Aviso: algumas informações contidas nesse texto, contém spoilers sobre os livros 4 e 5, além de spoilers até a 5a temporada do seriado.
A série Game of Thrones produzida pelo Canal HBO, e lançada em 2011,
tornou-se um sucesso mundial de público e crítica, tendo recebido várias indicações
ao Emmy, a premiação mais importante
da televisão estadunidense. O imenso sucesso somente foi alcançado graças a
origem dessa história de fantasia medieval que adveio da série de livros As Crônicas de Gelo e Fogo (A Song of Ice and Fire) do escritor e
roteirista George Raymond Richard Martin, o qual publicou o primeiro livro em 1996, sendo que ainda hoje a série de sete livros não foi concluída. E
a partir de 2011, com o lançamento do seriado, seus livros se tornaram
mundialmente conhecidos.
De qualquer forma, o universo literário
desenvolvido por Martin é marcado por grande riqueza de detalhes e diversidade
de cenários, personagens, crenças e histórias. No caso, sublinha-se a condição
que ele inventou algumas religiões e deuses para essa série de livros, como a Religião dos Sete, os Deuses
Antigos, R’hllor, o Senhor da Luz, O Grande Garanhão, o Deus Afogado, o Deus de
Muitas Faces entre outras divindades. A proposta desse artigo é analisar a fé no Deus de Muitas Faces devido as seguintes particularidades:
uma religião monoteísta; sem liturgia; com um só templo conhecido; sacerdotes que atuam como assassinos;
dogma que incentiva a violência como um ato sagrado e a devoção cega de seus
sacerdotes.
O que
nos chama a atenção na descrição na crença do Deus de Muitas Faces é a condição
de ela ser uma religião que prega o uso da violência e do homicídio como meios
para servir o deus, assim como,
realizar sua vontade divina. Nesse ponto a violência torna-se
sacralizada e a morte é considerada um ato de misericórdia. Porém, alguns devem se perguntar que o fato
de se tratar de uma religião fictícia, logo apresentaria essa incoerência, pois
religiões tendem a pregar a paz, o bem, o amor e a vida. Elas não pregariam a
violência, crimes e a morte.
Essa
visão da religião como algo apenas bom é fruto do senso comum. Na prática muitas religiões
necessariamente não possuem normas, ritos, cultos ou dogmas que determinam que
elas sejam pregadoras da paz, do amor, da caridade, da harmonia, etc. e por outro lado, existe o
uso da violência como algo legitimado pelas religiões. E mesmo as religiões que
abominam atos violentos como o Cristianismo e o Budismo, já fizeram uso da
violência, o que inclui um uso próprio, dado por seus fiéis,
sacerdotes e instituições.
Vesselin
Popovski (2009) comenta que a relação entre religião e violência é complexa e
ambígua. Ora se proíbe determinados atos violentos, mas ora também permite por motivos de punição, ritualística,
crença, proteção, guerra, etc. Apesar de várias religiões não incentivarem
diretamente atos violentos, hostis e agressivos, não significa que elas não possam ser usadas para esse intuito.
Assim,
a proposta desse artigo foi analisar a relação de religião e violência pensada a partir da fé do Deus de
Muitas Faces. Para isso aponta-se que estudos sobre as religiões na série As Crônicas de Gelo e Fogo já foram
publicados em livros como Mastering the Game of Thrones (2015) e Game of
Thrones versus History (2017). Ambas as obras serviram de
referencial de conteúdo e modelo para se pensar como trabalhar o tema da
religião com base nessa literatura de fantasia.
Não obstante, também adotamos autores que estudam o tema da religião, violência e
guerra para poder analisar a fé dos assassinos, chamados Homens Sem-Rosto, os
quais servem o Deus de Muitas Faces; e fazer um paralelo com a realidade,
mostrando casos de crenças religiosas reais que agiram de forma similar, ou
seja, legitimando atos de violência e assassinatos como preceitos sagrados e
até soteriológicos.
A religião do Deus
de Muitas Faces
Antes
de entrar no debate de religião e violência é preciso apresentar o objeto de
estudo, o qual trata-se dessa antiga e
misteriosa religião, surgida no continente de Essos. Martin conta que existem
vários continentes no mundo das Crônicas
de Gelo e Fogo, apesar que somente os continentes de Westeros e de Essos
foram apresentados e onde transcorrem a história dos livros. Os Homens Sem-Rosto
(Faceless Men), nome pelo qual são conhecidos os assassinos que seguem o Deus
de Muitas Faces (The Many-Faced God), são mencionados desde o primeiro livro da
série, A Guerra dos Tronos (Game of Thrones).
Ilustração de um Homem Sem-Rosto. |
No
entanto, a história sobre seu credo é melhor detalhada no quarto livro,
intitulado O Festim dos Corvos (A Feast for Crows), em cuja obra acompanhamos a jornada de Arya Stark, uma
das protagonistas da série, para se tornar um Homem Sem-Rosto. No caso, as
informações que Martin apresenta sobre essa peculiar religião são contadas para
Arya pelos sacerdotes e acólitos do Deus de Muitas Faces ou a partir das impressões que ela tem convivendo com eles. Tanto
nos livros quanto no seriado, Arya após ter seus familiares e alguns amigos
assassinados, e ser feita prisioneira algumas vezes, ela
conseguiu escapar e viajou até Bravos, uma das cidades livres, situada na costa
ocidental de Essos. Lá existe um templo chamado a Casa do Preto e Branco, o
único templo da cidade dedicado ao misterioso Deus de Muitas Faces. Arya
ingressa no templo a fim de se tornar um Homem Sem-Rosto e dessa forma poder
realizar sua vingança[1].
A
origem do culto ao Deus de Muitas Faces e seu primeiro seguidor, segundo é
contado a Arya, pelo Homem Gentil (The Kindly Man), nome pelo qual ela chama um
dos sacerdotes, remontam séculos antes da
fundação de Bravos. O Homem Gentil narra que:
"Florescemos em Bravos por entre os
nevoeiros do norte, mas lançamos raízes em Valíria, entre os desventurados
escravos que trabalhavam nas profundas minas sob as Catorze Chamas que
iluminavam as noites da Cidade Franca de outrora. [...]. Cadáveres queimados e
enegrecidos eram frequentemente encontrados em poços onde as rochas estavam
rachadas ou cheias de buracos. Mesmo assim, as minas tornavam-se mais
profundas. Escravos pereciam às vintenas, mas seus donos não se importavam".
(MARTIN, 2012, p. 279).
O Homem Gentil é o sumo-sacerdote da Casa do Preto e Branco, e mestre de Arya. No seriado o personagem foi alterado. |
No
diálogo de Arya com o Homem Gentil, a garota indaga se os escravos de Valíria
não se rebelavam contra aquela nefasta realidade. O sacerdote diz que sim.
Havia revoltas, mas os valirianos possuíam dragões e eram hábeis feiticeiros,
assim, conseguiam sufocar qualquer revolta. Porém, houve um rebelde que
conseguiu mudar a história. Ele teria sido o primeiro Homem Sem-Rosto, cuja
identidade é desconhecida, como comenta o Homem gentil:
"Há quem diga que ele próprio era
escravo. Outros insistem que era filho de um proprietário, nascido de uma
família nobre. Alguns até lhe dirão que era um capataz que se apiedou dos
homens que tinha sob seu comando. A verdade é que ninguém sabe. Homens de cem
nações diferentes trabalhavam nas minas, e cada um rezava ao seu próprio deus
em sua própria língua, mas todos suplicavam a mesma coisa. Era a libertação que
pediam, um fim para a dor". (MARTIN, 2012, p. 280).
O
primeiro Homem Sem-Rosto diante daquelas orações e indagações de por quais
motivos os vários deuses não atendiam às súplicas dos escravos que clamavam por
liberdade e pelo fim daquele sofrimento, teve uma revelação. A revelação dele
como sugerida pelo Homem Gentil, teria sido uma epifania. O primeiro Homem
Sem-Rosto descobriu que os escravos não oravam para deuses diferentes, mas para
o mesmo deus que possuía vários rostos e muitos nomes, esse deus era a Morte. E
o homem tomou para si a missão sagrada de o Deus
de Muitas Faces. Ele procurou um escravo de fé fervorosa e lhe concedeu a
liberdade, assassinando-o. Assim, o Homem Sem-Rosto passou a dizer que ele era
um instrumento da Morte. E dessa forma iniciou sua obra
divina, “libertando” outros sofredores e recrutando seguidores.
George
Martin não fornece informações se houve uma rebelião em seguida e como os
Homens Sem-Rosto escaparam de Valíria e chegaram a Bravos, e ali se
estabeleceram. Mas enquanto essa parte da história deles é uma incógnita,
outros elementos são revelados. Como visto nas citações acima, a religião do
Deus de Muitas Faces é uma fé de origem humilde e num contexto opressor,
surgida entre os escravos das minas das Catorze Chamas.
O primeiro Homem Sem-Rosto alegava que só haveria um único deus, que era a
Morte. Sobre isso, o Homem Gentil fala que: “O Das Muitas Faces. E de
muitos nomes. Em Qohor é a Cabra Preta; em Yi Ti, o Leão da Noite; em Westeros,
o Estranho”. (MARTIN, 2012, p. 435).
Apesar
desses vários nomes e faces diferentes, no fim trata-se da mesma divindade, que
é a Morte. Para a fé dos Homens Sem-Rosto a
Morte é o maior de todos os deuses. Pois ele é o
responsável por ditar uma das regras que não podem ser quebradas ou evitadas:
todos os homens têm de morrer (Valar
morghulis). “Mas no fim de todos os caminhos
está o Deus de Muitas Faces à espera”. (MARTIN, 2012, p. 89).
Nota-se
que por tais dados temos a identidade do Deus das Muitas Faces que é a
personificação da Morte, e de seus seguidores, os chamados Homens Sem-Rosto,
que se tornaram assassinos, pois passaram a se considerar como instrumentos da
vontade do seu deus. Quando eles se estabeleceram em Bravos e ergueram o seu
templo, a Casa do Preto e Branco, instituindo uma organização religiosa com
ritos e dogmas.
A
fé no Deus de Muitas Faces possui ritos, como o ato de orar regularmente para o
deus, todos os dias, pela manhã cedo. “Rezam à
aurora, antes de quebrarem o jejum, ajoelhando-se em volta do tanque imóvel e
negro”. (MARTIN, 2012, p. 273). Todavia, Arya diz que eles não possuíam
liturgia como visto na Fé dos Sete. Pelo fato de que
nos livros ela está descobrindo ainda a respeito sobre essa religião,
não sabemos se haveria ou não liturgia, mas Arya comenta que: “Não havia
serviços religiosos, nem canções, nem hinos de louvor para agradar o deus”.
(MARTIN, 2012, p. 273). Isso sugere que aparentemente os sacerdotes e acólitos
não se dedicavam a essas oficialidades, porém, eles tinham outras obrigações
como cuidar do templo, limpando-o, preparando as refeições, recebendo os
visitantes que iam orar, pedir conselhos ou cometer suicídio.
A Casa do Preto e Branco como representada no seriado. |
A
questão do suicídio é interessante. Arya enquanto trabalhava nos afazeres
domésticos no templo, observou algumas pessoas que faziam preces diante de uma
das várias estátuas situadas na câmara principal. Alguns não se dirigiam as estátuas, mas acendiam velas e oravam diante delas.
Porém, havia casos de pessoas que decidiam beber da água escura, que ficava
numa fonte ao centro da câmara. Depois de beber daquela água, a pessoa escolhia
uma das alcovas situada na câmara, deitava-se e morria. A água contém um veneno
que adormece e mata.
Arya ao indagar o Homem Gentil porque as pessoas decidiam
cometer suicídio, ele responde o seguinte: “Mas, no
final, todos os homens têm de se submeter a Ele, não importa se adoram os Sete
ou o Senhor da Luz, a Irmã da Lua, o Deus Afogado ou o Grande Pastor”. (MARTIN,
2012, p. 435). Por mais que aquelas pessoas não fossem
devotas ao de Muitas Faces, elas em dado momento tinham a revelação de que no fim ele era o único deus real.
No
entanto, o mais interessante na resposta do Homem Gentil é que ele diz que a
morte é uma benção, não uma maldição ou algo ruim como muitos pensam. “A morte
não é a pior coisa que existe – respondeu o homem amável. – É o presente que
Ele nos dá, um fim para as carências e a dor”. (MARTIN, 2012, p. 275). Se
recordarmos que os escravos de Valíria oravam por liberdade e o primeiro Homem
Sem-Rosto decidiu que matá-los era melhor do que ajudá-los a escapar, a ideia
da morte é que essa consista num
ato de misericórdia. Pela fé deles, viver é algo difícil e passível de
amarguras e sofrimentos.
"No dia em que nascemos o Deus de Muitas
Faces nos manda um anjo negro para atravessar a vida ao nosso lado. Quando
nossos pecados e nosso sofrimento se tornam muito grandes para ser suportados,
o anjo pega nossa mão para nos levar até as terras da noite, onde as estrelas
brilham sempre fortes. Aqueles que vêm beber da taça negra estão em busca do
seu anjo". (MARTIN, 2012, p. 275).
Arya descobre a Câmara dos Rostos. Os Homens Sem-Rosto utilizam essas faces para se disfarçar. |
Por
essa visão a morte seria uma libertação de todo
o sofrimento terreno. Nesse ponto chegamos a uma questão intrigante. Pelo que sugere o comentário do personagem, a fé no
de Muitas Faces acredita que só exista um único mundo da morte, que é
simplesmente chamado de “terras da noite”. Mas pelo que ele sugere, não seria
um lugar ruim. Tal condição se encaixa nas outras religiões criadas por Martin.
Os dothraki, povo nômade das estepes e
desertos orientais de Essos, acreditam que só exista um único mundo da morte,
onde eles cavalgarão por campos verdes sem-fim, ao lado de seu deus cavalo, o
Grande Garanhão (Great Stallion). Por sua vez, a população das Ilhas de Ferro,
arquipélago situado a oeste de Westeros, acredita que ao morrerem, suas almas
se unirão ao Deus Afogado (The Drowned God) em seus salões submarinos, onde
viverão em banquetes com ele e sereias. Os devotos da fé nos Antigos Deuses
(Old Gods) não esclarecem para onde suas almas iriam. Já a religião do Deus
Vermelho, R’hllor também não deixa claro como seria o pós-morte. Porém, no caso
da Fé dos Sete (The Faith of the Seven), nessa religião acredita-se que hajam
Paraísos e Infernos.
Observa-se
pela menção as outras religiões inventadas por Martin, que elas não apresentam
uma preocupação com a divisão das almas, entre boas ou más, exceto a Fé dos
Sete, devido a essa ser inspirada em parte, no catolicismo medieval. Todavia, no caso da fé no
de Muitas Faces, quando Arya indaga para onde iriam as pessoas más, o Homem
Gentil responde que para o mesmo lugar que as pessoas boas. A dádiva da morte é
dada a todos, sem nenhuma diferença. “Não cabe a
você decidir quem vive e quem morre. Esse dom pertence ao das Muitas Faces”.
(MARTIN, 2012, p. 272). O de Muitas Faces não julga seus pecados ou atos, ele
apenas envia a morte.
Outro aspecto importante que George Martin comenta sobre essa religião,
diz respeito aos deveres e obrigações
do clero. Arya na sua jornada para se tornar um Homem Sem-Rosto é várias vezes
confrontada pelos sacerdotes e acólitos a aprender a mentir, fingir e se
desapegar de seu passado. Podemos considerar que os Homem Sem-Rosto devem fazer
votos, algo que nos lembra as ordens monásticas. O primeiro voto é o da
renúncia. “Aqueles que entram ao Seu serviço têm
de renunciar a tudo o que faz deles quem são”. (MARTIN, 2012, p. 277).
Na
história, o Homem Gentil e a Criança Abandonada ensinam Arya a se desapegar de
seu passado e abandonar sua vingança. Eles falam para ela esquecer quem foi
Arya Stark de Winterfell, e torna-se uma "ninguém".
Um Homem Sem-Rosto não possui passado, família, identidade, sonhos e desejos.
Sua obrigação é com seus irmãos de fé e com o Deus de Muitas Faces. Por isso
eles são chamados de Homens Sem-Rosto, pois isso reforça a ideia de serem
ninguém, pois o rosto é a principal evidência física de identidade. Uma pessoa
sem rosto é uma pessoa sem identidade definida.
Porém, decidir ser um assassino a serviço da
Morte é uma escolha muito difícil. “O que
oferecemos não pode ser comprado com ouro. O preço é sua pessoa por inteiro. Os
homens seguem muitos caminhos através deste vale de lágrimas e dor. O nosso é o
mais duro”. (MARTIN, 2012, p. 276-277). Para se tornar um Homem Sem-Rosto além
do voto de renúncia, devem ser feitos o voto de
obediência: “Todos têm de servir sob este teto. Valar dohaeris é como dizemos aqui. Fique se quiser, mas saiba que
exigiremos sua obediência”. (MARTIN, 2012, p. 275).
E o voto de servidão: “Nós não somos mais
do que seus servos, presos ao juramento de cumprir sua vontade”. (MARTIN, 2012,
p. 272), ambos implicam numa dedicação plena. “Antes de beber da taça fria,
deve oferecer tudo o que você é ao das Muitas Faces. Seu corpo. Sua alma. Você. Se não conseguir fazer isso, deve
deixar este lugar”. (MARTIN, 2012, p. 274). Isso tudo resulta num autossacrifício.
Um
outro ponto que ainda não foi devidamente explorado por Martin nos livros, mas
já melhor explicado no seriado, diz a escolha
das vítimas. Arya comenta que existe um conselho de sacerdotes os quais
deliberam os alvos a serem assassinados. No caso, o Homem Gentil diz que
qualquer pessoa está passível de ser alvo, seja um pobre camponês ou até mesmo
um rei. A questão é quem solicita isso. Pelo o que o Homem Gentil instrui, a
escolha seria algo misterioso, e ele não dá detalhes a respeito.
Wittingslow
(2015) comenta que os Homens Sem-Rosto apesar de serem guiados por um ideal
religioso, eles ainda assim, estão ligados a interesses de outros tipos. Ele
sublinha que disfarçado de “escolha divina”, os sacerdotes ocultam as intenções
de seus clientes. No segundo livro, A
Fúria dos Reis (A Clash of Kings),
quando Arya conhece o soldado Jaqen H’ghar, posteriormente
ele revelou ser um Homem Sem-Rosto, o qual estava infiltrado. Jaqen em
agradecimento por Arya ter salvo a vida dele, lhe concede três assassinatos.
Bastaria ela escolher a pessoa, ele não indagaria o motivo, apenas obedeceria.
(MARTIN, 2011).
Além
dessa condição em específico entre Arya e Jaqen, há trechos nos livros que
dizem que os Homens Sem-Rosto poderiam ser “contratados” pelo preço certo. Ou
seja, eles também atuavam como assassinos de aluguel. No
seriado isso é mais explícito, quando Arya começa a questionar seu mentor
a respeito dos alvos que ele lhe deu como missão. A condição dos Homens
Sem-Rosto matarem não apenas por motivos religiosos como prega a doutrina de
sua fé, mas por outros fatores, põem em dúvida a ideia de que eles não seriam
os juízes de seus atos, mas apenas servos da vontade de seu deus, como alegam.
Para
Wittingslow (2015) mesmo havendo esse fato da escolha
dos alvos não ser algo imparcial, como alegado pela doutrina da fé no Deus de
Muitas Faces, os assassinos realmente dedicados a este credo, concebiam que seus atos eram sagrados. Wittingslow
assinala que o fato de Arya ter salvo Jaqen H’ghar e mais dois amigos, havia
interferido no propósito deles. Era como se eles esperassem morrer em missão,
mas aquela intervenção teria sido vista por Jaqen como um ato divino. E assim
ele decidiu recompensar Arya. Ela pediu para que ele a libertasse, Jaqen disse
que seu ofício era conceder mortes ao de Muitas Faces. Se ela era uma garota de
fé, ele atenderia os pedidos dela.
Assim
percebemos que a fé no Deus de Muitas Faces consiste numa religião de caráter
monoteísta ou de monolatria, ao conceber que todas as divindades são interpretações
oriundas da Morte; uma religião de ritos ocultos, somente revelados aos
iniciados; sem liturgia; um dogma pautado em três principais votos: renúncia,
servidão e obediência, os quais perfazem o autossacrifício para poder servir o
deus, mas também para tornar-se um Homem Sem-Rosto, que consiste em seus
instrumentos de misericórdia, pois o dogma diz que eles não julgam, apenas
concedem o presente da morte.
No
entanto, a religião do Deus de Muitas Faces não era a única a empregar a
violência. Maureen Attali (2017) comenta
que outras religiões de Westeros e Essos também faziam uso da violência. Attali
dá alguns exemplos como o rito de iniciação da fé do Deus Afogado, onde os
homens são afogados e depois trazidos a vida.
Esse batismo afogado é apresentado como um dos principais ritos dessa religião
natural das Ilhas de Ferro.
Outro
exemplo é a condição do rei Stannis Baratheon que ao adotar a fé em R’hllor, o
Senhor do Fogo e da Luz, Stannis convencido pela sacerdotisa
vermelha Melisandre, ordena que hereges fossem queimados vivos. Tal fato é mais evidente no seriado do que nos livros. Outro
exemplo dado por Attali consiste nos atos da Fé Militante, uma ordem militar
religiosa a serviço do Alto Septão, o chefe religioso da Fé dos Sete. A Fé
Militante foi inspirada nas ordens militares medievais além de agregar
características inquisitoriais, já que uma ala de seus membros, chamados de
Pobres Companheiros ou Estrelas (devido a usarem esse símbolo para serem
identificados) era incumbida de investigar, procurar, aprisionar, julgar,
torturar e executar os hereges.
Os
comentários assinalados por Attali (2017) nos mostra como a violência e a morte
são pensadas de formas diferentes nas quatro religiões apontadas acima. Os
Homens Sem-Rosto consideram a morte uma dádiva de seu deus. O afogamento é
parte essencial de um rito de iniciação na religião do Deus Afogado. Por sua
vez, os seguidores de R’hllor e a Fé Militante, matam os hereges como forma de
punição. Embora Melisandre diga que em alguns casos as pessoas queimadas para
R’hllor possam servir de oferenda a ele, ou numa forma de purificar suas almas.
Religião e violência
Na
introdução foi assinalado inicialmente como o senso comum tende a pensar de
forma ambígua a relação entre religião e violência. Para
algumas pessoas, as religiões jamais pregariam a violência. Mas para outros existem religiões que pregam a
violência, o ódio e a maldade como o Islão e o Satanismo. Aqui nota-se essa
ambiguidade. Mas academicamente falando, será
que as religiões pregariam a violência ou não? Neste caso é preciso destacar
que a religião e a violência estão suscetíveis a
história e a cultura[2].
Logo, como as culturas são diferentes em distintos lugares e épocas, assim
como, a cultura continua em constante transformação, e é preciso pensar as religiões e as noções de violências como estando
suscetíveis a essas mudanças locais e temporais.
Assim,
a percepção que as sociedades e as pessoas individualmente possuem da violência
mudam. Em determinadas épocas e lugares certas ações podem ser vistas como
violentas, mas em outros contextos não. Essa diferença interfere na forma como
nós nos comportamentos frente a atos de violência, lembrando que tais atos
podem ser aprovados legalmente ou moralmente, além da
condição que a violência também seja usada para entretenimento. (FLANNERY;
VAZSONYI; WALDMAN; 2007).
No
caso é preciso expressar um conceito de
violência, a qual pode ser entendida como todo ato e ação que procura causar
algum tipo de dano e afronta a outrem, seja esse dano físico, psicológico,
emocional, moral, material, social, legal, etc. Assim a violência pode se
manifestar por palavras, imagens, gestos, agressões, guerras, discursos,
ideias, crenças, atitudes, comportamentos, etc. E os atos violentos se
manifestam através da violência física, psicológica, emocional, moral, sexual, e até mesmo através do racismo, discriminação,
intolerância, homofobia, xenofobia, etc. E tais motivos podem ser gerados por
fatores culturais, sociais, econômicos, políticos, religiosos, ideológicos,
morais, neurológicos, biológicos, ignorância, medo, repúdio, ódio, apatia, etc.
(KITTS; JUERGENSMEYER; JERRYSON, 2013).
Diante
desse sucinto conceito de violência e algumas
formas de como a mesma pode se manifestar, percebe-se que o contexto religioso
é um dos fatores possíveis para o surgimento de atos violentos. Mas como a
religião se relacionaria com a violência? McCormick
(2006) comenta que no começo do século XXI, a ideia de violência
relacionada com crenças religiosas ficou bastante associada com o terrorismo
islâmico, especialmente após o 11 de setembro de 2001.
Ainda
hoje em 2019, é comum as pessoas associarem terrorismo e fanatismo religioso
como fatores que conectam religião e violência. No entanto, eles não são os
únicos. Purzycki e Gibson (2010) comentam que a violência nas religiões é oriunda
de suas crenças, dogmas, doutrinas, ritos, mitos, imaginário, artes, literatura
religiosa, mas também pode ser uma interpretação deturpada de seus dogmas e
doutrinas. Alcorta e Sosis (2013) destacam que dependendo da crença religiosa,
possuímos distintas formas de compreender os usos dados a violência.
No
caso, a violência pelo viés religioso pode ser a manifestação de deuses,
espíritos, divindades e seres sobrenaturais, os quais de acordo com suas
atitudes, emoções e sentimentos podem gerar guerras, tragédias, discórdia,
ódio, maldição, problemas entre eles ou para os humanos. Ou pode ser o
resultado de punição contra a humanidade. A
Bíblia possui casos clássicos de atos violentos promovidos por Deus para
punir a humanidade.
A
violência também pode ser o resultado de doutrinas dessas religiões, como as
ideias de pecado e carma, as quais indicam que devido a fragilidade da condição espiritual, a humanidade está suscetível a atos
vis, daí a existência da violência e do mal. Ou pode ser resultante de ritos,
como os sacrifícios de animais e de humanos, onde se oferece sangue e sua carne
as divindades. Ainda no campo da ritualística temos ritos de iniciação, de
passagem, e marciais, onde a provação através do combate, caça, guerra ou a
resistência a dor, são vistos como atos nobres, honrosos e louváveis. O próprio
martírio visto em algumas religiões como o Judaísmo, Cristianismo, Islão e
Budismo é a representação da resistência a dor e o sofrimento, como forma de
provação da sua fé.
Em
algumas religiões existem orações e a união com
a magia, pela qual as pessoas pedem força, coragem, resistência, ferocidade,
proteção, etc. para intuitos bélicos. E tais crenças não estão associadas
apenas a deuses da guerra, mas a divindades distintas. Judeus, cristãos e
muçulmanos já recorreram a Deus pedindo tais virtudes para ajudá-los no campo
de batalha. Completando esses exemplos, podemos citar Margo Kitts (2013) a qual
salienta que para além de uma questão teológica, ritualística e mitológica, a violência pode se manifestar através das religiões sendo
amparada por outros fatores como o medo, o trauma, a intolerância, o
ódio, a ignorância, o fanatismo, etc.
Observa-se
por tais exemplos que a relação entre religião e violência é ampla e complexa,
possuindo conexão que a envolve com uma série de fatores e condições internas e
externas, os quais moldam as formas de como a violência era percebida a favor
ou contra os desígnios religiosos. Se pensarmos que o Cristianismo, onde Jesus Cristo em várias passagens dos Evangelhos
ordena que o bem, a tolerância, a amizade, a caridade, bondade e o amor sejam
compartilhados com os judeus, gentios, pagãos e hereges, mas na prática, em
nome dele, guerras foram feitas para se matar
essas pessoas, é algo absurdamente incoerente.
Mas essa incoerência está presente nas religiões. Popovski
(2009) assinala que embora essa incoerência possa ser gritante, ela deve ser
percebida de um lado como fruto do contexto histórico da origem de determinada
religião, os desafios enfrentados pelo povo ou povos que a profetizavam. Por
outro lado, deva ser observada no seu desenvolvimento ao longo da história o
que inclui reapropriações e mudanças de interpretação. No caso, Popovski
comenta que ideias religiosas influenciaram na elaboração de leis, na
estruturação política, na adoção ou banimento de costumes, na permissão ou
proibição de determinadas práticas, e até em normas de conduta e motivos para
se fazer guerras justas ou guerras santas.
Alguns usos para a violência sacralizada
Como
apresentado no tópico anterior, as possibilidades de se estudar a relação da
violência com a religião são várias: guerras, sacrifícios, perseguições,
intolerância, punição, ritos, mitos, imaginário, etc. Só no âmbito da guerra
tem-se uma vasta gama de possibilidades para isso. Mas
o intuito desse texto foi tentar fazer um paralelo entre a religião fictícia do
Deus de Muitas Faces com a realidade histórica. Teriam havido religiões
ou crenças religiosas que pregariam algo similar, onde seria incentivado atos
violentos ou homicidas, sendo alegados como ações divinas? À primeira vista
pode-se pensar nos terroristas islâmicos da atualidade. Aqueles homens
pertencentes a grupos como a Al Qaeda e o Estado Islâmico (ISIS), e os famosos
“homens-bomba”, que se matavam em nome de Alá.
O caso desse fanatismo religioso que repercute em atentados
terroristas é um exemplo válido, apesar de ter seus problemas. A
doutrina islâmica seja a Sunita ou a Xiita, não prega propriamente o suicídio e o terrorismo como atos religiosos. No caso,
tais homens tornam-se fanáticos religiosos e são induzidos a acreditar que o
sacrifício que estariam fazendo, seria recompensado por Alá. Essa ideia não é
exclusiva do Islão e tão pouco é uma invenção do século XX. Ela na prática é
bem mais antiga.
No
caso do Islão, na Idade Média houve a chamada Ordem dos Assassinos (1090-1273),
ordem militar religiosa, criada por Hassan ibn Sabbah (?-1124) na Pérsia (atual
Irã). Sabbah durante sua vivência no Egito, tornou-se xiita, mas acabou
conhecendo a seita do Ismaelismo. Neste caso, o Ismaelismo era uma seita
originada de outra seita, chamada Doze Imanes, a qual por sua vez, era oriunda
do Xiismo. (LEWIS, 2003).
A seita
dos Doze Imanes defendia que os verdadeiros califas eram os descentes de Ali
(600-661), sobrinho e genro de Maomé, e último califa rashadun (inspirado). Com o seu assassinato em 661, teve-se início a Dinastia Omíada (661-750),
considerada ilegítima pelos xiitas. Por sua vez, alguns xiitas passaram a
reconhecer os supostos descendentes do califa Ali, chamados de ímãs. Porém, uma
nova cisão originou-se. O sexto ímã Jafar
as-Sadiq teve dois filhos, Ismael e Musa (Moisés). Ismael era o sucessor por
direito, mas morreu misteriosamente. Alguns dos seguidores de seu pai,
postulavam que ele foi assassinado. Seus adeptos defendiam que Musa não teria
direito, mas o direito de sucessão caberia a Mohammed, filho de Ismael. Com
isso surgiu os ismaelitas, uma nova seita. (HOURANI,
1991).
O
Ismaelismo sofreu perseguição e intolerância por não ser bem aceito, mas ganhou
terreno fértil em alguns lugares da Pérsia. E Hassan ibn Sabbah usou isso a seu
favor para criar sua Ordem dos Assassinos. Bernard Lewis (2003) conta que a
história dos Assassinos é envolta entre fatos e lendas, mas ele sublinha que
tal ordem militar islâmica de vertente ismaelita foi real. No caso, os
Assassinos não seriam sacerdotes, mas eram guerreiros que se dedicavam ao seu
líder espiritual, chamado de Ancião, Velho da Montanha, Aoladin, etc. O qual se valia de sua autoridade, poder e
riqueza para recrutar homens destemidos e determinados a fazerem votos de
obediência, servidão e dedicar suas vidas aos propósitos da Ordem, dentre os
quais, criar um Imanato Ismaelita. Os homens eram instruídos a terem uma
lealdade cega e lhes era dito que seu serviço árduo seria recompensado no
Paraíso.
Observamos
algumas similaridades entre a Ordem dos Assassinos e a religião do Deus de
Muitas Faces. Em ambos os casos os recrutados são homens que abandonam suas
vidas e passam a se dedicar de corpo e alma ao seu credo. Apesar que os Assassinos fossem autorizados a se casar e ter
filhos, mas estariam reclusos as fortalezas e vilas sob controle da ordem. Diferente
dos Homens Sem-Rosto que lhes era proibido isso. Se por um lado os Assassinos
receberiam uma recompensa na outra vida, nada se sabe se os Homens Sem-Rosto
receberiam algo do tipo. Pelo que Martin sugere, a ideia não era essa. A recompensa deles era apenas o ato de servir,
pois no fim todos as pessoas irão para a “longa noite” da mesma forma.
Mas se
tal condição é uma diferença significativa entre as duas crenças, em ambos os
casos, Assassinos e Homens Sem-Rosto atuavam como assassinos de aluguel. Eram
contratados para participar de guerras, atos de vingança, e assassinatos que
requeressem discrição. Mas nesse caso observa-se outra diferença. Os Homens
Sem-Rosto cometiam assassinatos como parte da sua missão sagrada, pois a morte
era encarada como uma dádiva. Os Assassinos matavam pelo dever a eles imposto.
A morte não seria algo sagrado, mas um meio para mostrar serviço ao seu líder
espiritual, que se proclamava como representante do ímã, que por sua vez, era
representante de Alá.
Mat
Hardy (2017) assinala que os Homens
Sem-Rosto teriam sido inspirados na crença dos “assassinos do Oriente”, algo
que remonta desde a Antiguidade, a qual os europeus falavam dos Zelotes, dos
Sicários, dos Nizaris e dos próprios Assassinos. Hardy comenta que para o
imaginário europeu, esses grupos políticos e/ou religiosos ganharam fama ao
ponto de se tornarem lendários. Daí se desenvolverem histórias na maioria das
vezes exageradas sobre a fama de seus membros como exímios e perigosos
assassinos fanáticos.
Entretanto
não foram apenas os muçulmanos que tornaram o uso da violência e da guerra como
algo legalmente aceito pela sua fé, mesmo que essa apresente disparidade quanto
a forma de se fazer guerra e o uso da violência. Os cristãos também fizeram
isso. Maureen Attali (2017) compara a Fé
Militante com os cruzados e as inquisições. A Fé Militante detinha parte da sua
ordem chamada de Espadas, dedicada a guerra e
proteção dos reinos, algo que lembra os cruzados enviados para a Terra Santa, como informa o autor. Por sua vez, os Estrelas, anteriormente comentado, atuariam como inquisidores,
caçando os hereges, julgando-os e os punindo. Essa punição poderia ser através
de prisão, difamação e súplicas públicas (como os autos de fé da inquisição
portuguesa e espanhola), ou a execução para crimes mais graves.
Sublinhamos
também a condição de que durante a Primeira Cruzada (1096-1099), o papa Urbano
II, no Concílio de Clermont-Ferrand (1095), convocou os reis e senhores feudais
para uma cruzada, dizendo que aqueles que servissem nessa guerra santa,
estariam bem quistos perante a Deus, além de ser um ato de servidão, dedicação,
obediência, honra e gratidão ao Senhor, eles receberiam a indulgência plenária,
o perdão de todos os seus pecados. O que lhe concederia ida direta ao Paraíso. Matar naquele contexto não seria algo ruim, desde que
se matasse os “inimigos de Deus”. (FRANCO JR, 1989).
Outro
exemplo histórico que mescla grupos de assassinos agindo em prol de uma
divindade da morte, dizia respeito aos Tugues, uma misteriosa seita formada por
criminosos que adoravam a deusa da morte Kali, na Índia. Os Tugues atuaram ao
longo de séculos, pelo menos entre os séculos XVI ao XIX. Pouco se sabe a
respeito de como funcionava sua organização e credo, mas eram conhecidos por
sacrificarem suas vítimas a deusa da morte. (WAGNER, 2007).
Os
Tugues também apresentam semelhanças com os Homens Sem-Rosto por serem um grupo
com segredos, ritos ocultos, uso da violência para fins religiosos, políticos e
pessoais, pois além de assassinos, os tugues eram ladrões. E durante a
colonização britânica no século XIX, eles foram um dos problemas enfrentados
pelos britânicos. E isso rendeu uma série de lendas sobre sua fama como
assassinos fanáticos cruéis e temíveis. (WAGNER, 2007).
Considerações finais:
Observamos
neste estudo, ao se analisar uma religião
fictícia e compará-la com religiões e crenças da realidade, como a violência
pode estar associada de formas distintas com crenças religiosas. Essa ligação
complexa e ambígua como comentada por alguns autores citados anteriormente,
revela-nos que as religiões estão mais suscetíveis a influências pessoais e
externas do que se imagina, pois geralmente se pensa no poder da autoridade que
elas exercessem sobre a sociedade, mas esquece-se que parte da sociedade exerce autoridade sobre os dogmas, instituições e seus
ritos.
Por
outro lado, percebeu-se que as religiões apesar de criticarem atos violentos, também os permite. Inclusive essa permissão é curiosa pois dentro do contexto sagrado, divino,
mágico-religioso de uma religião, o que poderia ser considerado violento não é
visto dessa forma. Por exemplo, o ato de cometer sacrifícios humanos é algo
abominável, mas entre algumas religiões isso era comum.
O ritual de antropofagia praticado por alguns povos
indígenas no Brasil, era visto como canibalismo, barbárie, violência, crueldade,
mas para eles era uma honra ao morto e a sua comunidade. Causar guerras com pretextos vagos é ruim, mas quando
se justifica elas por um viés religioso, salvacionista, profético, divino,
sagrado, etc. matar, roubar, destruir e estuprar não são crimes graves, mas
consequências daquela guerra santa ou justa.
Referências:
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Evolutionary Perspective. In: JUERGENSMEYER, Mark; KITTS, Margo; JERRYSON,
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ATTALI, Maureen. Religious violence in Game of
Thrones. An historical background from antiquity to the European Wars of
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BURKE, Peter. O que é história cultural? Tradução de Sérgio Goes de Paula. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
FLANNERY, Daniel J; VAZSONYI, Alexander T; WALDMAN,
Irwin D. The Cambridge Handbook of
Violent Behavior and Aggression. New York: Cambridge University Press,
2007.
FRANCO JR, Hilário. As Cruzadas. 6. ed. São Paulo: Editora Brasiliense,
1989.
HARDY, Mat. The Eastern Question. In: PAVLAC, Brian A
(ed.). Game of Thrones versus History.
Malden: Willey Blackwell, 2017. p.
97-110.
HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia de Bolso, 1991.
KITTS, Margo; JUERGENSMEYER, Mark; JERRYSON,
Michael. Introduction: The Enduring
Relationship of Religion and Violence. In: JUERGENSMEYER, Mark; KITTS, Margo;
JERRYSON, Michael (eds.). The Oxford
Handbook of Religion and Violence. Oxford/New York: Oxford University
Press, 2013. p. 16-28.
KITTS, Margo. Religion and Violence from Literary
Perspectives. In: JUERGENSMEYER, Mark; KITTS, Margo; JERRYSON, Michael (eds.). The Oxford Handbook of Religion and
Violence. Oxford/New York: Oxford University Press, 2013. p. 469-496.
LEWIS, Bernard. Os Assassinos: os primórdios do terrorismo no Islã. Tradução de
Mauro Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
MARTIN, George R. R. As Crônicas de Gelo e Fogo: O Festim
dos Corvos, livro 4. 8ª reimpressão. Tradução de Jorge Candeias. São Paulo:
Leya, 2012. 5v
MARTIN, George R. R. As Crônicas de Gelo e Fogo: A Fúria dos
Reis, livro 2. 8ª reimpressão. Tradução de Jorge Candeias. São Paulo: Leya,
2011. 5v
MCCORMICK, Patrick T. Violence:
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Game of Thrones. Essays on George R. R. Martin’s, A Song of Ice and Fire.
Jefferson, NC: McFarland & Company, Inc, Publishers, 2015. p. 113-131.
[1] Nos livros o treinamento de Arya
Stark para se tornar uma assassina ainda continua, enquanto que no seriado ele
já terminou, e ela se encontra em sua vingança. Para este estudo prezamos o uso
dos livros, pois o seriado desde a 5ª temporada
já ultrapassou a trama dos livros, seguindo caminhos diferentes.
[2] Um seria "todo
complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e outras
aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade".
(BURKE, 2006, p. 44).