Teatro experimental do negro: trajetória e reflexões
Abdias do Nascimento*
VÁRIAS INTERROGAÇÕES suscitaram ao meu espírito a tragédia daquele negro infeliz que o gênio de Eugene O'Neill transformou em O Imperador Jones. Isso acontecia no Teatro Municipal de Lima, capital do Peru, onde me encontrava com os poetas Efraín Tomás Bó, Godofredo Tito Iommi e Raul Young, argentinos, e o brasileiro Napoleão Lopes Filho. Ao próprio impacto da peça juntava-se outro fato chocante: o papel do herói representado por um ator branco tingido de preto.
Àquela época, 1941, eu nada sabia de teatro, economista que era, e não possuía qualificação técnica para julgar a qualidade interpretativa de Hugo D'Evieri. Porém, algo denunciava a carência daquela força passional específica requerida pelo texto, e que unicamente o artista negro poderia infundir à vivência cênica desse protagonista, pois o drama de Brutus Jones é o dilema, a dor, as chagas existenciais da pessoa de origem africana na sociedade racista das Américas.
Por que um branco brochado de negro? Pela inexistência de um intérprete dessa raça? Entretanto, lembrava que, em meu país, onde mais de vinte milhões de negros somavam a quase metade de sua população de sessenta milhões de habitantes, na época, jamais assistira a um espetáculo cujo papel principal tivesse sido representado por um artista da minha cor. Não seria, então, o Brasil, uma verdadeira democracia racial? Minhas indagações avançaram mais longe: na minha pátria, tão orgulhosa de haver resolvido exemplarmente a convivência entre pretos e brancos, deveria ser normal a presença do negro em cena, não só em papéis secundários e grotescos, conforme acontecia, mas encarnando qualquer personagem – Hamlet ou Antígona – desde que possuísse o talento requerido. Ocorria de fato o inverso: até mesmo um Imperador Jones, se levado aos palcos brasileiros, teria necessariamente o desempenho de um ator branco caiado de preto, a exemplo do que sucedia desde sempre com as encenações de Otelo. Mesmo em peças nativas, tipo O demônio familiar (1857), de José de Alencar, ou Iaiá boneca (1939), de Ernani Fornari, em papéis destinados especificamente a atores negros se teve como norma a exclusão do negro autêntico em favor do negro caricatural. Brochava-se de negro um ator ou atriz branca quando o papel contivesse certo destaque cênico ou alguma qualificação dramática. Intérprete negro só se utilizava para imprimir certa cor local ao cenário, em papéis ridículos, brejeiros e de conotações pejorativas.
Devemos ter em mente que até o aparecimento de Os Comediantes e de Nelson Rodrigues – que procederam à nacionalização do teatro brasileiro em termos de texto, dicção, encenação e impostação do espetáculo – nossa cena vivia da reprodução de um teatro de marca portuguesa que em nada refletia uma estética emergente de nosso povo e de nossos valores de representação. Esta verificação reforçava a rejeição do negro como personagem e intérprete, e de sua vida própria, com peripécias específicas no campo sociocultural e religioso, como temática da nossa literatura dramática.
Naquela noite em Lima, essa constatação melancólica exigiu de mim uma resolução no sentido de fazer alguma coisa para ajudar a erradicar o absurdo que isso significava para o negro e os prejuízos de ordem cultural para o meu país. Ao fim do espetáculo, tinha chegado a uma determinação: no meu regresso ao Brasil, criaria um organismo teatral aberto ao protagonismo do negro, onde ele ascendesse da condição adjetiva e folclórica para a de sujeito e herói das histórias que representasse. Antes de uma reivindicação ou um protesto, compreendi a mudança pretendida na minha ação futura como a defesa da verdade cultural do Brasil e uma contribuição ao humanismo que respeita todos os homens e as diversas culturas com suas respectivas essencialidades. Não seria outro o sentido de tentar desfiar, desmascarar e transformar os fundamentos daquela anormalidade objetiva dos idos de 1944, pois dizer teatro genuíno – fruto da imaginação e do poder criador do homem – é dizer mergulho nas raízes da vida. E vida brasileira excluindo o negro de seu centro vital, só por cegueira ou deformação da realidade.
Fundação e estréia do TEN
Engajado a estes propósitos, surgiu, em 1944, no Rio de Janeiro, o Teatro Experimental do Negro, ou TEN, que se propunha a resgatar, no Brasil, os valores da pessoa humana e da cultura negro-africana, degradados e negados por uma sociedade dominante que, desde os tempos da colônia, portava a bagagem mental de sua formação metropolitana européia, imbuída de conceitos pseudo-científicos sobre a inferioridade da raça negra. Propunha-se o TEN a trabalhar pela valorização social do negro no Brasil, através da educação, da cultura e da arte.
Pela resposta da imprensa e de outros setores da sociedade, constatei, aos primeiros anúncios da criação deste movimento, que sua própria denominação surgia em nosso meio como um fermento revolucionário. A menção pública do vocábulo "negro" provocava sussurros de indignação. Era previsível, aliás, esse destino polêmico do TEN, numa sociedade que há séculos tentava esconder o sol da verdadeira prática do racismo e da discriminação racial com a peneira furada do mito da "democracia racial". Mesmo os movimentos culturais aparentemente mais abertos e progressistas, como a Semana de Arte Moderna, de São Paulo, em 1922, sempre evitaram até mesmo mencionar o tabu das nossas relações raciais entre negros e brancos, e o fenômeno de uma cultura afro-brasileira à margem da cultura convencional do país.
Polidamente rechaçada pelo então festejado intelectual mulato Mário de Andrade, de São Paulo, minha idéia de um Teatro Experimental do Negro recebeu as primeiras adesões: o advogado Aguinaldo de Oliveira Camargo, companheiro e amigo desde o Congresso Afro-Campineiro que realizamos juntos em 1938; o pintor Wilson Tibério, há tempos radicado na Europa; Teodorico dos Santos e José Herbel. A estes cinco, se juntaram logo depois Sebastião Rodrigues Alves, militante negro; Arinda Serafim, Ruth de Souza, Marina Gonçalves, empregadas domésticas; o jovem e valoroso Claudiano Filho; Oscar Araújo, José da Silva, Antonieta, Antonio Barbosa, Natalino Dionísio, e tantos outros.
Teríamos que agir urgentemente em duas frentes: promover, de um lado, a denúncia dos equívocos e da alienação dos chamados estudos afro-brasileiros, e fazer com que o próprio negro tomasse consciência da situação objetiva em que se achava inserido. Tarefa difícil, quase sobre-humana, se não esquecermos a escravidão espiritual, cultural, socioeconômica e política em que foi mantido antes e depois de 1888, quando teoricamente se libertara da servidão.
A um só tempo o TEN alfabetizava seus primeiros participantes, recrutados entre operários, empregados domésticos, favelados sem profissão definida, modestos funcionários públicos – e oferecia-lhes uma nova atitude, um critério próprio que os habilitava também a ver, enxergar o espaço que ocupava o grupo afro-brasileiro no contexto nacional. Inauguramos a fase prática, oposta ao sentido acadêmico e descritivo dos referidos e equivocados estudos. Não interessava ao TEN aumentar o número de monografias e outros escritos, nem deduzir teorias, mas a transformação qualitativa da interação social entre brancos e negros. Verificamos que nenhuma outra situação jamais precisara tanto quanto a nossa do distanciamento de Bertolt Brecht. Uma teia de imposturas, sedimentada pela tradição, se impunha entre o observador e a realidade, deformando-a. Urgia destruí-la. Do contrário, não conseguiríamos descomprometer a abordagem da questão, livrá-la dos despistamentos, do paternalismo, dos interesses criados, do dogmatismo, da pieguice, da má-fé, da obtusidade, da boa-fé, dos estereótipos vários. Tocar tudo como se fosse pela primeira vez, eis uma imposição irredutível.
Cerca de seiscentas pessoas, entre homens e mulheres, se inscreveram no curso de alfabetização do TEN, a cargo do escritor Ironides Rodrigues, estudante de direito dotado de um conhecimento cultural extraordinário. Outro curso básico, de iniciação à cultura geral, era lecionado por Aguinaldo Camargo, personalidade e intelecto ímpar no meio cultural da comunidade negra. Enquanto as primeiras noções de teatro e interpretação ficavam a meu cargo, o TEN abriu o debate dos temas que interessavam ao grupo, convidando vários palestrantes, entre os quais a professora Maria Yeda Leite, o professor Rex Crawford, adido cultural da Embaixada dos Estados Unidos, o poeta José Francisco Coelho, o escritor Raimundo Souza Dantas, o professor José Carlos Lisboa.
Após seis meses de debates, aulas e exercícios práticos de atuação em cena, preparados estavam os primeiros artistas do TEN. Estávamos em condições de apresentar publicamente o nosso elenco. Revelou-se então a necessidade de uma peça ao nível das ambições artísticas e sociais do movimento: em primeiro lugar, o resgate do legado cultural e humano do africano no Brasil. O que então se valorizava e divulgava em termos de cultura afro-brasileira, batizado de "reminiscências", eram o mero folclore e os rituais do candomblé, servidos como alimento exótico pela indústria turística (no mesmo sentido podemos inscrever hoje a exploração do samba, criação afro-brasileira, pela classe dominante branca, levada nos últimos anos ao exagero do espetáculo carnavalesco luxuoso e, pela carestia, cada vez mais longe do alcance do povo que o criou).
O TEN não se contentaria com a reprodução de tais lugares-comuns, pois procurava dimensionar a verdade dramática, profunda e complexa, da vida e da personalidade do grupo afro-brasileiro. Qual o repertório nacional existente? Escassíssimo. Uns poucos dramas superados, onde o negro fazia o cômico, o pitoresco, ou a figuração decorativa: O demônio familiar (1857) e Mãe (1859), ambas de José de Alencar; Os cancros sociais (1865), de Maria Ribeiro; O escravo fiel (1858), de Carlos Antonio Cordeiro; O escravocrata (1884) e O dote (1907), de Artur Azevedo, a primeira com a colaboração de Urbano Duarte; Calabar (1858), de Agrário de Menezes; as comédias de Martins Pena (1815-1848). E nada mais. Nem ao menos um único texto que refletisse nossa dramática situação existencial.
Sem possibilidade de opção, O imperador Jones se impôs como solução natural. Não cumprira a obra de O'Neill idêntico papel nos destinos do negro norte-americano? Tratava-se de uma peça significativa: transpondo as fronteiras do real, da logicidade racionalista da cultura branca, não condensava a tragédia daquele burlesco imperador um alto instante da concepção mágica do mundo, da visão transcendente e do mistério cósmico, das núpcias perenes do africano com as forças prístinas da natureza? O comportamento mítico do Homem nela se achava presente. Ao nível do cotidiano, porém, Jones resumia a experiência do negro no mundo branco, onde, depois de ter sido escravizado, libertam-no e o atiram nos mais baixos desvãos da sociedade. Transviado num mundo que não é o seu, Brutus Jones aprende os maliciosos valores do dinheiro, deixa-se seduzir pela miragem do poder. Além do impacto dramático, a peça trazia a oportunidade de reflexão e debate em torno de temas fundamentais aos propósitos do TEN.
Escrevemos a Eugene O'Neill uma carta aflita de socorro. Nenhuma resposta jamais foi tão ansiosamente esperada. Quem já não sentiu a atmosfera de solidão e pessimismo que rodeia o gesto inaugural, quando se tem a sustentá-lo unicamente o poder de um sonho? De seu leito de enfermo, em São Francisco, a 6 de dezembro de 1944, O'Neill nos respondeu:
"You have my permission to produce The Emperor Jones without any payment to me, and I want to wish you all the success you hope for with your Teatro Experimental do Negro. I know very well the conditions you describe in the Brazilian theatre. We had exactly the same conditions in our theatre before The Emperor Jones was produced in New York in 1920 – parts of any consequence were always played by blacked-up white actors. (This, of course, did not apply to musical comedy or vaudeville, where a few negroes managed to achieve great sucess). After The Emperor Jones, played originally by Charles Gilpin and later by Paul Robeson, made a great success, the way was open for the negro to play serious drama in our theatre. What hampers most now is the lack of plays, but I think before long there will be negro dramatists of real merit to overcome this lack".
"O senhor tem a minha permissão para encenar O imperador Jones isento de qualquer direito autoral, e quero desejar ao senhor todo o sucesso que espera com o seu Teatro Experimental do Negro. Conheço perfeitamente as condições que descreve sobre o teatro brasileiro. Nós tínhamos exatamente as mesmas condições em nosso teatro antes de O imperador Jones ser encenado em Nova York em 1920 – papéis de qualquer destaque eram sempre representados por atores brancos pintados de preto. (Isso, naturalmente, não se aplica às comédias musicadas ou ao vaudeville, onde uns poucos negros conseguiram grande sucesso). Depois que O imperador Jones, representado primeiramente por Charles Gilpin e mais tarde por Paul Robeson, fez um grande sucesso, o caminho estava aberto para o negro representar dramas sérios em nosso teatro. O principal impedimento agora é a falta de peças, mas creio que logo aparecerão dramaturgos negros de real mérito para suprir essa lacuna".
Esta generosa adesão e lúcido conselho tiveram importância decisiva em nosso projeto. Transformaram o total desamparo das primeiras horas em confiança e euforia. Ajudaram a que nos tornássemos capazes de suprir com intuição e audácia o que nos faltava em conhecimento de técnica teatral e em recurso financeiro para enfrentar as inevitáveis despesas com cenários, figurinos, maquinistas, eletricistas, contra-regra. Encontramos em Aguinaldo de Oliveira Camargo a força dramática capaz de dimensionar a complexidade psicológica de Brutus Jones. Ricardo Werneck de Aguiar nos ofereceu uma excelente tradução. Os mais belos e menos onerosos cenários que poderíamos pretender foram criados pelo pintor Enrico Bianco, os quais se tornaram clássicos no teatro brasileiro. A colaboração desses dois amigos brancos do teatro negro iniciou uma tradição que depois se consolidaria com a ação solidária de muitos outros amigos do TEN, entre eles o fotógrafo José Medeiros, o diretor teatral Willy Keller, o cenógrafo Santa Rosa, o diretor Léo Jusi, assim como o ator Sady Cabral, que encarnou o Smithers de O imperador Jones.
Sob intensa expectativa, a 8 de maio de 1945, uma noite histórica para o teatro brasileiro, o TEN apresentou seu espetáculo fundador. O estreante ator Aguinaldo Camargo entrou no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde antes nunca pisara um negro como intérprete ou como público, e, numa interpretação inesquecível, viveu o trágico Brutus Jones, de O'Neill. Na sua unanimidade, a crítica saudou entusiasticamente o aparecimento do Teatro Experimental do Negro e do grande ator negro Aguinaldo Camargo, comparando-o em estrutura dramática a Paul Robeson, que também desempenhou o mesmo personagem nos Estados Unidos. Henrique Pongetti, cronista de O Globo, registrou: "Os negros do Brasil – e os brancos também – possuem agora um grande astro dramático: Aguinaldo de Oliveira Camargo. Um anti-escolar, rústico, instintivo grande ator".
Um clima de pessimismo e descrença dos meios culturais havia cercado a estréia do TEN, expresso nessas palavras do escritor Ascendino Leite:
"Nossa surpresa foi tanto maior quanto as dúvidas que alimentávamos relativamente à escolha do repertório que começava, precisamente, por incluir um autor da força e da expressão de um O'Neill. Augurávamos para o Teatro Experimental do Negro um redondo fracasso. E, no mínimo, formulávamos censuras à audácia com que esse grupo de intérpretes, quase todos desconhecidos, ousava enfrentar um público que já começava a ver no teatro mais do que um divertimento, uma forma mais direta de penetração no centro da vida e da natureza humana. Aguinaldo Camargo em O Imperador Jones foi, no entanto, uma revelação".
R. Magalhães Júnior traduziu o desejo dos que não assistiram:
"O espetáculo de estréia do Teatro do Negro merecia, na verdade, ser repetido, porque foi um espetáculo notável. E notável por vários títulos. Pela direção firme e segura com que foi conduzido. Pelos esplêndidos e artísticos cenários sintéticos de Enrico Bianco. E pela magistral interpretação de Aguinaldo de Oliveira Camargo no papel do negro Jone"s.
Infelizmente, as circunstâncias não permitiram a repetição daquele espetáculo, pois o palco do Teatro Municipal havia sido concedido ao TEN por uma única noite, e assim mesmo por intervenção direta do Presidente Getúlio Vargas, num gesto no mínimo insólito para os meios culturais da sociedade carioca.
Conquistara o TEN sua primeira vitória. Encerrada estava a fase do negro sinônimo de palhaçada na cena brasileira. Um ator fabuloso como Grande Otelo poderia de agora em diante continuar extravasando sua comicidade. Mas já se sabia que outros caminhos estavam abertos e que só a cegueira ou a má vontade dos empresários continuaria não permitindo que as platéias conhecessem o que, muito acima da graça repetida, seria capaz o talento de atores negros como Grande Otelo e Aguinaldo Camargo.
Como diria mais tarde Roger Bastide, o TEN não era a catarsis que se exprime e se realiza no riso, já que o problema é infinitamente mais trágico: o do esmagamento da cultura negra pela cultura dominante.
A primeira vitória abriu passagem à responsabilidade do segundo lance: a criação de peças dramáticas brasileiras para o artista negro, ultrapassando o primarismo repetitivo do folclore, dos autos e folguedos remanescentes do período escravocrata. Almejávamos uma literatura dramática focalizando as questões mais profundas da vida afro-brasileira. Toda razão tinha o conselho de O'Neill. Uma coisa é aquilo que o branco exprime como sentimentos e dramas do negro; outra coisa'é o seu até então oculto coração, isto é, o negro desde dentro. A experiência de ser negro num mundo branco'é algo intransferível.
Enquanto não dispunha dessa literatura dramática específica, o TEN continuou trabalhando. Ao imperador Jones seguiram-se outros textos de O'Neill, a começar por Todos os filhos de Deus têm asas, encenado em 1946 no Teatro Fênix, com cenários de Mário de Murtas. Trocando de lugar comigo, Aguinaldo Camargo assumiu, desta vez, a direção dos intérpretes Ruth de Souza, Abdias do Nascimento, Ilena Teixeira, e José Medeiros. Cristiano Machado, do Vanguarda, comentou na sua crítica que "Não basta apenas representar O'Neill; o autor de Todos os filhos de Deus têm asas exige que o saibam representar. Foi o que aconteceu no espetáculo a que assistimos no Fênix". Mais tarde, o TEN ainda produziu, de Eugene O'Neill, O moleque sonhador e Onde está marcada a cruz.
Literatura dramática negro-brasileira
No seguinte ano de 1947, houve, afinal, o encontro com o primeiro texto brasileiro escrito especialmente para o TEN:—O filho pródigo, um drama poético de Lúcio Cardoso, inspirado na parábola bíblica. Com cenário de Santa Rosa, o artista que renovou a arte cenográfica do teatro brasileiro, e interpretação principal de Aguinaldo Camargo, Ruth de Souza, José Maria Monteiro, Abdias do Nascimento, Haroldo Costa e Roney da Silva, O filho pródigo foi considerado por alguns críticos como a maior peça do ano teatral. Em seguida, o TEN montou Aruanda, outro texto especialmente criado para ele, escrito por Joaquim Ribeiro. Trabalhando elementos folclóricos da Bahia, o autor expõe de forma tosca a ambivalência psicológica de uma mestiça e a convivência dos deuses afro-brasileiros com os mortais.
Nossa encenação compôs um espetáculo integrado organicamente, com dança, canto, gesto, poesia dramática, fundidos e coesos harmonicamente. Usamos música de Gentil Puget e pontos autênticos recolhidos dos terreiros de candomblé. O resultado mereceu do poeta Tasso da Silveira este julgamento: "É um misto curioso de tragédia, opereta e ballet. O texto propriamente dito constitui, por assim dizer, simples esboço: umas poucas situações esquemáticas, uns poucos diálogos cortados, e o resto é música, dança e canto. Acontece, porém, que com tudo isso, Aruanda resulta numa realização magnífica de poesia bárbara".
Quando terminamos a temporada de Aruanda, as dezenas de tamboristas, cantores e dançarinos organizaram outro grupo para atuar especificamente nesse campo. Depois de usar vários nomes, esse conjunto se tornaria famoso e conhecido como Brasiliana, havendo percorrido quase toda a Europa durante cerca de dez anos consecutivos.
Há um autor que divide o Teatro Brasileiro em duas fases: a antiga e a moderna. É Nelson Rodrigues. Dele é Anjo negro, peça que focaliza sua trama no enlace matrimonial de um preto com uma branca. Ismael e Virgínia se erguem como duas ilhas, cada qual fechada e implacável no seu ódio. A cor produz a anafilaxia que deflagra a violenta ação dramática e reduz os esposos à condição de inimigos irremediáveis. Virgínia assassina os filhinhos pretos; Ismael cega a filha branca. É a lei de talião cobrando vida por vida, crime por crime. São monstros gerados pelo racismo que têm nessa obra a sua mais bela e terrível condenação. Ismael responde: "– Sempre tive ódio de ser negro", quando a tia o adverte sobre a mulher: "– Traiu você para ter um filho branco". Prisioneira das muralhas construídas pelo marido para afastá-la do desejo de outros homens, Virgínia ameaça: "– Compreendi que o filho branco viria para me vingar. De ti, me vingar de ti e de todos os negros".
Infelizmente, a encenação de Anjo negro (1946) não correspondeu à autenticidade criadora de Nelson Rodrigues. O diretor Ziembinski adotou o critério de supervalorizar esteticamente o espetáculo, em prejuízo do conteúdo racial. Foi usada a condenável solução de brochar um branco de preto para viver no palco o Ismael. Tal fato estava intimamente ligado a outro: Anjo negro teve muita complicação com a censura. Escolhida a peça para figurar no repertório de temporada oficial do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, impuseram as autoridades uma condição: que o papel principal de Anjo negro fosse desempenhado por um branco pintado. Temiam, naturalmente, que depois do espetáculo o Ismael, fora do palco e na companhia de outros negros, saísse pelas ruas caçando brancas para violar...
Dir-se-á uma anedota. Entretanto, não existe nem ironia nem humorismo. É fato que, aliás, se repetiu por ocasião da montagem de Pedro Mico, de Antonio Callado. A imprensa refletiu a apreensão de certas classes, achando possível a população do morro entender a representação em termos de conselho à ação direta. Os favelados, a imensa maioria de negros, desceriam dos morros para agressões à moda Pedro Mico que, por seu turno, deseja reeditar os feitos de Zumbi dos Palmares. Antonio Callado realizou obra da maior importância, sacrificada na montagem do Teatro Nacional de Comédia (órgão do Ministério da Educação e Cultura) pela caricatural figura betuminosa do Pedro Mico, ressalvando-se a excelente categoria do ator Milton Morais.
Recentemente, em 1994, houve uma encenação de Anjo negro livre dos ditames da censura institucionalizada e dotada com a feliz participação de atores e atrizes negros como Léa Garcia, Jacyra Silva, Ruth de Souza e Antonio Pompeu. Entretanto, mais uma vez o conteúdo da peça foi preterido, desta vez em favor da dimensão erótica-sensual. Houve até cortes de texto na tentativa de esvaziar a questão racial, verdadeiro âmago da obra, abordada pelo gênio de Nélson de forma tão contundente que dificilmente a sociedade brasileira, até hoje, consegue compreendê-la.
Em 1948, José de Morais Pinho escreveu para o TEN Filhos de santo, peça ambientada na sua cidade do Recife. O texto entrelaça questões de misticismo e exploradores de Xangô (o candomblé da região) com a história de trabalhadores grevistas perseguidos pela polícia. Paixão mórbida de um branco pela negra Lindalva, que se torna tuberculosa pelo trabalho na fábrica. Sério, bem construído, Filhos de santo subiu à cena no Teatro Regina (Rio de Janeiro, 1949).
Medéa sugeriu a Agostinho Olavo sua obra Além do rio (1957). O autor apenas se apóia na espinha dorsal da fábula grega e produz peça original. Conta a história de uma rainha africana escravizada e trazida para o Brasil do século XVII. Feita amante do senhor branco, ela trai sua gente, é desprezada pelos ex-súditos escravizados. Chega o dia do amante querer um lar, um casamento normal com uma esposa branca, de posição social. Rompe sua ligação com Medéa, mas quer levar os filhos. A rainha mata seus próprios filhos, no rio, e retorna a seu povo, convocando: "– Vozes, ó vozes da raça, ó minhas vozes, onde estão? Por que se calam agora? A negra largou o branco. Medéa cospe este nome e Jinga volta à sua raça, para de novo reinar!" A dinâmica visual do espetáculo baseava-se nos cantos e danças folclóricas – maracatu, candomblé – complementadas pelos pregões dos vendedores de flores, frutos e pássaros.
A fusão dos elementos trágicos plásticos e poéticos resultaria numa experiência de négritude em termos de espetáculo dramático que o TEN propunha-se a apresentar ao Primeiro Festival Mundial das Artes Negras, realizado em Dacar no ano de 1966. Com a conquista da independência do Senegal, Dacar havia se tornado a capital da négritude, movimento político-estético protagonizado pelos poetas antilhanos Aimée Césaire e Léon Damas e pelo Presidente do Senegal, poeta Léopold Senghor.
A négritude proporcionara ao movimento de libertação dos países africanos grande impulso histórico e fonte de inspiração. Ao mesmo tempo, influenciou profundamente a busca de caminhos de libertação dos povos de origem africana em todas as Américas, prisioneiros de um racismo cruel de múltiplas dimensões. No Brasil, enfrentando o tabu da "democracia racial", o Teatro Experimental do Negro era a única voz a encampar consistentemente a linguagem e a postura política da négritude, no sentido de priorizar a valorização da personalidade e cultura específicas ao negro como caminho de combate ao racismo. Por isso, o TEN ganhou dos porta-vozes da cultura convencional brasileira o rótulo de promotor de um suposto racismo às avessas, fenômeno que invariável e erroneamente associavam ao discurso da négritude.
Nessas circunstâncias, era compreensível e legítima a nossa ânsia em participar do festival, conhecer de perto o Senegal e os protagonistas da négritude, e trocar experiências com os colegas no exterior, engajados que estávamos na mesma luta. Nada mais natural, aliás, do que nossa presença num festival cujo primordial sentido era o de marcar o momento da conquista da independência dos países africanos com uma homenagem ao papel de sua cultura, mundialmente difundida, como catalisadora do processo libertário – pois era exatamente nesse sentido que o TEN trabalhava a cultura negra no Brasil.
Entretanto, o festival era um acontecimento patrocinado pela Unesco, organismo intergovernamental, e as gestões para a participação das delegações eram feitas através de canais oficiais. O governo brasileiro desmereceu o trabalho do TEN como manifestação de arte negra digna de patrocínio para participar do evento. Historiando o episódio da intolerância racial do nosso Ministério do Exterior, omitindo o TEN da delegação brasileira, escrevemos uma "Carta Aberta" dirigida aos participantes do Festival, à Unesco, e ao Governo da República do Senegal, publicada em 1966 nas revistas Présence Africaine (Paris/Dacar, vol. 30, n. 58) e Tempo Brasileiro (Rio de Janeiro, ano IV, n. 9-10). Sob as mais falsas alegações, o TEN foi excluído e Além do rio ficou aguardando a oportunidade de sua revelação no palco.
Outra peça inspirada na atuação do TEN foi O castigo de Oxalá, escrita em 1961 por um dos poucos autores dramáticos afro-brasileiros da época, Romeu Crusoé, e encenada pelo grupo amadorista Os Peregrinos, no Teatro da Escola Martins Pena.
O escritor afro-brasileiro Rosário Fusco, conhecido como a enfant terrible das letras brasileiras e diretor da revista literária Verde de Cataguazes, escreveu para o Teatro Experimental do Negro, em 1946, o seu Auto da noiva, Farsa em um ato (prólogo e quatro quadros). Deliciosa paródia crítica da perversa ideologia da "democracia racial" brasileira, o Auto da noiva não chegou a ser encenado no Brasil, embora o TEN tenha trabalhado o texto em várias leituras e ensaios. Foi apenas em 1974, numa distante cidade norte-americana de Bloomington, Indiana, que a universidade daquele Estado produziu a peça em português. Tive a alegria de assistir à encenação, levada com muita competência pelos alunos do Departamento de Línguas e Letras Românicas.
Ironides Rodrigues, literato autodidata e homem culto da comunidade afro-brasileira, escreveu uma Sinfonia da favela, encenada por um grupo amador carioca na década dos 1950. Também nos deu sua versão de Orfeu negro.
De minha autoria, surge, em 1952, a Rapsódia negra, espetáculo que lançou duas artistas de grande destaque: a primeira dançarina do espetáculo foi a coreógrafa Mercedes Batista, recém-chegada de seus estudos em Nova York com Katherine Dunham, e a atriz Léa Garcia, cuja arte de interpretação continua a enriquecer a vida cultural do país.
Em 1951, já havia escrito o mistério negro Sortilégio, cuja encenação fora proibida pela censura. Durante vários anos, tentamos a liberação da obra, incriminada, entre outras coisas, de imoralidade. Finalmente, em 1957, o TEN apresentou Sortilégio no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e de São Paulo, com direção de Léo Jusi, cenário de Enrico Bianco, e música de Abigail Moura, regente da Orquestra Afro-Brasileira. O mistério tem seu nervo vital nas relações raciais brasileiras e no choque entre a cultura e a identidade de origem africana e aquela da sociedade dominante eurocentrista. A peça propõe uma estética afro-centrada como parte essencial na composição de um espetáculo genuinamente brasileiro. A respeito de Sortilégio, após falar no bailado dos orixás e dos mortos, nas cantigas das filhas-de-santo, no realismo da questão racial misturado à poesia da macumba carioca, o professor Roger Bastide comenta:
"Do ponto de vista das idéias, é o drama do negro, marginal entre duas culturas, a latina e a africana (como entre as duas mulheres, infelizmente igualmente prostitutas); pode-se discutir a solução, a volta à África... A salvação é na mecânica ligada a uma mística africana, e o Brasil pode trazer esta mensagem de fraternidade cultural ao mundo. Mas do ponto de vista teatral, esta volta à África é muito patética; através da bebida de Exu e da loucura, todo um mundo volta das sombras da alma..."
Acrescenta Nelson Rodrigues a respeito de Sortilégio: "Na sua firme e harmoniosa estrutura dramática, na sua poesia violenta, na sua dramaticidade ininterrupta, ela constitui uma grande experiência estética e vital para o espectador".
Uma segunda versão do Sortilégio resultou de minha estada de um ano na Nigéria, na cidade sagrada de Ile-Ife (1976-1977). Introduzindo na peça novos personagens e cenários, aprofundamos a dimensão da cultura africana fundamental a seu desenvolvimento. A dimensão histórica também mereceu maior destaque na segunda versão, com referência específica à saga de Zumbi dos Palmares.
Em inglês, estão publicadas as duas versões de Sortilégio, em traduções de Peter Lowndes (primeira versão, editada pela Third World Press, de Chigago, em 1976) e de Elisa Larkin Nascimento (na antologia Crosswinds, organizada por William Branch e editada pela Indiana University Press, 1993).
Quase todas as peças mencionadas estão incluídas em minha antologia de teatro negro-brasileiro, intitulada Dramas para negros e prólogo para brancos, edição do Teatro Experimental do Negro (1961); e uma seleção de críticas e textos sobre o TEN está reunida no volume Teatro Experimental do Negro – Testemunhos, editado em 1966 pela GRD.
O teatro negro como agente de ação social
O TEN visava a estabelecer o teatro, espelho e resumo da peripécia existencial humana, como um fórum de idéias, debates, propostas, e ação visando à transformação das estruturas de dominação, opressão e exploração raciais implícitas na sociedade brasileira dominante, nos campos de sua cultura, economia, educação, política, meios de comunicação, justiça, administração pública, empresas particulares, vida social, e assim por diante. Um teatro que ajudasse a construir um Brasil melhor, efetivamente justo e democrático, onde todas as raças e culturas fossem respeitadas em suas diferenças, mas iguais em direitos e oportunidades.
Dentro desse objetivo, o TEN propunha-se a combater o racismo, que em nenhum outro aspecto da vida brasileira revela tão ostensivamente sua impostura como no teatro, na televisão e no sistema educativo, verdadeiros bastiões da discriminação racial à moda brasileira. No exterior, a elite brasileira propagandeia uma imagem tão distorcida da nossa realidade étnica que podemos classificá-la como uma radical deformação. Essa elite se auto-identifica exclusivamente como branco-européia. Em contrapartida, escamoteia o trabalho e a contribuição intelectual e cultural do negro ou invoca nossas "origens africanas" apenas na medida de interesses imediatos, sem entretanto modificar sua face primeiramente européia na representação do país no mundo todo. Da mesma forma, a cultura "brasileira" articulada pela mesma elite eurocentrista invoca da boca para fora a "contribuição cultural africana", enquanto mantém inabalável a premência de sua identificação e aspiração aos valores culturais europeus e/ou norte-americanos.
Por tudo isso, era urgente uma ação simultânea, dentro e fora do teatro, com vistas à mudança da mentalidade e do comportamento dos artistas, autores, diretores e empresários, mas também entre lideranças e responsáveis pela formação de consciências e opinião pública. Sobretudo, necessitava-se da articulação de ações em favor da coletividade afro-brasileira discriminada no mercado de trabalho, habitação, acesso à educação e saúde, remuneração, enfim, em todos os aspectos da vida na sociedade.
Neste sentido, o TEN organizou o Comitê Democrático Afro-Brasileiro para atuar a nível político, reivindicando medidas específicas para melhorar a qualidade de vida de nossa gente. O objetivo imediato do comitê era o de inserir as aspirações específicas da coletividade afro-brasileira no processo de construção da nova democracia que se articulava após a queda do Estado Novo. O comitê era composto de um núcleo de negros ativistas a que se agregaram líderes estudantis, e seu local de reunião era uma sala na sede da UNE. O comitê passou um tempo inicial lutando pela anistia aos presos políticos (na sua maioria brancos). Entretanto, quando chegou a hora de tratar das preocupações específicas à comunidade negra, o projeto foi vítima da patrulha ideológica de supostos aliados que acabou desarticulando o comitê. Invocaram o velho chavão de que o negro, lutando contra o racismo, viria a dividir a classe operária...
O Teatro Experimental do Negro não desanimou. Para concretizar seu projeto de interferir, em prol da comunidade de origem africana, no processo de elaboração da nova constituição do país, organizou a Convenção Nacional do Negro (São Paulo, 1945, e Rio, 1946). Resumindo na sua "Declaração Final" o anseio e as aspirações coletivas do grupo negro, a convenção encaminhou à Constituinte de 1946 (através do Senador Hamilton Nogueira) sua proposta de inserir a discriminação racial como crime de lesa-pátria, com uma série de medidas práticas em prol de sua eliminação. Poucos conhecidos são esses antecedentes da lei antidiscriminatória que ficou conhecida, posteriormente, como Lei Afonso Arinos, e cujos termos ficaram muito aquém do previsto no projeto de emenda constitucional patrocinada pela convenção.
Realizou ainda o TEN o histórico I Congresso do Negro Brasileiro, no Rio de Janeiro, em 1950, cujo documentário está publicado no livro O negro revoltado (segunda edição da Nova Fronteira, 1982). A fim de atingir a alienação estética da sociedade convencional, um Concurso do Cristo Negro foi realizado sob a responsabilidade do sociólogo Guerreiro Ramos, no Rio de Janeiro, em 1955. Os concursos de beleza Rainha das mulatas e Boneca de pixe foram concebidos como instrumento pedagógico buscando realçar o tipo de beleza da mulher afro-brasileira e educar o gosto estético popular, pervertido pela pressão e consagração exclusiva de padrões brancos de beleza. O Instituto Nacional do Negro, a cargo do sociólogo Guerreiro Ramos, realizava nos seus seminários de grupoterapia um trabalho pioneiro de psicodrama, visando a desenvolver uma terapia para a consciência dilacerada do negro vitimado pelo racismo.
O jornal Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro divulgou os trabalhos do TEN em todos os seus campos de ação, entre 1948 e 1951. O jornal trazia reportagens, entrevistas, e matérias sobre assuntos de interesse à comunidade. A precariedade dos recursos financeiros do TEN, e do poder aquisitivo de seu público, não lhe permitiu uma permanência maior.
Em 1968, o TEN abriu outra frente de ação, quando lançou em exposição no Museu da Imagem e do Som a primeira coleção de seu Museu de Arte Negra. Interrompido o projeto em razão da perseguição política do regime militar, o teatro continuou em cena, já em termos internacionais, através da atuação de seu fundador, exilado, denunciando o racismo brasileiro em vários fóruns do mundo africano, da Europa, das Américas e dos Estados Unidos. Mas isto é outra história.
Conclusão
Fiel à sua orientação pragmática e dinâmica, o TEN evitou sempre adquirir a forma anquilosada e imobilista de uma instituição acadêmica. A estabilidade burocrática não constituía o seu alvo. O TEN atuou sem descanso como um fermento provocativo, uma aventura da experimentação criativa, propondo caminhos inéditos ao futuro do negro, ao desenvolvimento da cultura brasileira. Para atingir esses objetivos, o TEN se desdobrava em várias frentes: tanto denunciava as formas de racismo sutis e ostensivas, como resistia à opressão cultural da brancura; procurou instalar mecanismos de apoio psicológico para que o negro pudesse dar um salto qualitativo para além do complexo de inferioridade a que o submetia o complexo de superioridade da sociedade que o condicionava. Foi assim que o TEN instaurou o processo de revisão de conceitos e atitudes visando à libertação espiritual e social da comunidade afro-brasileira. Processo que está na sua etapa inicial, convocando a conjugação do esforço coletivo da presente e das futuras gerações afro-brasileiras.
*Abdias do Nascimento (1914-2011) foi um dos fundadores da Frente Negra Brasileira (importante movimento iniciado em São Paulo) em 1931, criou o Teatro Experimental do Negro (TEN) em 1944, foi secretário de Defesa da Promoção das Populações Afro-Brasileiras do Rio de Janeiro, deputado federal pelo mesmo Estado em 1983 e senador da República em 1997. É autor de vários livros: Sortilégio, Dramas para negros e prólogo para brancos, O negro revoltado, entre outros. Também é Professor Benemérito da Universidade do Estado de Nova York e doutor Honoris Causa pelo Estado do Rio de Janeiro.
Este texto foi elaborado com a colaboração de Elisa Larkin Nascimento, a partir de outros ensaios do autor. Publicado originalmente na Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 25, 1997, pp. 71-81.
Este texto foi elaborado com a colaboração de Elisa Larkin Nascimento, a partir de outros ensaios do autor. Publicado originalmente na Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 25, 1997, pp. 71-81.