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Leandro Vilar

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Yasuke: o samurai negro?

Poucos estrangeiros tiveram a oportunidade e honra de serem nomeados samurais, título e direito praticamente restritos aos japoneses. Em geral a História relata alguns europeus que tiveram acesso a essa honraria, porém, houve um estrangeiro de origem africana que supostamente se tornou um samurai. No Japão ele era conhecido como Yasuke (se ler Iasquê), um guerreiro alto e forte que virou guarda-costas do daimiô Oda Nobunaga. No presente texto contei um pouco a respeito da história desse homem, a qual ainda hoje é pouco conhecida devido a escassez de relatos da época que narrem sua trajetória na corte de Nobunaga, em um dos períodos mais conturbados da história japonesa no século XVI, as últimas décadas do Período Sengoku, conhecido popularmente como a época do "país em guerra" ou das "guerras civis". 


Um escravo que foi ao Japão: 

As origens de Yasuke ainda são inexatas e motivo de debates a respeito. Não se sabe onde ele exatamente nasceu, a que povo pertencia, com quantos anos foi escravizado e levado ao Japão. O livro Histoire Ecclesiastique Des Isles et Royaumes du Japon (1627) do padre jesuíta François Solier, traz a seguinte informação sobre a procedência de Yasuke. 

"Agora o padre Alessandro trouxe das Índias um escravo mouro, tão negro como os etíopes da Guiné. Porém, era nativo de Moçambique, daquele tipo que são propriamente chamados de Cafres, habitantes do Cabo da Boa Esperança". (SOLLER, 1627, p. 444, tradução minha). 

O relato de Solier apresenta termos da época que merecem ser debatidos brevemente. O termo muçulmano não era comumente usado pelos europeus, normalmente eles eram chamados de maometanos, mouros, sarracenos, árabes etc. No caso de Soller, ele usou a palavra mouro, embora seja um emprego complicado, já que os mouros eram as populações que viviam no atual Marrocos e no sul de Portugal e Espanha. Não obstante, o padre também fez uso da palavra etíope, que atualmente é usado para se referir ao habitante da Etiópia, porém, na época dele, a palavra etíope era um termo genérico para se referir a africanos negros. Por isso que ele diz que Yasuke era negro como um "etíope da Guiné", sendo a Guiné um importante território para o tráfico negreiro português. Já a palavra Cafre era usada naquele período para se referir genericamente aos africanos negros de origem banta, que viviam no sul do continente. O problema é que o termo é de origem árabe, sendo usado para se referir aos africanos não-muçulmanos. Porém, Soller emprega a palavra fora de seu contexto original. Por fim, o Cabo da Boa Esperança não fica situado em Moçambique, mas na África do Sul

Os historiadores moçambicanos costumam considerar o relato de Solier como exato, porém, historiadores de outros países contestam isso, pois fontes mais antigas não apontam a origem de Yasuke, além de que Solier misturou vários termos para se referir aos africanos. Possívelmente a associação com Moçambique se deva ao fato de ser o principal porto português na costa leste africana. Neste aspecto, Solier poderia estar se referindo ao porto de onde Yasuke partiu para a África, não a sua terra natal. 

O relato do padre François Solier também informa que Yasuke teria chegado ao Japão no ano de 1579, passando a estar a serviço do padre Alessandro Valignano (1539-1606), clérigo de origem napolitana que passou vários anos atuando no Japão, Macau e Índia. A presença de Valignano no Japão devia-se ao contato entre portugueses e japoneses que vinha sendo realizado desde o ano de 1543, quando os primeiros portugueses chegaram ao império nipônico. A partir da década de 1550 através de São Francisco Xavier, as missões evangelísticas tiveram início no Japão. (D’ASSUMPÇÃO, 1901, p. 30). Logo, quando Yasuke chegou àquele país, os clérigos já estavam a quase quarenta anos trabalhando por lá. 

O padre e missionário Alessandro Valignano segundo pintura do XVII. 

Ao chegar ao Japão, Yasuke foi visto como ser exótico, já que era incomum os japoneses terem contato com africanos ou pessoas negras de outros lugares. Apesar que Lockley e Girard (2019) digam que Yasuke não teria sido o único africano presente no Japão, como apontam inclusive pinturas japonesas, mostrando homens negros; embora a presença deles tenha sido diminuta. De qualquer forma, embora tenha sido dirigido a trabalhar para os jesuítas, Yasuke realizava atividades domésticas como qualquer outro escravo, arrumando os pertences, camas, servindo refeições, faxinando, lavando, etc. No entanto, alguns pesquisadores contestam se Yasuke teria chegado ao Japão na condição de escravo, mas é uma contestação que falha em encontrar argumentos convincentes, já que é sabido que os clérigos no Japão, como em outras partes do mundo, faziam uso de escravos. 

Um guerreiro revelado: 

Girard e Lockley (2019, p. 23) comentam que talvez Yasuke antes de ter sido escravizado possa ter sido um guerreiro, já que as fontes japonesas o descrevem como um homem alto e forte, tendo uma condição física apropriada para um guerreiro. Os autores apontam que Yasuke antes de ir ao Japão teria vivido algum tempo na Índia, atuando como carregador ou guarda. Funções essas que teriam interessado os jesuítas que o compraram para levá-lo ao Japão, pois além de empregado responsável por serviços domésticos como sublinhado anteriormente, Yasuke pelo seu tamanho e porte físico, poderia atuar como guarda-costas dos missionários. Tal hipótese é pertinente, pois havia japoneses que não aceitavam a presença de estrangeiros no país e eventualmente os missionários eram hostilizados, feridos e até assassinados. Como Valignano tinha que viajar pelas províncias, ter um guarda-costas era algo necessário. 

Fato esse que Yasuke acompanhou Valignano e outros jesuítas de sua missão, pelos anos seguintes. Em 1581 Valignano viajou a Quioto para se encontrar com seu mecenas, o daimiô Oda Nobunaga (1534-1582), que na ocasião estava em visita a cidade e hospedado em um templo budista. Nobunaga já era um importante daimiô naquele período, tido por alguns como um herói nacional por ter iniciado a campanha de reunificação do país; mas para outros ele era um cruel senhor feudal, ambicioso pelo poder, tendo ordenado massacres. Apesar dessa disparidade quanto a fama positiva ou negativa de Nobunaga, ele já há alguns anos demonstrou interesse por fazer negócios com os estrangeiros. A contragosto de outros daimiôs, Nobunaga apoiou os portugueses e espanhóis em seus negócios comerciais e religiosos. Embora ele nunca demonstrou interesse em se converter ao Cristianismo. 


Retrato de Oda Nobunaga, autor desconhecido, séc. XVI. 

“A partir da década de 1560, liderados pelo padre Luís Fróis, os jesuítas, no intento de pregar em Honshu, foram pessoalmente recebidos em Owari por Oda Nubunaga. Ele teria sido grande admirador dos produtos e artefatos trazidos pelos bárbaros do Sul. Contudo, Oda Nobunaga tinha consciência de que para ter acesso a tais benefícios, deveria se relacionar de forma amistosa com os padres jesuítas, uma vez que, em Honshu, eles serviam como intermediários destes mercadores”. (LEÃO, 2010, p. 217).

"Sob sua proteção os missionários tiveram autorização para construir um seminário em Arima e outro Omi, assim como, a construção de uma igreja de Nossa Senhora de Assunção, em 1576, na capital Miyako. A chegada do jesuíta napolitano Alexandre Valignano, na função de visitador do Japão no ano de 1579, teria estimulado ainda mais as boas relações entre os portugueses e Oda Nobunaga. Junto com Luís Fróis, Organtino Soldo e Lourenço Mexia foram recebidos pessoalmente no Castelo de Azuchi". (LEÃO, 2010, p. 217-218).

Sendo assim, Valignano já tinha contato com Nobunaga há alguns anos, mas naquela nova visita ao seu protetor e apoiador, o padre levou consigo o escravo Yasuke. A presença dele causou curiosidade na população, pois conta-se que teria sido o primeiro homem negro a visitar a cidade. Nobunaga que estava hospedado lá naquela ocasião, conheceu Yasuke e teria ficado fascinado com sua cor e porte físico. O fascínio gerado teria levado Nobunaga convidar Alessandro Valignano e sua comitiva para outra reunião no mês de maio, dessa vez no Castelo de Azuchi. Lá, o dáimio fez a oferta de comprar Yasuke, tornando-o seu guerreiro. (
GIRARD; LOCKLEY, 2019, p. 124).  

Pintura representando o Castelo de Azuchi, que foi incendiado em 1582. Atualmente existe um museu no local com a reconstituição de sua torre central. 

"Este castelo-fortaleza tem um significado todo especial, porque pela primeira vez na história do Japão, um chefe militar feudal visa, com a construção de um baluarte defensivo, o estabelecimento de um novo centro político no país. Só mesmo um chefe militar da visão de Nobunaga poderia ter concebido tal idéia". (YAMASHIRO, 1978, p. 102).

A serviço de Oda Nobunaga: 

A ideia de que Yasuke passou anos a serviço de Nobunaga, lutando em suas guerras e servindo-o como leal samurai é incorreta, a começar pela condição que o daimiô faleceu em junho de 1582, e Yasuke teria entrado ao seu serviço em maio de 1581. Assim, a relação entre os dois durou um pouco mais de um ano. Inicialmente Yasuke tornou-se um guerreiro, não se sabendo ao certo suas funções, por não haver relatos a respeito, no entanto, fontes da época que listam os guerreiros juramentados a Nobunaga, listam o nome de Yasuke, algo curioso que deve ser mencionado. 

O nome Yasuke é somente relatado a partir de quando o mesmo tornou-se membro do exército de Oda Nobunaga. Fato esse que os próprios cronistas clericais quando mencionam ele antes disso, não o chamam pelo nome, mas referem-se a ele por termos da época usados para se referir a africanos ou homens negros. Com isso surgiu a hipótese de que Yasuke pudesse ter sido um novo nome adotado por ele ou lhe concedido por Nobunaga. A exatidão desse nome é ainda motivo de debate e é imprecisa. 

Yasuke segundo consta teria se destacado rapidamente entre outros guerreiros, mostrando ter força e agilidade excepcionais. Inclusive é sabido que Nobunaga gostava de assistir competições de jogos e de lutas, como o próprio sumô. Yasuke teria se destacado nesses esportes e combates, além de mostrar zelo, honra e lealdade. Entretanto, não há evidências que confirmem que de fato ele tenha sido nomeado samurai. (GIRARD; LOCKLEY, 2019, p. 141-143).  


Competição de sumô. Kano Eitoku, c. 1605. Alguns pesquisadores debatem se o homem negro nessa pintura teria sido Yasuke. 

Originalmente nos séculos X e XI, os samurais eram soldados comuns, recrutados para formar milícias ou tropas informais para servir senhores feudais. A palavra samurai significa "aquele que serve", por sua vez, eles também eram chamados de bushi (guerreiro). Somente no final do século XI para a transição do XII, os samurais deixaram de ser meros guerreiros comuns e começaram a despontar como uma hierarquia de guerreiros profissionais e também uma classe social, algo que lembra em alguns aspectos os cavaleiros europeus na Idade Média, os quais deixaram de serem meros combatentes que lutavam a cavalo, para se tornarem nobres guerreiros. (YAMASHIRO, 1964, p. 59).

Stephen Turnbull (2005, p. 9) destaca que os samurais nos séculos XII e XIII já eram guerreiros profissionais, com seu código de honra que seria desenvolvido nos séculos seguintes. Ele também salienta que os samurais de destaque poderiam receber presentes, recompensas, terras e servos. Por outro lado, ele sublinha que os nobres e aristocratas que passaram a guerrear, também eram considerados samurais, além da condição de que havia samurais que eram vassalos de outros samurais. Essa relação entre guerreiro profissional, senhor de terras, aristocrata e nobre, desenvolveu-se principalmente entre os séculos XV e XVI com o acirramento das guerras civis. 

Como dito, não tem como confirmar que Yasuke foi feito samurai, já que se tratava de um título pertencente a uma classe social prestigiada (apesar que nem todos os samurais dispusessem da mesma autoridade, regalias e direitos). Por motivo de comparação, o marinheiro William Adams (1564-1620), o qual se tornou samurai, somente conseguiu esse direito após anos de serviços prestados ao xogum Tokugawa Ieyasu. Todavia, Yasuke apenas serviu Nobunaga por cerca de 12 meses. Porém, a ideia de samurai negro se popularizou, com isso, ela passou a ser difundida até hoje. 

Em junho de 1582, Oda Nobunaga foi traído por um de seus generais, Akechi Mitshuhide (1528?-1582), o qual emboscou Oda Nobunaga no templo de Honno-ji em Quioto, forçando Nobunaga render-se ou optar pela morte. Seguindo a conduta moral e honrosa dos samurais, ele optou pelo seppuku, prática reservada aos samurais para morrer com honra. Entretanto, independente de quais fossem os planos de Akechi, esses não deram certo, pois ele foi morto no mesmo ano. Então Toyotomi Hideyoshi assumiu como seu sucessor. 

"Após o assassinato de seu suserano, Toyotomi Hideyoshi consegue sua vingança e se torna o grande sucessor de Oda Nobunaga, no processo de unificação do país. Dois anos depois, no intuito de expandir seus domínios, Toyotomi Hideyoshi se envolve em uma guerra contra o, até então aliado, Tokugawa Ieyasu. Em 1585, pela ausência de uma concorrência político-militar à altura, Toyotomi Hideyoshi recebe o título de Kampaku, tornando-se o regente do imperador. Em 1586 juntou forças para uma importante armada para fora do arquipélago em direção à Coréia e à China". (LEÃO, 2010, p. 220-221). 

Após tal acontecimento não se sabe o destino de Yasuke. Pelo que parece ele teria servido a um dos filhos de Nobunaga, mas não se tem certeza se ele continuou a servir outro mestre. Yasuke poderia ter participado da Batalha de Okitanawate (1584), pois os jesuítas relataram homens negros naquele conflito. O problema é que isso não é uma certeza. Inclusive haja a possibilidade de ele não ter estado naquele conflito. Por outro lado, uma carta de 1593 escrita pelo daimiô Kato a um de seus servos, chamado de Kurobo (homem negro), foi cogitado como possível referência a Yasuke. Porém, naquele período já havia outros africanos no Japão, mesmo em pequena quantidade. (GIRARD; LOCKLEY, 2019, p. 250-254).  

Quanto a sua morte e os motivos dessa, são desconhecidos. Inclusive os próprios cronistas europeus que se referem a ele, pouco informaram a respeito ou lhe deram atenção. Os registros japoneses também são escassos, fazendo apenas menções breves ao seu nome. A fama de Yasuke como suposto samurai negro é algo mais recente, tendo surgido no século XX, já que até então pouca atenção lhe era dada. 

NOTA: O nome Yasuke poderia ser uma versão japonesa para Isaac. Todavia, considera-se que possa ter sido uma japonização do nome africano dele, como Yasufe ou Issufo
NOTA 2: Apesar que eu tenha usado o livro African Samurai, ele deve ser consultado com cautela, pois embora possua bibliografia, a obra tem um caráter literário, apresentando romanceamento de determinados acontecimentos históricos. 
NOTA 3: No jogo Nioh (2017), Yasuke aparece como um dos chefes, sendo chamado de Dark Samurai. Já em Nioh 2 (2020) ele é chamado por seu nome mesmo. 
NOTA 4: Yasuke serviu de inspiração para o mangaká Takashi Okazaki para criar o personagem Afro Samurai (1999-2000). 
NOTA 5: Yasuke é referenciado em livros, jogos, mangás, propagandas e músicas.  
NOTA 6: O anime Yasuke (2021), consiste numa história fictícia sobre o personagem, transcorrendo em 1602. Além disso, a produção conta com elementos de fantasia e ficção científica. 
NOTA 7: Yasuke aparece no jogo Samurai Warriors 5 (2021), sendo personagem jogável. 
NOTA 8: O livro infantil Kurosoke (1968) de Yoshio Kurusu foi popular durante as décadas de 70 e 80. A obra traz uma versão romanceada de Yasuke e Nobunaga. 
NOTA 9: A Escola de Samba Mocidade Alegre venceu o Carnaval de São Paulo em 2023 tendo como tema de enredo a história de Yasuke. 
NOTA 10: Yasuke será um dos protagonistas de Assassin's Creed: Shadows, previsto para novembro de 2024. 

Referências bibliográficas: 
D’ASSUMPÇÃO, T. Lino de (coord.) História geral dos jesuítas: desde sua fundação até os nossos dias. Lisboa: Empreza da História de Portugal, 1901. 
LEÃO, Jorge Henrique Cardoso. Jesuítas e Daimyôs: Evangelização e poder político no Japão do século XVI. Mnemósine Revista, vol. 1, n. 1, jan/jun 2010, p. 208-226.
LOCKLEY, Thomas; GIRARD, Geoffrey. African Samurai. Hanover, Hanover Square Press, 2019. 
SOLIER, François. Histoire Ecclesiastique Des Isles et Royaumes du Japon. Cramoinsy, Bibliothèque de Bavière, 1627. 
TURNBULL, Stephen. Samurai Armies: 1467-1649. Oxford: Osprey Publishing, 2008. (Série Battle Orders: 36). 
YAMASHIRO, José. Japão: passado e presente. São Paulo, HUCITEC, 1978.
YAMASHIRO, José. Pequena história do Japão. 2a ed. São Paulo: Editora Herder, 1964.

Links relacionados: 
Oda Nobunaga
Ninjas vs Samurais: crônicas de uma guerra feudal (XV-XVII)