A Revolta do Quebra-Quilos é uma das revoltas pouco conhecidas na história do Brasil, mas mesmo sendo em grande parte indiferente ao público leigo, tal revolta embora tenha ocorrido em menos de um ano, fora uma das mais importantes revoltas sociais da região Nordeste na década de 1870 e nos fins do império, pois iniciada na província da Paraíba, a revolta se espalhou rapidamente para outras três províncias, levando o imperador D. Pedro II a mobilizar tropas da Guarda Nacional para conter as ações impetuosas cometidas pelos quebra-quilos, assim como passaram a serem chamados tais revoltosos.
Nesse texto fiz uma apresentação geral de como se iniciou a Revolta do Quebra-Quilos, que fatores teriam motivado esse levante, como a revolta se desenvolveu num contexto geral (pois cada estado que participou dessa revolta, hoje possui livros referentes a fase da revolta em suas terras), e que fins e consequências levou tal revolta.
Antecedentes
Para muitos historiadores o principal fator que teria levado ao desencadeamento de tal revolta, diz respeito a uma questão econômica, e isso tudo teria começado em 26 de junho de 1862, quando o então Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, o senhor José Lins Vieira de Cansanção de Sinimbu referendou a Lei 1.157 a qual oficializava a adoção do Sistema métrico decimal francês.
Sobre a Lei 1.157/1862, ela dizia o seguinte:
Art. 1 - O atual sistema de pesos e medidas será substituído em todo o Império pelo sistema métrico francês na parte concernente ás medidas lineares, de superfície, capacidade e peso.
Art. 2 - É o Governo autorizado para mandar vir da França os necessários padrões do referido sistema, sendo ali devidamente aferido pelos padrões legais e outrossim para dar as providências que julgar convenientes a bem da execução do artigo precedente, sendo observadas as disposições seguintes:
Em 7 de novembro de 1874 o jornal paraibano O Despertador, publicou uma notícia sobre um conflito ocorrido na feira de Fagundes, na época distrito de Campina Grande, onde comerciantes e clientes teriam iniciado uma discussão contra autoridades locais levando a um bate-boca e uma possível briga. O jornal alegava que os revoltosos estavam protestando contra o encarecimento das mercadorias e o aumento dos impostos.
No entanto, o Jornal da Parahyba dizia que o incidente ocorrido em Fagundes se dera devido não a revolta do povo contra os impostos imperiais, mas sim contra um imposto municipal. Alguns relatos dizem que o responsável pelo inicio do tumulto em Fagundes foi um tal Marcos, também conhecido como Marcolino, originário de Piabas, o qual teria segundo relatos (os quais ainda não foram totalmente comprovados), o mesmo teria arremessado algumas rapaduras contra um oficial na feira, dando início ao tumulto.
"As feiras do Nordeste, como em geral as de todo o Brasil, constituíram e constituem, ainda hoje, o grande encontro sócio-econômico da população do interior. Nela se veem e reveem os conhecidos, compra-se, vende-se, fala-se, discute-se, briga-se". (MAIOR, 1978, p. 55).
De fato, em Campina Grande e nos seus distritos havia a cobrança do chamado "imposto de chão", no qual consistia em um imposto que cobrava pelo uso do espaço das feiras e mercados, ou seja, qualquer vendedor que colocasse suas mercadorias nas áreas das feiras e dos mercados, teria que pagar esse imposto por estar ocupando aquele local que na prática era público. Isso teria levado comerciantes de Fagundes a se rebelarem contra as autoridades. O ato de destruir os pesos e medidas, levou tais manifestantes a serem chamados de "quebra-quilos".
"A expressão quebra-quilos não é nordestina. Aparece no Rio de Janeiro por ocasião das arruaças de 1871, quando alguns grupos de marginais e desocupados depredaram casas comerciais que estava usando o novo sistema de peso e medidas. Como gritassem Quebra os quilos! Quebra os quilos! a expressão passou genericamente a indicar todos os participantes dos movimentos de contestação ao governo no que diz respeito ao recrutamento militar, à cobrança de impostor e à adoção do sistema métrico decimal". (MAIOR, 1978, p. 56).
"No mesmo dia outras localidades foram assaltadas. Grupos menores invadiram Campina Grande, Cabaceiras, Pilar, Areia, Alagoa Grande, Alagoa Nova, Bananeiras, Guarabira, São João do Cariri e outros lugares onde a feira se realizava aos sábados". (ALMEIDA, 1978, 165).
Em 21 de novembro de 1874 a Vila de Ingá fora invadida por um grupo de homens armados, estima-se que houvessem pelo menos duzentos deles, os quais atacaram a feira, destruindo os pesos, medidores, balanças e também chegaram a invadir a Comarca, onde destruíram vários documentos que ali se encontravam, como também chegaram a ameaçar o Comandante de Polícia, Aranha, a assinar um compromisso no qual garantiria suspender a cobrança de determinados impostos, a lei de recrutamento, e revogar a utilização dos pesos e medidas. No entanto, o comandante Aranha fugiu no dia seguinte sem ter acatado as exigências dos manifestantes.
Em 23 de novembro os quebra-quilos também atacaram ainda no mesmo dia Bananeiras, Arara, Cuité (hoje Guarabira) e Areia foram atacadas. Cogitou-se incendiar o Teatro Minerva em Areia, o mais antigo teatro da Paraíba, no entanto, os quebra-quilos desistiram do ato. Em Mamanguape, os revoltosos não tiveram tanto espaço para agir, a polícia conseguiu dissipar a revolta.
Em 24 de novembro foi a vez de Salgado, e novamente de Alagoa Nova, Pilar e Cabaceiras. No caso de Alagoa Nova, os pesos foram jogados em uma lagoa, além do fato que o cartório e a Câmara foram depredados e saqueados, o mesmo também aconteceu em Cabaceiras, onde no caso, o cartório foi incendiado. Em Pilar, sabe-se que alguns trabalhadores de engenhos e fazendas deixaram seu emprego e se juntaram aos quebra-quilos. Mesmo a polícia e o exército intervindo ainda no mesmo ano, os revoltosos ainda continuaram a agir no ano seguinte e até mesmo espalharam a revolta para Pernambuco, Rio Grande do Norte e Alagoas.
Questões sociais, políticas e religiosas
A medida que a revolta ou a sedição como também ficou conhecido, ia se desenvolvendo, alguns jornalistas e autoridades do governo na época começaram a cogitar que havia algo a mais por trás do intuito do movimento, além de questões econômicas, parecia também conter preceitos liberais e religiosos. A revolta logo ganhou um caráter social e até mesmo liberal como alguns cogitaram na época, pois se começou a se insinuar que a revolta estava sendo coordenada por adeptos de ideias liberais e republicanas, por isso estarem contra o Estado. Sobre isso, existe um depoimento para um jornal, de um cidadão paraibano anônimo o qual se intitulava "Um Parahybano", o qual disse o seguinte:
"Essa província tocou o desespero. O peso dos impostos e o modo bárbaro de cobra-los e as extorsões de todo gênero feitas ao povo para saciar esse sorvedouro insaciável que deste e lançou-o no caminho da revolta. Não somos amigos das revoluções armadas, mas um povo que se deixa matar à fome é um povo suicida; e o suicídio é uma infâmia num povo, como é o no indivíduo. O governo do Imperador quer matar o povo à fome, o povo não achou recurso nos seus representantes e governador que são meros instrumentos daquele governo, não teve coragem para deixar-se matar, lançar mão do triste, mas único recurso que lhe restava - a força, está no seu direito porque defende sua vida". (MAIOR, 1978, p. 25).
Nesse caso nota-se que em certa medida o desagrado do povo se devia mais com o aumento do custo dos produtos e dos impostos, e não tão propriamente com o sistema métrico decimal. No entanto, outros fatores foram assimilados pelos revoltosos, como questões de cunho liberal-republicano, de influência religiosa, pois houve padres que se juntaram ao movimento como sera dito mais a frente, e até mesmo de um sentimento antimaçônico.
Antecedentes
Para muitos historiadores o principal fator que teria levado ao desencadeamento de tal revolta, diz respeito a uma questão econômica, e isso tudo teria começado em 26 de junho de 1862, quando o então Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, o senhor José Lins Vieira de Cansanção de Sinimbu referendou a Lei 1.157 a qual oficializava a adoção do Sistema métrico decimal francês.
Sobre a Lei 1.157/1862, ela dizia o seguinte:
Art. 1 - O atual sistema de pesos e medidas será substituído em todo o Império pelo sistema métrico francês na parte concernente ás medidas lineares, de superfície, capacidade e peso.
Art. 2 - É o Governo autorizado para mandar vir da França os necessários padrões do referido sistema, sendo ali devidamente aferido pelos padrões legais e outrossim para dar as providências que julgar convenientes a bem da execução do artigo precedente, sendo observadas as disposições seguintes:
§ 1. O Sistema Métrico substituirá gradativamente o atual sistema de pesos e medidas em todo o Império, de modo que em dez anos cesse inteiramente o uso legal dos antigos pesos e medidas.
§ 2. Durante este prazo as escolas de instrução primária, tanto públicas como particulares, compreenderão no ensino da aritmética a explicação do sistema métrico comparado com o sistema de pesos e medidas atualmente em uso.
§ 3. O governo fará organizar tabelas comparativas que facilitem a conversão das medidas de um sistema nas do outro, devendo as repartições públicas servir-se delas enquanto vigorar o atual sistema de pesos e medidas.
Art. 3 - O Governo, nos regulamentos que expedir para execução desta Lei, poderá impor aos infratores a pena de prisão até um mês e multa de 100$000.
Antes da decisão de se implantar o sistema métrico, no Brasil não existia uma padronização nacional das medidas, logo, havia variação da forma de como se media em cada província e até mesmo de vila e cidade. Nesse caso, para medições de comprimento, largura e altura usava-se em geral a vara, o côvado e a jarda; para medições de volume, utilizava-se onças, libras e arretéis; para medir os líquidos usava-se as canadas e os quartilhos e por fim, para pesar os grãos e a farinha, valia-se das medições dos selamins, quartas e alqueires.
Além desses sistemas de medidas outros tipos de sistemas de medição como palmos, polegadas, arrobas, etc., foram utilizados no país. A solução encontrada pelo governo para facilitar a administração econômica, foi adotar o sistema métrico francês, visto como solução para esse problema de uma falta de padronização nacional dos pesos e medidas.
Além desses sistemas de medidas outros tipos de sistemas de medição como palmos, polegadas, arrobas, etc., foram utilizados no país. A solução encontrada pelo governo para facilitar a administração econômica, foi adotar o sistema métrico francês, visto como solução para esse problema de uma falta de padronização nacional dos pesos e medidas.
"O sistema métrico fora inventado pelo padre Gabriel Mouton, matemático e vigário de Saint Paul, em Lyon, no ano de 1670, porém, apesar de sua praticidade, não foi de imediato adotado na França. No ano seguinte, o também matemático Jean Picard acrescentaria detalhes ao plano inicial; porém a configuração geral do sistema surgiria, por iniciativa da Academia de Ciências da França, com os trabalhos de uma comissão da qual faziam parte Borda, Langrange, Laplace, Monge, Condorcet e posteriormente Méchain Delambre". (MAIOR, 1978, p. 20).
De qualquer forma, dez anos se passaram e em algumas partes do país o novo sistema ainda não operava totalmente, mas por outro lado, os locais que já haviam se adequado ao mesmo, mostraram problemas econômicos, pois a adoção do novo sistema retirou dos vendedores e compradores certos "artifícios" na hora da compra e venda que garantiam um "retorno" a mais. Tal fato levou os produtores e os revendedores a aumentar os preços para compensar essa diminuição no lucro, advinda de forma ilícita. No caso do Estado, este aumentou os impostos.
Em 1872 o então Ministro da Agricultura, Francisco do Rego Barros Barreto expediu um mandato que determinou que na data de 1 de julho de 1873 todo comércio do país deveria obrigatoriamente utilizar o sistema métrico decimal, correndo o risco as pessoas que descumprissem esse mandato, de terem que pagar multas que iam dos 10$000 (dez contos de réis) por indivíduo, até 100$000 (cem contos de réis) para o estabelecimento, ou até mesmo podendo serem presos.
Em 1873 antes do início da aplicação do referido termo, o engenheiro Guilherme Schüch de Capanema, futuro Barão de Capanema, publicou um artigo no jornal A Reforma, criticando o governo pela rápida adesão ao sistema métrico decimal, pois Capanema alegava que embora o governo houvesse dado um prazo de dez anos para a aplicação concreta desse sistema, o mesmo não havia fornecido de forma adequada aos comerciantes o acesso a esses pesos e as tabelas de comparação como a lei referia-se. Capanema assinalava que houve uma falha de planejamento por parte das autoridades na aplicação da lei, e agora o aumento da carga de impostos e a ameaça de multas, consistia numa tentativa de sanar essa própria falha administrativa, a qual estava por causar mais agraves do que soluções.
Em 1873 antes do início da aplicação do referido termo, o engenheiro Guilherme Schüch de Capanema, futuro Barão de Capanema, publicou um artigo no jornal A Reforma, criticando o governo pela rápida adesão ao sistema métrico decimal, pois Capanema alegava que embora o governo houvesse dado um prazo de dez anos para a aplicação concreta desse sistema, o mesmo não havia fornecido de forma adequada aos comerciantes o acesso a esses pesos e as tabelas de comparação como a lei referia-se. Capanema assinalava que houve uma falha de planejamento por parte das autoridades na aplicação da lei, e agora o aumento da carga de impostos e a ameaça de multas, consistia numa tentativa de sanar essa própria falha administrativa, a qual estava por causar mais agraves do que soluções.
A origem paraibana do Quebra-Quilos
Em 7 de novembro de 1874 o jornal paraibano O Despertador, publicou uma notícia sobre um conflito ocorrido na feira de Fagundes, na época distrito de Campina Grande, onde comerciantes e clientes teriam iniciado uma discussão contra autoridades locais levando a um bate-boca e uma possível briga. O jornal alegava que os revoltosos estavam protestando contra o encarecimento das mercadorias e o aumento dos impostos.
No entanto, o Jornal da Parahyba dizia que o incidente ocorrido em Fagundes se dera devido não a revolta do povo contra os impostos imperiais, mas sim contra um imposto municipal. Alguns relatos dizem que o responsável pelo inicio do tumulto em Fagundes foi um tal Marcos, também conhecido como Marcolino, originário de Piabas, o qual teria segundo relatos (os quais ainda não foram totalmente comprovados), o mesmo teria arremessado algumas rapaduras contra um oficial na feira, dando início ao tumulto.
"As feiras do Nordeste, como em geral as de todo o Brasil, constituíram e constituem, ainda hoje, o grande encontro sócio-econômico da população do interior. Nela se veem e reveem os conhecidos, compra-se, vende-se, fala-se, discute-se, briga-se". (MAIOR, 1978, p. 55).
De fato, em Campina Grande e nos seus distritos havia a cobrança do chamado "imposto de chão", no qual consistia em um imposto que cobrava pelo uso do espaço das feiras e mercados, ou seja, qualquer vendedor que colocasse suas mercadorias nas áreas das feiras e dos mercados, teria que pagar esse imposto por estar ocupando aquele local que na prática era público. Isso teria levado comerciantes de Fagundes a se rebelarem contra as autoridades. O ato de destruir os pesos e medidas, levou tais manifestantes a serem chamados de "quebra-quilos".
"A expressão quebra-quilos não é nordestina. Aparece no Rio de Janeiro por ocasião das arruaças de 1871, quando alguns grupos de marginais e desocupados depredaram casas comerciais que estava usando o novo sistema de peso e medidas. Como gritassem Quebra os quilos! Quebra os quilos! a expressão passou genericamente a indicar todos os participantes dos movimentos de contestação ao governo no que diz respeito ao recrutamento militar, à cobrança de impostor e à adoção do sistema métrico decimal". (MAIOR, 1978, p. 56).
"No mesmo dia outras localidades foram assaltadas. Grupos menores invadiram Campina Grande, Cabaceiras, Pilar, Areia, Alagoa Grande, Alagoa Nova, Bananeiras, Guarabira, São João do Cariri e outros lugares onde a feira se realizava aos sábados". (ALMEIDA, 1978, 165).
Em 21 de novembro de 1874 a Vila de Ingá fora invadida por um grupo de homens armados, estima-se que houvessem pelo menos duzentos deles, os quais atacaram a feira, destruindo os pesos, medidores, balanças e também chegaram a invadir a Comarca, onde destruíram vários documentos que ali se encontravam, como também chegaram a ameaçar o Comandante de Polícia, Aranha, a assinar um compromisso no qual garantiria suspender a cobrança de determinados impostos, a lei de recrutamento, e revogar a utilização dos pesos e medidas. No entanto, o comandante Aranha fugiu no dia seguinte sem ter acatado as exigências dos manifestantes.
Em 23 de novembro os quebra-quilos também atacaram ainda no mesmo dia Bananeiras, Arara, Cuité (hoje Guarabira) e Areia foram atacadas. Cogitou-se incendiar o Teatro Minerva em Areia, o mais antigo teatro da Paraíba, no entanto, os quebra-quilos desistiram do ato. Em Mamanguape, os revoltosos não tiveram tanto espaço para agir, a polícia conseguiu dissipar a revolta.
Em 24 de novembro foi a vez de Salgado, e novamente de Alagoa Nova, Pilar e Cabaceiras. No caso de Alagoa Nova, os pesos foram jogados em uma lagoa, além do fato que o cartório e a Câmara foram depredados e saqueados, o mesmo também aconteceu em Cabaceiras, onde no caso, o cartório foi incendiado. Em Pilar, sabe-se que alguns trabalhadores de engenhos e fazendas deixaram seu emprego e se juntaram aos quebra-quilos. Mesmo a polícia e o exército intervindo ainda no mesmo ano, os revoltosos ainda continuaram a agir no ano seguinte e até mesmo espalharam a revolta para Pernambuco, Rio Grande do Norte e Alagoas.
Questões sociais, políticas e religiosas
A medida que a revolta ou a sedição como também ficou conhecido, ia se desenvolvendo, alguns jornalistas e autoridades do governo na época começaram a cogitar que havia algo a mais por trás do intuito do movimento, além de questões econômicas, parecia também conter preceitos liberais e religiosos. A revolta logo ganhou um caráter social e até mesmo liberal como alguns cogitaram na época, pois se começou a se insinuar que a revolta estava sendo coordenada por adeptos de ideias liberais e republicanas, por isso estarem contra o Estado. Sobre isso, existe um depoimento para um jornal, de um cidadão paraibano anônimo o qual se intitulava "Um Parahybano", o qual disse o seguinte:
"Essa província tocou o desespero. O peso dos impostos e o modo bárbaro de cobra-los e as extorsões de todo gênero feitas ao povo para saciar esse sorvedouro insaciável que deste e lançou-o no caminho da revolta. Não somos amigos das revoluções armadas, mas um povo que se deixa matar à fome é um povo suicida; e o suicídio é uma infâmia num povo, como é o no indivíduo. O governo do Imperador quer matar o povo à fome, o povo não achou recurso nos seus representantes e governador que são meros instrumentos daquele governo, não teve coragem para deixar-se matar, lançar mão do triste, mas único recurso que lhe restava - a força, está no seu direito porque defende sua vida". (MAIOR, 1978, p. 25).
Nesse caso nota-se que em certa medida o desagrado do povo se devia mais com o aumento do custo dos produtos e dos impostos, e não tão propriamente com o sistema métrico decimal. No entanto, outros fatores foram assimilados pelos revoltosos, como questões de cunho liberal-republicano, de influência religiosa, pois houve padres que se juntaram ao movimento como sera dito mais a frente, e até mesmo de um sentimento antimaçônico.
Rótulo de cigarros "Aos Quebra Quilos" fabricados por Lourenço J. de Freitas. Pertencente a coleção de rótulos do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, em Recife, Pernambuco. |
"O Quebra-quilos paraibano, se por um lado é um movimento de massa contra leis que, aos seus olhos, são responsáveis por sua desgraça, é, por outro, uma oportunidade política perdida. Talvez se possa dizer que foi uma revolução não definida". (MAIOR, 1978, p. 44).
O chefe de polícia de Campina Grande, Manuel Caldas Barreto foi uma das autoridades policiais que mais escreveu sobre a revolta, acerca dos seus possíveis motivos e supostos líderes. Sabe-se que em Campina, Barreto expediu mandatos para prender vários supostos líderes do Quebra-quilos, dentre os nomes autuados estavam: Antônio de Barros Arruda, Manuel Barros Sousa, Antônio Martins Sousa, Manuel Nunes e João Viera da Silva, porém um dos mais subversivos era o padre Calixto da Nóbrega, considerado um dos líderes do movimento onde incentivava em suas pregações o povo a se rebelar contra o Estado e contra os maçons.
Pois meses antes da revolta eclodir em Fagundes, Calixto expulsara alguns maçons da igreja onde ele realizava missa. Tais maçons se chamavam: Bento Gomes Pereira Luna, Pedro Américo de Almeida, Salvador Clementino da Costa, Raimundo Tavares Candeia, todos eram membros da Guarda Nacional, logo, membros do Exército, funcionários do Estado. Tal acontecimento gerou um grande mal entendido; teria o padre Calixto expulsados aqueles homens por eles serem maçons, ou também por pertencerem ao exército? Estando ali como representantes da autoridade do imperador.
De qualquer forma, se sabe que houve ataques a casas de maçons e lojas maçônicas, como foi o caso da loja maçônica Segredo e Lealdade em Campina Grande, a qual foi saqueada e seus documentos destruídos. Um dos motivos alegados pelos quebra-quilos para se revoltar contra os maçons, era que os mesmos eram acusados de "terem criado" os impostos pelos quais eles se revoltavam.
De fato, além de várias autoridades na Paraíba e no resto do país pertencerem a maçonaria, o próprio imperador D. Pedro II era maçom, assim como seu pai também fora. No entanto, tal acusação é rasa de fundamentação, pois sugeriria um complô maçônico, o qual não ocorreu, pois alguns comerciantes maçons também foram prejudicados com essas cobranças, além do fato que os impostos eram de origem imperial ou municipal, como foi o caso de Fagundes na Paraíba.
"O padre Calixto da Nóbrega é para Caldas Barreto a perigosa batina que mais subvertera a ordem. Insuflara no povo 'ideas anarchicas das quaes originaram-se mais de uma vez distúrbios e ferimentos". (MAIOR, 1978, p. 40).
O padre Calixto da Nóbrega também foi considerado responsável por incentivar escravos da Fazenda Timbaúba em Campina a aderirem ao Quebra-quilos. Realmente se sabe que escravos participaram das manifestações ocorridas em Campina Grande, mas não se tem certeza se eles o fizeram por incentivo do padre Calixto. Outro fato que cerca o padre, de acordo com alguns relatos da época, o ilustre padre Ibiapina (1806-1883), conhecido por sua caridade, determinação para o trabalho e apoio aos trabalhadores rurais, teria sido chamado por Calixto para se juntar ao Quebra-quilos. No entanto, há divergências nisso, pois o historiador Irineu Jóffily que viveu nessa época, diz que Ibiapina e Calixto não participaram propriamente da revolta, mas por terem pensamentos ligados a causa rural, e um pensamento antimaçônico, teriam sido considerados membros do Quebra-quilos.
Um fato interessante é que Jóffily atuou como promotor em Campina Grande no ano de 1875, tendo participado de julgamentos contra supostos integrantes do Quebra-quilos, inclusive o padre Calixto, amigo pessoal, a quem ele absolveu das acusações. Como dito, para Irineu Jóffily o qual viria a escrever um livro de história, seu amigo, o padre Calixto não era um dos supostos líderes do Quebra-quilos, e também não participou das manifestações.
"O missionário surgirá na documentação oficial sobre o Quebra-quilos como extremamente suspeito. Há, no entanto, que se distinguir entre sua pregação antimaçônica, com duras críticas ao governo, e uma hipotética liderança entre os quebra-quilos. [...]. No caso especial dos dois prelados, Ibiapina e Calixto, há que destacar a dimensão de uma luta maior entre a Igreja e a maçonaria". (MAIOR, 1978, p. 32).
Quanto a questão política, alegou-se na época por parte de autoridades judiciais, da polícia e até de alguns jornais da província, que alguns dos "organizadores" dos ataques ocorridos pela Paraíba, eram ligados ao Partido Liberal, logo, estavam articulando formas de desestruturar o governo paraibano. Porém tais ideias não tem fundamento propriamente, pois nota-se que grande parte dos quebra-quilos provinham da classe baixa, que em geral não estavam associadas a esfera política, que por sua vez não estariam lutando por causas partidárias, mas por causas próprias, como a questão do aumento dos impostos sobre os alimentos, motivo esse que o paraibano anônimo chamado Um Parahybano, alegara ser um dos principais fatores para essa revolta, pois os mais pobres estavam sem condições de comprar o alimento diário.
Por outro lado, Maior [1978] também aponta que a Revolta do Quebra-quilos foi uma revolta composta por distintos segmentos da sociedade, que intercruzaram questões próprias a causa daquele movimento. Um exemplo foi o fato de que em alguns dos locais atacados, houve bandos de ladrões envolvidos que aproveitaram a ocasião para realizar seus crimes. Logo se percebe que nem todas as pessoas que estavam envolvidas nas manifestações e ataques, compartilhavam a mesma causa e interesses.
A repressão
Em 7 de novembro de 1874 o Presidente da Província da Paraíba, Silvino Carneiro da Cunha enviou uma carta ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra, pedindo apoio militar, pois antes disso, Silvino havia requerido apoio do Presidente da Província de Pernambuco, porém as tropas haviam sido ineficientes para cobrir toda a extensão pela qual as revoltas haviam se espalhado.
O Ministério da Guerra respondeu o pedido do presidente Silvino e foi escolhido o coronel Severiano Martins da Fonseca, irmão mais velho de Deodoro da Fonseca futuro presidente do Brasil, para comandar as tropas. Severiano partiu com um batalhão do Rio de Janeiro em 29 de novembro, chegando à Paraíba em 7 dezembro. O coronel visitou o depósito de armas na capital Parahyba (atualmente João Pessoa), então muniu as forças locais e organizou uma pequena cavalaria, e partiu em marcha para Campina Grande, um dos focos dos quebra-quilos.
Segundo relatos militares, em sua viagem até Areia, a tropa de Severiano prendeu pelo menos 56 pessoas, embora que há registros que alguns conseguiram fugir. Em 25 de dezembro, o batalhão chegou em Campina Grande, a qual havia sido atacada algumas vezes, e sabendo da chegada do exército, muitos abandonaram a região.
No entanto, isso era apenas o começo da opressão contra os revoltosos. O coronel Severiano nomeou o capitão Longuinho para comandar parte da tropa com sede em Areia e o capitão Piragibe para atuar em Campina e cercanias. Nesse caso, enquanto o coronel escrevia relatórios para o presidente da província e para o imperador, o capitão Longuinho procurava e punia os revoltosos.
"Pior e mais violenta do que a atuação dos quebra-quilos foi a repressão das forças comandadas pelo capitão Longuinho, hoje tristemente famoso pelos 'coletes de couro', tortura que aplicou aos que lhe foram apontados ou denunciados como quebra-quilos. Amarrados os prisioneiros, eram, em seguida, metidos em grosseiros coletes de couro cru; ao ser molhado, o couro encolhia-se, comprimindo o tórax das vítimas, quase asfixiando-as". (MAIOR, 1978, p. 34).
Além desse ato de tortura, outros relatos apontam que membros foram presos, espancados e alguns até mesmo assassinados, pois a polícia e o exército agiram duramente ao longo de 1875 para por fim a revolta.
"Sou quebra-quilo, encoletado em couro
Por vil desdouro, se me trouxe aqui
A bofetada minha face mancha,
A corda, a prancha se me afligir senti
Nas cãs modestas, a tesoura cega
Da minha enxerga só me resta o pó
Esposa e filhas violentam rudes,
As sãs virtudes - seu tesouro - só.
Não há direitos; isenções fugiram
Nas leis cuspiram desleais vilões;
Crianças, velhos aleijados, aguardam,
A triste farda de cruéis baldões
Em vão, descalços, minha esposa e filhos,
Do sol aos brilhos, pranteando vêm:
Socorro implorara: piedade a tantos...
Mas de seus prantos se receia alguém!
E ao quebra-quilo, desonrado e louco
É tudo pouco, quanto a infâmia faz
Se ali contempla da família o roubo
Aqui no dobro, se o flagela mais
Vê sua esposa, da desgraça ao cimo
Por seu arrimo, tudo expô-la em vão:
Recorda as filhas, que sem mãe ficaram
E lhes as roubaram... que perdidas são.
Tiranos vede que misérias tantas!...
Nem a quebranta nem pungir nem ais
Martírios, ultrajes de negror, fazei-me
Porém dizei-me se também sois pais!
A bofetada minha face mancha
A corda a prancha me doer senti
A vil desonra da família querida
Tira-me a vida... de pudor morri".
A história do Quebra-quilos em Pernambuco começa ainda no ano de 1874, na vila de Itambé. Assim como na Paraíba, os paraibanos reclamaram do aumento dos impostos e da imposição do sistema métrico decimal, em Pernambuco não foi diferente. Muitas Câmaras expediram cartas ao presidente de província, reclamando do atraso do envio dos padrões métricos para suas comarcas, assim como escreveram relatando a insatisfação por parte da população, especialmente a mais carente, que se queixava pelo aumento do custo dos produtos, principalmente da comida.
Por outro lado, Recife, capital de Pernambuco, era uma cidade politicamente agitada, e uma ideia disso é transpassada pela quantidade de jornais que falavam sobre política, questões liberais, abolicionistas, conservadoras e republicanas. Jornais como A Liberdade, O Jesuíta, O Excomungado, o Liberal Pernambucano, A Luz, O Trabalho, O Verdadeiro Catholico, A Lanterna e o Postilhão.
Nesse caso, tais jornais em novembro de 1874 já estavam falando a respeito da revolta do Quebra-quilos que se desenrolava na Paraíba, e nesse caso o promotor público de Itambé, Meira de Vasconcelos já havia enviado cartas para o Presidente de Pernambuco solicitando o envio de tropas para guarnecer a vila, pois devido a sua proximidade com a Paraíba, acreditava-se que os quebra-quilos que haviam atacado Pilar que não distava tanto dali, estariam à caminho de Itambé.
No entanto, apenas dias depois é que de fato quebra-quilos apareceram por Itambé, atacando a feira e o cartório local, embora que poucos dias antes do ataque à Itambé ocorrido em 30 de novembro, os quebra-quilos haviam atacado Curangi, Timbaúba e São Vicente, a qual foi invadida à 28 de dezembro. Mas pelo fato de Itambé ser a maior das quatro vilas atacadas, as notícias do acontecimento não tardaram a chegar em Recife e serem publicadas pelo Diário de Pernambuco, transmitindo a notícia que cerca de 63 homens invadiram a feira de Itambé, onde destruíram pesos e medidas, além de destruírem alguns documentos que se encontravam em uma coletoria.
"Em virtude de sua proximidade com a Paraíba, Itambé muito preocupava o Governo de Pernambuco como possível foco de quebra-quilos. No dia 7 de dezembro de 1874, a feira local já fora realizada sob a mais estrita vigilância policial. [...]. O delegado permaneceu com alguns soldados entre os feirantes, a fim de evitar a repetição dos incidentes das feiras anteriores. Ao que parece, recebeu informações de que algo novamente se preparava e não hesitou, então, em efetuar mais prisões". (MAIOR, 1978, p. 102).
A feira de 7 de dezembro em Itambé como foi dito, realizou-se sob forte vigilância, pois o Presidente de Pernambuco Henrique Pereira de Lucena temia que Itambé se torna-se um foco dos quebra-quilos na província, abrindo caminho para que mais revoltosos ali se instalassem e se expandissem pelo interior da província. Como forma de impedir que isso viesse a ocorrer, foram enviados vários mandatos de prisão, o que levou a prisão de mais de dez pessoas incluindo um senhor de engenho acusado de ser um dos mentores do ataque ocorrido em 30 de novembro.
Se por um lado Itambé foi poupada de um novo ataque em dezembro, outras vilas e povoados não tiveram a mesma sorte. Assim como na Paraíba, os quebra-quilos se espalharam rapidamente pela província o mesmo ocorreu em solo pernambucano. No começo do mês, localidades como Lagoa Seca, Pau d'Alho e Nazaré foram invadidas pelos revoltosos. No caso de Nazaré, o barão João Cavalcanti Maurício Vanderlei acusou dois filhos e o genro da senhora do Engenho Cangaú, de estarem envolvidos na sedição, revelando que não era apenas pobres e analfabetos que formavam a revolta, homens de status mais elevado e alfabetizados também formavam os grupos de ataque.
Outro caso interessante do Quebra-quilos pernambucano, foi o caso de tendências locais interferirem no comportamento dos revoltosos, um exemplo foram os acontecimentos ocorridos em Goianinha comarca de Goiana. Nesse caso, os quebra-quilos atacaram a comarca pois se encontrava mais vulnerável do que a vila em si. Mas a questão ímpar que merece destaque foi uma tendência xenofóbica, pois Goiana era conhecida por ser palco de divergências entre brasileiros, portugueses e italianos, nesse caso, os quebra-quilos dirigiram seus ataques especificamente contra os comerciantes portugueses.
"Os acontecimentos de Goiana refletem um aspecto da variada e complexa etiologia do Quebra-quilos: a reação do pequeno produtor-comerciante, do feriante e do tabaréu contra o monopólio de comerciantes estrangeiros, muito particularmente de portugueses". (MAIOR, 1978, p. 122).
"Em Caruaru a atuação dos quebra-quilos explode no dia 12 de dezembro de 1874. Aproximadamente 400 homens, usando punhais e bacamartes, chefiados por Vicente e Manuel Tenório, moradores da Comarca vizinha do Brejo, e João Barradas, residente em Caruaru, invadem a cidade, às 10 horas, quando se realizava a feira, aliciando revoltosos e lançando insultos contra as autoridades". (MAIOR, 1978, p. 125).
Em meados de dezembro os ataques chegaram ao distrito de Jurema do Brejo onde curiosamente assim como também havia acontecido em Caruaru, parte da população demonstrou interesse em apoiar os quebra-quilos, tal fato é marcante quando se ler o relato do subdelegado de Jurema do Brejo e de alguns juízes de Caruaru onde apontaram que os revoltos foram bem "bárbaros".
"Limoeiro fora invadida no dia 12 de dezembro, e alguns dos seus invasores eram paraibanos de Serra Bonita e Mata Virgem. A cidade dispunha apenas de 16 guardas, porém, não houve tumultos". (MAIOR, 1978, p. 141).
Em janeiro de 1875, 15 homens foram presos em Limoeiro acusados de serem entregantes do Quebra-quilos. Um fato interessante é que um dos homens era um escravo de nome Ricardo. Isso mostra que os boatos que haviam escravos participando do Quebra-quilos eram verdadeiros. Também significa dizer que alguns escravos acabaram fugindo de seus donos e se unindo aos revoltosos, talvez almejando a alforria de alguma forma? Ou a liberdade através dessas manifestações? Pois os escravos eram proibidos pelos seus senhores de participarem de revoltas por vontade própria.
Os povoados no Cariri como Capim, Santa Cruz e Jacu foram atacados em 14 de dezembro e no dia 19 fora a vez do Brejo (atual Brejo da Madre de Deus) onde na ocasião o barão de Buíque, outra cidade também atacada pelos quebra-quilos, liderou uma tropa de 200 homens da Guarda Nacional contra os revoltosos.
Palmares, Vila Boa, Gravatá, Garanhuns, Vila de Santo Antão, Itamaracá, Igarassu e Ouricuri foram outras localidades que sofreram ataques dos quebra-quilos. No entanto, um fato curioso que permeia tanto Pernambuco quanto a Paraíba e as demais províncias do Rio Grande do Norte e de Alagoas, é que a maioria dos dados conhecidos sobre a sedição datam de 1874, sendo que no ano de 1875, existem poucos relatos sobre os ataques ocorridos naquele ano, pois a maioria dos relatos apontam para a prisão e julgamento de supostos entregantes e líderes, como também relatórios militares da mobilização das tropas da Guarda Nacional.
A história do Quebra-Quilos em Alagoas se inicia com alguns relatos contraditórios. Em 7 de setembro chegou à capital Maceió notícias de que em Atalaia havia ocorrido uma revolta três dias antes, mesmo assim preocupado com a situação, o Presidente de Alagoas João Vieira de Araújo enviou a "Companhia de Linha" para Atalaia, porém o incidente ocorrido no local, dera-se por outros motivos e não os ligados ao Quebra-Quilos, embora os motivos fossem parecidos, onde algumas pessoas haviam se revoltado contra impostos, mas especificamente com um senhor de engenho da região. Pois se o Quebra-Quilos tivera início em 7 de novembro na Paraíba, como poderia ter começado dois meses antes em Alagoas e simplesmente sumir do mapa? Pois o primeiro ataque registrado data de 26 de dezembro à povoação de Mundaú-mirim.
Logo, oficialmente o Quebra-Quilos chegou em Alagoas pelo povoado de Mundaú-mirim em 26 de dezembro, onde Manuel Martins de Miranda relatou ao presidente da província, que os revoltosos destruíram pesos e medidas, queimaram os cartórios do juiz de paz e do subdelegado. Próximo de Mundaú-mirim o povoado do Timbó também fora vítima dos quebra-quilos, porém nesse caso, uma parte daqueles que aderiram ao movimento, o fizeram para protestar contra a prisão de um homem que a população local considerou ilegítima, pois o indivíduo segundo consta os locais, era inocente.
"Estava o Chefe de Polícia de Maceió, Joaquim Guedes Correia Gondim, convicto de que a causa da perturbação da tranquilidade pública em Alagoas fora, indubitavelmente, a sedição que rebentara nas Províncias da Paraíba e de Pernambuco, e que se ampliara, atingindo o território alagoano". (MAIOR, 1978, p. 173).
No final de dezembro outras localidades foram também atacadas e em janeiro de 1875 o escravo de nome Antônio Tomás de Aquino foi acusado de ser o mandante do ataque em Mundaú-mirim, embora não houvessem provas concretas se ele fora ou não o "cabeça" do ataque. Além dele, outros foram presos, acusados de serem quebra-quilos ou de terem concedido apoio e abrigo para eles. Em 23 de fevereiro de 1875 era expedido nos jornais a notícia que a sedição havia sido controlada. Pelo fato do tamanho reduzido de Alagoas, as autoridades não tiveram tantos problemas em chegar nos focos de ataque e defesa dos insurgentes. O Quebra-quilos alagoano foi contido em menos de três meses.
Referências Bibliográficas:
MAIOR, Armando Souto. Quebra-Quilos: lutas sociais no outono do império. 2a edição, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1978.
LIMA, Luciano Mendonça de. Escravidão, Liberdade, Pobreza e Rebeldia no contexto do Quebra-Quilos (1874-1875). In: Múltiplas Visões: Cultura Histórica nos Oitocentos. João Pessoa, Editora Universitária - UFPB, 2009, p. 155-172).
ALMEIDA, Horácio. História da Paraíba - 2. João Pessoa, Editora Universitária da UFPB, 1978. (Capítulo V).
MELLO, José Octávio de. História da Paraíba. 11 edição, João Pessoa, A União, 2008. p. 121-123.
O chefe de polícia de Campina Grande, Manuel Caldas Barreto foi uma das autoridades policiais que mais escreveu sobre a revolta, acerca dos seus possíveis motivos e supostos líderes. Sabe-se que em Campina, Barreto expediu mandatos para prender vários supostos líderes do Quebra-quilos, dentre os nomes autuados estavam: Antônio de Barros Arruda, Manuel Barros Sousa, Antônio Martins Sousa, Manuel Nunes e João Viera da Silva, porém um dos mais subversivos era o padre Calixto da Nóbrega, considerado um dos líderes do movimento onde incentivava em suas pregações o povo a se rebelar contra o Estado e contra os maçons.
Pois meses antes da revolta eclodir em Fagundes, Calixto expulsara alguns maçons da igreja onde ele realizava missa. Tais maçons se chamavam: Bento Gomes Pereira Luna, Pedro Américo de Almeida, Salvador Clementino da Costa, Raimundo Tavares Candeia, todos eram membros da Guarda Nacional, logo, membros do Exército, funcionários do Estado. Tal acontecimento gerou um grande mal entendido; teria o padre Calixto expulsados aqueles homens por eles serem maçons, ou também por pertencerem ao exército? Estando ali como representantes da autoridade do imperador.
De qualquer forma, se sabe que houve ataques a casas de maçons e lojas maçônicas, como foi o caso da loja maçônica Segredo e Lealdade em Campina Grande, a qual foi saqueada e seus documentos destruídos. Um dos motivos alegados pelos quebra-quilos para se revoltar contra os maçons, era que os mesmos eram acusados de "terem criado" os impostos pelos quais eles se revoltavam.
De fato, além de várias autoridades na Paraíba e no resto do país pertencerem a maçonaria, o próprio imperador D. Pedro II era maçom, assim como seu pai também fora. No entanto, tal acusação é rasa de fundamentação, pois sugeriria um complô maçônico, o qual não ocorreu, pois alguns comerciantes maçons também foram prejudicados com essas cobranças, além do fato que os impostos eram de origem imperial ou municipal, como foi o caso de Fagundes na Paraíba.
"O padre Calixto da Nóbrega é para Caldas Barreto a perigosa batina que mais subvertera a ordem. Insuflara no povo 'ideas anarchicas das quaes originaram-se mais de uma vez distúrbios e ferimentos". (MAIOR, 1978, p. 40).
Foto de quebra-quilos em Fagundes, Paraíba em 1875. |
Um fato interessante é que Jóffily atuou como promotor em Campina Grande no ano de 1875, tendo participado de julgamentos contra supostos integrantes do Quebra-quilos, inclusive o padre Calixto, amigo pessoal, a quem ele absolveu das acusações. Como dito, para Irineu Jóffily o qual viria a escrever um livro de história, seu amigo, o padre Calixto não era um dos supostos líderes do Quebra-quilos, e também não participou das manifestações.
Alguns dos pesos usados na época, os quais foram destruídos pelos quebra-quilos. |
Quanto a questão política, alegou-se na época por parte de autoridades judiciais, da polícia e até de alguns jornais da província, que alguns dos "organizadores" dos ataques ocorridos pela Paraíba, eram ligados ao Partido Liberal, logo, estavam articulando formas de desestruturar o governo paraibano. Porém tais ideias não tem fundamento propriamente, pois nota-se que grande parte dos quebra-quilos provinham da classe baixa, que em geral não estavam associadas a esfera política, que por sua vez não estariam lutando por causas partidárias, mas por causas próprias, como a questão do aumento dos impostos sobre os alimentos, motivo esse que o paraibano anônimo chamado Um Parahybano, alegara ser um dos principais fatores para essa revolta, pois os mais pobres estavam sem condições de comprar o alimento diário.
Por outro lado, Maior [1978] também aponta que a Revolta do Quebra-quilos foi uma revolta composta por distintos segmentos da sociedade, que intercruzaram questões próprias a causa daquele movimento. Um exemplo foi o fato de que em alguns dos locais atacados, houve bandos de ladrões envolvidos que aproveitaram a ocasião para realizar seus crimes. Logo se percebe que nem todas as pessoas que estavam envolvidas nas manifestações e ataques, compartilhavam a mesma causa e interesses.
A repressão
Em 7 de novembro de 1874 o Presidente da Província da Paraíba, Silvino Carneiro da Cunha enviou uma carta ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra, pedindo apoio militar, pois antes disso, Silvino havia requerido apoio do Presidente da Província de Pernambuco, porém as tropas haviam sido ineficientes para cobrir toda a extensão pela qual as revoltas haviam se espalhado.
O Ministério da Guerra respondeu o pedido do presidente Silvino e foi escolhido o coronel Severiano Martins da Fonseca, irmão mais velho de Deodoro da Fonseca futuro presidente do Brasil, para comandar as tropas. Severiano partiu com um batalhão do Rio de Janeiro em 29 de novembro, chegando à Paraíba em 7 dezembro. O coronel visitou o depósito de armas na capital Parahyba (atualmente João Pessoa), então muniu as forças locais e organizou uma pequena cavalaria, e partiu em marcha para Campina Grande, um dos focos dos quebra-quilos.
Segundo relatos militares, em sua viagem até Areia, a tropa de Severiano prendeu pelo menos 56 pessoas, embora que há registros que alguns conseguiram fugir. Em 25 de dezembro, o batalhão chegou em Campina Grande, a qual havia sido atacada algumas vezes, e sabendo da chegada do exército, muitos abandonaram a região.
No entanto, isso era apenas o começo da opressão contra os revoltosos. O coronel Severiano nomeou o capitão Longuinho para comandar parte da tropa com sede em Areia e o capitão Piragibe para atuar em Campina e cercanias. Nesse caso, enquanto o coronel escrevia relatórios para o presidente da província e para o imperador, o capitão Longuinho procurava e punia os revoltosos.
"Pior e mais violenta do que a atuação dos quebra-quilos foi a repressão das forças comandadas pelo capitão Longuinho, hoje tristemente famoso pelos 'coletes de couro', tortura que aplicou aos que lhe foram apontados ou denunciados como quebra-quilos. Amarrados os prisioneiros, eram, em seguida, metidos em grosseiros coletes de couro cru; ao ser molhado, o couro encolhia-se, comprimindo o tórax das vítimas, quase asfixiando-as". (MAIOR, 1978, p. 34).
Além desse ato de tortura, outros relatos apontam que membros foram presos, espancados e alguns até mesmo assassinados, pois a polícia e o exército agiram duramente ao longo de 1875 para por fim a revolta.
"Sou quebra-quilo, encoletado em couro
Por vil desdouro, se me trouxe aqui
A bofetada minha face mancha,
A corda, a prancha se me afligir senti
Nas cãs modestas, a tesoura cega
Da minha enxerga só me resta o pó
Esposa e filhas violentam rudes,
As sãs virtudes - seu tesouro - só.
Não há direitos; isenções fugiram
Nas leis cuspiram desleais vilões;
Crianças, velhos aleijados, aguardam,
A triste farda de cruéis baldões
Em vão, descalços, minha esposa e filhos,
Do sol aos brilhos, pranteando vêm:
Socorro implorara: piedade a tantos...
Mas de seus prantos se receia alguém!
E ao quebra-quilo, desonrado e louco
É tudo pouco, quanto a infâmia faz
Se ali contempla da família o roubo
Aqui no dobro, se o flagela mais
Vê sua esposa, da desgraça ao cimo
Por seu arrimo, tudo expô-la em vão:
Recorda as filhas, que sem mãe ficaram
E lhes as roubaram... que perdidas são.
Tiranos vede que misérias tantas!...
Nem a quebranta nem pungir nem ais
Martírios, ultrajes de negror, fazei-me
Porém dizei-me se também sois pais!
A bofetada minha face mancha
A corda a prancha me doer senti
A vil desonra da família querida
Tira-me a vida... de pudor morri".
Música de Pedro Joaquim d'Alcantara César
(MAIOR, 1978, p. 34-35).
O Quebra-Quilos em Pernambuco
A história do Quebra-quilos em Pernambuco começa ainda no ano de 1874, na vila de Itambé. Assim como na Paraíba, os paraibanos reclamaram do aumento dos impostos e da imposição do sistema métrico decimal, em Pernambuco não foi diferente. Muitas Câmaras expediram cartas ao presidente de província, reclamando do atraso do envio dos padrões métricos para suas comarcas, assim como escreveram relatando a insatisfação por parte da população, especialmente a mais carente, que se queixava pelo aumento do custo dos produtos, principalmente da comida.
Por outro lado, Recife, capital de Pernambuco, era uma cidade politicamente agitada, e uma ideia disso é transpassada pela quantidade de jornais que falavam sobre política, questões liberais, abolicionistas, conservadoras e republicanas. Jornais como A Liberdade, O Jesuíta, O Excomungado, o Liberal Pernambucano, A Luz, O Trabalho, O Verdadeiro Catholico, A Lanterna e o Postilhão.
Nesse caso, tais jornais em novembro de 1874 já estavam falando a respeito da revolta do Quebra-quilos que se desenrolava na Paraíba, e nesse caso o promotor público de Itambé, Meira de Vasconcelos já havia enviado cartas para o Presidente de Pernambuco solicitando o envio de tropas para guarnecer a vila, pois devido a sua proximidade com a Paraíba, acreditava-se que os quebra-quilos que haviam atacado Pilar que não distava tanto dali, estariam à caminho de Itambé.
No entanto, apenas dias depois é que de fato quebra-quilos apareceram por Itambé, atacando a feira e o cartório local, embora que poucos dias antes do ataque à Itambé ocorrido em 30 de novembro, os quebra-quilos haviam atacado Curangi, Timbaúba e São Vicente, a qual foi invadida à 28 de dezembro. Mas pelo fato de Itambé ser a maior das quatro vilas atacadas, as notícias do acontecimento não tardaram a chegar em Recife e serem publicadas pelo Diário de Pernambuco, transmitindo a notícia que cerca de 63 homens invadiram a feira de Itambé, onde destruíram pesos e medidas, além de destruírem alguns documentos que se encontravam em uma coletoria.
"Em virtude de sua proximidade com a Paraíba, Itambé muito preocupava o Governo de Pernambuco como possível foco de quebra-quilos. No dia 7 de dezembro de 1874, a feira local já fora realizada sob a mais estrita vigilância policial. [...]. O delegado permaneceu com alguns soldados entre os feirantes, a fim de evitar a repetição dos incidentes das feiras anteriores. Ao que parece, recebeu informações de que algo novamente se preparava e não hesitou, então, em efetuar mais prisões". (MAIOR, 1978, p. 102).
A feira de 7 de dezembro em Itambé como foi dito, realizou-se sob forte vigilância, pois o Presidente de Pernambuco Henrique Pereira de Lucena temia que Itambé se torna-se um foco dos quebra-quilos na província, abrindo caminho para que mais revoltosos ali se instalassem e se expandissem pelo interior da província. Como forma de impedir que isso viesse a ocorrer, foram enviados vários mandatos de prisão, o que levou a prisão de mais de dez pessoas incluindo um senhor de engenho acusado de ser um dos mentores do ataque ocorrido em 30 de novembro.
Se por um lado Itambé foi poupada de um novo ataque em dezembro, outras vilas e povoados não tiveram a mesma sorte. Assim como na Paraíba, os quebra-quilos se espalharam rapidamente pela província o mesmo ocorreu em solo pernambucano. No começo do mês, localidades como Lagoa Seca, Pau d'Alho e Nazaré foram invadidas pelos revoltosos. No caso de Nazaré, o barão João Cavalcanti Maurício Vanderlei acusou dois filhos e o genro da senhora do Engenho Cangaú, de estarem envolvidos na sedição, revelando que não era apenas pobres e analfabetos que formavam a revolta, homens de status mais elevado e alfabetizados também formavam os grupos de ataque.
Outro caso interessante do Quebra-quilos pernambucano, foi o caso de tendências locais interferirem no comportamento dos revoltosos, um exemplo foram os acontecimentos ocorridos em Goianinha comarca de Goiana. Nesse caso, os quebra-quilos atacaram a comarca pois se encontrava mais vulnerável do que a vila em si. Mas a questão ímpar que merece destaque foi uma tendência xenofóbica, pois Goiana era conhecida por ser palco de divergências entre brasileiros, portugueses e italianos, nesse caso, os quebra-quilos dirigiram seus ataques especificamente contra os comerciantes portugueses.
"Os acontecimentos de Goiana refletem um aspecto da variada e complexa etiologia do Quebra-quilos: a reação do pequeno produtor-comerciante, do feriante e do tabaréu contra o monopólio de comerciantes estrangeiros, muito particularmente de portugueses". (MAIOR, 1978, p. 122).
Propaganda pernambucana representando a Revolta do Quebra-Quilos. |
Em meados de dezembro os ataques chegaram ao distrito de Jurema do Brejo onde curiosamente assim como também havia acontecido em Caruaru, parte da população demonstrou interesse em apoiar os quebra-quilos, tal fato é marcante quando se ler o relato do subdelegado de Jurema do Brejo e de alguns juízes de Caruaru onde apontaram que os revoltos foram bem "bárbaros".
"Limoeiro fora invadida no dia 12 de dezembro, e alguns dos seus invasores eram paraibanos de Serra Bonita e Mata Virgem. A cidade dispunha apenas de 16 guardas, porém, não houve tumultos". (MAIOR, 1978, p. 141).
Em janeiro de 1875, 15 homens foram presos em Limoeiro acusados de serem entregantes do Quebra-quilos. Um fato interessante é que um dos homens era um escravo de nome Ricardo. Isso mostra que os boatos que haviam escravos participando do Quebra-quilos eram verdadeiros. Também significa dizer que alguns escravos acabaram fugindo de seus donos e se unindo aos revoltosos, talvez almejando a alforria de alguma forma? Ou a liberdade através dessas manifestações? Pois os escravos eram proibidos pelos seus senhores de participarem de revoltas por vontade própria.
Os povoados no Cariri como Capim, Santa Cruz e Jacu foram atacados em 14 de dezembro e no dia 19 fora a vez do Brejo (atual Brejo da Madre de Deus) onde na ocasião o barão de Buíque, outra cidade também atacada pelos quebra-quilos, liderou uma tropa de 200 homens da Guarda Nacional contra os revoltosos.
Palmares, Vila Boa, Gravatá, Garanhuns, Vila de Santo Antão, Itamaracá, Igarassu e Ouricuri foram outras localidades que sofreram ataques dos quebra-quilos. No entanto, um fato curioso que permeia tanto Pernambuco quanto a Paraíba e as demais províncias do Rio Grande do Norte e de Alagoas, é que a maioria dos dados conhecidos sobre a sedição datam de 1874, sendo que no ano de 1875, existem poucos relatos sobre os ataques ocorridos naquele ano, pois a maioria dos relatos apontam para a prisão e julgamento de supostos entregantes e líderes, como também relatórios militares da mobilização das tropas da Guarda Nacional.
O Quebra-Quilos em Alagoas
A história do Quebra-Quilos em Alagoas se inicia com alguns relatos contraditórios. Em 7 de setembro chegou à capital Maceió notícias de que em Atalaia havia ocorrido uma revolta três dias antes, mesmo assim preocupado com a situação, o Presidente de Alagoas João Vieira de Araújo enviou a "Companhia de Linha" para Atalaia, porém o incidente ocorrido no local, dera-se por outros motivos e não os ligados ao Quebra-Quilos, embora os motivos fossem parecidos, onde algumas pessoas haviam se revoltado contra impostos, mas especificamente com um senhor de engenho da região. Pois se o Quebra-Quilos tivera início em 7 de novembro na Paraíba, como poderia ter começado dois meses antes em Alagoas e simplesmente sumir do mapa? Pois o primeiro ataque registrado data de 26 de dezembro à povoação de Mundaú-mirim.
Logo, oficialmente o Quebra-Quilos chegou em Alagoas pelo povoado de Mundaú-mirim em 26 de dezembro, onde Manuel Martins de Miranda relatou ao presidente da província, que os revoltosos destruíram pesos e medidas, queimaram os cartórios do juiz de paz e do subdelegado. Próximo de Mundaú-mirim o povoado do Timbó também fora vítima dos quebra-quilos, porém nesse caso, uma parte daqueles que aderiram ao movimento, o fizeram para protestar contra a prisão de um homem que a população local considerou ilegítima, pois o indivíduo segundo consta os locais, era inocente.
"Estava o Chefe de Polícia de Maceió, Joaquim Guedes Correia Gondim, convicto de que a causa da perturbação da tranquilidade pública em Alagoas fora, indubitavelmente, a sedição que rebentara nas Províncias da Paraíba e de Pernambuco, e que se ampliara, atingindo o território alagoano". (MAIOR, 1978, p. 173).
No final de dezembro outras localidades foram também atacadas e em janeiro de 1875 o escravo de nome Antônio Tomás de Aquino foi acusado de ser o mandante do ataque em Mundaú-mirim, embora não houvessem provas concretas se ele fora ou não o "cabeça" do ataque. Além dele, outros foram presos, acusados de serem quebra-quilos ou de terem concedido apoio e abrigo para eles. Em 23 de fevereiro de 1875 era expedido nos jornais a notícia que a sedição havia sido controlada. Pelo fato do tamanho reduzido de Alagoas, as autoridades não tiveram tantos problemas em chegar nos focos de ataque e defesa dos insurgentes. O Quebra-quilos alagoano foi contido em menos de três meses.
O Quebra-Quilos no Rio Grande do Norte
Em 1 de dezembro de 1874 o Presidente de Província João Capistrano Bandeira de Melo enviou uma carta ao Ministro da Guerra, avisando que parte da infantaria da província se encontrava no interior dessa, combatendo revoltosos vindos da Paraíba, e logo, solicitava o envio de mais homens para combater os insurgentes.
Ainda por esse tempo o padre João Jerônimo da Cunha comunicou o presidente de província a respeito de que vários quebra-quilos se encontravam agrupados no Engenho Bom Jardim próximo a Goianhinha. O padre conta que cerca de 300 pessoas entre homens e mulheres formavam aquele grupo, e estavam armados e dispostos a confrontar a tropa do capitão João Paulo Martins Naninguer. De acordo com o relato houvera confronto entre os quebra-quilos e a polícia, levando a morte de alguns dos revoltosos, já que a polícia disparou contra eles. Mas tal ofensiva garantiu que o bando se desmanchasse e muitos optassem pela fuga.
O advogado, historiador, jornalista e antropólogo natalense Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) em seu livro História do Rio Grande do Norte, relata que as cidades de Jardim do Seridó, distritos de Vitória e Luís Gomes, Poço Limpo, Príncipe, Vila do Acari, Mossoró, Caicó, Patu e Barriguda (atual Alexandria), também foram alvos dos quebra-quilos.
No ano seguinte em agosto, um grande ataque dos quebra-quilos acometeu as comarcas de São José e Canguaretama, onde os mesmos haviam ido para protestar contra a lei do recrutamento obrigatório.
"É que no dia 16 de agosto, quando a junta paroquial reunida dava início aos seus trabalhos, um grupo de, aproximadamente 400 pessoas, entre homens e mulheres, chefiado por Antônio Hilário Pereira, irrompera no local da reunião e ameaçara matar o juiz de Direito e todos os membros da Junta, se a Lei de recrutamento que denominavam 'lei para captivar o povo', tivesse execução naquela freguesia". (MAIOR, 1978, p. 178).
A reunião para aquele dia fora suspensa e o alferes Ferreira de Oliveira foi incumbido de prender os quebra-quilos. Antônio Hilário e mais quarenta pessoas foram presos naquele dia, mesmo assim a ameaça de um novo ataque ainda continuava a amedrontar a população de São José.
Sabe-se que a ajuda do capitão João Paulo Martins Naninguer foi convocada e com ele outros vieram em auxílio, como o tenente-coronel José da Costa Vilar e os fazendeiros Afonso Leopoldo de Albuquerque Maranhão e João de Albuquerque Maranhão Cunhaú, junto com outros sargentos e alferes detiveram o segundo ataque a São José. O relato conta que a tropa tentou evitar um conflito, mas os quebra-quilos atacaram os soldados, o que levou aos mesmos dispararem ferindo alguns.
Depois desse incidente, outro ocorrera em Mossoró, onde igrejas foram invadidas, pois nas mesmas ocorriam o recrutamento militar, nesse caso, os responsáveis pela invasão e pela destruição dos registros, foram mulheres lideradas por Ana Floriano, uma das poucas mulheres conhecidas que se sabe que liderou um ataque. Após o incidente em Mossoró os relatos provinciais apontam para uma manifestação pacífica em Santa Rita e depois disso, não há mais relatos sobre novos ataques no resto do ano.
Considerações finais:
O Quebra-Quilos foi um movimento social que de início se motivou a partir dos protestos contra o aumento dos impostos e em parte com a adoção do sistema-métrico, porém a questão econômica é mais marcante, pois nessa época a produção canavieira e algodoeira estava em baixa, em detrimento da ascensão da cafeicultura no sudeste e de problemas globais, pois grande parte do açúcar e do algodão produzido no país era exportado. Logo, isso afetava em muito a economia dessas províncias que tinham em tais produtos grande parte de seu lucro, recaindo tal crise principalmente entre as classes mais baixas que sofriam mais com as oscilações dos preços.
Por outro lado, o movimento também se mostrou como uma profusão de motivos que foram englobados numa causa geral, pois se a causa era a cobrança dos impostos, adotou-se também como bandeira de luta, o protesto contra o recrutamento militar, ideias antimaçônicas, xenofóbicas, abolicionistas, liberais, e até mesmo atos de banditismo. Pois como fora visto, em alguns locais o Quebra-Quilos tivera características bem específicas.
Não obstante, o movimento embora contou na sua maioria com a participação de homens e mulheres da classe baixa, também contou com a participação de escravos, libertos e até mesmo gente da classe média e autoridades locais, levando a se discordar dos pareceres dados pelos historiadores do século XIX e do começo do XX que o Quebra-Quilos havia sido uma revolta de "matutos ignorantes".
A grande mobilidade dos ataques pelas quatro províncias mencionadas, revela que tal revolta mesmo tendo durado cerca de um ano, foi bem preocupante para os governos locais e para o Estado, pois levou o Ministério da Guerra a enviar tropas da Guarda Nacional para combater os revoltosos. Ao mesmo tempo, a profusão dos ataques mostra que se torna difícil em se determinar se realmente houveram líderes gerais ou na realidade cada investida realizada foram promovidas por líderes locais, tornado a revolta em si desorganizada e acéfala em um contexto maior.
"Apesar do pouco destaque dado pela historiografia brasileira, o Quebra-Quilos foi um dos mais importantes movimentos de nossa história, em termos de composição social e de impacto político. O seu aparecimento coincide com uma conjuntura de crise da monarquia e da escravidão, cujos efeitos mais visíveis se manifestam abertamente nas províncias do Norte do Império na segunda metade do século XIX. Foram milhares de participantes e quase 80 localidades conflagradas, entre vilas e cidades da região em foco". (LIMA, 2009, p. 155).
MAIOR, Armando Souto. Quebra-Quilos: lutas sociais no outono do império. 2a edição, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1978.
LIMA, Luciano Mendonça de. Escravidão, Liberdade, Pobreza e Rebeldia no contexto do Quebra-Quilos (1874-1875). In: Múltiplas Visões: Cultura Histórica nos Oitocentos. João Pessoa, Editora Universitária - UFPB, 2009, p. 155-172).
ALMEIDA, Horácio. História da Paraíba - 2. João Pessoa, Editora Universitária da UFPB, 1978. (Capítulo V).
MELLO, José Octávio de. História da Paraíba. 11 edição, João Pessoa, A União, 2008. p. 121-123.