? Outro problema levantado é que seapunk é o nome de um estilo inspirado no subgênero musical Vaporwave, surgido na década de 2010, cuja moda e temática estava associada com o mar. Ou seja, estão combinando termos da música para serem usados em outras mídias, mas isso não necessariamente funciona sem a devida adequação. 

Assim, devido a essa falta de critérios mais específicos, escritores, cineastas, artistas plásticos e estudiosos, não consideram tais terminologias oficiais, por conta disso, elas ficaram de fora desse texto. 

NOTA: Ainda hoje a palavra punk as vezes é usada no sentido de se referir a jovens rebeldes, algo especialmente visto nos Estados Unidos e alguns países europeus como Inglaterra, Irlanda e Alemanha. 

NOTA 2: O mangá Fullmetal Alchemist (2001-2010) divide opiniões. Alguns autores o consideram um steampunk, outros apontam elementos de dieselpunk, mas um terceiro grupo assinala que a trama não possui características suficientes para ser encaixado nesses subgêneros. 

NOTA 3: A franquia de filmes e jogos Matrix (1999-2021) combina elementos do cyberpunk e do biopunk. 

NOTA 4: Alguns jogos da franquia Metal Gear Solid que se passam entre as décadas de 1960 e 1970, possuem referências ao atompunk.

NOTA 5: Algumas histórias do Hellboy possuem elementos de dieselpunk, apesar que as hqs sejam mais voltadas para a fantasia e o terror. 

NOTA 6: A estética dieselpunk de Mad Max influenciou outras obras como o mangá Sand Land (2000) e a franquia de jogos Borderlands (2009-presente). 

Referências bibliográficas: 

AKHTER, Tawhida [et. al]. Nano-punk and Nanotecnhology Genry in Literature: A Scientific and Cultural Analysis of NealStephenson's The Diamond Age. Journal of Intercultural Communication, v. 24, n. 2, 2024, p. 103-107.

COGAN, Brian. The Encyclopedia of Punk. New York: Sterling, 2008. 

FRELIK, Pawel. "Silhouettes of Strange Illuminated Mannequins": Cyberpunk’s Incarnations of Light. In: MURPHY, Graham J; SCHMEINK, Lars (eds.). Cyberpunk and Visual Culture. New York, Routledge, 2018. 

MACKAY, Ellen. Renaissance theatre and clockpunk historiography 1. In: The Routledge Companion to Theatre and Performance Historiography. Routledge, 2020. p. 364-382.

MCCANNA-PORTER, Misti. Tea, Automatons, and Time Machines: Steampunk’s Nostalgic Re-Imagination of Contemporary Art. Leiden, Brill, 2024.

MORAIS, Tailor Gonçalves. Antologia Cyberpunk: um estudo sobre a série Black Mirror. Dissertação (Mestrado em Estudos Artísticos), Departamento de História, Estudos Europeus, Arqueologia e Artes, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2022. 

NEVINS, Jess. Steampunk. In: MCFARLANE, Anne; MURPHY, Graham J; SCHMEINK, Lars (eds.). The Routledge Companion to Cyberpunk Culture. New York, Routledge, 2020, p. 64-72. 

PIECRAFT; OTTENS, Nick. Discovering Dieselpunk. Gatehouse Gazette, n. 1, jul. 2008, p. 3-9. 

SCHMEINK, Lars. Biopunk. In: MCFARLANE, Anne; MURPHY, Graham J; SCHMEINK, Lars (eds.). The Routledge Companion to Cyberpunk Culture. New York, Routledge, 2020, p. 73-80.  

WOLFE, Gary K. Science fiction and its editors. In: JAMES, Edward; MENDLESOHN, Farah (eds.). The Cambridge Companion to Science Fiction. New York, Cambridge University Press, 2003, p. 96-109. 

Referências da internet:

DOCTOROW, Cory. Atompunk: fetishizing the atomic age. Boingboing. 2008. Disponível em: https://boingboing.net/2008/12/03/atompunk-fetishizing.html.

STERLING, Bruce. Here Comes "Atompunk". And it's Dutch. So there. Wired. 2008. Disponível em: https://www.wired.com/2008/12/here-comes-atom/

Links relacionados: 

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