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Leandro Vilar

terça-feira, 13 de julho de 2021

A Era dos Três Reinos Chineses (184-280)

O Período dos Três Reinos é uma época importante na história da China antiga, além de ser um período bastante popular devido aos romances e obras surgidas a partir dessa época, como jogos de videogames, filmes, histórias em quadrinhos, etc. De fato, o Romance dos Três Reinos (séc. XIV) escrito por Luo Guanzhong (1330?-1400?), contribuiu muito para popularizar essa época, pois sua obra tornou-se o que poderia se chamar de best-seller na época, apesar de apresentar os acontecimentos dessas guerras, rebeliões, traições e reinos por um viés romantizado, dramático e até inserindo elementos lendários e fantásticos. Apesar disso, o romance ainda hoje é famoso na China e contribuiu para dar maior destaque a esse período conturbado da história chinesa, no qual com a queda da Dinastia Han, uma guerra civil se espalhou pela China, em que generais e governadores se rebelaram para restaurar a dinastia, enquanto outros aproveitavam para fundar seus próprios reinos. O presente texto apresentou um panorama geral desse período, resumindo alguns acontecimentos centrais. 

Os Três Reinos no ano de 220. 

Antecedentes

Embora o período dos Três Reinos somente comece oficialmente no ano de 220, quando de fato, os três Estados se formaram, no entanto, os historiadores costumam abordar os antecedentes que levaram a queda da Dinastia Han Oriental, enfraquecendo-a a ponto de iniciar uma guerra civil pelo poder, permitindo que os fundadores dos três reinos pudessem ascender politicamente e militarmente. Com isso, decidimos seguir essa prática historiográfica, e dessa forma, retrocedemos algumas décadas no tempo. 

A Dinastia Han foi uma poderosa família que ascendeu no controle da China Antiga, em 206 a.C, governando por quase 400 anos o país. Seu governo é dividido em dois períodos chamados: Han Ocidental (206 a.C - 9 d.C), o interlúdio denominado de Dinastia Xin, resultado do golpe de Estado promovido pelo usurpador Wang Mang (45 a.C - 23), e posteriormente a restauração da dinastia, chamada de Han Oriental (23-220). Sendo assim, usei o termo Han Oriental para se referir a dinastia devido a essa mudança cronológica. 

1) A Revolta dos Turbantes Amarelos (184-205)

O ano de 184 marcou o início de uma grande revolta na época da Dinastia Han Oriental, chamada de Revolta dos Turbantes Amarelos, devido ao fato de seus membros usarem turbantes dessa cor para se identificar. A revolta que inicialmente foi promovida como um protesto de agricultores contra o desemprego, falta de terras, opressão dos senhores e altos impostos, ganhou novas proporções. 

Nessa época a China vivenciava o que poderia ser equiparado a um "sistema feudal próprio", em que muitos agricultores e pessoas pobres, os quais devido as secas, inundações, pestes e surtos de fome, causados no Norte do país, entre as década de 160 e 170, levou milhares de famílias a migrarem para o sul, e acabaram indo trabalhar para diferentes "senhores feudais", no que resultou na exploração dessa população. Por outro lado, o imperador e governadores passaram a usar essa mão de obra abundante, para trabalhar em várias obras públicas, em muitos casos as condições de emprego eram comparadas a da escravidão. Somou-se também o descontentamento de famílias menores que tiveram seus negócios afetados, terras usurpadas e o aumento dos impostos para bancar a militarização do império. (DE CRESPEGINY, 2016, p. 404). 

 Zhang Jiao
Isso tudo acabou gerando anos de indignação, até que um um misterioso homem, chamado Zhang Jiao ou Zhang Jue (?-184), o qual era sacerdote taoista e feiticeiro, fundador de uma das várias seitas taoistas que haviam no período, ganhou ainda de forma desconhecida, prestígio entre os rebeldes. Ajudado pelos seus irmãos Zhang Bao e Zhang Liang, espalhou-se pelas províncias do Norte (as quais estavam mais descontentes com o governo), os planos para uma grande revolta que iria sitiar a capital Luoyang, a fim de pressionar o imperador Lingdi (156-189) entrar em negociação, no entanto, os planos da revolta foram vazados por traidores e ela teve um início desorganizado, a começar pelo fato que a maioria dos combatentes eram homens inexperientes, tratando-se de agricultores, pastores, artesãos, pedreiros, etc. (DE CRESPEGINY, 2016, p. 411-412). 

A falta de comandantes experientes para liderar os milhares de rebeldes, gerou alguns conflitos e saques a vilas e cidades, levando o imperador a não aceitar nenhuma negociação contra os rebeldes, despachando seus generais para massacrá-los. Zhang Jiao faleceu de doença desconhecida, sendo sucedido por seus irmãos, os quais também vieram a morrer posteriormente. Entretanto, a revolta não morreu com os irmãos Zhang, recebendo novos adeptos e outros líderes foram nomeados para dar continuidade a ela. Porém, no ano de 185, a revolta já tinha praticamente sendo extinguida, o que ocorreu posteriormente foram protestos ocasionais de herdeiros dos turbantes amarelos, que passaram a causar atos de vandalismo ou pequenos conflitos em diferentes lugares. Até que em 205 os últimos resquícios dos turbantes amarelos foi exterminado. Porém, o custo causado foi a perda de milhares de soldados, pois embora os rebeldes fossem inexperientes na arte da guerra, no entanto, eles eram numerosos e estavam determinados a lutar com unhas e dentes. (DE CRESPEGINY, 2016, p. 416-417).

2) Crise de sucessão e os Dez Eunucos (189-190)

A revolta dos Turbantes Amarelos ainda manteria resquícios pelos anos seguintes, gerando o aumento da bandidagem, surgimento de milícias, insegurança, onda de violência, opressão do governo, recrutamento forçado, descontentamento da população no geral, mas também abriu espaço para a ascensão de senhores de terra, políticos, altos funcionários, comandantes e generais, os quais passaram a formar toda uma cadeia de intrigas palacianas, fomentando alianças secretas e traições, aproveitando o cenário conturbado e a instabilidade da monarquia. E um grupo de homens destacou-se nesse período, os quais ficaram conhecidos como os Dez Eunucos. 

O grupo de eunucos existia desde 168, mas foi na década de 180 que a autoridade e influência deles cresceu consideravelmente. Além disso, mais dois ingressaram o grupo. Seus nomes eram: Zhang Rang, Zhao Zhong, Xia Yun, Sun Zhang, Guo Sheng, Li Song, Gao Wang, Bi Lan, Duan Gui, Zhang Gong, Han Kui e Song Dian. Esses doze homens formavam o alto conselho do imperador Lingdi, sendo inclusive alguns deles foram tutores do próprio monarca, o qual possuía apreço e respeito como se fossem seus mestres. A prática de usar eunucos para altos cargos foi adotada em outras épocas do império chinês, como medida de evitar que tais homens criassem famílias e ambicionassem status para elas. Mas isso não adiantou, pois embora não pudessem ter esposas legalmente, eles acabavam adotando filhos ou parentes, e até tendo amantes. 

Retrato do imperador Lingdi, o qual governou de 158 a 189. 

O imperador Lingdi adoeceu de causas ainda incertas e veio a falecer aos 33 anos. Com seu falecimento teve início a crise de sucessão. O monarca possuía alguns filhos, e acabou optando por escolher como herdeiro o príncipe Liu Xie, então com oito anos de idade. Alguns dos eunucos de maior confiança, foram responsáveis por conseguir entronizar o jovem príncipe, mas pela condição de ele não ser o primogênito isso gerou discordância, com isso, um complô se instaurou na corte e o príncipe Liu Bian (176-190) foi eleito o novo imperador, apesar de estar sob regência de sua mãe e tutores. O novo imperador foi renomeado com o nome de Shao, mas governou brevemente por poucos meses, sendo assassinado no ano seguinte numa conspiração envolvendo os eunucos e generais, com destaque para Dong Zhuo. (DE CRESPEGINY, 2018, p. 84).

3) A conspiração de Dong Zhuo (190-192)

O general Dong Zhuo (?-192) gozava de respeito e autoridade na corte imperial, tendo sido nomeado em 189, como chanceler. Inclusive ele atuou na guerra contra os Turbantes Amarelos e em outros conflitos. O ambicioso político e militar, descobrindo o complô dos eunucos quanto a sucessão real, decidiu dar um golpe de Estado. Ele ordenou a execução dos opositores e a morte do imperador Shao e se autoproclamou protetor do imperador Liu Xie, renomeado como Xiangdi (181-234). A ideia não era apenas ser o tutor do menino, mas usar o controle dele sobre o monarca, para permanecer pelo poder nos anos seguintes. Evidentemente que seu plano foi descoberto e gerou a revolta na corte e entre os senhores da guerra e governantes leais ao imperador, os quais consideraram Dong Zhuo um conspirador e usurpador. 

Ilustração de Dong Zhuo para uma edição do Romance dos Três Reinos

A história da usurpação de Dong Zhuo se espalhou pelo império e uma coalização de senhores da guerra se formou para destroná-lo. Essa formação não foi apenas importante para poder derrubar o usurpador, mas lançou as bases para que alguns dos senhores da guerra trilhassem suas próprias campanhas, no que resultaria anos depois na formação dos Três Reinos. 

No ano de 191 o general Yuan Shao (154-202) aliou-se ao seu irmão Yuan Shu e outros generais e senhores da guerra, dentre os quais: o ambicioso comandante Cao Cao (155-220) e seus primos, Xiahou Dun e Xiahou Yuan; o cavaleiro veterano de guerra Gongsun Zan (?-199); o honrado e respeitado general San Jian (155-192); e o famoso trio de irmãos juramentados, Liu Bei, Guan Yu e Zhang Fei. Embora os aliados lutassem por uma causa em comum, ainda assim, tratou-se de uma aliança frágil, pois nem todos os generais se entendiam, tampouco confiavam entre si, fato esse que houve desentendimentos nas ações militares. (DE CRESPEGINY, 2018, p. 87-89).

A coalizão desses generais e outros mais, formaram uma imponente força para sitiar a capital Luoyang, e derrubar o déspota Dong Zhuo, mas ele tomando conhecimento dessa coalização de generais leais ao império, decidiu fortalecer seu exército, convidando o famoso guerreiro Lü Bu (c. 156-198/199), o qual no Romance dos Três Reinos é um dos personagens mais famosos, considerado um "deus da guerra", sendo inclusive descrito tendo força sobre-humana e realizado várias proezas. Essa visão lendária sobre Lü Bu ainda hoje se conserva na cultura pop. Lü Bu foi apadrinhado por Dong Zhuo e recebeu a patente de general. Sua fama de implacável guerreiro, na época teria assustado os soldados inimigos, embora não se saiba até onde isso tenha sido verdade ou não passava dos floreios do romance. 

Ilustração do Romance dos Três Reinos no século XVI, retratando Lü Bu. 

Com o sítio às cercanias da capital, Dong Zhuo ordenou que a corte fosse evacuada para a cidade de Chang'an, antiga capital do império, a qual ele julgava ser mais fácil de ser defendida. A medida foi um ato bastante drástico e enfureceu a nobreza e a população, a qual se sentiu afrontada por ter que "fugir" para outra cidade. Isso também gerou uma opinião negativa para o usurpador, repercutindo na ideia de ele ser um covarde ou incompetente em não poder assegurar a capital. A situação piorou quando Dong Zhuo ordenou que a capital fosse incendiada, enfurecendo ainda mais a população em saber que perderiam suas casas que tiveram que ser abandonadas. 

Quando o cerco chegou à capital, essa em parte ardia em chamas. Além disso, o Romance dos Três Reinos relata vitórias importantes para Cao Cao e Sun Jian, além da lendária luta de Lü Bu contra os irmãos Liu Bei, Guan Yu e Zhang Fei, conhecidos como exímios guerreiros. Mesmo assim, o romance informa que eles não conseguiram derrotá-lo. A mudança da corte apenas adiou a derrota de Dong Zhuo, o qual acabou sendo traído por Lü Bu e o ministro Wang Yun, os quais consideraram ele não confiável e tendo perdido o controle da situação (embora o romance sugira que Lü Bu matou seu mestre por questão passional também, pois ele queria casar-se com Diao Chan, a qual o guerreiro tomou como prometida). (DE CRESPEGINY, 2007, p. 624).

4) Um império dividido
(192-200)

Com a morte de Dong Zhuo, o imperador-menino Xiangdi voltou aos cuidados de sua mãe e tutores, mas a guerra de sucessão não havia terminado. Os 18 generais que formaram a aliança contra o usurpador, agora haviam se desentendido e possuíam suas próprias ambições, o que incluía a conquista de terras. O mapa abaixo apresenta os territórios divididos entre os generais.

Mapa da China em 192, com as províncias dívidas por cada senhor da guerra. 

Neste mapa nota-se as divisões territoriais em que alguns territórios são maiores do que outros, apesar disso, não significava que em termos econômicos e militares os generais que os governavam fossem mais poderosos. De qualquer forma, vamos a alguns comentários. Yuan Shao, anterior comandante-em-chefe da aliança, conquistou terras ao norte do Rio Amarelo, fazendo a cidade de Ye como sua capital. Por sua vez, ele entrou em conflito com seus vizinhos e até se desentendeu com seu irmão Yuan Shu, o qual aliou-se ao nobre e general Liu Biao (142-208), o qual se apossou da maior parte da Província de Jing.

Por sua vez, Sun Jian que havia obtido o Selo Imperial na capital no ano anterior, entrou em conflito com os interesses de Liu Biao, acusando-o de abusar de seu cargo político e militar, isso levou o general pedir que seu "vassalo" Yuan Shu o confronta-se, resultando na morte de Sun Jian. Todavia, seus filhos Sun Ce e Sun Quan manteriam o controle das terras do pai, além de seguirem firme na guerra civil que se desenvolveu nos anos seguintes. 

Os governadores Liu Zhang e Shi Xie também expandiram seus territórios, mas aqui chamo atenção para Liu Bei, homem de origem pobre, mas que alegava ser descendente da realeza. Ele adentrou a aliança apresentando-se como preocupado com o resgate do imperador, mas aos poucos foi revelando sua ambição também, conquistando autoridade e terras para si. No entanto, o destaque agora vai para Cao Cao. 

Cao Cao
Cao Cao é retratado na cultura popular como um grande tirano da época anterior aos Três Reinos, no entanto, ele foi um estadista com visão, um exímio estrategista e conhecia a arte da diplomacia e possuiu uma boa rede de aliados e de informações. Cao Cao que começou de baixo na vida política e militar do império, soube galgar posições de forma limpa ou suja. Pelo mapa anterior nota-se que ele rapidamente após o resgate do imperador Xiangdu, tratou de firmar sua influência no centro da China, dominando terras ao redor da capital Luoyang. Sua proximidade com a corte foi fundamental para sua ambição por poder. Nos primeiros anos seu objetivo foi consolidar suas relações com a corte, assegurando influência, lealdade e favores, ao mesmo tempo em que ele mobilizou seus exércitos para enfrentar dois inimigos principais Yuan Shao e Yuan Shu, os quais o consideravam como um novo pretenso usurpador. Ele também entrou em conflito com o Tao Qian (132-194), governador de Xi. Além disso, soma-se o fato que Lü Bu passou a servir Yuan Shao, com isso, tínhamos quatro generais poderosos, em conflito pelas terras nos arredores do Rio Amarelo. (DE CRESPEGINY, 1991, p. 1-2).

O exército de Yuan Shao atravessou em 193, o rio Huei, indo atacar a posição de Tao Qian, o qual morreu em 194. Liu Bei que na época servia o governador foi também atacado, mas fugiu, desaparecendo de cena por alguns anos. Ele perdeu seus domínios e parte de seu exército. Com saída de Liu Bei e Tao Qian do jogo, Yuan Shao ficou a confrontar Cao Cao, enquanto Lui Biao e Yuan Shu lutavam contra outros inimigos. Também é importante salientar que Sun Ce (175-200) esteve a serviço de Yuan Shu. (DE CRESPEGINY, 1991, p. 3).

Os conflitos entre os vários generais continuaram, o que incluía também a adesão de governadores e prefeitos e outros militares as causas de cada um. Enquanto isso o imperador Xiangdi crescia sem poder político nenhum. No ano de 198, o general Lü Bu, foi morto em combate pelas tropas de Cao Cao. Sua morte afetou a moral e forças de Yuan Shao, apesar que esse ainda continuou resistindo aos ataques dos exércitos de Cao Cao. (DE CRESPEGINY, 1991, p. 4).

Por sua vez, Sun Ce destacou-se entre os anos de 195 e 200, participando de importantes batalhas a serviço de Yuan Shu, ou servindo outros senhores ou agindo por conta própria. O romance o destaca como um herói promissor, honrado e valente, mas que foi traído e assassinado aos 25 anos. Seu irmão Sun Quan herdou as terras da família e deu seguimento as campanhas de conquista. (DE CRESPEGINY, 2018, p. 160).

5) Os domínios de Cao Cao e Sun Quan se expandem (200-207)

Ainda no ano de 200, ocorreu a decisiva Batalha de Guandu, próxima ao Rio Amarelo, na fronteira dos territórios de Cao Cao e Yuan Shao. O exército de Cao venceu a batalha na ocasião, abrindo as fronteiras para o avanço de suas tropas. Dois anos depois, Yuan Shao faleceu e seus filhos Yuan Xi e Yuan Tan, não conseguiram manter o território. Em 204 os exércitos de Cao Cao tomaram a cidade de Ye, então capital do reino de Yuan Shao. Feito isso, o grande opositor dele, estava agora subjugado e seu reino foi anexado. O território do general Gao Gan (?-206) ainda resistiu por três anos, até que foi conquistado. (DE CRESPEGINY, 1991, p. 5-6).

Enquanto essa campanha de conquista se desenrolava no norte, no sul, o jovem Sun Quan (182-252) liderava com ousadia e êxito batalhas que subjugaram os domínios de Yuan Shu e o colocaram em conflito contra o governador Liu Biao. O general Huang Zu (?-208) lutou contra Sun Quan de 203 a 207, foi uma guerra longa e arrastada pelo controle das terras orientais da província de Ji, mas resultou na vitória de Sun Quan. (DE CRESPEGINY, 2018, p. 172-175).

Por sua vez, os outros senhores da guerra também perderam seus territórios ou conquistaram mais terras, no entanto, para esse resumo optei em focar em Cao Cao e Sun Quan, pois suas conquistas dariam origem a dois dos três reinos. 

Mapas mostrando a expansão dos reinos de Cao Cao e Sun Quan, entre os anos de 200 e 207. 

6) A Batalha de Chibi (208-209)

A Batalha de Chibi, que é também conhecida como Batalha das Colinas Vermelhas, foi um marco histórico nesse período de guerra civil entre os senhores da guerra que dividiam o império da Dinastia Han Oriental, entre si. Na ocasião, Cao Cao em sua sede de poder, ambicionava expandir seu reino para o sul, para além do Rio Yangtze (Rio Azul), indo de encontro aos poderosos Estados de Sun Quan e Liu Biao, considerados como seus inimigos. Nessa época Liu Bei saiu do anonimato e decidiu enfrentar seu antigo aliado, dessa vez optou em aliar-se a Sun Quan. 

O exército de Cao Cao era estimado em pelo menos 200 mil homens (o romance fala em 800 mil guerreiros) que marcharam contra os domínios de Sun Quan, o qual aliado a Liu Bei e outros generais, dispunha de em torno de 50 mil soldados. Apesar da desvantagem numérica, eles possuíam a vantagem territorial. O grande exército de Cao Cao teria problemas para atravessar o Rio Yangtze, por conta disso, foi decidido que seu exército seguiriam até a cidade de Jiangling. Ali, as tropas seriam embarcadas em barcaças para serem atravessadas. 

Todavia, no trajeto o exército de Cao Cao passou por Xiangyang ainda no começo do inverno de 208, em que se travou as primeiras batalhas. Porém, o exército de Sun e Liu recuaram para sofrer danos maiores. As tropas de Liu Bei seguiram ao largo do exército de Cao Cao, enquanto Sun Quian e Guan Yu mandaram seus homens pelo rio Han. Dias depois ocorreu a Batalha de Changban, a qual rendeu nova derrota para Liu Bei, forçando-a recuar de vez para se reunir aos seus aliados, com isso o exército inimigo chegou a Jiangling. (DE CRESPEGINY, 2018, p. 194).

Sun Quian e seus aliados decidiram interceptar o exército de Cao Cao no estreito chamado Chibi (Colinas Vermelhas), em 209, o qual permitiu que navios de guerra fossem posicionados para atacar as barcaças que transportavam as tropas inimigas. O número de mortos para o exército de Cao Cao foi elevado, forçando-o a decidir recuar e ser atacado pela retaguarda até de volta a Jiangling, de onde as tropas marcharam de volta para casa. 

Mapa da Batalha de Chibi em 208-209. 

A derrota de Cao Cao foi humilhante e adiou seus planos de conquista para o sul, por alguns anos. Por outro lado, a vitória aumentou o prestígio e autoridade de Sun Quian, e abriu caminho para os planos de Liu Bei, de agora conquistar um novo reino para si. 

7) As conquistas de Liu Bei (210-220)

Com a vitória nas Colinas Vermelhas em 209, Liu Bei saiu fortalecido mais do que nunca havia sido um dia. No ano de 210 o general Zhou Yu que servia Sun Quian, faleceu. O monarca então decidiu ceder o controle das terras de Liu Biao para Liu Bei, seu novo general de confiança. O problema é que Liu não era tão de confiança assim, pois embora o Romance dos Três Reinos passe a ideia de ele ter sido um guerreiro humilde e virtuoso, Liu Bei era tão ambicioso quanto Sun Quian e Cao Cao. 

Cao Cao passou a focar suas campanhas no noroeste para conquistar os territórios vizinhos, enquanto Sun Quian retornou para seu reino a fim de resolver outros assuntos e conter revoltas. Por sua vez, Liu Bei ficou governando seu novo território em Jing, até que foi convidado pelo general Liu Zhang que governava a província ocidental de Yi. Na ocasião, ele estava sofrendo ataques de Zhang Lu. No caso, Liu Bei aceitou a oferta para ajudá-lo, quando acabou traindo seu novo aliado. A traição ocorreu em 212, em que ele conseguiu convencer os generais de Liu Zhang a se unirem a ele, prometendo vários favores e recompensas. Por conta disso, os dois senhores da guerra se tornaram inimigos e Liu Bei conseguiu subjugar Liu Zhang em 214, conquistando para si o imenso território de Yi, de forma até mesmo fácil. (DE CRESPEGINY, 1991, p. 10).

Representação de Liu Bei, importante general e depois imperador de Shu.

A traição de Liu Bei contra Liu Zhang chegou aos ouvidos de Sun Quan, o que o teria deixado decepcionado e cauteloso, pois Liu Bei ambicionando cada vez mais poder, entrou em conflito contra seu antigo aliado. Os anos de 215 a 219 marcam o período da disputa fronteiriça entre Liu Bei e Sun Quan ao longo do Rio Xiang, que delimitava os domínios dos dois senhores. Essa disputa gerou várias batalhas das quais não destacarei aqui por conta desse texto ser um resumo, no entanto, mostra como como as aliança políticas e militares no final da Dinastia Han Oriental eram tremendamente frágeis, fato esse que aliados se tornavam inimigos, e os inimigos se tornavam aliados. 

8) A Campanha de Hanzhong (218-219)

No ano de 214, Cao Cao recebeu o título de Duque de Wei, em reconhecimento a suas vitórias nas campanhas no oeste. Todavia, em 217 ele passou a ser chamado de Rei de Wei, tendo lançado as bases para o Reino de Wei, o primeiro dos três reinos a se formalizar. Entre os anos de 218-219, Cao Cao empreendeu uma série de batalhas para tentar conquistar o reino de Sun Quan, pois ele estava decidido a ser o imperador de uma China unificada. (DE CRESPEGINY, 1991, p. 11).

Enquanto Cao Cao centrava sua atenção em combater os exércitos de Sun Quan, ele subestimou Liu Bei, o qual decidiu agir, dando origem a Campanha de Hanzhong, uma guerra de desgaste, onde pequenas batalhas estratégicas eram realizadas para minar aos poucos as forças inimigas, já que naquele tempo ainda eram comum as grandes batalhas campais, nas quais os exércitos se atacavam frontalmente e a batalha era resolvida no mesmo dia. De qualquer forma, as ações dos generais de Liu Bei, o que incluiu seu irmão Guan Yu surtiram efeito, levando a morte de várias tropas de Cao Cao, incluindo seu general Xiao Huan, um de seus veteranos de guerra. Com isso, o rei de Wei decidiu abandonar aquela posição e Liu Bei proclamou-se Rei de Hanzhong. 

Destaque para o território de Hanzhong, disputado por Cao Cao e Liu Bei. 

O Período dos Três Reinos

A partir de 220 surgiram os Reinos de Wei, Shu e Wu, cuja conturbada história manteve-se até 280, quando a Dinastia Jin conseguiu reunificar a China. A seguir apresentei alguns aspectos centrais desse período. 

1) Surgem os três reinos (220-226)

Tecnicamente o Reino de Wei já tinha surgido em 217, quando Cao Cao se proclamou rei, no entanto, a historiografia chinesa considera o início do Período dos Três Reinos apenas em 220, pois neste ano faleceu Cao Cao aos 65 anos, sendo ele sucedido por seu filho Cao Pi (187-226), o qual era então regente do imperador Xiangdi, forçando-o a assinar a abdicação e retirando-o formalmente do poder. O ex-imperador ainda viveu com regalias reais até o fim da vida, mas com sua abdicação, Cao Pi proclamou-se rei de Wei e pôs fim a Dinastia Han Oriental. (DE CRESPEGINY, 1991, p. 12).

Entretanto, Liu Bei considerou a ação de Cao Pi como um golpe de Estado, e tomou para si a herança da Dinastia Han, fato esse que ele proclamou-se rei de Shu Han, alegando dar continuidade a dinastia anterior. Por sua vez, Sun Quan que já era referido como príncipe ou rei por alguns, decidiu valer esse status quo. O rei Cao Pi exigiu que Sun Quan declarasse vassalagem para ele, mas isso foi negado, iniciando atrito entre ambos e gerando batalhas nas fronteiras entre os dois reinos, ocorrendo tais conflitos entre 222 e 225. Enquanto ambos lutavam entre si, Liu Bei aproveitou para atacar alguns dos territórios ocidentais de Sun Quan, sendo rechaçado. Nesse período os três reis estavam formalmente em guerra um conta o outro. (DE CRESPEGINY, 2018, p. 319).

As batalhas travadas por Cao Pi e Sun Quian entre 222 e 225. 

Em 223 os conflitos contra o reino de Shu Han foram temporariamente suspensos, pois o imperador Liu Bei (?-223) faleceu, além de que seu reino sofreu duras derrotas naquele ano. O trono foi herdado por seu filho Liu Shuan (207-271), na época com 16 anos, obrigando-o a ficar sobre tutoria do general Zhuge Liang (181-234) e o ministro Li Yan, os quais coordenaram batalhas contra rebeliões separatistas, ocorridas entre 223 e 225. Ambos conduziram a política de Shu por quase dez anos. No ano de 226 o imperador Cao Pi adoeceu e faleceu aos 39 anos, sendo sucedido por seu filho Cao Rui (c. 204-239), monarca pouco afeito a guerra como seu pai e avô. (DE CRESPEGINY, 1991, p. 16).

Os Três Reinos de Wei, Shu e Wu em meados do século III d.C. As fronteiras deles mudaram pouco ao longo de décadas, mas não significou que não houve tentativas de invasão. 

Por conta desse período histórico ter sido marcado por muitas batalhas, as deixei de fora, já que a ideia foi escrever de forma resumida sobre essa época. Além disso, a história ficaria um tanto repetitiva ao citar os inúmeros conflitos entre os três reinos beligerantes. Também é importante salientar que os reinos permaneceram quase inalterados de 230 a 260, não conseguindo invadir com sucesso um ao outro. Embora que Wei se expandiu rumo a Coreia e Wu se expandiu rumo ao sul. 

2) A crise sucessória de Wu (252-258)

O grande imperador de Wu, Sun Quan faleceu em 252, aos 70 anos, tendo reinado por mais de trinta anos. De fato, a história reconhece que seu longevo governo foi o período mais próximo e equilibrado da história de Wu. Com sua morte veio a instabilidade e as intrigas familiares e palacianas. O filho mais velho do imperador tinha morrido em 241, e o filho restante era um menino de sete anos chamado Sun Liang (243-260), o qual ficou sob regência do general Zhuge Ke, homem de confiança do antigo monarca. O problema é que a família Sun não aceitava que o novo monarca fosse uma criança, com isso, primos do novo imperador começaram a conspirar para destroná-lo. (DE CRESPEGINY, 1991, p. 17).

No ano de 253 o general Zhuge Ke desertou após uma derrota para Wei, posteriormente mandaram assassiná-lo, com isso o imperador-menino perdia seu protetor. Dessa forma, seu primo o general Sun Jun (219-256) tornou-se seu novo regente, e passou a tramar para matar o primo e tomar o poder para si. Isso deu início a uma conspiração familiar em que vários membros da família Sun começaram a tramar para poder controlar o imperador. Os planos de Sun Jun foram interrompidos em 256 por conta de nova guerra contra Wei, em que ele partiu para liderar o exército e morreu no conflito. Seu sucessor designado era seu primo Sun Chen (232-259), que herdaria o comando do exército e o cargo de regente, evidentemente que outros membros da família Sun não gostaram disso, pois defendiam uma votação para escolher o regente e tutores do imperador. (DE CRESPEGINY, 1991, p. 17).

As intrigas familiares continuaram gerando conflitos e assassinatos de parentes, e a situação piorou, pois Wei voltou a invadir Wu. Em meio as esses problemas políticos e militares, o príncipe Sun Xiu (235-264) arquitetou um golpe de Estado, derrubando Sun Chen da regência e mandando executá-lo posteriormente. Após se tornar o novo regente, Sun Xiu forçou o imperador Sun Liang a abdicar em 258, e assim tomou o poder para si, sendo eleito novo soberano de Wu. (DE CRESPEGINY, 1991, p. 17).

2) A crise de Wei e Shu (260-264)

Ao longo dos anos, Shu Han manteve guerra continua com Cao Wei e Wu, no entanto, as fronteiras do norte. Entretanto o início da década de 260 se mostrou problemático para Wei e Shu. O imperador Cao Mao (241-260) era manipulado por seu general Sima Zhao (211-265), que o considerava fraco, já que Cao Mao assumiu o poder após a deposição de seu antecessor, Cao Fang, apesar disso, parte da política de Wei não apreciava o novo monarca, condição essa que no ano de 260, Sima Zhao participou de um novo golpe de Estado que resultou no assassinato do imperador. O general ambicionava tomar o poder, mas por conta das batalhas contra Shu, ele adiou seus planos, colocando o monarca fantoche Cao Huan (246-302). 

Sima Zhao, o homem por trás da crise política de Wei e a conquista de Shu. 

Enquanto Wei passava por essa crise política e sucessória, em que em uma década ocorreram dois golpes de Estado, Shu seguia com o governo mais equilibrado, apesar que os planos de guerra estivessem sob comando do ambicioso general Jiang Wei (202-264), o qual ansiava por glória e fama, podendo provar que seria capaz de conquistar Wei. Todavia, os anos de 262-263 foram desastrosos para Shu, pois embora anteriormente Jiang Wei tenha conquistado importantes vitórias, no entanto, as derrotas seguidas abriram uma grande brecha nas defesas do reino, permitindo que o exército de Wei avançasse até Chengdu, a capital. (DE CRESPEGINY, 1991, p. 23).

Após conquistar importantes cidades no norte de Shu, os exércitos de Wei sitiaram a capital Chengdu, e durante o cerco o imperador Liu Shian e o general Jiang Wei se renderam. A cidade foi ocupada pelos meses seguintes, em que o general Sima Zhao ofereceu conceder asilo político ao imperador Liu Shian, se ele abdicasse do trono e reconhecesse oficialmente sua submissão e transferência de suas terras ao reino de Wei. O monarca aceitou os termos pesados para poupar sua vida e de sua família, retirando-se para Luoyang, antiga capital da Dinastia Han. No entanto, o general Jiang Wei ainda tentou um contra-ataque naquele ano, mas foi derrotado e executado. Outros generais e governadores de Shu se rebelaram também 264, mas as revoltas foram sufocadas nos meses seguintes, inclusive Wu chegou aproveitar esse momento caótico e invadiu a região de Badong, tomando território para si. (DE CRESPEGINY, 1991, p. 23).

O imperador Liu Shian, em 264, aceitou abdicar de seu império em troca de asilo político. 

3) A ascensão da Dinastia Jin e o fim dos Três Reinos (265-280)

Com a vitória sobre Shu e a contenção das revoltas, Sima Zhao agora estava pronto para assumir o trono do império que ele havia usurpado e acabado de ampliar. Ele deu origem a Dinastia Jin (265-420) e posteriormente passou a ser reconhecido como imperador Wei. Todavia, ele acabou adoecendo e faleceu em 266, porém, legou ao seu filho Sima Yan (236-290) a missão de consolidar o governo da nova dinastia e unificar a China. (DE CRESPEGINY, 1991, p. 106).

Em azul claro o Império Jin e em vermelho o Reino de Wu, no ano de 266. 

Tecnicamente quando Wei conquistou Shu, deixou de haver três reinos, todavia, a historiografia e o romance mantiveram o nome Três Reinos até a data de 280, período no qual demarca a queda do Reino de Wu, o qual foi conquistado e anexado pelo Império Jin. Entretanto, Wu ainda resistiu por 15 anos as investidas de Jin, tornando-se uma guerra longa e arrastada, focada principalmente na antiga Fronteira Shu-Wu, delimitada por alguns rios entre os dois reinos. Nesse período, basicamente tivemos apenas dois monarcas inimigos, Sima Yan que adotou o nome de Wu de Jin e Sun Hao, ambos estiveram a frente de seus reinos neste período de quinze anos de conflitos. 

O imperador Wu de Jin, foi responsável por consolidar a nova Dinastia Jin, pôr fim aos Três Reinos e unificar a China. 

A partir de 269 os exércitos de Jin começaram a serem ampliados, treinados e equipados para as futuras campanhas que ocorreriam ao longo da década de 270. Em termos de homens disponíveis e recursos, Jin estava em vantagem, pois agregava toda a força militar de Wei e Shu. Por sua vez, Wu não dispunha de ajuda aliada externa, apesar que controlasse a maior parte da costa chinesa, no entanto, isso não foi de grande utilidade, pois as batalhas navais que ocorreram, foram travadas em rios, não no mar. 

Além da desvantagem numérica em termos de contingente militar, Wu também passava por um período de instabilidade política. O imperador Sun Hao acabou elevando os impostos para armar seu exército, mas isso desagradou a população, principalmente pela condição do monarca adotar um estilo de vida boêmio, regrado a vinho e mulheres, o que acabou fazendo sua popularidade decair bastante. Por sua vez, os ministros e generais consideravam ele incompetente como seu antecessor, e mesmo sendo da família Sun, não tinha herdado a honra e altivez de Sun Jian, Sun Ce e Sun Quan. (DE CRESPEGINY, 2018, p. 170).

Com as vitórias obtidas por Jin na década de 270, o terreno para o ataque final estava preparado. Em 279 os veteranos generais Du Yu (222-285) e Wang Jun (206-286), iniciaram a campanha derradeira para a conquista do decadente de desmoralizado reino de Wu. Os exércitos de Jin marcharam e atacaram por seis direções pressionando as defesas de Wu em direção a capital. A campanha durou meses e no final de maio de 280, com a capital sitiada, o imperador Sun Hao declarou rendição. Sua vida foi poupada em troca de ele abdicar do trono e reconhecer a derrota para o imperador Wu de Jin. (DE CRESPEGINY, 2018, p. 432).

Com a vitória sobre Wu, em 280, a China foi reunificada sob uma única dinastia.

A Dinastia Jin inauguraria uma nova era para a história da China, reunificando o país até o século V, quando o império Jin se fragmentou em dezesseis reinos, dando início a uma nova guerra civil que durou menos tempo do que a guerra que levou aos Três Reinos, ainda assim, gerou consequências drásticas para o país. 

De qualquer forma, encerro por aqui a história da Era dos Três Reinos, um período turbulento e sangrento da história chinesa, embora que também teve sua prosperidade e desenvolvimento cultural, principalmente nas capitais reais. Entretanto, foi uma época de muitas guerras, batalhas, grandes generais e estrategistas, corrupção, traições e conspirações. Curiosamente as produções culturais atuais tendem a focar mais no período de formação dos reinos do que no desenvolvimento deles, isso deve principalmente pela fama alcançada por homens como Cao Cao, Liu Bein, Sun Ce, Sun Quan, Lü Bu, Dong Zhao, Guan Yu, Zhang Fei, Yuan Shao, entre vários outros que foram citados aqui ou ficaram de fora. Essa fama se deve principalmente a popularidade do Romance dos Três Reinos, que inclusive foi essencial para despertar o interesse dos historiadores chineses ainda no século XVI para estudar esse período da história chinesa. 

Lista de monarcas dos Três Reinos:

Reino de Wei (217-266)
  • Cao Cao (217-220): fundador do reino e da dinastia
  • Cao Pi (220-226)
  • Cao Rui (226-239)
  • Cao Fang (239-254): sofreu golpe de estado
  • Cao Mao (254-260): sofreu golpe de estado
  • Cao Huan (260-266): sofreu golpe de estado
Reino de Wu (222-280)
  • Sun Quan (222-252): fundador da dinastia
  • Sun Liang (252-258): sofreu golpe de estado
  • Sun Xiu (258-264): assumiu após um golpe de estado
  • Sun Hao (264-280): abdicou após derrota para Jin
Reino de Shu (220-263)
  • Liu Bei (220-223): fundador do reino e da dinastia
  • Liu Shan (223-263): abdicou após derrota para Wei

NOTA: A história dos três reinos inspirou a franquia Romance of the Three Kingdons, criado em 1985, pela Koei, consistindo numa famosa série de jogos de estratégia por turno. 

NOTA 2: Baseado também nessa história, anos depois a Koei Tecmo lançou a franquia Dynasty Warriors em 1997, consistindo num jogo de ação-aventura do tipo musou. 

NOTA 3: O filme Dynasty Warriors (2021) mescla os acontecimentos da Revolta dos Turbantes Amarelos e a conspiração de Dong Zhuo. 

NOTA 4: O filme a Batalha dos Três Reinos (2008-2009) que é dividido em duas partes, narra os acontecimentos ocorridos durante a Batalha de Red Cliffs ou Batalha de Chibi, ocorrida entre 208 e 209. 

NOTA 5: O jogo Total War: Three Kingdoms (2019) traz à renomada franquia Total War o período histórico dos reinos chineses. 

NOTA 6: As histórias dos Três Reinos inspiraram uma diversidade de mangás, filmes, romances, peças de teatro, animes e jogos de videogame, tabuleiro e carta. 

Referências Bibliográficas:

DE CRESPIGNY, Rafe. A biographical dictionary of Later Han to the Three Kingdoms (23-220 AD). Leiden/Boston, Brill, 2007. 

DE CRESPIGNY, Rafe. Fire over Luoyang. A History of the Later Han Dynasty 23-220 AD. Leiden/Boston, Brill, 2016. 

DE CRESPIGNY, Rafe. Generals of South. The Foundation and Early History of The Three Kingdoms State of WuNo. 16 of the Asian Studies Monographs: New Series of the Faculty of Asian Studies at the Australian National University, 2018. 

DE CRESPIGNY, Rafe. The Three Kingdoms and Western Jin: A History of China in the 3rd Century ~I. East Asian History, vol. 1, june 1991, p. 1-36. 

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Canis pugnax: os cães de guerra da Roma Antiga

O uso de cachorros na guerra é uma prática militar que remonta desde a Antiguidade e até hoje adotada, com diferentes usos. Em geral os cães de guerra foram usados para intimidação, perseguição, combate e rastreio. Diferentes raças foram empregadas por diversos exércitos de distintas nacionalidades ao longo da História. Ainda hoje os cães militares são usados pelas forças armadas, polícias e forças especiais, principalmente para resgate, perseguição e rastreamento de drogas e explosivos. O presente texto abordou um caso específico sobre cães de guerra, a chamada raça canis pugnax, empregada pelos antigos romanos em seus exércitos e para outros fins também. Devido a escassez de fontes sobre o tema, o texto acabou ficando curto. 

O molosso grego

O termo canis pugnax refere-se a uma raça que hoje não existe. Tais cães surgiram do cruzamento de espécimes da raça molosso, de origem grega, desenvolvida pelos Molossos que habitavam o Épiro. Consistindo em cães grandes, peludos e pesados, usados para a guarda e o pastoreio de bovinos e equinos. Em alguns casos, eles também eram treinados para a caça e até o combate, havendo menções por parte de filósofos, poetas e dramaturgos gregos e romanos, os quais fizeram referências a essa raça. (The Dog Encyclopedia, 2013, p. 70). 

O molosso grego com o tempo foi extinto por motivos desconhecidos e não se sabe quando isso aconteceu. No entanto, a raça deu origem a três categorias: os molossos, os dogues e os mastins, sendo que essas categorias compreendem dezenas de raças com características em comum. Devido a essa diversidade, algumas dessas raças foram usadas pelos romanos para criar seus cães de guerra. 

O canis pugnax nos jogos de gladiadores

O emprego de cães no exército pelos romanos, ainda começou na época da República (509-27 a.C), embora os romanos já criassem cães antes disso, para usos como guarda, caça e companhia. Mas à medida que o Estado tornou-se expansionista, o número de guerras aumentaram, consequentemente a conquista de territórios e assimilação de culturas, tradições, costumes, hábitos e espécies animais e vegetais. Os gregos, germânicos, gauleses, egípcios, persas, citas, entre outros povos, já faziam uso de cães de guerra, e os romanos enxergaram um potencial nisso, embora que tenha sido algo aplicado de forma tardia. (FORSTER, 1941, p. 114-115). 

Para fins de guarda e combate nas arenas, os romanos passaram a cruzar diferentes raças de molossos para chegar a espécimes que se adequassem aos intentos marciais: cães de porte grande com seus 60 cm de altura, aspecto bruto, latido grave e intimidador, pesando entre 40 a 50 kg, de cor preta, obedientes, territorialistas, leais e ferozes. Com isso, o "molosso romano" para fins de combate, passaram a serem chamados de canis pugnax "cão de combate". 

No século IV a.C os jogos de gladiadores se tornaram um evento regular e prestigiado no mundo romano. Além da luta entre homens - e menos usualmente entre mulheres também -, foi inserido o combate com animais, tais partidas eram chamadas de venatios, as quais teriam começado no século II a.C, sendo um dos relatos mais antigos conhecido, datado de 186 a.C. As venatios emulavam caçadas, mas também a luta entre homem e animal. Eram usados animais selvagens como leões, leopardos, elefantes, girafas, lobos, ursos, javalis, cervos, e animais domésticos como touros, cavalos e cães. As lutas poderiam incluir combates apenas entre os próprios animais, em outros casos, cães e outros bichos eram adestrados para fazerem truques como no circo. Usava-se também esses animais para intimidar e executar prisioneiros e criminosos. (WILLMOTT, 2009, p. 12-19). 

Ilustração retratando como teriam sido os canis pugnax nos jogos de gladiadores. 

"Os animais ferozes eram soltos na arena depois de terem sido mantidos em jejum e na obscuridade; sua morte tinha que ser espetacular, e em muitos casos havia uma espécie de corrida com touros ou rinocerontes, lutas entre animais e caçadas nas quais os animais perseguiam homens desarmados que, inevitavelmente, acabavam despedaçados. Muita atenção era dada à cenografia, que buscava recriar o ambiente natural das feras". (LIBERATI; BOURBON, 2005, p. 72).

Sendo assim, o canis pugnax inicialmente foi criado para ser usado nas arenas, para os jogos mortais dos gladiadores. No entanto, os romanos perceberam que aqueles cães de combate poderiam ter um uso prático também pelo exército. Os gregos, germânicos e gauleses já faziam uso de cães de guerra, inclusive à medida que os domínios romanos se expandiam pela Gália, Germânia e Bretanha, os romanos tomaram contato com outras raças caninas, e passaram a cruzá-las com seus molossos, originando novas raças de canis pugnax. (IRELAND, 2008, p. 16, 215-216). 

Mosaico romano retratando um cachorro de guarda. Não se sabe se seria um canis pugnax ou outra raça. 

Os cães de guerra

Stanley Ireland (2008, p. 16, 162) informa que o uso de cães de guerra pelos exércitos romanos teria começado por volta do século I a.C, quando Júlio César (100-44 a.C) e outros generais invadiram a Gália (atual França) e a Bretanha (atual Inglaterra), ali eles ficaram interessados no emprego dos cães de guerra, vindo adotar seu uso em campanhas posteriores, embora o uso de cachorros pelo exército romano não foi uma prática regular como se pensa, não havendo esquadrões caninos. 

Inclusive são poucos os relatos do uso desses cães no campo de batalha, embora que exista a problemática que alguns autores acabassem não dando importância a esses animais, ocultando a presença deles nos acampamentos, mesmo que fosse para a guarda, alerta, rastreio e intimidação. Por sua vez, os gregos possuem mais relatos sobre o uso de cães de guerra, incluindo o fato de que Felipe II da Macedônia e Alexandre, o Grande, possuíam apreço por esses animais, embora servissem como cães de guarda. (KITCHELL JR, 2013, p. 50). 

    Desenho retratando legionários acompanhados de canis pugnax. 

No caso romano, os relatos sobre o uso de cães de guerra são escassos o que sugere que não foi uma prática habitual desse povo, já que em geral os poetas e escritores exaltam os cães como animais de guarda, caça e na luta nas arenas, mas raramente falam do uso deles no campo de batalha. O historiador Públio Tácito (c. 56-117) em seu Anais, escreveu que havia a presença de cães em acampamentos e bases, atuando na guarda e alerta, as vezes usados para intimidação também de prisioneiros e na captura de fugitivos, mas seu uso na batalha na era regular. Tácito também informa que geralmente as legiões situadas na Germânia, Bretanha, Dácia e Trácia faziam mais uso de cães de guarda. (KITCHELL Jr, 2013, p. 51). 

Durante o reinado do imperador Marco Aurélio (r. 161-180), fizeram uso de canis pugnax em guerras, pelo menos o que se atesta no monumento dedicado ao monarca. Coluna de Marco Aurélio foi concluída em 193, após a morte do imperador, no entanto, ela foi erguida como monumento comemorativo da vitória de suas legiões contra as tribos germânicas dos marcomanos e dos quados, e depois contra o povo sármata no leste europeu, ocorrido no ano de 176. No caso, cães foram empregados em algumas campanhas, apesar de se desconhecer o uso exato deles, se teriam servido apenas como cães de guarda e rastreio, ou foram usados em batalhas. No monumento há sugestão de que cães participaram dos conflitos. 

Detalhe da coluna comemorativa do imperador Marco Aurélio, mostrando um legionário romano segurando um canis pugnax pela coleira, enquanto outro cachorro está de boca aberta para o inimigo. 

Raças descendentes dos cães de guerra romanos

Existem controvérsias de quantas raças teriam se originado e se todas as que são citadas, realmente descendem daquela época ou são originárias de raças bem posteriores. No entanto, de acordo com a The Dog Encyclopedia (2013), algumas raças que teriam se originado a partir de cães usados na Roma Antiga, foram: 

  • Cane corso: raça originária da Córsega, descende de antigas raças de molossos romanos, usadas para a guarda, pastoreio e a guerra. Sua aparência deveria ser a mais próxima do canis pugnax
  • Mastim: uma raça surgida do molosso, que deu origem a várias sub-raças. Os mastins eram usados como cães de guarda, caça e guerra. 
  • Mastim napolitano: raça de porte grande, surgida a partir do cruzamento de vários mastins, que eram usados como cão de guarda, de combate nas arenas e no exército. 
  • Rottweiler: raça de origem alemã que descenderia do cruzamento de raças germânicas e de molossos romanos. Era empregado para a guarda, pastoreio e guerra. 
Nesse vídeo temos um evento de recriacionismo histórico, mostrando homens vestidos como gladiadores e funcionários dos jogos, e a presença de canes corso como os canis pugnax. 

NOTA: Considera-se que a raça mais próxima do molosso seja o atual molosso-do-épiro, o qual ainda conserva traços em comum e segue sendo criado na mesma região de seus ancestrais. 
NOTA 2: Os romanos criaram diferentes raças de cães, embora seja difícil precisar elas, mas sabe-se por pinturas e esculturas que haviam raças usadas na caça, guarda, combate e como cães de companhia. 

Referências bibliográficas: 
FORSTER, E. S. Dogs in Ancient Warfare. Greece & Rome, v. 10, n. 30, 1941, p. 114-117. 
IRELAND, Stanley. Roman Britain: A Soucerbook. 3 ed. London, Routledge, 2008. 
KITCHELL Jr, Kenneth F. Animals in the Ancient World from A to Z. London, Routledge, 2013. 
LIBERATI, Anna Maria; BOURBON, Fabio. A Roma Antiga. Tradução Alexandre Martins. Barcelona, Ediciones Folio S. A, 2005.
THE Dog Encyclopedia. The definitive visual guide. New York, DK Publishing, 2013. 
WILLMOTT, Tony. Gladiadores: feras em combate. Tradução de Amanda Nero, Revista BBC História, vol. 3. São Paulo, Tríada, 2009. p. 12-19. 

segunda-feira, 5 de julho de 2021

O Coliseu ao longo da História: de arena a atração turística

O Coliseu é um dos monumentos arquitetônicos mais famosos da Itália, e símbolo da própria cidade de Roma. Desde a Antiguidade sua imponência já causava admiração e perpetuava sua fama pelo Império Romano. Tais características se mantiveram nos séculos seguintes, mesmo que de forma menos marcante devido ao abandono dessa arena. O presente texto conta de forma resumida a história dessa icônica edificação romana, de quase dois mil anos de idade. 

A arena de gladiadores

Ainda na época republicana (509-27 a.C), os jogos de gladiadores tiveram início e se popularizaram pelos domínios romanos, levando a construção de arenas para esse esporte sangrento. Em geral as arenas eram pequenas, em alguns casos, eram improvisadas, contendo arquibancadas e camarotes de madeira. No entanto, em algumas cidades onde havia ricos interessados nos jogos, eles patrocinavam a construção de arenas em pedra. Em alguns casos políticos também faziam isso, pois as arenas mobilizam dinheiro, geravam empregos, eram fontes de entretenimento e de prestígio social. Algo alavancado pela chamada política do pão e circo (panem et circenses), conhecida por empregar a distribuição de pães e fornecer jogos e eventos para entreter a população e amenizar a insatisfação pública. 

Pensando nisso, o imperador Vespasiano (9-79), teve a ideia de construir uma arena ou anfiteatro como também eram chamadas, de forma a promover seu governo. A ideia de um político fazer tal obra não era novidade na Roma Antiga, porém, Vespasiano tinha uma ideia ambiciosa: construir a maior arena que o mundo romano já tinha visto. E essa arena seria construída em Roma, próxima ao Fórum Romano, o coração político do império. 

O local escolhido, fica situado entre as colinas de Célio, Esquilino e o Palantino, localidade na qual poucos anos antes, o imperador Nero (r. 37-68) escolheu para construir seu palácio, o Domo Áurea, além de construir um lago artificial e uma grande estátua em sua homenagem. Vespasiano tinha sucedido Nero, o qual realizou um conturbado governo em seus anos finais, gerando uma crise política e abalando o prestígio imperial. Diante disso, Vespasiano mandou derrubar o palácio e drenar o lago, e no local iniciar as obras do Anfiteatro Flaviano, nome dado em homenagem a dinastia que ele estava fundando, os Flavianos. (WOOG, 2014, p. 18). 

As obras do Coliseu iniciaram-se em 72 e se estenderam até 80. Inicialmente a arena oval foi construída com tijolos e cobertos com argamassa, somente depois recebeu pedras e o revestimento de travertino (tipo de rocha calcária, bastante usada na época para revestimentos, emulando o granito), que hoje ainda existe. No entanto, Vespasiano faleceu em 79, não podendo ver a conclusão das obras da grande arena. Ele foi sucedido por seu filho Tito (39-81), o qual governou brevemente por dois anos, vindo a adoecer em campanha militar. Todavia, Tito conseguiu realizar a inauguração do anfiteatro, com muitos eventos. No caso, ele convocou 100 dias de atividades na arena, com lutas de gladiadores, lutas contra animais, batalha naval (naumaquia), execução de criminosos, apresentações de dança e música. (POLIDORO, 2016, p. 10). 

Autores da época falam que 5.000 animais teriam sido abatidos nesse primeiro ano. Enquanto centenas de gladiadores teriam morrido também. Os cem dias de jogos para a inauguração do Anfiteatro Flaviano foram gigantescos e tremendamente exagerados e sanguinolentos. (LISTRI, 1998, p. 17).

Com a morte de Tito devido a uma febre maligna que se apossou dele, o imperador foi sucedido por seu irmão Domiciano (51-96), o qual durante seu governo realizou algumas obras de embelezamento do anfiteatro e a conclusão de outras reformas inacabadas referentes ao sistema de bombeamento de água para as naumaquias, as celas dos animais, salas de espera, depósitos, maquinário para mover os portões e alçapões. (POLIDORO, 2016, p. 10).

Dessa forma, o Coliseu estava definitivamente estabelecido com seus quase 50 metros de altura, 80 arcos na fachada, 150 metros de comprimento e 188 de largura, contendo na época três andares (o quarto andar foi construído no século III), podendo abrigar inicialmente entre 50 a 55 mil telespectadores, depois estendendo-se para 70 a 80 mil espectadores com a conclusão do quarto andar. De qualquer forma, o sonho de Vespasiano de mandar construir a maior arena que os romanos conheceriam, tinha se concretizado. (LISTRI, 1998, p. 17).

Maquete da cidade de Roma no auge do império, no século II. Em destaque o Coliseu. 

A megalomania sangrenta do Coliseu perdurou por séculos. Por exemplo, no ano de 107, o imperador Trajano (r. 98-117), para celebrar a vitória sobre os dácios, decretou 123 dias de jogos. Segundo autores da época - provavelmente dados exagerados -, nesse período 11 mil animais e 10 mil gladiadores teriam morrido nas areias do Coliseu. Tendo sido o maior evento de combates já visto na história dessa arena. (WOOG, 2014, p. 41). 

O Coliseu recebeu algumas reformas ainda no governo de Domiciano, mas somente no século III, durante os reinados de Severo (r. 222-235) e Gordiano III (238-244), o quarto andar foi concluído, além de reformas na fachada e em outras dependências. A arena continuou a ser utilizada de forma contínua ao longo de séculos. Embora que em determinadas épocas seu uso fosse menor ou maior a depender dos acontecimentos e contexto da época. Em alguns casos imperadores ordenavam grandes celebrações para se comemorar vitórias militares, em outras situações, senadores, cônsules e outros políticos patrocinavam lutas por prestígio social próprio. 

Os jogos de gladiadores apresentaram declínio no século IV. O imperador Constantino, o Grande (272-337), por volta do ano de 313, decretou o fim de tais jogos e as execuções. Devido a sua política pacifista e sua conversão a fé cristã, Constantino decidiu mudar alguns hábitos romanos como o esporte sangrento, considerado algo bárbaro e típico dos pagãos. Durante seu governo compartilhado e depois sozinho, os jogos praticamente foram banidos no Coliseu, embora ocorressem em outras arenas. Todavia, após a morte de Constantino, as batalhas voltaram a ocorrer normalmente até 390, quando o imperador Teodósio, o Grande (379-395), voltou a proibir as lutas de gladiadores. Embora que date do ano de 404 o relato de um monge cristão, chamado Telémaco, o qual protestou no Coliseu pelo fim das batalhas, o que mostra que a decisão de Teodósio não foi mantida por seus sucessores. Historicamente registra-se que apenas em 523, já após o fim do império romano, foi que as últimas batalhas que se tem notícia no Coliseu, ocorreram. Nessa época, inclusive os jogos já não eram mais populares e nem ocorriam regularmente. (WOOG, 2014, p. 59-61). 

O Coliseu na Idade Média

De fato, o uso do Coliseu como arena de jogos de gladiadores, findou-se no período medieval, no ano de 523, sendo esse decreto possivelmente dado pelo rei Teodorico, o Grande (454-526), mantido por seus sucessores e apoiado pelo imperador bizantino Justiniano (r. 527-565), o qual preferia as corridas de cavalo e abominava as lutas de gladiadores. Mas se a função principal do Coliseu era servir como uma arena para combates, o que aconteceu com ele, quando as lutas foram definitivamente proibidas?

Se desconhece muito da história desse edifício durante os séculos que se seguiram ao fim de seu uso como arena e local de execução de criminosos. Todavia, um dos primeiros problemas que surgiram foi a falta de manutenção. Os reis ostrogodos deixaram de dirigir recursos para a manutenção do anfiteatro; o que o tornou no linguajar brasileiro um "imenso elefante branco", ou seja, uma grande construção que não servia para nada, apenas ocupava espaço no centro de Roma. 

O Coliseu representado num mapa medieval de Roma, de data incerta. 

Com o gradativo abandono do Coliseu, isso permitiu atos de vandalismo, como pichações, depredações, saques de objetos, estátuas, e até mesmo a remoção de tijolos, pedras e revestimentos da arena. Entretanto, Woog (2014, p. 64) comenta que em diferentes épocas há relatos de que o Coliseu nem sempre ficou fechado e abandonado, outros usos foram dados para ele: lojas foram ali estabelecidas, o que incluía uma feira; mendigos usavam as salas e corredores para se abrigar; prostitutas faziam ponto ali (embora elas fizessem isso durante o uso do anfiteatro como arena); algumas pessoas criavam animais na arena e essa até mesmo foi tomada de vegetação e serviu de cemitério por algum tempo. 

Entretanto, por volta de 1130, a influente família Frangipani, conseguiu o direito de posse sobre o Coliseu, tornando-o uma fortificação para seus interesses políticos ao longo de um século. Porém, pouco se conhece sobre esse período da história, mas a arena teria sido abandonada pelos Frangipani por volta de 1240, quando a autoridade e poder da família entrou em declínio, sendo inviável manter aquela enorme estrutura. Nesse período o papa Inocêncio IV (1243-1254) cogitou tornar o Coliseu um hospital, mas ele faleceu antes de levar a ideia para frente, e o prédio voltou a ficar abandonado. (BOMGARDNER, 2001, p. 222). 

O Coliseu também foi alvo de pelo menos três fortes terremotos ocorridos em 847, 1231 e 1349, que afetaram sua estrutura, gerando desabamentos. Sendo o terremoto ocorrido no ano de 1349, o mais forte registrado na época, causando o colapso de metade do quarto andar e parte do terceiro. No entanto, ele nunca foi restaurado e a população aproveitava para saquear os destroços para usar em suas casas. Apesar que as próprias autoridades também decretavam o uso dos escombros e do que fosse útil, para ser reutilizado em obras como escolas, hospitais, quartéis, igrejas, etc. Por essa época o Coliseu seguia abandonado, tomado pelo mato em volta, frequentado por mendigos, prostitutas, agiotas, bêbados e criminosos. (WOOG, 2014, p. 64) 

No século XIV o Coliseu foi usado também para a realização de touradas. Isso teria começado em 1332, antes do grande terremoto daquele século. Na ocasião o rei Luís V da Baviera (r. 1315-1361) visitou Roma em 1332, e para celebrar sua visita uma tourada foi realizada. Algumas pessoas se interessaram pelo evento e passaram a realizá-lo de forma esporádica. No entanto, a tentativa de tornar o Coliseu numa arena de touros não foi bem sucedida, pois os romanos não demonstraram tanto interesse naquele espetáculo. Mesmo assim, touradas ainda eram realizadas as vezes na arena até o século XVI. (WOOG, 2014, p. 65).

Um último aspecto a ser citado a respeito do período medieval é o fato que o Coliseu recebeu este nome por essa época, embora não se saiba a data exata. O nome adveio da antiga estátua de bronze do imperador Nero que no começo da Idade Média ainda existia. Por se tratar de uma grande estátua ela era referida como colosso. E eventualmente passaram a se chamar o Anfiteatro Flaviano de Coliseu, mesmo após a estátua ter sido derrubada e desmanchada. 

O Coliseu na Idade Moderna

Nos tempos modernos a arena continuou a não ter um uso fixo, servindo de abrigo para mendigos, agiotas, apostadores, ladrões e prostitutas. No entanto, devido ao Renascimento, a edificação tornou-se palco para eventos artísticos como concertos, peças de teatro, apresentações circenses, espetáculos de dança. Mesmo assim, nenhum mecenas se interessou ao ponto de comprar ou local para torná-lo numa casa de espetáculos, fazendo o Coliseu seguir com um uso esporádico para esses eventos artísticos. (BOMGARDNER, 2001, p. 224). 

Durante o breve pontificado do papa Sixto V (1585-1590), ele teve a ideia de tornar o Coliseu numa fábrica de tecidos, para se produzir lã e seda, além de fabricar roupas também. No entanto, o papa não conseguiu apoiadores e financiadores para sua ideia e essa foi abandonada. (WOOG, 2014, p. 65).

Dessa forma o anfiteatro seguiu as décadas seguintes sem ter um uso contínuo, ou receber algum tipo de reforma. Pelo contrário, cada vez mais seus tijolos, pedras e revestimentos eram subtraídos para serem usados em outras obras, fossem públicas ou privadas. 

Em 1749 o papa Bento XIV (1740-1758) decretou o Coliseu num local santificado para se honrar os mártires cristãos executados ali. A ideia era até tentar transformá-lo numa igreja e talvez local de peregrinação. O problema é que a ideia acabou não empolgando o clero e nem a população. O Coliseu foi santificado e até recebeu cruzes, um pequeno santuário e a Estação da Cruz, além de uma faxina social, em que se expulsou os mendigos, prostitutas e outros marginais. Mas a proposta de virar uma igreja nunca foi aprovada. Tampouco a ideia de virar local de peregrinação aos primeiros mártires romanos. (BOMGARDNER, 2001, p. 223). 

O Coliseu e o Arco de Constantino por volta de 1747, pintado por Giovanni Paolo Panini. O pintor concedeu um toque mais rural aos arredores, embora que na realidade fosse quase desse jeito mesmo, pois essa área de Roma não era urbanizada. 

O Coliseu na Idade Contemporânea

Embora o projeto de Bento XIV não tenha sido concluído totalmente, no entanto, ele chamou atenção de outros papas para a preservação daquele local de martírio. Dessa forma, nas décadas seguintes o Coliseu recebia esporadicamente processos de limpeza, em geral para se expulsar animais e mendigos, cortar a vegetação, e em alguns casos realizar pequenos reparos. Mesmo assim há relatos e pinturas mostrando o abandono da grande arena. 

Além disso, no XIX, o Coliseu ganhou fama novamente como atração turística, despertando o interesse dos antiquaristas, historiadores e arqueólogos. Em 1805, Napoleão Bonaparte em visita à Roma, trouxe desenhistas e antiquaristas para estudarem o edifício. Bonaparte ordenou que o mato fosse cortado, que as cruzes e o santuário fossem removidos dali. O imperador francês que havia conquistado a Itália, tinha planos para a velha arena romana. Apesar que tais planos nunca foram levados para a frente, fazendo Napoleão desistir de reformar o Coliseu. (WOOG, 2014, p. 68).

Interior do Coliseu, por Thomas Cole, 1832. Observa-se nessa pintura lápides e os monumentos da Estação da Cruz, antes removidos por Napoleão, mas devolvidos pelo papa Gregório XVI (1831-1846). 

A situação da arena complicou-se entre 1813 e 1874, devido ao excesso de chuvas, acumulou-se terra, lama e entulho em torno do edifício. Além de que a vegetação voltou a crescer e se espalhar. Woog (2014, p. 70) comenta que na segunda metade do século XIX a arena tornou-se ponto turístico do Romantismo italiano. Poetas e escritores escreviam sobre as ruínas do Coliseu, tomadas pela vegetação, dando a impressão de ser uma relíquia de uma civilização exótica, e não do passado romano. Pintores visitavam o local para retratá-lo, geralmente enfatizando a ideia das ruínas em meio a uma floresta no centro de Roma. Em 1855 o botânico inglês Richard Deakin em visita na cidade, realizou uma catalogação da flora que crescia e cercava a arena romana, vindo a publicar o livro Flora of the Colosseum (1855), tendo catalogado 420 espécies de plantas. 

Ironicamente a vegetação acabou sendo deixada ali, por conta dessa visão romântica que imperava na época. Apesar que houve propostas de removê-la e restaurar o prédio, mas isso nunca ocorreu completamente, embora que em determinadas épocas o mato fosse cortado e mantido baixo por meses ou anos. No entanto, historiadores, arqueólogos e curiosos iam ali para estudar a arena, além de realizar escavações também, e propor planos para sua restauração. 

O Coliseu e o Arco de Constantino em fotografia de 1880. A vegetação estava cortada e a visão rural anteriormente existente foi substituída pelo avanço da urbanização. 

No século XX, durante a ditadura fascista (1922-1945), Benito Mussolini em sua megalomania de restaurar a glória romana para a Itália de seu tempo, ordenou a limpeza do Coliseu e até algumas reformas para arrumar problemas causados pela vegetação que cresceu ali ao longo de décadas. Mussolini pretendia tornar o Coliseu num monumento para honrar o Estado fascista. Mas devido aos gastos com a Segunda Guerra (1939-1945) e a crise do governo, os planos foram abandonados. E mesmo após a queda da ditadura fascista, a Itália herdou um rombo nas finanças que perdurou por anos, impossibilitando qualquer plano de reformar o Coliseu, apesar que as obras para se construir as avenidas normalmente. (WOOG, 2014, p. 70-72).

A partir de 1948 surgiram propostas para arrecadar fundos para promover a restauração do Coliseu e sua defesa como patrimônio histórico e arquitetônico. Nesse período dos anos 1950 e 1960, produções do cinema italiano e de Hollywood tornaram o Coliseu cada vez mais conhecido no mundo, principalmente pela popularização de filmes sobre o império romano. O fato da arena ser usada como cenário, levou as autoridades italianas procurarem manter a vegetação sempre cortada, o local limpo e impedir que pessoas se alojassem ali para morar ou realizar negócios. (POLIDORO, 2016, p. 314). 

A partir da década de 1990 intensificou-se a preservação do Coliseu e sua abertura oficialmente como atração turística. Nos últimos trinta anos o anfiteatro passou por várias reformas, algumas ainda hoje em continuidade. Em 2007 ele foi eleito uma das Novas Sete Maravilhas do Mundo. A partir de 2011 várias reformas começaram a serem feitas, a ponto de que o Coliseu foi fechado para visitação entre 2013 e 2016. Mas sua reabertura alavancou o número de visitantes. Todas essas reformas melhoraram a preservação e o acesso a antiga arena romana, tornando-a o mais popular local turístico de Roma, da Itália e do mundo. Somente em 2018, quase 8 milhões de turistas visitaram o Coliseu. 

Minha visita ao Coliseu, no verão de 2019. 

NOTA: O Circo Máximo, também situado em Roma, é considerado a maior arena de jogos da Roma Antiga. Era o local onde se realizam as corridas de cavalo. O hipódromo media 621 metros de extensão por 118 metros de largura, podendo abrigar em torno de 150 mil telespectadores.

NOTA 2: No jogo Assassin's Creed: Brotherhood (2010), a trama se passa na cidade de Roma, no ano de 1503. Sendo possível visitar o Coliseu. 

Referências Bibliográficas: 

BOMGARDNER, D. L. The Story of the Roman Amphitheatre. London, Routledge, 2001. 

LISTRI, Piero. Rome and the Vatican. Rome, Edizioni Musei Vaticani/Ats Italia Editrice, 1998. 

POLIDORO, Massimo. L'Avventura del Colosseo. Milano, Piammo, 2016. 

WOOG, Adam. The Romam Colosseum. San Diego, Reference Point Press, 2014.