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Leandro Vilar

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Sun Wukong: A lenda do Rei Macaco

Clássico da literatura chinesa, o livro Jornada ao Oeste conta as peripécias, perigos e aventuras do Rei Macaco chamado Sun Wukong, em sua jornada em companhia de seus amigos para viajar até à Índia. A narrativa se tornou tão popular que ganhou adaptações para teatro, filmes, desenhos, seriados, quadrinhos e videogames. O presente texto comenta alguns aspectos desse personagem, a importância do seu livro e como esse retratava a sociedade chinesa daquele tempo e a percepção do mundo que os chineses possuíam de outros povos asiáticos. 

Ilustração contemporânea de Sun Wukong. 

O livro Jornada ao Oeste

A história de Sun Wukong é narrada apenas no livro Jornada ao Oeste (Xi You Ji), obra redigida pelo escritor e poeta Wu Cheng (c. 1500-1582) no século XVI, embora outros autores criaram contos, poemas e peças baseados no trabalho de Wu Cheng. No entanto, normalmente se pensa que as narrativas sobre Sun Wukong sejam de origem folclórica, mas os literatos e historiadores contestam isso. Grande parte da trama seria invenção mesmo de Wu Cheng, apesar que ele recorreu a elementos mitológicos e a lendas para criar seu livro. 

A obra foi composta ao longo de anos, sendo publicada apenas em 1592, dez anos depois da morte do autor, embora não se saiba exatamente o motivo disso. De qualquer forma, sua narrativa é bastante extensa, pois a versão original possui 100 capítulos divididos em quatro partes: 

  • Primeira parte: compreende os capítulos 1 ao 7, basicamente consiste numa longa introdução a narrativa, apresentando o protagonista Sun Wukong, o Rei Macaco que era um deus, mas devido a suas travessuras e indisciplina foi desprovido da imortalidade e aprisionado. 
  • Segunda parte: compreende os capítulos 8 ao 12 no qual é apresentando o monge budista Tang Sanzang, o qual foi incumbido por Buda de viajar à Índia para buscar pergaminhos sagrados. Esses capítulos comenta sobre a família de Tang e o início de sua jornada.
  • Terceira parte: compreende os capítulos 13 ao 99, é a parte mais longa do livro, a qual narra a jornada de Tang Sanzang, Sun Wukong e os outros personagens que acabam formando o grupo deles, através de várias localidades da China, até chegar à Índia. 
  • Quarta parte: consiste no capítulo 100, que seria basicamente um epílogo, o qual apresenta o desfecho da história. 
A partir do século XVII o livro começou a ganhar notoriedade, mais tarde sendo considerado um dos Quatro Grandes Romances Clássicos da Literatura Chinesa, sendo os outros três: Margem da Água (XIV), Romance dos Três Reinos (XVI) e O Sonho da Câmara Vermelha (XVIII), o que revela a popularidade dessa obra já há bastante tempo, condição apenas amplificada no século XX. No entanto, as traduções de Jornada ao Oeste demoraram a ocorrer, basicamente somente a partir do XIX que elas começaram para outros idiomas, porém, por ser um livro extenso, ainda hoje a obra nunca foi traduzida integralmente para vários idiomas, como é o caso da língua portuguesa. 

Mas do que se trata o livro Jornada ao Oeste? O objetivo do livro que é a viagem à Índia não é uma história original de Wu Cheng, na verdade, essa história do monge Tang Sanzang é baseada na vida do monge Xuanzang (602-664), que realmente viajou à Índia em 629, retornando a China por volta de 645, tendo aprendido a ler em diferentes línguas indianas e estudado com vários mestres, além de reunir cópias de muitos manuscritos, vindo a criar uma biblioteca budista quando retornou. Eventualmente a história de Xuanzang acabou ganhando contornos lendários, originando lendas que inspiraram artistas como o próprio Wu Cheng. 

Pintura do século XIV representando Xuangzang, o monge que inspirou Tang Sanzang. 

Sendo assim, lendas envolvendo a jornada de Xuangzang já existiam aos montes ao longo dos séculos, e elas acabaram interessando Wu Cheng, que decidiu criar sua própria versão, acrescentando mais elementos mitológicos, lendários, religiosos e a grande estrela da obra: Sun Wukong, o malandro Rei Macaco, o que concedeu originalidade ao seu trabalho. Sobre isso, os estudiosos não sabem de onde Wu Cheng se baseou para criar a personagem de Sun Wukong, hipóteses apontam o folclore como fonte de inspiração, em que o escritor combinou ideias envolvendo lendas sobre macacos com outras criaturas, vindo a criar Sun Wukong. Alguns chegaram a sugerir que ele seria baseado em Hanuman, o deus-macaco no Hinduísmo, mas não se sabe se Wu Cheng tinha conhecimento dessa divindade. 

Mas como tudo isso se encaixa na narrativa da Jornada ao Oeste? Como visto, Wu Cheng decidiu escrever sua própria versão da viagem do monge Xuangzang, alterando seu nome para Tang Sanzang e até mudando alguns aspectos da sua vida, embora a trama do livro seja situada durante a Dinastia Tang (618-907), especificamente no século VII, época em que Xuangzang viveu. Fato esse que no livro há menções aos costumes e monarcas daquela época, como forma de contextualizar historicamente o romance. 

Assim, para poder justificar a viagem de Tang Sanzang à Índia, na parte 2 do livro, Wu Cheng apresenta o contexto místico de que o jovem monge era puro de coração e estava destinado a reacender os ensinamentos budistas na China, a qual padecia de imoralidades. Porém, o monge precisaria de ajuda, neste ponto, entra seu primeiro guardião, Sun Wukong, personagem apresentando na parte 1, o qual é um deus caído em ruína, que somente poderia recuperar sua imortalidade e direito a viver no Palácio Celeste se ele aprendesse disciplina, honra, obediência, paciência, humildade, altruísmo etc. Ou seja, temos aqui características comuns de algumas narrativas da jornada do herói, em que temos um herói arrogante que acaba caindo em desgraça ou é punido, e deve aprender a melhorar seu caráter. Assim, Sun Wukong é libertado de sua prisão após séculos tendo como obrigação em servir Tang Sanzang.

Porém, essa busca pela redenção também se aplica aos outros guardiões: o porco Zhu Baije, um ex-general celeste que era arrogante, ganancioso e guloso, que assediou uma deusa e foi banido do Céu e Sha Wujing, um cocheiro celeste que devido a sua imprudência destruiu um cálice sagrado da Rainha Mãe do Oeste, com isso foi banido do Céu. Esses dois personagens junto a Sun Wukong, são seres celestes em desgraça que devem recuperar seu direito de voltarem ao Palácio Celestial, para isso, deverão buscar sua redenção, ajudando o monge Tang Sanzang. Por conta da jornada até à Índia levar alguns anos, várias aventuras e perigos ocorrem no caminho, colocando os guardiões, especialmente Sun Wukong, para trabalhar duro no intuito de proteger o monge. 

O Rei Macaco

A primeira parte do livro Jornada ao Oeste nos fornece várias informações sobre Sun Wukong. Inicialmente ele não era uma divindade, mas um macaco comum que nasceu sob circunstâncias incomuns. Ele não possuía pais e nem familiares, tendo sido criado de uma rocha mágica localizada na Montanha das Frutas e Flores, que se torna a sede de seu reino. Por conta disso, ele é conhecido pelo epíteto de "macaco da pedra". Por ser o mais habilidoso, forte, valente e bonito dos macacos daquela montanha, ele foi escolhido como Rei Macaco Bonitão (Mei Houwang).

Apesar de se tornar monarca de um pequeno reino de macacos, Sun Wukong tinha mais ambições, então ele partiu para estudar com monges sobre religião, filosofia, artes marciais e magia. O livro informa que ele passou vários anos estudando e treinando, desenvolvendo uma variedade de habilidades, entre essas estava a arte das 72 transformações, que permitia ele mudar de forma, transformando-se em pessoas, animais e objetos; a capacidade de dar grandes pulos, a ponto de saltar sobre montanhas e viajar por vários quilômetros de distância; o poder de transformar seus pelos em seres, clones de si ou objetos

Além dessas habilidades de transformação e salto, Sun Wukong também possuía uma grande força e resistência, condição essa que ele mergulhou no oceano para conseguiu uma arma mágica, o cajado Ruyi Jingu Bang, que possuía a capacidade de mudar de tamanho, ficando diminuto ou possuindo quilômetros de comprimento. De posse dessa arma, ele desafiou monstros e um Rei Dragão do mar, derrotando-os e ganhando objetos mágicos e uma armadura também. Porém, o Rei Macaco se tornou muito arrogante e passou a confrontar outros seres, incluindo desafiar demônios para escapar da morte, e isso irritou os soberanos dos mares e do submundo, os quais cobraram do Imperador de Jade uma solução para punir as aventuras e o crescente ego do Rei Macaco. 

O supremo monarca dos deuses convidou Sun Wukong ao Paraíso e lhe deu um cargo entre os deuses, o macaco ficou muito feliz por aquilo, pois agora era um deus, porém, o cargo lhe atribuído era o de "protetor dos cavalos", uma função de cavalariço. Sun Wukong viu que o monarca estava zombando da sua cara e se irritou com aquilo, então desafiou os deuses, roubando os pêssegos da imortalidade, as pílulas da longevidade e o vinho sagrado do imperador. Depois de cometer tais atos, Sun Wukong abandonou o Paraíso, voltou a Terra, reuniu um exército formado por macacos guerreiros, demônios e outros monstros, desafiando os deuses, iniciando uma guerra divina que resultou em muitas mortes até que o ele foi aprisionado. 

Sun Wukong foi preso dentro de um caldeirão mágico por 49 dias, deixado para morrer ali, mas ele conseguiu sobreviver. O Imperador de Jade convocou Buda para punir o macaco, esse o desafiou a escapar de sua influência, mas Sun Wukong falhou e foi aprisionado numa montanha por cinco séculos. Quando ele despertou, havia perdido parte de seus poderes e sua imortalidade, sendo sentenciado a contragosto, a servir o monge Tang Sanzang, dando início a jornada do livro. 

Sun Wukong e o monge Tang Sanzang numa ilustração de Jornada ao Oeste, do século XIX. 

Uma viagem fantástica

Embora a narrativa de a Jornada ao Oeste seja situada no século VII d.C., Wu Cheng imagina uma China mística e mitológica, condição essa que ele explorou bastante a mitologia chinesa e até o folclore chinês, fato esse que Sun Wukong viaja pelo Reino Celeste, os reinos submersos, vai ao Submundo, passa por cavernas habitadas por demônios e outros monstros. Isso somente na primeira parte do livro. Depois que a jornada dele e dos demais tem início, as descrições seguem fantásticas, mas sem ocorrer a transição para outros mundos. 

Como Wu Cheng nunca saiu da China, além de que teria um pouco de conhecimento geográfico, a jornada para o oeste é baseada em imprecisões. Wu Cheng relata a existência de muitas montanhas, rios, vales e florestas, condição que os personagens chegam a levar semanas ou meses apenas para cruzar uma montanha ou floresta, tudo é gigantesco e distante na narrativa, além de ser impreciso, pois a maior parte das vezes o autor não aponta exatamente onde os personagens estão, além de que algumas localidades são inventadas. Fato esse que o Tibete aparece no livro de forma fantasiosa, assim como, a própria Índia, que somente é alcançada nos últimos capítulos, porém, o autor não especifica quase nada da geografia e costumes do lugar. 

Vale ressalvar que os costumes que também são retratados no livro são anacrônicos, pois a trama ocorre no século VII, mas Wu Cheng se baseou nos costumes de sua época, ou seja, o século XVI, quase mil anos depois. Apesar desse anacronismo, isso não interfere no desenvolvimento da narrativa, tampouco em sua compreensão, pois os chineses possuíam uma percepção de passagem de tempo diferente do Ocidente. Enquanto na Europa já se notava que o século XVI era diferente do século X, por sua vez, mais diferente do que foi o século V, na China, essa percepção era menos nítida. 

O livro também nos primeiros capítulos nos apresenta uma visão da mitologia chinesa relativa ao Reino Celeste, ou Reino Submarino e o Reino Inferior, localidades não apenas mitológicas, mas também associadas com as crenças religiosas das religiões chinesas, por ser a morada de deuses e outras divindades. O fato de Sun Wukong transitar por tais reinos divinos é um indicativo de seus poderes e proezas. 

NOTA: O famoso mangaká Akira Toriyama escreveu um one-shot intitulado Dragon Boy (1983), levemente inspirado na lenda de Sun Wukong. A obra serviu de experiência para Toriyama reformular suas ideias e assim surgiu Dragon Ball (1984-1995), sua obra prima. O personagem Son Goku é levemente inspirado em Sun Wukong. Além disso, o fato dos Saiyajins se tornarem macacos gigantes (oozaru) também advém dessa inspiração. 

NOTA 2: O nome Son Goku é uma tradução em japonês para o nome Sun Wukong. Fato esse que esse nome aparece no mangá/anime de Dragon Ball e Naruto, já que ambos os personagens são inspirados no Rei Macaco. 

NOTA 3: O famoso quadrinista italiano Milo Manara escreveu Lo Scimmiotto (1976-1977), uma versão satírica e erótica de a Jornada ao Oeste, trazendo Sun Wukong como um anti-herói em meio a uma China que mistura aspectos fantásticos com a época da ditadura de Mao Tsé-Tung. 

NOTA 4: Sun Wukong já apareceu algumas vezes nos videogames, destacando-se os jogos: Cloud Master (1989), West Adventure (1994), Funn Goku Ninded (1996), Monkey Magic (1999), Monkey Hero (1999), Saiyuki: Journey West (2001), Enslaved: Odyssey to the West (2010), Monkey King: Hero is Back (2019), Wukong (2021), The Crown of Wu (2023) e mais recentemente Black Myth Wukong (2024)

NOTA 5: Por conta de ser um personagem famoso, na China existem vários filmes, desenhos e seriados sobre o personagem. A maioria não segue a trama do romance, apresentando histórias originais.

NOT 6: A série chinesa Journey to the West (1986/2000) possui duas temporadas, uma lançada em 1986 e a outra somente em 2000, de qualquer forma, o seriado adapta o romance inteiramente, consistindo em uma das séries mais famosas sobre o livro. 

NOTA 7: A série animada chinesa Journey to the West: Legends of the Monkey King (1998), adapta para o público infantil a trama do livro, apresentando um resumo da narrativa. Ainda hoje é um dos desenhos mais populares sobre o personagem, embora já tenha vários lançados desde então. 

NOTA 8: O filme chinês animado Havoc in Heaven (1961) é considerado por alguns o primeiro desenho a fazer sucesso sobre Sun Wukong. 

NOTA 9: O famoso ator Jet Li chegou a interpretar Sun Wukong no filme O Reino Proibido (2008), por sua vez, o também famoso ator Donnie Yen interpretou o personagem no filme O Rei Macaco (2014). O filme ganhou uma continuação, mas Yen não voltou para interpretar o protagonista. 

NOTA 10: Os Pokémon Chimchar, Monferno e Infernape são inspirados no Rei Macaco. 

NOTA 11: Sun Wukong aparece em alguns outros jogos como um personagem jogável, sendo esses a franquia Warriors Orochi, Dota 2, Smite 1, League of Legends etc. 

NOTA 12: Embora Sun Wukong seja um personagem surgido num romance, no entanto, existem templos dedicados a ele, em que oferendas são deixadas como se ele fosse um deus real. 

Referências bibliográficas: 

HSIA, C.T. The Journey to the West. The Classic Chinese Novel. New York: Columbia University Press, 1968. 

WU CH'ÊNG-ÊN. O macaco peregrino ou a Saga ao Ocidente. Tradução de Lea P. Zylberlicht. 2a ed. São Paulo, Hórus, 2002. 

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

A revolta religiosa de Savonarola em Florença (1495-1498)

No final do século XV o monge dominicano Girolamo Savonarola ficou conhecido por seu radicalismo e fanatismo religioso, que o colocou como um déspota que aterrorizou Florença com uma censura incomum, além de estar combinada com suas pretensões de profeta e sua oposição ao papa Alexandre VI. Por quatro anos Savonarola manteve os florentinos reféns de seu fanatismo religioso, que pregou uma série de expurgos no intuito de libertar a cidade das tentações. O presente texto abordou alguns aspectos desse período. 

Antecedentes

Girolamo Savonarola (1452-1498) nasceu numa família aristocrática em Ferrara, o que o permitiu estudar Filosofia e Medicina. No caso, ele inicialmente tinha pretensões de seguir a carreira médica como o fez seu irmão Alberto e seu avô Michele, porém, após ouvir os sermões de um padre em Faenza, Savonarola decidiu trocar a universidade pelo seminário, decidindo entrar para a Ordem dos Dominicanos num convento na Bolonha. A escolha dessa ordem se deveu pelo fato de seu irmão Maurelio já pertencer a essa ordem, atuando como frade. Assim, em 1475 ele entrou para o seminário, onde passou a escrever tratados teológicos e de filosofia da religião. Por esse aspecto, Savonarola se mostrou um erudito. 

Retrato de Girolamo Savonarola por Fra Bartolomeo, c. 1498. 

No ano de 1479 ele concluiu sua formação no seminário, sendo enviado para atuar em igrejas e conventos. Ele fez isso pelos anos seguintes. Em 1485 em alguns de seus escritos, Savonarola começou a tecer críticas mais ferrenhas aos pecados cotidianos como luxúria, sodomia (homossexualismo), homicídio, idolatria, simonia (comércio de bens espirituais), adivinhação, astrologia etc. Além dessas críticas, o frade também por essa época passou a alegar que estava tendo sonhos premonitórios, algo que repercutiria mais tarde nas alegações de ele dizer que recebeu o dom da profecia. 

A percepção de Savonarola sobre o mundanismo acentuou-se quando em 1487 ele mudou-se para uma pequena igreja em Florença, uma das cidades-estados mais ricas da Itália. Inclusive polo artístico, em que a rica família de banqueiros e comerciantes, os Médicis, patrocinavam vários artistas. As impressões do frade nesta cidade não foram nada boas, já que ele considerava que seu líder, Lourenço de Médici (1449-1492), um homem bastante extravagante e vaidoso. Todavia, Savonarola permaneceu somente um ano em Florença, sendo transferido para a Lombardia, passando por diferentes localidades até chegar a Gênova em 1490, outra cidade grande e próspera, onde ficou algumas semanas.

Ainda em 1490 ele retornou para Florença, onde dessa vez ficou fixo. Savonarola moraria naquela cidade pelos próximos oito anos. Foi ali naquele rico lugar que ele travou sua pequena "guerra religiosa", que o colocou em conflito com Lourenço e outros aristocratas, políticos e clérigos. No caso de Lourenço, ele era conhecido por ser um ostentador, e boatos diziam que ele promovia orgias. Além disso, o homossexualismo apesar de ser proibido e até um crime, não seria incomum em Florença. Soma-se isso também crimes como usura, simonia, contrabando, assaltos, adultérios e assassinatos. Diante disso, Savonarola considerava que estava diante de uma nova Sodoma e Gomorra.

Pregação em Florença

Entre 1490 e 1494, Girolamo Savonarola agiu de forma nada radical. Ele nesse período buscou tentar convencer os políticos e o povo acerca das ameaças do pecado, assim como, incentivar a população a ser mais praticantes da fé, devendo irem mais regularmente às missas, se confessarem, fazer jejuns, orarem etc. Neste ponto é notável os sermões que ele fazia em algumas igrejas e praças, além da publicação de alguns pequenos tratados e sermões escritos valorizando as virtudes cristãs.

A partir de 1493 ele pleiteou com o novo papa, Alexandre VI (Rodrigo Bórgia), o envio de verbas para reformar o histórico Convento de São Marco, onde ele vivia e trabalhava como prior. Porém, o novo papa era conhecido por estar envolvido com escândalos, além de vir de uma família que colecionava polêmicas. Alexandre VI possuía filhos, amantes, era envolvido com corrupção e outros assuntos ilícitos. Fato esse que levou Savonarola a repudiá-lo. 

Por sua vez, o ano de 1494 foi conturbado por conta do rei Carlos VIII da França invadir a Itália, reivindicando direito de dominar parte daquelas terras. Isso gerou a movimentação de tropas das cidades-estados, inclusive colocou o papado em alerta, fato esse que o papa Alexandre VI enviou seu filho Cesare Bórgia para participar das negociações. A situação política pela Itália estava tensa e piorava. O exército francês chegou à República de Florença em novembro de 1494, onde Carlos VIII negociou com Piero de Médici (filho de Lourenço) uma aliança político-militar, todavia, Piero não aceitou todos os termos exigidos, contrariando o monarca, com isso, os Médici fugiram de Florença para evitar o pior. O rei Carlos VIII não atacou a cidade e seguiu para Roma, para negociar com o papa. Em meio aquela falta de governo, num período de breve anarquia, Savonarola surgiu como uma liderança em potencial. 

Pintura do século XIX representando Savonarola em pregação. 

A censura

Os franceses não tiveram interesse em assumir o controle de Florença, com isso, a república seguiu sendo gerida por seus conselhos como a Signoria, o Collegi, o Dodici Buonomini, o Sedici Gonfalonieri, entre outros conselhos menores. Cada um desses conselhos cuidavam de aspectos administrativos e jurídicos distintos, o que envolviam administrar o comércio, a cobrança de tributos, as finanças públicas, os tribunais e prisões, a burocracia etc. Todavia, os Médici e outras importantes famílias costumavam figurar entre os membros desses conselhos, por serem oriundos de famílias ricas e tradicionais, mas sem uma liderança forte, o frade Girolamo Savonarola se destacou como uma liderança popular, que passou a reunir mesmo que informalmente, uma forte autoridade, a ponto de ele decretar ordens, censura e expurgos, mesmo que os conselhos não tivessem validado isso, parte de seus membros passaram a concordar com a visão radical do frade dominicano. Esses seguidores foram chamados de Penitentes

Nesse período ele havia adotado o radicalismo pleno. Savonarola não estava interessado em assuntos políticos e militares, mas em usar sua autoridade e apoio que tinha da população, cativada por seu discurso religioso fanático, para promover sua censura religiosa, ou limpeza moral como se referia a algumas vezes. Para isso ele ordenou uma série de proibições e formou grupos de fanáticos que passaram a executar suas ordens. Neste ponto, ele contava com apoiadores de diferentes segmentos sociais, o que incluía autoridades públicas e jurídicas, os quais passaram a comprar o discurso religioso dele ou o consideravam coniventes para seus próprios interesses. 

Savonarola queria transformar Florença numa cidade cristã modelo, mas para fazer isso ele adotou o uso da proibição. Em seus discursos ele defendia a proibição de bebidas alcoólicas, prostíbulos, jogos de azar, festas mundanas, do homossexualismo, porém, essas proibições não foram efetivamente aplicadas, ainda continuavam a serem realizadas, e, no caso, do homossexualismo, esse era às escondidas, pois já era crime. 

Savonarola também atacou os costumes de se vestir. Ele proibiu roupas consideradas vulgares, proibiu à venda de cosméticos, roupas de luxo, acessórios, joias e até mandou quebrar espelhos. Ele alegava que tudo isso promovia a vaidade, a ostentação e a soberba. Essas proibições não foram efetivadas na cidade, mas parte de seus seguidores passaram a obedecê-las. 

Ao lado das roupas, cosméticos, acessórios e joias, sua censura também caiu sobre objetos de decoração, obras de arte, móveis finos, os quais representavam também símbolos de vaidade e apego aos bens materiais. Não foram apenas pinturas e estátuas com nu artístico, qualquer uma que fosse vista pelos agentes da censura que não abordasse temas sacros, eram confiscados. Além disso, livros também foram confiscados e queimados, especialmente obras que versavam sobre astrologia, magia, mitologia, literatura considerada imoral, alguns trabalhos filosóficos, sátiras etc. Qualquer livro cujo conteúdo fosse considerado inadequado e incompatível com as virtudes cristãs pregadas por Savonarola, era enviado à fogueira. 

Assim, a partir de 1495 as "fogueiras da vaidade" ardiam esporadicamente pelas ruas e praças de Florença queimando os símbolos de vaidade: roupas, espelhos, cosméticos, perfumes, perucas, acessórios, pinturas, tapeçarias, móveis, livros, instrumentos musicais, objetos de decoração etc., tudo fruto do luxo e do movimento artístico do Renascimento, era visto por Savonarola e seus seguidores como máculas a moral cristã, desvirtuando os fiéis, corrompendo seus caráteres. Essas fogueiras foram realizadas em tempos em tempos até 1497, ano que ocorreu várias queimas públicas, e até mesmo durante o período de Carnaval, o qual inclusive foi proibido de ser celebrado naquele ano. 

Após três anos de "fogueiras da vaidade", se desconhece a extensão da destruição causada, já que registros não foram feitos a respeito. Embora se saiba que os florentinos tentaram salvar o que conseguiram, escondendo seus bens e oferecendo outros em troca. Além disso, parte dos fanáticos acabavam se apossando eventualmente de algo de valor, e nem sempre conseguiam confiscar o que queriam. Apesar disso, milhares de bens de valor diversos foram destruídos nesse período, o que inclui até mesmo obras de arte que desconhecemos. 

Apesar de todo esses expurgos do governo fanático religioso de Savonarola, as autoridades religiosas nada fizeram a respeito, pois estavam preocupadas com a guerra contra os franceses. Ademais, parte das autoridades políticas de Florença apoiavam o frade dominicano, entretanto, Savonarola começou a ter sua autoridade contestada, quando ele começou a atacar a alta hierarquia católica. 

Embate com o papa

A partir de 1496 a relação de Savonarola com o papa Alexandre VI começou a se deteriorar. Nesse período o frade dominicano já havia adotado sua postura radical, com isso, ele passou a fazer pregações nas igrejas ou nas praças, denunciado os crimes do papa e dos cardeais, além de proferir insultos aos mesmos. De fato, muita coisa que ele falava não era mentira, o papa era realmente envolvido em escândalos, assim como, vários cardeais também. Eram tempos de corrupção na sede da Igreja Católica. Apesar disso, Alexandre VI e os cardeais não gostaram de que um frade rebelde estivesse maldizendo eles, assim, foi ordenado que Savonarola comparecesse a Roma para se explicar a respeito de suas pregações, consideradas caluniosas e difamatórias. Ele recusou a ordem. 

Retrato do papa Alexandre VI (Rodrigo Bórgia). 

Novamente foi exigida sua presença e pedido de desculpas publicamente, dizendo que ele assumisse que errou ao dizer tais calúnias, mas Savonarola se recusou a fazer isso, então Alexandre VI o excomungou em 12 de maio de 1497, o que atiçou a ira do frade, que mais uma vez insultou o papa e se proclamou verdadeiro representante de Deus na Terra. Então o papa comunicou ao vigário Alexandre de Médici que atuasse para conseguir barrar Savonarola, o ele decidiu agir cobrando das autoridades florentinas e da população. Inclusive dizendo que quem apoiasse o frade, não teria direito a comunhão, a se confessar e até a um enterro digno. Apesar das ameaças e cobranças de Alexandre de Médici, elas não surtiram efeito e Savonarola conseguiu forçar Alexandre de Médici a abandonar a cidade para não ser preso. 

Nos meses seguintes seu fanatismo continuou a crescer, pois ele acreditava cada vez mais que era um profeta realmente e que iria desmantelar a Igreja corrompida e instaurar uma "nova Igreja" a partir de Florença. Por esse tempo, Savonarola apesar de ter sido excomungado e proibido de exercer as funções religiosas, seguiu desobedecendo a ordem papal, seguindo com suas pregações, então o papa Alexandre VI designou o frade Francesco da Apúlia, enviando à Florença para confrontar Savonarola. Além disso, o papa voltou a pressionar as autoridades da cidade, ameaçando cortar laços políticos e até mesmo barrar acordos comerciais com os Estados Papais, o que prejudicaria os florentinos. 

Enquanto isso não surtia um efeito imediato, o frade Francesco passou a pregar contra Girolamo Savonarola, acusando-o de heresia, calúnia e fanatismo. Por sua vez, o dominicano rebatia as acusações de Francesco, considerando-o mais um "cão" enviado pelo papa para atacá-lo. A troca de ofensas e acusações se seguiram pelo restante do ano de 1497. Por sua vez, Savonarola passou a dizer que não temia a ira de Deus e quem duvidava dele, ele iria provar que estava dizendo a verdade.

Então ele propôs a se submeter a ordálios (testes de fé) para mostrar isso. O frade Francesco tomando conhecimento de tal informação, passou a cobrar o dominicano. Logo, os apoiadores de Savonarola surgiram para proteger seu mestre, inclusive alguns se ofereceram para acompanhá-lo no ordálio ou se submeter no lugar dele. 

Savonarola em sua loucura chegou a dizer que andaria sobre brasas e não se queimaria, pois Deus estava com ele e o protegeria. Porém, seus opositores cobraram que ele cumprisse com isso, mas ele se negou algumas vezes e até um de seus seguidores, o frade Domenico da Pescia, aceitou praticar o ordálio em seu lugar (em algumas situações era permitido escolher um representante para o teste do ordálio). 

O evento foi uma sensação na época, marcado para fevereiro de 1498, sendo montado todo um espetáculo que reuniu centenas de pessoas. De um lado estava Girolamo, seus apoiadores dominicanos e os Penitentes, do outro, tínhamos frade Francesco e a oposição. De um terceiro lado estavam aqueles que não apoiavam nenhum dos lados, mas queriam ver o que seria definido naquela ocasião. Mas após horas de indeterminação,  Domenico da Pescia acabou desistindo na ocasião e Savonarola também se recusou a realizar o ordálio. 

A população que assistia tudo aquilo, começou a vaiá-los e alguns pediam que Girolamo Savonarola cumprisse com o que disse, e realizasse o ordálio, mas ele acabou não o fazendo. Isso levou a indignação do povo, e abriu o precedente para sua derrocada. Ele já estava malvisto por ter realizado a censura religiosa, afrontado o papa e os cardeais, e agora faltava com a palavra. Os frades radicais retornaram para a Igreja de São Marcos, mas foram perseguidos pelos opositores incitados por Francesco e outros dos seus apoiadores, então eles foram capturados ali na igreja e levados à prisão. 

O papa Alexandre VI exigiu que Savonarola fosse levado a Roma para ser julgado, mas as autoridades florentinas recusaram o pedido, dizendo que ele deveria ser julgado naquele Estado. O papa aceitou, mas disse que enviaria seus próprios juízes, sendo escolhido Gioachino Turriano de Veneza e Francesco Ramolini, os dois realizaram o inquérito e julgamento de Savonarola e seus cúmplices. Os três foram torturados e confessaram suas culpas. 

Savonarola foi torturado e confessou que havia inventado suas profecias, visões e até caluniado o papa. De posse das confissões de culpa, os juízes decretaram a pena de morte deles, por terem cometido heresias, desafiado o poder secular e temporal etc. Assim, Savonarola, Domenico e Silvestro foram queimados vivos em 22 de maio de 1498 e depois tiveram as cinzas jogadas no rio. 

Gravura representando a execução de Savonarola, Domenico e Silvestro. Autoria desconhecida, datada do século XVII.
 
As ações radicais de Girolamo Savonarola duraram três anos, mas foi o suficiente para destruir muitos bens materiais e obras de arte, promover censuras sociais e morais (mesmo que não foram aplicadas efetivamente), desmantelar a autoridade do governo florentino, espalhar o fanatismo religioso, além de levar várias pessoas à prisão e até a execuções. Os atos de Savonarola entraram para a história italiana como um exemplo dos perigos que um fanático religioso pode causar a uma cidade ao tomar o poder. 

NOTA: Girolamo Savonarola aparece em livros, músicas, peças de teatro, filmes, seriados, jogos de videogame, sempre representado como um homem vilanesco e paranoico. 

NOTA 2: Savonarola aparece no seriado Os Bórgias (2011-2013), nessa produção ele chega a se submeter ao ordálio, mas acaba se queimando, provando que não possuía a proteção divina. 

NOTA 3: O frade aparece como um tirano que deve ser detido no jogo Assassin's Creed 2 (2009), em que ele acaba sendo queimado vivo numa fogueira.

NOTA 4: O frade é tema central do capítulo 9 do livro Os Bórgias (1840) do renomado escritor Alexandre Dumas Pai. A obra trata-se de um romance histórico sobre a família Bórgia, mas centrado durante o pontificado de Alexandre VI. 

NOTA 5: Alguns historiadores chegaram a considerar Savonarola um proto-reformador, já que ele planejava reformar o Cristianismo católico, mesmo que tenha feito isso de forma fanática e violenta. 

Referências bibliográficas:

GUALAZZI, Enzo. Savonarola. Milano, Rusconi, 1997. 

SANTE CENTI, Tito. Girolamo Savonarola: il frate che sconvolse Firenze. Roma, Città Nuova, 1993. 

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

As Olímpiadas Modernas

Os jogos olímpicos surgiram na Grécia Antiga em 776 a.C, e por mais de mil anos eles foram celebrados, quando foram interrompidos no século V d.C. No entanto, essa antiga tradição do esporte grego, que ocorria a cada quatro anos na cidade de Olímpia, foi retomada em 1896, com a criação dos jogos olímpicos modernos. Revivendo e atualizando essa tradição esportiva. Devido a isso, atualmente existem quatro versões das Olímpiadas modernas: os jogos de verão (os mais famosos), os jogos de inverno, os jogos paralímpicos (versão verão e inverno), os jogos da juventude (versão verão e inverno). Mais recentemente o COI anunciou uma quinta versão, o jogos olímpicos de e-sports, voltados para os jogos eletrônicos, que ainda será realizado. 

O Barão de Coubertin e as Olímpiadas Modernas

Pierre de Frédy (1863-1937) vinha da baixa nobreza francesa, ainda assim, uma família rica, que lhe rendeu o título de Barão de Courbetin. Devido as suas viagens à Inglaterra e aos Estados Unidos, Pierre passou a se interessar por educação e esporte, por conta disso, ele estudou Pedagogia e História, se formando no Instituto de Estudos Políticos de Paris. Depois disso, Courbetin passou a se tornar um filantropo da educação e do esporte na França. 

Ele foi influenciado por algumas competições esportivas como o Wenlock Olympian Games de 1850, realizado na Inglaterra, promovido pelo magistrado, educador e botânico William Penny Brookes (1809-1895), um admirador da cultura grega, o qual decidiu revitalizar o espírito olímpico dos antigos gregos. Courbetin passou a se corresponder por Brookes, o qual inclusive apoiou o projeto do barão francês em criar uma organização para promover o esporte internacional. 

No ano de 1888 o Barão de Courbetin fundou o Comitê para a Propagação dos Exercícios Físicos (atual Comitê Jules Simon), como parte de seu projeto filantrópico de incentivo ao esporte. Naquele tempo o barão já era reconhecido por ser um incentivador da educação e do esporte, algo que somente cresceria nas décadas seguintes. Não obstante, ele como outros ricos de seu tempo, eram interessados por campeonatos esportivos, além de história e arqueologia, fato esse que o avançar nas escavações das ruínas de Olímpia, cidade-sede dos jogos olímpicos na Grécia Antiga, o maravilhou. 

Assim, em 1894, Courbetin reuniu filantropos, aristocratas, nobres, políticos e representantes de instituições esportivas da França e de outros países e propôs ao governo francês a criação de um campeonato que resgatasse a cultura esportiva grega das antigas olímpiadas. O congresso francês não se interessou por isso, então Courbetin unido ao empresário grego Demetrios Vikelas (1835-1908), viajaram para Lausanne, na Suíça, a fim de promover a criação de sua organização, agora sem vínculo governamental, assim surgiu o Comitê Olímpico Internacional (COI).

Sede do Comitê Internacional Olímpico em Lausanne, na Suíça. 

Após a criação do COI, Courbetin e Vikelas trataram de divulgar o comitê e arrecadar fundos para promover um campeonato que viria a ser uma nova versão das Olímpiadas. A fim de honrar o legado grego, a Grécia foi escolhida como país em que se sediaria esse campeonato a ser celebrado dentro de dois anos. A ideia era atualizar a prática das olímpiadas, fazendo uso de esportes antigos e novos. Assim, nessa primeira Olímpiada foram aprovados nove esportes: atletismo, ciclismo, esgrima, ginástica, halterofilismo, luta olímpica, natação, tênis e tiro ao alvo. Sendo esses esportes divididos em várias modalidades. 

Os jogos foram realizados entre 6 de abril e 15 de abril de 1896 no Estádio Panathinaiko em Atenas, contando com a participação de 13 países: Alemanha, Austrália (ainda colônia na época), Áustria-Hungria, Bulgária, Dinamarca, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Irlanda, Grécia, Itália, Suécia e Suíça. O Chile alega que teve um atleta nesses jogos, mas oficialmente isso não foi reconhecido. No total tivemos 241 competidores, apesar que alguns historiadores apontem um valor maior, assinalando problemas nas listas da época. 

Comitê Internacional Olímpico em 1896. Ao centro temos o então presidente Demetrios Vikelas, ao seu lado esquerdo Pierre de Courbetin. 

As primeiras Olímpiadas modernas foi um evento experimental em vários aspectos. A competição teve dificuldades para reunir verbas, troca de diretores, patrocínio chegado na última hora; classificatórias feitas com atletas amadores mediante falta de critérios melhor elaborados; comissões olímpicas que viajaram em alguns casos por conta própria, não recebendo ajuda nenhuma de seus países, fato esse que Bélgica e Rússia desistiram de participar. Alguns atletas também foram convocados de última hora, outros competiram sem ter um país definido com clareza, fato esse que gerou a polêmica envolvendo o Chile e a Itália. Além disso, os australianos foram reconhecidos como uma delegação independente, embora oficialmente fizessem parte da Grã-Bretanha. 

Foi nessa Olímpiada que se instituiu a premiação com medalhas de ouro, prata e bronze, pois nas Olímpiadas antigas os campeões ganhavam coroas de louro e fitas. Além disso, as medalhas daquele tempo realmente eram feitas em ouro e prata em maior quantidade do que hoje em dia. A Grécia foi o país que mais conquistou medalhas, totalizando 47 delas, mas acabou ficando em segundo lugar, perdendo para os Estados Unidos, que tiveram 20 medalhas, mas conquistaram 11 ouros, enquanto os gregos ficaram com 10 ouros. Alemanha ficou em terceiro, seguida pela França e a Grã-Bretanha, os demais países não conquistaram medalhas. 

Cerimônia de abertura das Olímpiadas de Atenas, em 1896. 

A trancos e barrancos a primeira Olímpiada moderna deu certo e fez sucesso, levando o COI e decidir regulamentar que a cada quatro anos um novo campeonato seria realizado num país diferente, pois a ideia era incentivar o esporte mundialmente, não deixando as Olímpiadas ficaram restritas apenas a Grécia como foi na Antiguidade. Por conta de sua origem francesa e prestígio em seu país, Courbetin incentivou que o governo francês se candidatasse para ser o próximo país sede, e a escolha somente saiu, porque naquele ano foi realizada a Exposição Universal de Paris, então decidiu-se emendar com os jogos olímpicos, algo que aumentou a divulgação dos dois eventos, mas também gerou alguns problemas de organização. 

As Olímpiadas de Paris de 1900, contou com 26 países, e 1.226 atletas, além de aumentar o número de esportes de 9 para 19, sendo esses: atletismo, cabo de guerra, ciclismo, críquete, croquet, esgrima, futebol, ginástica, golfe, hipismo, natação, pelota basca, polo, polo aquático, remo, rugby, tênis, tiro, tiro com alvo e vela. Alguns desses esportes acabaram sendo excluídos mais tarde, como veremos adiante. 

Mas além desses esportes oficiais, as Olímpiadas de 1900 também permitiu competições amadoras de esportes não-oficiais como corridas de carro e motocicleta. Além disso, houve exibições de columbofilia (corrida de pombos), balonismo, pesca, voo de pipa, além de competições promovidas por destacamentos militares como salvas de tiro de canhão, treinamento de resgate e combate a incêndio. 

Outro marco das Olímpiadas de Paris de 1900 foi o ingresso das mulheres, mesmo que tenha sido de forma tímida. Naquele ano, apenas 22 atletas foram autorizadas a participarem da competição, tendo atuado no tênis, vela, croquet, hipismo e golfe. Vale lembrar que nas Olímpiadas antigas as mulheres não participavam, e nem podiam assistir os jogos em determinadas épocas. Assim, os jogos de Paris quebraram esse estigma, pois mesmo em 1900, era incomum mulheres participarem de competições esportivas e eram desencorajadas a praticarem esportes. 

Cartaz das Olímpiadas de Paris de 1900 destacando uma mulher. Foi nessa edição que mulheres começaram a participar dos jogos modernos. 

Os concursos de arte nas Olímpiadas (1912-1948)

Fruto da ideia do Barão de Courbetin em promover não apenas os esportes, mas também as artes, surgiu as competições de artes, que ocorreram entre Estocolmo 1912 e Londres 1948. Essas disputas incluíam apresentações de pintores, escultores, músicos, escritores, poetas, atores e arquitetos. Havia modalidades de música instrumental e orquestra, canto solo e canto em coral, romance, poesia, peças de teatro, esculturas em estátua, relevo ou em outros suportes, apresentações de pinturas, desenhos, ilustrações, plantas, desenhos arquitetônicos etc. Um detalhe é que as obras de arte deveriam abordar temas esportivos. 

Ilustração apresentando uma partida de rugby, pintada por Jean Jacoby, o qual venceu o ouro em Paris 1924. 

A ideia de Courbetin era trazer a valorização das artes que havia na Grécia Antiga, para dentro dos jogos olímpicos modernos, concedendo inclusive medalhas para os artistas. Houve casos de atletas que disputaram também os concursos de artes por serem pintores, musicistas ou escritores. Curiosamente Courbetin participou do concurso de poesia em Paris 1924, ganhando o ouro. Todavia, após Londres 1948 a COI deixou de realizar esses concursos, pois o público perdeu interesse, já que muitos queriam ver os esportes.

Os Jogos Olímpicos de Inverno (1924)

Os jogos olímpicos modernos tradicionalmente ocorrem nos meses de verão ou primavera, por isso são chamados de Olímpiadas de Verão. Todavia, existiam esportes que necessitavam de gelo e neve para serem realizados como a patinação artística, o esqui, o snowboard, a corrida de trenós, o hóquei no gelo. Assim, o COI decidiu fazer um experimento. Foi realizada a Semana Internacional de Desportos de Inverno, na cidade francesa de Chamonix, no ano de 1924, dois meses após o término das Olímpiadas de Paris. 

Aqueles primeiros jogos de inverno acabaram dando certo, atraindo um público razoável. Porém, os investidores ficaram entusiasmados para que eles pudessem serem formalmente conhecidos como as Olímpiadas de Inverno, algo que o COI fez em reunião de 1925, decidindo regulamentá-los e regularizá-los a cada quatro anos, sendo celebrados no mesmo país sede dos jogos de verão. Todavia, por conta das edições canceladas de 1940 e 1944 devido a Segunda Guerra (1939-1945), ocorreu as olímpiadas de verão de Londres 1948, mas os ingleses alegaram não terem condições para realizar os jogos de inverno, então o COI decidiu mudar a regra, agora as olímpiadas de inverno ocorreriam em outros países. Outro fator que levou a essa mudança se deve ao fato de que alguns países sedes não possuíam montanhas ou invernos com gelo e neve, inviabilizando a realização de tais jogos. Dessa forma foi estabelecido que as Olímpiadas de Inverno somente podem ocorrer em países que possuam essas condições. Assim tivemos Saint Mortiz 1948 na Suíça

Competição de patinação no gelo nas Olímpiadas de Chamonix 1924. 

Embora os jogos de inverno sejam também internacionais, eles são mais limitantes do que os jogos de verão, pois muitos países não dispõem de condições de sedia-los, tampouco costumam participar de suas modalidades esportivas. Assim, os jogos de inverno possuem menos esportes consistindo em modalidades de esqui, bobsleigh, patinação artística, luge (trenó), snowboarding etc. Apesar de ter um número reduzido de nações participantes, ainda assim, tais jogos ganharam sua popularidade, sendo realizados regularmente desde 1948, embora que o COI decidiu mudar a data de realização, colocando-os dois anos depois dos jogos de verão a partir de 1986.

As Olímpiadas de 1936 e o Nazismo

A realização das Olímpiadas de Berlim em 1936 era a oportunidade de ouro para que a Alemanha Nazista mostrasse ao mundo sua ideologia de superioridade através do mito da raça ariana. Assim, o governo alemão não poupou gastos, investindo milhões para tornar aqueles jogos olímpicos o maior e mais impactante até então feito. Os jogos de Berlim 1936 contou com 49 países, quase quatro mil atletas, disputando 25 modalidades, entre os dias 1 e 16 de agosto. Adolf Hitler queria que tudo fosse belo, harmonioso e grandioso, a fim de mostrar a prosperidade, força e glória do Terceiro Reich. Condição essa que ele inclusive incentivou que os jogos fossem registrados regularmente por fotografias e filmagens. 

Passagem da tocha olímpica durante Berlim 1936. As forças armadas nazista enfileiradas na ocasião. 

A famosa cineasta Leni Riefenstahl (1902-2003) foi contratada para mostrar os bastidores dos jogos e sua realização. Parte dessa produção foi lançada através do filme Olympia (1938), mostrando como foi o grande espetáculo das Olimpíadas na Alemanha, claramente um produto de propaganda política para exaltar o nacionalismo e o patriotismo.

Mas além dos gastos com a estrutura dos jogos, os alemães também vieram sendo preparados para competir e ganhar. A Alemanha conquistou 89 medalhas, sendo 33 de ouro, 26 de prata e 30 de bronze. Isso foi vendido na época e nos anos seguintes como prova da "superioridade da raça alemã". Entretanto, os alemães não contavam com algo inesperado, o atleta americano Jesse Owens (1913-1980), o qual chegou sem popularidade e até desacreditado, mas conquistou quatro medalhas de ouro nas provas de atletismo dos 100 metros rasos, 200 metros rasos, salto em distância e revezamento 4 x 400. Owens surpreendeu a todos com sua capacidade física, resistência, força e velocidade. E para o horror dos nazistas, ele era um homem negro, considerado de uma raça inferior para a ideologia ariana. 

Owens fez história naquelas Olímpiadas se mostrando ser o homem mais rápido do mundo e o homem que mais saltava distante. Nem mesmo os louros alemães que orgulhavam de seu "sangue ariano" conseguiram superá-lo. Apesar dessa vitória sobre os alemães nazistas, Hitler ordenou que isso fosse abafado, até mesmo removido das propagandas. O próprio Führer se negou apertar a mão de Owens, apenas acenando para ele a partir da tribuna. Por sua vez, nos Estados Unidos, Owens também não foi tão valorizado assim, mesmo ele tendo recebido uma pequena celebração, rapidamente foi esquecido e o presidente americano Franklin Delano Roosevelt nem se quer escreveu para ele, parabenizando-o por sua conquista quadrupla. 

Jesse Owens, o atleta negro que desbancou os nazistas. 

Jogos Olímpicos e a Guerra Fria (1945-1991)

A Guerra Fria foi um conflito mundial entre os Estados Unidos representando os países capitalistas, contra a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) representando os países socialistas. Em termos prático não houve uma guerra formal entre ambos, mas conflitos diversos espalhados por alguns países asiáticos e africanos, além de operações militares nas Américas e Europa, que contaram com o apoio direto ou indireto dos dois países. Todavia, esse conflito não se resumiu apenas ao campo político e militar, mas também passou pelos campos da economia, tecnologia, ciências, artes, e evidentemente nos esportes. 

Embora a URSS tenha sido criada em 1922, após isso ocorrer o governo soviético suspendeu a participação sua nas Olímpiadas, consideradas como fruto da cultura capitalista. Todavia, a Rússia já tinha participado anteriormente das Olímpiadas de 1900, 1908 e 1912, mas como se tornou a sede da URSS, sua participação foi suspensa. A entrada dos soviéticos nas olímpiadas somente ocorreu na edição de Helsinque 1952, ocorrida na Finlândia. 

Naquele ano a URSS dominou algumas competições de atletismo e a ginástica, terminando em segundo lugar no pódio com 71 medalhas, sendo 21 de ouro, 30 de prata e 13 de bronze. Ficando atrás dos Estados Unidos. Diante dessa vitória bastante expressiva para uma primeira participação olímpica, o governo soviético decidiu manter a presença regular do país, encontrando nas olímpiadas uma forma de competir contra os americanos, mostrando que o regime socialista possuiria melhores formas de treinar os atletas, sem depender do exibicionismo esportista promovido pelo capitalismo americano. Posto isso, pelas décadas seguintes, os EUA e a URSS foram os principais campeões olímpicos, havendo momentos que os soviéticos passaram na frente dos americanos. 

O auge do conflito político da Guerra Fria ocorreu nos jogos de Moscou 1980. Naquele ano o governo americano em protesto a condição da URSS ter invadido o Afeganistão no ano anterior, decidiram não participar dessa olimpíada e incentivou outras nações a fazerem o mesmo (os americanos possuíam interesses políticos no país). Porém, o boicote americano não saiu da forma como desejada. 80 países e mais de 5 mil atletas, ainda competiram nos jogos de Moscou, inclusive vários aliados políticos e econômicos dos EUA. Por sua vez, os jogos olímpicos na Rússia mostraram um forte uso como propaganda política. 

Imagem de Vladimir Lênin e o símbolo do Comunismo, durante as olímpiadas de Moscou 1980. 

Com a ausência dos Estados Unidos em 1980, os soviéticos não tiveram a concorrência de seus maiores rivais, então o país dominou aquela edição, conquistando 195 medalhas, sendo 80 de ouro. Outra curiosidade é que os quatro países mais medalhistas eram de cunho socialista. Em primeiro a URSS, seguida pela Alemanha Oriental, Bulgária e Cuba

Entretanto, os Estados Unidos decidiu revidar essa afronta pelo fracasso do boicote em 1980. Os jogos seguintes ocorreram em Los Angeles 1984. O governo americano decidiu fazer uma olímpiada muito maior e superior a realizada pelos soviéticos. Nesta edição participaram 140 países e teve mais de 6 mil atletas. O governo investiu pesadamente nos shows, estádios e no marketing para difundir a cultura americana e a superioridade do sistema capitalista. Não obstante, devido ao acirramento do conflito com a URSS, o país e seus aliados decidiram boicotar esses jogos, não indo participar. No entanto, China e Romênia que eram aliados dos soviéticos, compareceram. 

Sem contar com a presença soviética, os Estados Unidos dominaram as medalhas em Los Angeles 1984, conquistando 174 delas, sendo 83 de ouro. Ironicamente a Romênia ficou em segundo lugar, seguida pela Alemanha Ocidental e em quarto esteve a China. Dos quatro países no topo, dois eram socialistas. 

Os Jogos Paralímpicos (1960)

A primeira edição das Paralimpíadas ocorreu em 1960, em Roma, sendo um projeto conjunto entre a COI e o médico Ludwig Guttmann (1899-1980), idealizador do campeonato esportivo para deficientes chamado Jogos de Stoke Mandeville. Tudo começou em 1943 quando Guttmann, um judeu-alemão refugiado na Inglaterra com sua família, foi designado chefe do Centro Nacional de Traumatismos, sediado em Stoke Mandeville, na Inglaterra. Lá ele passou a incentivar a prática do esporte na reabilitação de militares feridos durante a Segunda Guerra. 

O que começou de forma informal, apenas como disputas simples de bilhar, basquete, tiro com arco e arremesso de dardos, acabou ganhando destaque nos anos seguintes. Guttmann e sua equipe mostrava que pessoas deficientes podiam praticar esportes ainda. Assim, em 1948 ele realizou a primeira edição dos Jogos de Stoke Mandeville. Desde então os jogos foram realizados anualmente, passando a chamar a atenção de instituições inglesas e de outros países. Alguns paratletas de outros países chegaram a competir em algumas edições da década de 1950. 

Finalmente conversando com a COI, Guttmann sugeriu contar o apoio do comitê olímpico para se criar uma olímpiada para atletas deficientes. A ideia foi aceita em 1959, sendo executada no ano seguinte, após as olímpiadas de Roma 1960. A primeira Paralimpíada contou com mais de 400 atletas, porém, naquela época apenas aceitava-se atletas cadeirantes, pessoas com outras deficiências não foram aceitas na ocasião. 

Desfile dos atletas na Paralímpiada de Roma 1960, a primeira do tipo. 

Na Paralímpiada de Tóquio 1964, manteve-se apenas atletas cadeirantes, os quais competiam nas modalidades de tiro ao lavo, basquete etc. Todavia, problemas de acessibilidade levaram ao cancelamento dos jogos de 1968 e 1972. Porém, em Toronto 1976 os jogos foram realizados, dessa vez permitindo o ingresso de atletas com membros amputados, cegos, surdos e com outras deficiências físicas. Por essa época a proposta era tornar as Paralímpiadas mais inclusivas, aumentando o número de deficiências permitidas, possibilitando que mais atletas pudessem competir, além de aumentar os esportes praticados, condição essa que se realizou a primeira paralímpiada de inverno, ocorrida em Örnsköldsvik, na Suécia

Apesar disso novos problemas de organização e falta de interesse por essa competição se sucederam. Os jogos de 1980 e 1984 foram cancelados, levando organizações e instituições de atletas deficientes a romperem com o COI por falta de compromisso do comitê em incentivar os países sedes dos jogos a se preparem para a realização dos jogos paralímpicos. A situação somente mudou um pouco com Seul 1988, em que os sul-coreanos realmente se comprometeram em garantir acessibilidade aos atletas. Isso levou a criação do Comitê Internacional Paralímpico em 1989

Com o sucesso das Paralímpiadas de Seul 1988 os jogos paralímpicos voltaram a serem regulares desde então. Sendo melhorados, recebendo novas modalidades esportivas, além de melhor organizados. Em Atlanta 1996 tivemos a inclusão de deficientes mentais, algo que inclusive contou com um experimento realizados em Barcelona 1992

Atualmente as Paralímpiadas cresceram bastante no século XXI, contando com mais de vinte modalidades esportivas entre atletismo, natação, canoagem, remo, futebol de cegos, basquete, tênis, esgrima, hipismo, tiro ao alvo, vôlei, judô, rugby, taekwondo etc., englobando atletas com diferentes tipos de deficiências físicas e mentais, reunindo competidores de mais de cem países. 

O atleta brasileiro Daniel Dias, maior medalhista do país nas Paralimpíadas, com 27 medalhas conquistadas na natação, sendo 14 de ouro. 

Os Jogos Olímpicos da Juventude (2010)

A ideia dessa competição surgiu com o gestor Johann Rosenzopf em 1998, o qual interessado em promover os esportes para a juventude na Áustria, propôs ao COI a criação de um campeonato mundial aos moldes das olímpiadas, mas voltado para os adolescentes. A proposta foi recusada, porém, Rosenzopf não desistiu de sua ideia. Ele passou quase dez tentando convencer o COI, até que finalmente esse em 2007 cedeu aos apelos dele, e decidiu fazer as Olímpiadas de Verão da Juventude celebrada em Singapura 2010. Posteriormente foi realizada as Olímpiadas de Inverno da Juventude de Innsbruck 2012

O COI instituiu algumas regras principais para os jogos da juventude: sua duração deverá ser menor do que as olímpiadas normais; seu valor tem que ser menor e não pode exceder nem metade do valor dos campeonatos normais; somente atletas entre 15 e 17 anos podem participar, havendo um número máximo para isso nas competições de verão e inverno; essas olimpíadas juvenis também devem promover o intercâmbio esportivo e educacional, permitindo que os atletas ganhem patrocinadores ou bolsas de estudo. 

Logo dos jogos de verão da juventude de Singapura 2020

Desde então três edições dos jogos de verão da juventude foram realizadas, sendo essas Singapura 2010, Nanquim 2014, Buenos Aires 2018, porém, a edição de 2022 foi cancelada por conta dos resquícios da pandemia, além de que Tóquio 2020, acabou ocorrendo em 2021. Uma novidade é que os próximos jogos serão Dakar 2026, sendo a primeira vez que um campeonato olímpico ocorrerá no continente africano. Por sua vez, os jogos de inverno da juventude foram: Innsbruck 2012, Lillehammer 2016, Lausana 2020, e o próximo será Gangwon 2024

As olímpiadas da juventude possuem menos prestígio do que as olímpiadas de inverno, fato que até pouco se comenta sobre elas. Ainda assim, o COI a enxerga como celeiro de novos talentos, já que alguns atletas que participaram dessas competições juvenis acabam indo para as competições principais. 

Esportes que deixaram as Olímpiadas

Em mais de um século de história das Olímpiadas Modernas de Verão, vários esportes entraram e saíram de suas edições, mudanças essas ocorridas inclusive a cada quatro anos. Os motivos são vários: dificuldades de criar comitês ou organizações para torná-los profissionais; reconhecimento de determinados esportes como sendo algo sério e não apenas um jogo; dificuldades de logística para os países sedes promovê-los; baixo número de atletas representantes; popularidade desses jogos para o público, afinal, é preciso vender ingressos para pagar as contas. Um esporte sem popularidade resultava em arquibancadas vazias e prejuízo financeiro. 

O cabo de guerra no final do XIX e começo do XX era uma modalidade popular, praticada por equipes profissionais, mas principalmente amadoras, sendo comum suas competições em jogos escolares, universitários, militares e até entre equipes de outros esportes ou simplesmente numa disputa de amigos. Porém, o COI tentou se valer dessa popularidade, elegendo-o como esporte olímpico em 1900. O cabo de guerra permaneceu vigorando até 1920, tendo a Grã-Bretanha como maior campeão desse esporte. Porém, como decidiu-se diminuir a quantidade de esportes, o cabo de guerra que havia perdido a popularidade naquele tempo, foi eliminado. 

Competição de cabo de guerra nas Olímpiadas de Estocolmo em 1912. Na ocasião uma disputa entre os britânicos e suecos. 

A natação com obstáculos foi um experimento realizado em Paris em 1900, como parte das modalidades que compreendem a natação. Na época os nadadores tinham que subir em obstáculos como plataformas, boias e embarcações durante o percurso, e depois voltar a nadar. Porém, a prova foi considerada bastante difícil e desgastante, sendo descartada. Consistindo na primeira modalidade abandonada. 

O polo foi um esporte que estreou em Paris 1900, permanecendo na ativa até Berlim 1936. Trata-se de um jogo disputado montado em cavalos, usando-se tacos para golpear uma bola. O jogo é difícil devido a manobrar os cavalos e ter que acerta a bola, além de ser um esporte caro devido aos cavalos. Embora nas Olímpiadas exista as provas de hipismo, o polo não era um esporte tão popular, havendo poucos países interessados em mandar equipes para as Olímpiadas. 

Uma competição de polo nas Olímpiadas de Berlim em 1936, último ano que esse esporte constou nos jogos. 

Um caso recente de esporte que durou apenas uma edição foi o caratê. Essa arte marcial estreou em Tóquio 2020, mas acabou sendo descartada de Paris 2024. Entre as lutas presentes nas Olímpiadas o boxejudô e o taekwondo são os mais populares, embora haja a competição de luta greco-romana e wrestling também. Por conta de haver cinco modalidades de luta, o COI decidiu que seis seria muito, levando a exclusão do caratê. 

Além desses esportes mais conhecidos, outros que deixaram as Olímpiadas de Verão foram:
  • Croquet (1900): esporte de origem irlandesa, no qual se faz uso de bastões para golpear bolas rasteiramente por aros. Em Paris foi uma das poucas modalidades que permitiam mulheres participarem naquela época. Todavia, foi excluído das Olímpiadas por não ser considerado interessante. 
  • Pelota basca (1900): esporte de origem francesa, mas que se regulamentou na Espanha. Joga-se usando as mãos ou raquetes para golpear uma bola contra o chão ou a parede. Lembra um pouco o squash. 
  • Rugby (1900-1924): embora os jogos atuais possuam o rugby, mas consiste numa modalidade diferente, chamada rugby seven. 
  • Lacrosse (1904-1908): esporte de origem indígena nos Estados Unidos, em que se joga usando um bastão com rede e uma bola. Foi removido por ter poucos países participantes. 
  • Corrida de jet ski (1908): o COI decidiu que veículos motorizados não deveriam fazer parte das Olímpiadas. 
  • Raquetes (1908): modalidade apenas competida pelos britânicos na ocasião, foi removida em seguida. Considerou-se o tênis mais interessante. 
  • Patinação artística (1912/1924): transferido para as Olímpiadas de Inverno. 
  • Hóquei no gelo (1920): transferido para as Olímpiadas de Inverno. 
  • Softbol (1996-2008): versão voltada para mulheres, a fim de substituir a ausência de times femininos de beisebol, durou quatro edições. 
  • Wushu (2008): conhecido no Ocidente como kung fu, fez sua estreia em Pequim, na expectativa de se tornar uma modalidade fixa, mas foi descartado. 
  • Breakdance (2024): após sua estreia em Paris 2024, o comitê de LA 2028 decidiu não dar continuidade a essa modalidade. 
Esportes que saíram e voltaram

Existem casos de esportes que saíram, mas depois de anos retornaram. A escalada em corda era uma modalidade da ginástica, em que os atletas tinham que subir rapidamente por uma corda. A modalidade surgiu em 1896, foi descartada em Paris 1900, mas retomada em Saint Louis 1904, depois suspensa novamente, voltando em Paris 1924, novamente suspensa, retornando em Los Angeles 1932, quando decidiram excluí-la definitivamente. 

Outro exemplo foi o golfe. Ele apareceu nos jogos de 1900 e 1904, porém, por ser considerado um esporte de rico, que demandava um grande campo para ser realizado, além de ser demorado, a COI na época o considerou pouco interessante para a competição olímpica. Assim, por décadas o golfe ficou de fora das Olímpiadas, retornando apenas no Rio 2016. O irônico é que o Brasil não é uma referência no golfe. Apesar disso, ele foi mantido desde então. 

Um curioso foi com o beisebol, popular em países como Estados Unidos e Japão, o beisebol somente fez sua estreia nas Olímpiadas tardiamente, em 1992, nos jogos de Barcelona. Outra ironia é o fato de que a medalha de ouro dos jogos de Barcelona 1992 e Atlanta 1996, foram conquistadas por Cuba, país que tradicionalmente não tem renome nesse esporte. Apesar disso, o beisebol continuou presente nas Olímpiadas até Pequim 2008, quando o COI considerou que ele tinha perdido bastante popularidade, por ser um jogo praticado em poucos países. Assim, ele foi removido dos jogos de Londres 2012 e Rio 2016, mas retornou com as Olímpiadas de Tóquio 2020, devido a popularidade desse esporte no país. Inclusive os japoneses venceram o ouro nessa edição. No entanto, o COI voltou atrás e removeu o beisebol da edição de Paris em 2024. Um dado curioso é o fato de que os Estados Unidos, embora sejam uma referência mundial no beisebol, nunca ganharam o ouro nas Olímpiadas, apenas a prata e o bronze. 

O comitê de organização dos jogos de Los Angeles 2028 anunciaram o retorno do beisebol, do softbol, do criquet e do lacrosse. Os quatro esportes são populares no país e possuem alguns adeptos em nações europeias e asiáticas. 

Novos esportes nas Olímpiadas

Em Seul 1988 ocorreu a primeira disputa de tênis de mesa (o popular ping-pong). O esporte se tornou fixo desde então, sendo dominado principalmente por atletas chineses. Nos jogos de Barcelona 1992 tivemos a inclusão do badmington (um tênis com peteca), o qual se tornou esporte fixo também. Por sua vez, em Pequim 2008, as modalidades de ciclismo foram atualizadas. Competições de bicicleta existem nas Olímpiadas desde 1896, a diferença é que a partir de 2008 incluiu-se as modalidades de BMX (bicicross) como salto e mountain cross. 

A edição de Tóquio 2020 apresentou a inserção de novos esportes, alguns até pedidos anteriormente como o skate, o  surfe e a escalada esportiva. Já em Paris 2024 a novidade foi inserir a breaking dance como modalidade olímpica, algo que dividiu opiniões por se tratar de um estilo de dança, não num esporte propriamente. Porém, o COI considerou que os movimentos físicos desse estilo de dança poderiam ser considerados como atléticos. 

Tony Hawk, a lenda do skate, na final do skate park masculino em Paris 2024. 

O comitê de organização dos jogos de Los Angeles 2028 anunciaram dois novos esportes: o squash, uma variação do jogo de raquetes, sendo que se joga duas pessoas, os quais usam uma parede para rebater bolas. Porém, uma novidade inesperada foi a adesão do flag football, um esporte inspirado no futebol americano, só que com menos contato físico e algumas regras diferentes. Esse esporte é praticado em diferentes países, sendo mais acessível que o futebol americano. 


Lista das cidades que realizaram as Olimpíadas de Verão:
  1. Atenas (Grécia) - 1896
  2. Paris (França) - 1900
  3. Saint Louis (EUA) - 1904
  4. Londres (Inglaterra) - 1908
  5. Estocolmo (Suécia) - 1912
  6. Berlim (Alemanha) - 1916 (cancelada devido a Primeira Guerra)
  7. Antuérpia (Bélgica) - 1920
  8. Paris (França) - 1924
  9. Amsterdã (Holanda) - 1928
  10. Los Angeles (EUA) - 1932
  11. Berlim (Alemanha) - 1936
  12. Tóquio (Japão) - 1940 (cancelada devido a Segunda Guerra)
  13. Londres (Inglaterra) - 1944 (cancelada devido a Segunda Guerra)
  14. Londres (Inglaterra) - 1948
  15. Helsinque (Finlândia) - 1952
  16. Melbourne (Austrália) - 1956
  17. Roma (Itália) - 1960
  18. Tóquio (Japão) - 1964
  19. Cidade do México (México) - 1968
  20. Munique (Alemanha) - 1972
  21. Montreal (Canadá) - 1976
  22. Moscou (URSS/Rússia) - 1980
  23. Los Angeles (EUA) - 1984
  24. Seul (Coréia do Sul) - 1988
  25. Barcelona (Espanha) - 1992
  26. Atlanta (EUA) - 1996
  27. Sydney (Austrália) - 2000
  28. Atenas (Grécia) - 2004
  29. Pequim (China) - 2008
  30. Londres (Inglaterra) - 2012
  31. Rio de Janeiro (Brasil) - 2016
  32. Tóquio (Japão) - 2020 (adiada para 2021 devido a pandemia de covid-19)
  33. Paris (França) - 2024
  34. Los Angeles (EUA) - prevista para 2028
  35. Brisbane (Austrália) - prevista para 2032
NOTA 1: Os países que mais sediaram os jogos olímpicos de verão foram: Estados Unidos com cinco, França e Inglaterra com três. 
NOTA 2: As cidades de Paris e Londres foram as que mais sediaram jogos olímpicos, tendo passado por três edições cada uma. 
NOTA 3: Na história dos jogos olímpicos de verão, apenas três edições foram canceladas, devido as guerras mundiais, por sua vez, a edição de 2020 em Tóquio foi adiada para 2021, embora cogitou-se seu possível cancelamento. 
NOTA 4: O polo aquático é realizado desde Paris 1900, porém, somente em Sydney 2000 foi permitido equipes femininas. A partir de Atl
NOTA 5: O maior medalhista olímpico é um ex-nadador americano Michael Phelps, o qual conquistou 28 medalhas, sendo 23 de ouro, em cinco edições. Depois dele tivemos a ex-ginasta russa Larissa Latynina com 18 medalhas, sendo a atleta feminina com mais medalhas
NOTA 6: A primeira Olímpiada que o Brasil participou foi Antuérpia 1920, competindo em cinco esportes, mas ganhando apenas medalhas no tiro ao alvo, o que incluiu ouro, prata e bronze. 
NOTA 7: O lutador cubano Mijáin López é o único atleta a vencer o ouro cinco vezes seguidas, em edições diferentes das Olímpiadas. López é o maior campeão olímpico em luta greco-romana. 
NOTA 8: A skatista brasileira Rayssa Leal é a única atleta olímpica a ganhar duas medalhas em edições diferentes dos jogos, antes dos 17 anos. 
NOTA 9: Os países com mais medalhas olímpicas são Estados Unidos com mais de 2.600, a Grã-Bretanha com mais de 1.100, a ex-URSS com 1.010, a França com mais de 810, a Alemanha com mais de 800, a China com mais de 600. 
NOTA 10: A mascote olímpico surgiu nas Olímpiadas de Munique 1972, tornando-se uma tradição desde então. O costume também foi passado para algumas das outras versões das olímpiadas modernas. O urso Misha das olímpiadas de Moscou 1980, ainda é a mascote mais famosa. 
NOTA 11: O COI reconhece mais de 206 delegações mundiais. Porém, nem todos são países propriamente, mas territórios ultramarítimos e alguns são territórios que pleiteiam sua independência. Por sua vez, a ONU reconhece apenas 193 países
NOTA 12: Desde os anos 1980 existem jogos de videogame inspirados nas Olímpiadas, focados principalmente em competições de atletismo, natação e alguns esportes; mas os jogos mais famosos são da franquia Mario e Sonic Olympic Games (2007-2020). Tendo sido um jogo autorizado pelo COI. 
NOTA 13: A palavra olímpiada se popularizou a ponto de designar grandes competições nacionais ou internacionais, mesmo que não sejam de esportes, como olímpiadas de matemática, física, química, astronomia, computação, história etc. 
NOTA 14: Os Jogos Pan-Americanos surgiram em 1951, sendo inspirados nas Olímpiadas de Verão de 1932, tendo havido os Jogos Olímpicos Pan-Americanos de 1937. Porém, o projeto de torná-los regulares foi engavetado, somente retornando vários anos depois. Eles seguem organização similar as olímpiadas e são quadrienais, porém, englobam apenas países americanos. 

Referências
BOYKOFF, Jules. Power Games: A political history of the Olympics. New York, Verso, 2016. 
BUCHANAN, Ian. Historical dictionary of the Olympic moviment. Lanham, Scarecrow Press, 2001. 

Referências da internet

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