Serra Pelada se tornou o maior garimpo a céu aberto do mundo, sendo massivamente explorado ao longo de uma década. Em seu auge era um formigueiro humano, onde milhares de garimpeiros em péssimas condições de trabalho e de insalubridade, trabalhavam muitas horas diárias no sonho de conseguir achar ouro para ficarem ricos. Apesar que a maior parte do ouro coletado ia para as empresas e o governo. Serra Pelada foi o último caso da corrida do ouro ocorrida em território brasileiro.
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Garimpeiros escalando as escadas de madeira em Serra Pelada. |
Introdução
Serra Pelada consiste num distrito do município de Curionópolis, situado no sudeste do Pará. Porém, na época fazia parte das terras do município do Marabá. O local já era explorado comerciante por fazendeiros, até que em fins da década de 1970 teve início a atividade garimpeira. No ano de 1977 em plena Ditadura Militar (1964-1985), mais especificamente na época em que a economia andava ruim e ia piorando devido aos altos gastos do governo e a corrupção desenfreada e omitida, o governo federal decidiu emitir incentivos fiscais e econômicos. Em Serra Pelada alguns fazendeiros acharam ouro de aluvião, aquele encontrado em leitos de riachos e rios rasos.
Assim, eles colocavam seus empregados para percorrer tais riachos e rios atrás de gramas de ouro. Tradicionalmente é creditado ao fazendeiro Genésio Ferreira da Silva o início do garimpo na localidade de Grota Rica, onde ele montou uma equipe de garimpo. De fato, ouro - mesmo em pouca quantidade - foi encontrado, assim, a notícia começou a se espalhar pelos municípios vizinhos.
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Localização de Serra Pelada, no Pará. |
Até o final do ano de 1980, milhares de homens tinham partido para Serra Pelada em busca de ouro. Um povoado formado de acampamentos improvisados foi se formando naquela localidade, vindo anos depois originar uma vila. Ao mesmo tempo em que muitos garimpeiros seguiam para Serra Pelada, a notícia da descoberta de ouro atraiu a atenção do governo. O Serviço Nacional de Informação (SNI) enviou funcionários para lá, depois chegou representantes da Receita Federal, Caixa Econômica, Polícia Federal, Polícia Militar, entre outras instituições públicas.
A formalização do garimpo
No ano de 1981 o garimpo de Serra Pelada contava com milhares de trabalhadores e habitantes, havendo uma vila com mercearias, lojas, uma paróquia, posto de saúde, hospedarias, alojamentos, bares, prostíbulos, oficinas etc. O ouro encontrado superficialmente esgotou rapidamente no primeiro ano daquela exploração voraz. Assim, o governo designou a Rio Doce Geologia e Mineração (DOCEGEO) para realizar prospecções no terreno para encontrar novos locais para serem escavados.
Isso levou Serra Pelada a ser dividia em várias zonas de garimpo (também referidas como covas ou cavas), as quais ganharam nomes coloquiais como: Babilônia I, Babilônia II, Bico de Papagaio, Boca da Grota Rica, Bucetinha, Buraco da Viúva, Igrejinha, PPO, Serrinha e Terra Preta. Cada uma dessas zonas contava com seus organizadores, fiscais, capatazes, empregados, equipamentos etc., embora todos se reportassem ao major Sebastião Curió (1934-2022), militar, engenheiro e jornalista, amigo do presidente Ernesto Geisel, designado como Interventor da Serra Leste, região administrativa criada para gerir a área garimpeira em Marabá.
Assim, o major Curió possuía sua equipe de gestão para fiscalizar a produção aurífera. Assim, o ouro encontrado era enviado para ser pesado, limpo, armazenado e tributado pela Receita Federal, por sua vez, a Caixa Econômica pagava as empresas e garimpeiros o valor pelo ouro coletado. Mesmo que essa medida do governo para evitar o contrabando de ouro, esse ainda ocorria. Empresas estrangeiras enviavam negociantes para comprar o precioso minério, fato esse que uma pista pouso foi construída na região. Além disso, os próprios funcionários do governo também possuíam esquemas para desviar pequenas quantidade dos dourado metal.
Em 1982 o major Curió deixa o cargo de interventor para se candidatar ao de deputado federal, em seu lugar ele designou Ari Santos, homem seu de confiança. Curió defendendo um discurso em prol dos latifundiários e dos garimpos, somado ao enorme curral eleitoral formado pelos garimpeiros e todos que tinham ligação com esse negócio, foi eleito deputado federal naquele ano. Sua vitória foi importante para prorrogar a exploração aurífera, já que o DOCEGEO comunicou que a fonte de ouro em Serra Pelada estava próxima do esgotamento e sugeriu encerrar a atividade garimpeira para o ano de 1983.
Todavia, o Sindicato dos Garimpeiros através do deputado Sebastião Curió pleiteou em Brasília uma medida para adiar o fechamento do garimpo. Assim, com os seus contatos, o presidente João Figueiredo assinou a lei n. 7.914, de 11 de junho de 1984, que autorizava medidas orçamentárias que liberavam verbas para a atividade de garimpagem, autorizando a criação do Grupo de Trabalho para reorganizar os garimpos em Serra Pelada, além de cobrar melhorias na fiscalização e nas condições de trabalho. O artigo terceiro da lei também prorrogava a exploração dos garimpos até 1988, podendo inclusive ser renovada caso houvesse necessidade. Dessa forma, as empresas e organizações garimpeiras conseguiram do governo federal autorização para seguirem com suas atividades por mais quatro anos.
O tal Grupo de Trabalho levou a criação da Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (COOMIGASP), em teoria a organização representaria os garimpeiros, os quais passavam por uma série de problemas como exposição ao calor excessivo, riscos diversos, além de terem que trabalhar várias horas diárias em ambiente insalubre, exposto ao calor, lama, chuva, poeira, sujeira, mercúrio e dejetos. Além de haver casos de castigos físicos por parte dos capatazes. No entanto, a cooperativa na prática servia aos donos dos garimpos, fazendeiros, políticos e outras autoridades públicas. Apesar dessa lei postergar o prazo para atividade garimpeira, Serra Pelada visivelmente enfrentava em 1984 seu esgotamento.
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Formigueiro humano dos garimpeiros enfileirados para subir as escadas. Fotografia de Sebastião Salgado. |
Em 1984 a população estimada na região era de 80 mil habitantes (o maior valor alcançado), além disso, em 1983, a mina resultou na extração de 14 toneladas de ouro (maior valor registrado), mas em 1984 o valor extraído foi de 3,9 toneladas. Especialistas em mineração falavam que a mina havia chegado a seu fim, para conseguir mais ouro teria que se fazer túneis com maquinário, adentrando cada vez mais profundamente a serra. Porém, outros sugeriam que os veios de ouro já tinham se esgotado ou estavam perto do fim.
A DOCEGEO ainda em 1984 deixou de atuar em Serra Pelada, considerando que o garimpo não teria mais condições de seguir operando. Em seu lugar assumiu o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), que seguiu no monitoramento do garimpo até 1985, quando terminou a ditadura militar. Assim, ele deixou de realizar suas atividades, então a COOMIGASP assumiu sua função. Apesar da troca de governos com o término da ditadura, o governo de José Sarney manteve em vigência alguns decretos e leis, como a lei que favorecia os garimpos.
Mesmo com a diminuição gradativa da extração de ouro, que levou milhares de pessoas a deixarem Serra Pelada, já considerando ser inviável continuar ali, ainda assim, a COOMIGASP seguiu em atividade nos anos seguintes. Em 1987 nova crise acometeu a região garimpeira, pois se aproximava o final do prazo dado por Figueiredo para manter o garimpo. O lucro obtido era pouco, mas ainda havia gente que insistia que novos veios poderiam ser descobertos se escavassem mais profundamente.
Assim, alguns garimpeiros começaram a ameaçar com greves e protestos reivindicando melhores condições de trabalho e o pagamento de salários atrasados. Isso levou Jane Resende a liderar um bloqueio na ponte de Marabá, na BR-115, a mais importante daquela região, em 29 de dezembro de 1987. O governador do Pará, Hélio Gueiros considerou inadmissível tal protesto e ordenou que a polícia militar usasse a força para remover os garimpeiros. Pelo menos 79 homens foram mortos na ocasião. O ocorrido ficou conhecido como Massacre da Ponte ou Massacre de São Bonifácio.
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Notícia sobre o massacre de garimpeiros de Serra Pelada, mortos em protesto na ponte de Marabá. |
O fim do garimpo
Garimpeiros ainda continuaram a escavar ilegalmente em Serra Pelada pelos anos de 1989 e 1990, a realidade mudou em 1991, quando Fernando Collor de Mello autorizou alguns decretos orçamentários para liberar os garimpos no país, além de outras atividades. Assim, legalmente Serra Pelada voltou a ser explorada, mas dessa vez por alguns meses, pois as empresas mineradoras tinham interesses na área e não queria que aquela cooperativa de garimpeiros seguisse ali gerindo o local, além de que Collor recebeu impeachment em 1992, sendo destituído da presidência.
Com isso, o garimpo em Serra Pelada foi encerrado novamente e foi ordenado que a cratera de quase 200 metros de profundidade, fosse alagada, tornando-a um pequeno lago artificial, cujas águas são contaminadas com mercúrio. No entanto, mesmo com o fechamento novamente do garimpo em 1992, garimpeiros ilegalmente continuaram a frequentar os arredores de Serra Pelada em busca de veios de ouro, atividade que se manteve ao longo de anos, havendo conflitos e denúncias. Em 2007 o governo federal cogitou retomar o garimpo legal permitindo que empresas estrangeiras atuassem na área. Estudos e instalações foram realizadas, mas ouro não foi encontrado.
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A vila de Serra Pelada ao lado do lago onde ficava a cratera do garimpo. |
Também se desconhece quanto ouro foi perdido ilegalmente pela sonegação e contrabando, além e que boa parte dessa riqueza obtida durante a ditadura militar, que deveria quitar dívidas do governo federal, jamais foi empregada, fato esse que quando a ditadura chegou ao fim, a dívida interna e externa seguia alta, e a inflação estava gigantesca.
NOTA: A maior pepita de ouro encontrada no Brasil, que se tem registro, adveio de Serra Pelada, pesando 7 kg.
NOTA 2: O filme Os Trapalhões na Serra Pelada (1982) foi o primeiro filme a abordar o contexto desse famoso garimpo, apesar de ser uma produção de comédia.
NOTA 3: O filme Serra Pelada (2013) consiste numa produção dramática que explora os problemas e sofrimentos dos garimpeiros.
NOTA 4: Serra Pelada: A Lenda da Montanha de Ouro (2013) é um documentário que conta a história do maior garimpo do Brasil.
NOTA 5: Serra Pelada: A Saga do Ouro (2014) é uma minissérie da Globo que aborda o período do garimpo, mesclando fatos e ficção.
Referências bibliográficas:
MONTEIRO, Maurílio de Abreu [et al]. Ouro, empresas e garimpeiros na Amazônia: o caso emblemático de Serra Pelada. Revista Pós Ciências Sociais, v. 7, n. 13, 2010, 131-158.
SILVA, Tallyta Suenny Araujo da. Áureo carmesim: conflitos e disputas pela exploração de ouro em Serra Pelada. Secuencia, n. 109, 2021, p.