Por séculos cartógrafos registraram em seus mapas uma misteriosa ilha situada a oeste da Irlanda, assim como, navegantes contam histórias de terem avistado essa ilha e até mesmo a visitado. Contam-se histórias que nessa ilha abundaria riquezas, e seu povo seria desenvolvido, sábio e pacífico. A ilha seria habitada por um povo misterioso, outros falavam que seriam elfos, e outros apontam seres mais estranhos ainda. A misteriosa ilha de acordo com alguns relatos, costumava desaparecer por sete anos, e passado esse tempo, ela retornava. Alguns falam que uma névoa a ocultava.
Mas que lugar seria realmente esse que era conhecido como Ilha Brasil ou Hy Brasil? Lugar que para alguns estudiosos foi a origem do nome do país Brasil, situado na América do Sul. Pois apesar de que nas escolas brasileiras normalmente nos informa que o nome do país adveio da árvore pau-brasil. Porém, os indígenas não chamavam essa árvore de pau-brasil, mas por outros nomes. Quando os portugueses chegaram oficialmente em 1500, reconheceram tais árvores como sendo pau-brasil, isso sugeriria que eles já tivessem noção sobre tais árvores? Além do mais, de onde teria vindo o nome Brasil?
Nesse texto procurei contar um pouco da história por trás da lenda da Ilha Brasil, e como ela poderia ter influenciado a origem do nome do país Brasil.
A vastidão desconhecida:
Em vários cantos do mundo existem histórias sobre ilhas e continentes misteriosos, localizados em algum lugar dos oceanos. Atlântida no Oceano Atlântico, Lemúria no Oceano Índico, Mu no Oceano Pacífico, são alguns dos continentes ou grandes ilhas mais famosos, os quais fascinam o imaginário ao longo da História. Teriam sido locais reais, ou não passam de antigos mitos e lendas? Mas para além desses três exemplos, a literatura lendária abunda de histórias sobre centenas de ilhas que nunca foram achadas, ou que foram encontradas, mas consistindo em equívocos dos cartógrafos, navegadores e exploradores. No caso do Atlântico Norte existem várias histórias sobre ilhas perdidas no oceano, histórias essas que remontam desde a Antiguidade.
É preciso pensar que o planeta Terra somente começou a ser mapeado globalmente a partir das Grandes Navegações iniciadas no século XV, mas os mapas-múndis somente se concluíram no século XIX, pois ainda naquele tempo, ocorriam a descoberta de ilhas, muitas desabitadas. Pois mesmo que naquele tempo já se soubesse que o mundo fosse esférico, o globo ainda não havia sido totalmente mapeado. Na prática apenas no final do século XX, com o uso de satélites, pôde-se mapear o mundo com mais precisão.
Logo com a ausência de todo esse conhecimento e tecnologias, os povos de outrora não faziam a miníma ideia da extensão do mundo e quantas ilhas e continentes haveriam neste. Se ainda hoje novas espécies animais e vegetais continuam a ser descobertas anualmente, o que dizer daqueles tempos? Com isso, histórias sobre lugares fantásticos, distantes, exóticos etc., sempre abundaram o imaginário acerca do que haveria além do país onde eu vivo. O quão vasto seria o mundo e que mistérios ainda existiriam.
William H. Babcock (1922, p. 1-2) comenta que os gregos antigos, possuíam vários relatos sobre ilhas misteriosas, embora muitas se supõe que seriam situadas no Mar Mediterrâneo, alguns estudiosos gregos posteriores e romanos, alegavam que poderiam ficar no Atlântico. Por exemplo, temos histórias de Héracles (Hércules na versão romana) cruzando o Estreito de Gibraltar, indo em direção a ilha do gigante Gerião, e posteriormente o herói busca o Jardim das Hésperides, que supostamente também estaria localizado numa ilha no ocidente; temos as desventuras de Odisseu e sua tripulação em tentar retornar a Ítaca. Nessas viagens Odisseu e seus homens acabaram chegando a uma ilha habitada por ciclopes, outra ilha habitada pela traiçoeira feiticeira Circe, outra ilha habitada pela ninfa Calipso etc. Também possuímos o relato do herói Perseu viajando até a ilha da Medusa, a fim de matar terrível criatura.
Posteriormente, temos o famoso relatos de Platão (428-348 a.C) em Timeu e Critias, os quais abordam Atlântida, lar de prodigiosa civilização avançada, localizado no Mar de Sargaços, a qual teve um trágico fim, afundando em uma única noite. Os gregos antigos contam histórias de que os fenícios haviam tentando encontrar Atlântida e Meropes ou Merópida, uma terra aonde existiria uma fonte da juventude. Tais histórias são mencionadas por Teopompo de Chios, Aristóteles e Scylax de Karynda. Posteriormente encontramos a menção a outras ilhas, sendo essas relatadas por Estrabão, Plutarco, Sêneca e Pítias. (BARROSO, 1941, p. 25).
A história dessas ilhas se manteriam pelos séculos seguintes. Mantendo uma tradição greco-romana de ilhas fantásticas e misteriosas, cujas histórias acabaram sendo alteradas ou reinventadas. Com isso, passamos para a próximo ponto, as lendas irlandesas sobre ilhas misteriosas.
Lendas celto-irlandesas sobre ilhas misteriosas:
A Irlanda era habitada desde a Pré-história, sendo que tribos celtas migraram para lá por volta do século V a.C, iniciando sua Idade do Ferro. Posteriormente os gregos e romanos tomariam conhecimento da existência dessa ilha, a qual aparecia com o nome de Ierne. (POWELL, 1974, p. 25). Os romanos acabaram não mostrando interesse em colonizar a Irlanda, além de terem problemas em tentar invadi-la, optando em permanecer na Bretanha, inclusive ignorando a Escócia, a qual consideraram terra bárbara e de difícil conquista. E acabaram erguendo duas muralhas para manterem os Pictos longe de seus domínios.
Passados mais alguns séculos, a Bretanha começou a ser cristianizada, e a Irlanda tornou-se alvo de evangelizações pouco tempo depois. No século V, um monge bretão de nome Patrício (387-431) destacou-se na evangelização dos irlandeses. A atuação de Patrício lhe rendeu fama a qual gerou lendas sobre seus feitos, como ter travado lutas mágicas contra druidas e ter expulso todas as cobras da Irlanda. São Patrício tornou-se o santo padroeiro da Irlanda, e até hoje sua festa é bastante popular no país e nos Estados Unidos, devido a imigração irlandesa.
Graça a iniciativa evangelizadora de São Patrício, parte da população irlandesa, havia se tornado cristã, décadas depois de sua morte, nasceria um outro importante santo para a Irlanda, seu nome era Brandão (c. 484 - c. 577). São Brandão empreendeu ao longo de sua vida, várias viagens por sua terra natal, promovendo a conversão de novos fiéis, ajudando na criação de abadias, mosteiros e igrejas. Viajou para a Escócia e a Bretanha. Porém, além de visitar estes lugares, Brandão teria visitado outras ilhas, pois teria sido um exímio e intrépido navegante. Em meio a essas viagens marítimas o santo teria encontrado ilhas misteriosas.
São Brandão na Idade Média tornou-se um dos santos mais populares e famosos da Irlanda. Hoje são conhecidos três manuscritos que contam seus feitos e missões. Dois dos manuscritos são hagiografias, a Vitae primae Sancti Brendani, Vita secunda Brendani e o Navigatio Sanctii Brendani.
Posteriormente, temos o famoso relatos de Platão (428-348 a.C) em Timeu e Critias, os quais abordam Atlântida, lar de prodigiosa civilização avançada, localizado no Mar de Sargaços, a qual teve um trágico fim, afundando em uma única noite. Os gregos antigos contam histórias de que os fenícios haviam tentando encontrar Atlântida e Meropes ou Merópida, uma terra aonde existiria uma fonte da juventude. Tais histórias são mencionadas por Teopompo de Chios, Aristóteles e Scylax de Karynda. Posteriormente encontramos a menção a outras ilhas, sendo essas relatadas por Estrabão, Plutarco, Sêneca e Pítias. (BARROSO, 1941, p. 25).
A história dessas ilhas se manteriam pelos séculos seguintes. Mantendo uma tradição greco-romana de ilhas fantásticas e misteriosas, cujas histórias acabaram sendo alteradas ou reinventadas. Com isso, passamos para a próximo ponto, as lendas irlandesas sobre ilhas misteriosas.
Lendas celto-irlandesas sobre ilhas misteriosas:
A Irlanda era habitada desde a Pré-história, sendo que tribos celtas migraram para lá por volta do século V a.C, iniciando sua Idade do Ferro. Posteriormente os gregos e romanos tomariam conhecimento da existência dessa ilha, a qual aparecia com o nome de Ierne. (POWELL, 1974, p. 25). Os romanos acabaram não mostrando interesse em colonizar a Irlanda, além de terem problemas em tentar invadi-la, optando em permanecer na Bretanha, inclusive ignorando a Escócia, a qual consideraram terra bárbara e de difícil conquista. E acabaram erguendo duas muralhas para manterem os Pictos longe de seus domínios.
Passados mais alguns séculos, a Bretanha começou a ser cristianizada, e a Irlanda tornou-se alvo de evangelizações pouco tempo depois. No século V, um monge bretão de nome Patrício (387-431) destacou-se na evangelização dos irlandeses. A atuação de Patrício lhe rendeu fama a qual gerou lendas sobre seus feitos, como ter travado lutas mágicas contra druidas e ter expulso todas as cobras da Irlanda. São Patrício tornou-se o santo padroeiro da Irlanda, e até hoje sua festa é bastante popular no país e nos Estados Unidos, devido a imigração irlandesa.
Graça a iniciativa evangelizadora de São Patrício, parte da população irlandesa, havia se tornado cristã, décadas depois de sua morte, nasceria um outro importante santo para a Irlanda, seu nome era Brandão (c. 484 - c. 577). São Brandão empreendeu ao longo de sua vida, várias viagens por sua terra natal, promovendo a conversão de novos fiéis, ajudando na criação de abadias, mosteiros e igrejas. Viajou para a Escócia e a Bretanha. Porém, além de visitar estes lugares, Brandão teria visitado outras ilhas, pois teria sido um exímio e intrépido navegante. Em meio a essas viagens marítimas o santo teria encontrado ilhas misteriosas.
São Brandão e seus discípulos, em um navio sobre um peixe-gigante (talvez uma baleia). Manuscrito alemão do século XV. |
“A Nauigatio é
um texto independente das duas outras vidas latinas de São Brandão, conhecidas
como Vitae primae Sancti Brendani e cujos manuscritos são datados entre os séculos XIV e XV, mas a
composição e a língua atestando uma data mais antiga, entre meados dos séculos
XI e XII. Temos, nestes textos, o tema da peregrinação terrestre do santo. A Vita secunda Brendani, cujos
manuscritos são datados do século XVIII, trata também de peregrinação, mas,
neste caso, de uma peregrinação marítima. A Betha
Brenainn (“Vida de Brandão”) é um texto hagiográfico em
irlandês medieval de composição do final do século XI, cujo manuscrito é datado
do século XV, conhecido como o Book of
Lismore. E o manuscrito de Lisboa da Navegação, em latim, parece ser
uma recensão das diferentes aventuras do santo, comprovando o sucesso da
tradição brendaniana em Portugal”. (DONNARD, 2009, p. 19).
Apesar do manuscrito Navigatio Sanctii Brendani (São Brandão, o Navegador) ter se tornado popular ao longo de séculos, a obra somente foi escrita muito tempo depois da morte do santo. Estima-se que tenha sido redigida pelo menos cinco séculos após Brandão ter morrido. Além do fato de que o manuscrito que foi encontrado no século XV, no Livro de Lismore, provavelmente não seja a mesma versão do século X ou XI. Ainda assim, o Navigatio antecede as duas hagiografias do santo, o que mostra diferenças no estilo de escrita. (BABCOCK, 1922, p. 35).
Para William H. Babcock (1922, p. 36), Gustavo Barroso (1941, p. 65-66) e Ana Donnard (2009, p. 19-20) apontam que as histórias de São Brandão como navegador possam ter advindo de uma tradição literária irlandesa, de narrativas de viagens marítimas.
“As narrativas célticas habitualmente comparadas à matéria brendaniana
são: Imram Brain maic Febail (“Viagem de Bran filho de Febail”) Imram Curaig Maelduin (“Viagem
do barco de Maeldui”), Imram Curaig hua
Corra (“Viagem do barco de Hui Corra”), Imram Brendan (“Viagem
de Brendan”), Imram Snedgusa ocus mac Riagla (“Viagem de Snedgus e Mac Riagla”). Para o quadro de uma análise
comparativa da Navigatio Brendani, acrescenta-se também a Echtra
Clereth Choluim Cille (“Aventuras dos
clérigos de Columb Cille”), sendo esta última narrativa parte do estoque
literário do cristianismo céltico, enquanto as anteriores se inserem na
tradição pré-cristã. Essas narrativas foram coletadas e transcritas entre os séculos
VII e XI e são, portanto, anteriores à tradição hagiográfica brendaniana”.
(DONNARD, 2009, p. 19).
Barroso (1941, p. 65) comenta que encontram-se registro de lendas gaélicas acerca de misteriosas ilhas situadas ao oeste, norte e sul do arquipélago bretão. Histórias que falavam de uma terra venturosa chamada Macmeld, a qual diziam que lá, as pessoas seriam imortais. Além disso, temos as histórias de heróis navegantes como Condlé, Maldwin e Bran, filho de Febal (ou Tebal). Neste caso, Babcock (1922, p. 36) sugeriu a hipótese de que as viagens de São Brandão poderiam ser uma reinterpretação das viagens do navegador Bran ou do navegador Brandão. Curiosamente ambos os nomes são iguais, e neste caso, Bran é apelido de Brandão. Aqui o autor sugere que a narrativa do santo teria sido uma adaptação cristã de lendas pagãs. De qualquer forma, independente da origem do relato, entre as supostas descobertas do santo, existiria uma ilhar em particular que foi batizada de Ilha de São Brandão.
É difícil precisar uma versão apenas do Navigatio, já que devido a sua popularidade, várias cópias foram feitas. De acordo com Geraldo Cantarino (2004, p. 152), foram encontrados pelo menos 120 cópias manuscritas do Navigatio, a maioria redigida em latim, mas algumas escritas em inglês, francês, alemão, flamengo, italiano, provençal e nórdico. Posteriormente encontra-se cópias em língua portuguesa e espanhola, já que como veremos adiante, tal manuscrito se popularizou em Portugal e Espanha no tempo da Era dos Descobrimentos.
Sendo assim, como estamos falando de manuscritos copiados para distintas línguas, numa época que não havia preocupações com direitos autorais, tradução etc., algumas dessas versões trazem variações na história, o que prejudica e dificulta o estudo de tais fontes. De qualquer forma, a lenda conta que São Brandão não teria de uma hora para outra decidido se aventurar ao mar, ele teria recebido a visita de um monge irlandês que lhe falou a respeito de uma paradisíaca terra situada a oeste da Irlanda. Maravilhado com o relato daquele monge, Brandão teria se disposto a ver pessoalmente aquela terra agraciada por Deus. Com isso ele mandou construir um navio e reuniu 17 monges, os quais lhe serviram de tripulação.
O itinerário de sua viagem não é descrito no Navigatio, apenas se diz que foi uma longa viagem de sete anos, tendo Brandão e seus companheiros passado por várias aventuras e perigos. Eles teriam confundido um "grande peixe" com uma ilha, inclusive teria desembarcado nele, achando se tratar de terra firme; teriam visto a grande serpente marinha; uma torre de cristal, bolas de fogo caindo do céu, monstros marinhos etc. (CANTARINO, 2004, p. 153).
São Brandão não encontrou apenas uma ilha, mas várias. Os manuscritos relatam uma ilha que seria um rochedo com um castelo, outra habitada apenas por carneiros e ovelhas; depois desembarcaram na Ilha dos Pássaros, os quais os relatos informam que tais pássaros falavam, e outra versão diz que eram anjos que foram transformados por Deus naqueles animais. Em seguida passaram pela Ilha dos Frutos, onde abundavam pomares, mas a ilha era habitada por gigantes, os quais cultivavam aquela rica variedade de frutos. Depois eles chegaram a uma ilha onde se encontrava uma abadia perdida, onde as pessoas eram eternamente jovens, mas faziam um perpétuo voto de silêncio. A viagem de Brandão prossegue em se visitar outras exóticas ilhas, como encontrar Judas acorrentado num rochedo, sendo guardado pelo Leviatã, ou encontrar a suposta forja de Satanás. Posteriormente eles encontram uma pequena ilha habitada por um eremita centenário, chamado Paulo, o qual informa-nos que a "terra prometida" que eles buscavam, estava próxima. (BARROSO, 1941, p. 66-73).
São Brandão após sete anos de viagem pelo Oceano Atlântico finalmente chegou a terra descrita pelo monge irlandês. Posteriormente ele e seus homens foram guiados por um gigantesco peixe chamado Jasconius, o qual os levou de volta a Irlanda. O local ficaria conhecido como Ilha de São Brandão, a qual atrairia vários marinheiros e navegantes a sua procura. E essa busca não é algo fictício, até o século XVI havia gente que procurava a tal ilha paradisíaca visitada por São Brandão. A popularização dessa sua suposta aventura, contribuiu para a duração dessa lenda, tornando essa ilha por muito tempo uma das lendas irlandesas mais conhecidas sobre ilhas misteriosas.
É difícil precisar uma versão apenas do Navigatio, já que devido a sua popularidade, várias cópias foram feitas. De acordo com Geraldo Cantarino (2004, p. 152), foram encontrados pelo menos 120 cópias manuscritas do Navigatio, a maioria redigida em latim, mas algumas escritas em inglês, francês, alemão, flamengo, italiano, provençal e nórdico. Posteriormente encontra-se cópias em língua portuguesa e espanhola, já que como veremos adiante, tal manuscrito se popularizou em Portugal e Espanha no tempo da Era dos Descobrimentos.
Sendo assim, como estamos falando de manuscritos copiados para distintas línguas, numa época que não havia preocupações com direitos autorais, tradução etc., algumas dessas versões trazem variações na história, o que prejudica e dificulta o estudo de tais fontes. De qualquer forma, a lenda conta que São Brandão não teria de uma hora para outra decidido se aventurar ao mar, ele teria recebido a visita de um monge irlandês que lhe falou a respeito de uma paradisíaca terra situada a oeste da Irlanda. Maravilhado com o relato daquele monge, Brandão teria se disposto a ver pessoalmente aquela terra agraciada por Deus. Com isso ele mandou construir um navio e reuniu 17 monges, os quais lhe serviram de tripulação.
O itinerário de sua viagem não é descrito no Navigatio, apenas se diz que foi uma longa viagem de sete anos, tendo Brandão e seus companheiros passado por várias aventuras e perigos. Eles teriam confundido um "grande peixe" com uma ilha, inclusive teria desembarcado nele, achando se tratar de terra firme; teriam visto a grande serpente marinha; uma torre de cristal, bolas de fogo caindo do céu, monstros marinhos etc. (CANTARINO, 2004, p. 153).
São Brandão não encontrou apenas uma ilha, mas várias. Os manuscritos relatam uma ilha que seria um rochedo com um castelo, outra habitada apenas por carneiros e ovelhas; depois desembarcaram na Ilha dos Pássaros, os quais os relatos informam que tais pássaros falavam, e outra versão diz que eram anjos que foram transformados por Deus naqueles animais. Em seguida passaram pela Ilha dos Frutos, onde abundavam pomares, mas a ilha era habitada por gigantes, os quais cultivavam aquela rica variedade de frutos. Depois eles chegaram a uma ilha onde se encontrava uma abadia perdida, onde as pessoas eram eternamente jovens, mas faziam um perpétuo voto de silêncio. A viagem de Brandão prossegue em se visitar outras exóticas ilhas, como encontrar Judas acorrentado num rochedo, sendo guardado pelo Leviatã, ou encontrar a suposta forja de Satanás. Posteriormente eles encontram uma pequena ilha habitada por um eremita centenário, chamado Paulo, o qual informa-nos que a "terra prometida" que eles buscavam, estava próxima. (BARROSO, 1941, p. 66-73).
São Brandão após sete anos de viagem pelo Oceano Atlântico finalmente chegou a terra descrita pelo monge irlandês. Posteriormente ele e seus homens foram guiados por um gigantesco peixe chamado Jasconius, o qual os levou de volta a Irlanda. O local ficaria conhecido como Ilha de São Brandão, a qual atrairia vários marinheiros e navegantes a sua procura. E essa busca não é algo fictício, até o século XVI havia gente que procurava a tal ilha paradisíaca visitada por São Brandão. A popularização dessa sua suposta aventura, contribuiu para a duração dessa lenda, tornando essa ilha por muito tempo uma das lendas irlandesas mais conhecidas sobre ilhas misteriosas.
A Ilha de São Brandão supostamente aparece no Mapa de Hereford (c. 1275) situada a oeste das Ilhas Afortunadas. Desde os grego antigos, as Ilhas Afortunadas foram associadas ora com o Jardim das Hespérides, local por onde Héracles e Perseu passaram, mas também foi associado aos lar dos Bem-aventurados, local equivalente posteriormente aos Campos Elísios. Todavia, na Idade Média acreditava-se que tais ilhas fossem o atual Arquipélago das Canárias, situado na costa oeste da África. Logo, a suposta ilha de São Brandão ficaria próximo das Canárias. (BABCOCK, 1922, p. 39).
Em mapas nos séculos seguintes até pelo menos o XVIII, a ilha de São Brandão continuou a ser situada próximo das Canárias ("Ilhas Afortunadas"). Embora que alguns estudiosos chegaram a cogitar que teria sido um erro de interpretação dos antigos cartógrafos, pois no Navigatio diz que Brandão teria seguido para oeste da Irlanda e não para o sul, daí alguns cogitarem se a suposta ilha não seria uma referência as Américas.
Umberto Eco (2014, p. 151) comentou que por se tratar de uma ilha imaginária, sua geografia necessariamente não deveria corresponder a realidade. Daí encontrar-se mapas que situam a ilha na costa africana, estando ora próximo do Arquipélago das Canárias, mas também do Arquipélago da Madeira e dos Açores, até mesmo a situam no extremo ocidente, e a chamam de Ilha Perdida (Insula Perdita) uma referência ao fato de que nenhum outro navegante conseguiu reencontrá-la. Mas para além dessas localidades, as quais supostamente se situariam a Ilha de São Brandão, em determinado momento chegaram a cogitar que ela fosse a tal Ilha Brasil.
A Ilha Brasil nos mapas:
Apesar de a ilha de São Brandão ter seguido bastante popular até o século XVI, no século XIV, começou a aparecer em alguns mapas de origem italiana e espanhola uma ilha chamada Brasil. A origem dessa misteriosa ilha ainda é desconhecida, pois as lendas irlandesas falam de várias ilhas. Não obstante, o fato de essa ilha ter ganho destaque para constar em mapas já no século XIV, ainda é desconhecido.
O mapa mais antigo a mencionar a Ilha Brasil, é um mapa de 1325 feito pelo genovês Angellinus Dalorto, o qual situou a ilha a sudoeste da Irlanda. A ilha aparece com uma forma circular, e de acordo com a escala do mapa, aparenta ter sido razoavelmente grande. Aqui se faz necessário mencionar que no século XIV, os italianos, especialmente os genoveses eram os principais cartógrafos da Europa. Muitos dos mapas que foram produzidos naquele século eram de origem italiana, o que revela a proeminência de Gênova quanto ao comércio Mediterrânico e até de longa distância, enviando mercadorias para a Alemanha, Holanda, Inglaterra, Constantinopla etc.
O segundo mapa a mostrar a mesma ilha foi feito por Angelino Dulcert, a quem hoje se acredita que possa se tratar também de Angellinus Dalorto, consistindo numa variação de seu nome. Este segundo mapa é bem parecido com o primeiro e foi datado de 1339. Mostrando a Ilha Brasil na mesma direção do que no mapa anterior.
Em mapas nos séculos seguintes até pelo menos o XVIII, a ilha de São Brandão continuou a ser situada próximo das Canárias ("Ilhas Afortunadas"). Embora que alguns estudiosos chegaram a cogitar que teria sido um erro de interpretação dos antigos cartógrafos, pois no Navigatio diz que Brandão teria seguido para oeste da Irlanda e não para o sul, daí alguns cogitarem se a suposta ilha não seria uma referência as Américas.
Umberto Eco (2014, p. 151) comentou que por se tratar de uma ilha imaginária, sua geografia necessariamente não deveria corresponder a realidade. Daí encontrar-se mapas que situam a ilha na costa africana, estando ora próximo do Arquipélago das Canárias, mas também do Arquipélago da Madeira e dos Açores, até mesmo a situam no extremo ocidente, e a chamam de Ilha Perdida (Insula Perdita) uma referência ao fato de que nenhum outro navegante conseguiu reencontrá-la. Mas para além dessas localidades, as quais supostamente se situariam a Ilha de São Brandão, em determinado momento chegaram a cogitar que ela fosse a tal Ilha Brasil.
A Ilha Brasil nos mapas:
Apesar de a ilha de São Brandão ter seguido bastante popular até o século XVI, no século XIV, começou a aparecer em alguns mapas de origem italiana e espanhola uma ilha chamada Brasil. A origem dessa misteriosa ilha ainda é desconhecida, pois as lendas irlandesas falam de várias ilhas. Não obstante, o fato de essa ilha ter ganho destaque para constar em mapas já no século XIV, ainda é desconhecido.
O mapa mais antigo a mencionar a Ilha Brasil, é um mapa de 1325 feito pelo genovês Angellinus Dalorto, o qual situou a ilha a sudoeste da Irlanda. A ilha aparece com uma forma circular, e de acordo com a escala do mapa, aparenta ter sido razoavelmente grande. Aqui se faz necessário mencionar que no século XIV, os italianos, especialmente os genoveses eram os principais cartógrafos da Europa. Muitos dos mapas que foram produzidos naquele século eram de origem italiana, o que revela a proeminência de Gênova quanto ao comércio Mediterrânico e até de longa distância, enviando mercadorias para a Alemanha, Holanda, Inglaterra, Constantinopla etc.
Detalhe do mapa de Angellinus Dalorto (1325), mostrando a localização da Ilha Brasil. |
Mapa de Angelino Dulcert (1339). Nesse antigo mapa o autor já situa a presença da Ilha Brasil. Ela consiste num ponto cinza, no lado esquerdo da Irlanda, no canto superior esquerdo do mapa. |
Todavia é curioso a indagação da ausência de mapas ingleses e irlandeses que mostrassem a Ilha Brasil. Possivelmente tais mapas possam ter existido, mas acabaram se perdendo ou não foram descobertos. Pois apesar de terem sido os italianos os primeiros a mencionarem em seus mapas a Ilha Brasil, tal lugar não foi inventado por eles, mas já era conhecido na Irlanda e Inglaterra há bastante tempo.
“Diversos estudos e uma extensa
bibliografia citam a existência de referências cartográficas, associadas
principalmente a uma ilha, com nomes grafados segundo uma diversidade de
formas, encontrando-se Brazil, Berzil, Bracie, Brasil, Bracir, Brasill,
Brezill, e outras relacionadas às ilhas místicas do Mar Tenebroso. Desde o
século XIV, assinaladas por cartógrafos tão famosos na época, quanto foram
Abraham Ortelius e Gehard Mercator, de uma forma impressionante essas
representações atravessam o tempo e perduram praticamente até o fim do século
XVI e início do século XVII. Reminiscência dessas representações, ou não, hoje
em dia, pode ser encontrada a sudoeste da Irlanda, onde alguns rochedos, de
pequena extensão, são conhecidos como Brazil”. (MENEZES, 2011, p. 7 apud CORTESÃO, 1954; CORTESÃO, 1969a).
Todavia, a localização da Ilha Brasil nem sempre foi situada a oeste ou sudoeste da Irlanda, mapas ainda do século XIV, já apresentavam uma localização diferente. No Atlas Medici (1351), a Insula Braci ficava situada próximo a costa de Portugal, estando associada ao Arquipélago da Madeira. Porém, naquele tempo a Madeira ainda não era conhecida dos portugueses ou seria? Outro mapa posterior, o Planisfério de Soleris (1385), também situava a Insula Braci na mesma localidade. Provavelmente o autor se baseou no Atlas Medici. (BARROSO, 1941, p. 101-102).
“A cartografia dos anos subsequentes
possui um aspecto no mínimo curioso, apresentando a ilha Brasil em posições
diferentes, muitas vezes até, simultaneamente, o que certamente causa uma
grande confusão, em termos de se associá-la a uma provável posição real. Por
exemplo, o mapa de Pizigano, de 1367, existente na Biblioteca de Parma,
registra três ilhas Brasil, sob o topônimo Insula de Bracir, uma a nordeste dos Açores, uma a oeste e outra ao sul da Irlanda. Esta
última, segundo leitura do cartógrafo francês Phillippe Buache, é identificada
pela designação de Ysola de Mayotlas Seu de Bracir”. (MENEZES, 2011, p. 8).
No século XV o importante mapa do italiano Andrea Bianco, datado de 1436, indicava que Y. do Brazil ficaria situada ao sul de Cabo Verde. Naquele tempo as navegações portuguesas já havia passado pelo Arquipélago de Cabo Verde na costa africana. Todavia, o fato de estranhamente Bianco situar a Ilha Brasil ainda mais para o sul, é desconhecido. Porém, como comentando por Menezes (2011), o Mapa de Pizigano (1367) registrava a existência de três ilhas Brasil. Seria a questão de que a palavra Brasil poderia ter sido um termo genérico para se referir a algum tipo de ilha?
No mapa de Fra Mauro, desenhado com a colaboração de Andrea Bianco, entre 1457 e 1459, a ilha Brasil voltou a ser situada a oeste da Irlanda, e era considerada uma das Ilhas Afortunadas. No Mapa de Gracioso Benicasa (1471), a Ilha Brasil compõe o arquipélago das Ilhas Afortunadas, ficando ao norte da Ilha de São Brandão. A imagem segundo sugere Menezes (2011, p. 11-12) teria sido uma tentativa do cartógrafo italiano de organizar a localização dos arquipélagos africanos das Canárias e Cabo Verde, pois ambas as ilhas fantásticas aparecem junto a outras das ditas Ilhas Afortunadas.
No ano de 1493, o cosmógrafo, astrônomo e geógrafo alemão Martin Behaim (1459-1507) produziu um globo para retratar os continentes do mundo e algumas das suas mais importantes ilhas. O globo embora fosse um projeto bastante interessante para a geografia da época, não mostra a existência do continente americano, naquele tempo "descoberto" por Colombo, o qual havia retornado para a Espanha naquele ano. De qualquer forma, Behaim representou a Ilha de São Brandão e a Ilha Brasil, sendo essa dividida ao meio por um grande rio. Em seu mapa ele usou o nome Prazil ao invés de Brasil. Segundo Barroso (1941, p. 111), uma variação de pronúncia na língua alemã. Além disso, outros cartógrafos conservaram essa variação também.
Apesar de alguns mapas dos séculos XIV e XV mostrarem variações quanto a posição da Ilha Brasil, a partir do século XVI, a maioria dos mapas mantiveram a Ilha Brasil como estando situada a oeste da Irlanda. No mapa abaixo, este sendo de origem turca, o cartógrafo Piri Reis (c. 1465-1553), o qual com exímio talento procurou traçar o contorno das costas, situava a Ilha Brasil em seu local de costume, próximo a Irlanda.
No ano de 1493, o cosmógrafo, astrônomo e geógrafo alemão Martin Behaim (1459-1507) produziu um globo para retratar os continentes do mundo e algumas das suas mais importantes ilhas. O globo embora fosse um projeto bastante interessante para a geografia da época, não mostra a existência do continente americano, naquele tempo "descoberto" por Colombo, o qual havia retornado para a Espanha naquele ano. De qualquer forma, Behaim representou a Ilha de São Brandão e a Ilha Brasil, sendo essa dividida ao meio por um grande rio. Em seu mapa ele usou o nome Prazil ao invés de Brasil. Segundo Barroso (1941, p. 111), uma variação de pronúncia na língua alemã. Além disso, outros cartógrafos conservaram essa variação também.
Mapa do hemisfério ocidental do Globo de Behaim (1493). A ilha de São Brandão está situada, no extremo ocidente, sendo bem grande. Já a Ilha Brasil (Prazil) fica localizada a oeste da Irlanda. |
Mapa de Piri Reis (1513). Nesse belo mapa do século XVI, o proeminente cartógrafo e almirante turco fez menção a ilha Brasil estando a oeste da Irlanda. |
Mapa de Gerardus Mercartor (1569). Em vermelho as ilhas Brasil e de São Brandão. Por sua vez a colônia portuguesa do Brasil possui parte de sua costa destacada numa América do Sul incompleta. |
Até aqui vimos um pouco da história da ocorrência da Ilha Brasil em mapas entre os séculos XIV e XVI, apesar de mapas posteriores ainda fazerem menção a tal local pelo menos até o século XVII, quando ela deixa de ser um objeto de curiosidade cartográfica. Todavia se essa misteriosa ilha ao longo de séculos apareceu em dezenas de mapas, afinal o que é que se sabe de fato sobre ela? O que as lendas contavam a seu respeito que fosse significante ou maravilhoso de forma que constasse em importantes publicações cartográficas ao longo de três séculos?
Primeiro é preciso dizer que pouco se conhece acerca da Ilha Brasil, muito dos relatos e lendas que hoje se tem conhecimento, advém da tradição oral, a qual acabou por se perdendo. Dispomos apenas de breve menções em mapas, trabalhos cartográficos e descrições de viagens. Quando se ler esse pouco conteúdo, nota-se discrepâncias entre si, além de obter-se pouca informação da ilha. Em geral os relatos se limitam a dizer que determinada pessoa avistou a ilha e viu coisas estranhas e maravilhosas, mas se dizer o que propriamente se tratava.
Assim como outras lendas irlandesas sobre ilhas fantásticas, a Ilha Brasil, também conhecida como Hy-Brasil entre outros nomes, era descrita como sendo uma "terra abençoada", uma "terra prometida", em irlandês antigo era conhecida por talvez ser a Tír na nÓg ("terra da eterna juventude"). Em suma os relatos falam que a Ilha Brasil assim como as Ilhas Afortunadas que aparecem em mitos gregos e romanos, seriam verdadeiros paraísos terrenos. Lugares de paz, felicidade e prosperidade, aonde seus habitantes viveriam uma vida longeva e sempre jovens. (MITCHELL, 2006, p. 157).
Nessa terra maravilhosa, habitaria um povo antigo, sábio, próspero e justo. Os quais seriam governados por um monarca integro e preocupado com o bem estar de todos. Algumas variações das lendas falam que a ilha seria habitada por fadas ou elfos, algo bem comum da mitologia celta e do folclore irlandês, a presença destes seres em seus mitos e lendas. A própria Avalon das lendas do Rei Arthur seria habitada por fadas ou elfos.
Apesar de hoje a Ilha Brasil ser vista integralmente como uma lenda, houve épocas que as pessoas tentaram encontrá-la. Um relato inglês datado de 1480, de autoria de Guilherme de Botoner, informa que naquele ano, um navio capitaneado por John Jay Jr partiu de Bristol, no dia 15 de julho, e após nove meses de viagem em busca da Ilha Brasil, nada foi encontrado. Anos depois o embaixador espanhol D. Pedro de Ayala, em visita a Inglaterra, relatou em uma de suas cartas que os ingleses estavam nos últimos sete anos tentando encontrar a misteriosa ilha. D. Pedro de Ayala redigiu essa carta em 5 de julho de 1498, o que significa que entre o relato de Botoner e o seu, temos um espaço de 18 anos de possíveis viagens inglesas em busca da Ilha Brasil. (BARROSO, 1941, p. 153).
Hoje sabemos que o insucesso de tais expedições deve-se ao fato de tal ilha nunca ter existido. Porém, naquela época surgiram explicações que alegavam que a ilha ficaria mais distante do que se supunha, que fosse envolta por uma névoa misteriosa e que até mesmo desaparecia do nada. Um relato datado do século XV ou XVI, informava que a ilha desaparecia a cada sete anos.
Em agosto de 1668, o médico irlandês Morough Ley conta que foi sequestrado por dois estranhos, os quais o levaram até uma misteriosa ilha, a qual diziam ser Hy Brazil. Ley retornou para sua cidade dois dias depois, trazendo um livro de medicina chamado de o Livro de O'Lees. De fato tal livro realmente existe, tendo sido escrito em latim, e trazia informações médica da época. Ley alegava que a obra não foi escrita por ele ou comprada em alguma livraria do país, mas veio diretamente de Hy Brazil. Na prática o livro não apresenta nada de excepcional, inclusive corrobora muitas das pesquisas e métodos já conhecidos à época e em desenvolvimento. Ley alegava que a obra supostamente possuiria métodos de cura avançados para a época. (LYNCH, 2009, p. 9).
No ano de 1674, o capitão John Nisbet de Killybegs, alegou ter realizado uma viagem para oeste da Irlanda, tendo avistado uma estranha ilha envolta em névoa. O capitão com alguns marinheiros aportaram na ilha e avistaram animais de fazenda por ali e mais adiante um castelo. Eles bateram na porta e chamaram, mas não houve resposta, então retornaram para a praia onde acenderam o fogo e decidiram passar a noite. Porém, um grande barulho os assustou, e eles retornaram para o navio ainda de noite. No dia seguinte avistaram vários idosos na praia. Eles usavam roupas fora de moda, e as palavras que usavam também eram antigas, algumas até mesmo em desuso. Os velhos relataram que estavam presos naquele castelo por causa de um feiticeiro. O fogo que o capitão acendeu teria quebrado o feitiço que os aprisionava. O capitão intrigado com aquilo, perguntou que ilha era aquela, os velhos responderam que se tratava de O'Brazile. (LYNCH, 2009, p. 9).
A história do médico Morough Ley e do capitão John Nisbet são consideradas por alguns estudiosos como invenções pessoais de tais homens, em busca de popularidade, pois no século XVII, as tentativas de encontrar a Ilha Brasil já havia sido abandonadas, além do fato de que em alguns mapas, a ilha nem mas aparecia.
Primeiro é preciso dizer que pouco se conhece acerca da Ilha Brasil, muito dos relatos e lendas que hoje se tem conhecimento, advém da tradição oral, a qual acabou por se perdendo. Dispomos apenas de breve menções em mapas, trabalhos cartográficos e descrições de viagens. Quando se ler esse pouco conteúdo, nota-se discrepâncias entre si, além de obter-se pouca informação da ilha. Em geral os relatos se limitam a dizer que determinada pessoa avistou a ilha e viu coisas estranhas e maravilhosas, mas se dizer o que propriamente se tratava.
Assim como outras lendas irlandesas sobre ilhas fantásticas, a Ilha Brasil, também conhecida como Hy-Brasil entre outros nomes, era descrita como sendo uma "terra abençoada", uma "terra prometida", em irlandês antigo era conhecida por talvez ser a Tír na nÓg ("terra da eterna juventude"). Em suma os relatos falam que a Ilha Brasil assim como as Ilhas Afortunadas que aparecem em mitos gregos e romanos, seriam verdadeiros paraísos terrenos. Lugares de paz, felicidade e prosperidade, aonde seus habitantes viveriam uma vida longeva e sempre jovens. (MITCHELL, 2006, p. 157).
Nessa terra maravilhosa, habitaria um povo antigo, sábio, próspero e justo. Os quais seriam governados por um monarca integro e preocupado com o bem estar de todos. Algumas variações das lendas falam que a ilha seria habitada por fadas ou elfos, algo bem comum da mitologia celta e do folclore irlandês, a presença destes seres em seus mitos e lendas. A própria Avalon das lendas do Rei Arthur seria habitada por fadas ou elfos.
A Ilha Brasil em detalhe do mapa de Abraham Ortelius (1572). |
Hoje sabemos que o insucesso de tais expedições deve-se ao fato de tal ilha nunca ter existido. Porém, naquela época surgiram explicações que alegavam que a ilha ficaria mais distante do que se supunha, que fosse envolta por uma névoa misteriosa e que até mesmo desaparecia do nada. Um relato datado do século XV ou XVI, informava que a ilha desaparecia a cada sete anos.
Em agosto de 1668, o médico irlandês Morough Ley conta que foi sequestrado por dois estranhos, os quais o levaram até uma misteriosa ilha, a qual diziam ser Hy Brazil. Ley retornou para sua cidade dois dias depois, trazendo um livro de medicina chamado de o Livro de O'Lees. De fato tal livro realmente existe, tendo sido escrito em latim, e trazia informações médica da época. Ley alegava que a obra não foi escrita por ele ou comprada em alguma livraria do país, mas veio diretamente de Hy Brazil. Na prática o livro não apresenta nada de excepcional, inclusive corrobora muitas das pesquisas e métodos já conhecidos à época e em desenvolvimento. Ley alegava que a obra supostamente possuiria métodos de cura avançados para a época. (LYNCH, 2009, p. 9).
Duas páginas do Livro de O'Lees, o qual Morough Ley alegava ter trazido da Ilha Brasil em 1668. |
A história do médico Morough Ley e do capitão John Nisbet são consideradas por alguns estudiosos como invenções pessoais de tais homens, em busca de popularidade, pois no século XVII, as tentativas de encontrar a Ilha Brasil já havia sido abandonadas, além do fato de que em alguns mapas, a ilha nem mas aparecia.
Controvérsias sobre a origem do nome Brasil:
Pelo menos desde o século XIX estudiosos vem debatendo qual seria o significado da palavra brasil. Por sua vez, historiadores brasileiros e portugueses debatem desde aquele tempo a indagação se o nome do país Brasil seria uma referência a árvore pau-brasil como comumente se alega, ou seria uma referência a Ilha Brasil, pois desde o século XIV, os portugueses já tinham contato com mapas genoveses e catalãs que mencionavam essa ilha, inclusive quando a lenda de São Brandão chegou a Portugal por essa época, chamavam sua ilha de Ilha do Brasil de Brandão. (MENEZES, 2011, p. 6).
Apesar do historiador Gustavo Barroso na década de 1940 ter escrito um extenso trabalho sobre a lenda irlandesa da Ilha Brasil e até mesmo dedicou vários capítulos a debater a etimologia desse nome, chegando a defender que o nome do Brasil advinha da ilha e não da árvore, hoje se considera que para entender essa questão etimológica é preciso considerar que ambas as palavras tem origem e significados diferentes. Ou seja, a palavra brasil na tradição irlandesa possuía um determinado significado; por sua vez, a palavra brasil na tradição portuguesa, aqui em referência a árvore usada na tinturaria, possuía outra origem e sentido. Assim, preferi explanar o significado da palavra brasil nestes dois contextos.
a) Brasil a partir do nome da ilha:
Em documentos irlandeses e ingleses, e posteriormente nos mapas a partir do século XIV, encontram-se várias variações quanto ao nome Brasil, Brazil, Bersil, Brazir, O'Brazil, Hy Brazil, O'Brassil, Breasail etc. As variações devem-se mais por uma questão de tradução e interpretação fonética de outras línguas, mas propriamente não alteraria seu sentido.
William H. Babcock (1922, p. 50) comenta que uma das hipóteses para o nome Brasil adviria de um herói semideus chamado Breasail ou Bresal, o qual também teria sido um rei irlandês. Tal hipótese foi sugerida em 1820 por James Hardiman, o qual observou o fato de que em lendas irlandesas-bretãs sobre alguns heróis, estes quando morriam, eram enterrados em ilhas. O próprio rei Arthur segundo algumas versões de sua lenda, foi levado para a ilha de Avalon.
Gustavo Barroso (1941, p. 125) comenta com base em Alf Torp e Moltke Moe, que a palavra brasil viria de bress, que significava benção, prosperidade. Inclusive na língua inglesa, a palavra benção se escreve bless, a qual é bem parecida com a palavra irlandesa bress. Tal hipótese parece ser bem plausível, pois a ilha era considerada um lugar abençoado e paradisíaco.
b) Brasil a partir do nome das árvores:
O leitor deve ter estranhado o caso de eu ter usado o plural e não o singular, pois afinal não existe apenas o pau-brasil com este nome? Na verdade o termo "pau-brasil" consistia num nome genérico empregado para se referir a distintas árvores utilizadas na tinturaria, principalmente para se extrair pigmentos na cor vermelha.
“Várias foram as designações para a madeira de cor avermelhada
utilizada pelos europeus como tinta para tecidos e outras utilidades: verzino pelos venezianos, bois de pernanbouc
pelos franceses, arboles de tinturería pelos
espanhóis, araboutan pelo
incrível cronista Jean de Léry, ibirapitanga
pelos indígenas, Presilholtz (madeira do Brasil)
pelos alemães em 1514, verniz pelos portugueses e brisilicum
para designar o pau do Brasil por Duarte
Pacheco em circa 1505.
A confusão entre o termo celta e a designação do pau-Brasil teve inicio a
partir de um planisfério conhecido como Kunstmann IV, que toma um termo pelo
outro, anunciando que o nome brasil derivava da abundância de “tinta
brasil” encontrada sobre seu solo”. (DONNARD, 2009,
p. 14).
Segundo Barroso (1941, p. 77), a palavra brasil já existia no vocabulário espanhol há bastante tempo, sendo usada como sinônimo de carmesim e vermelho. Tal palavra era usada principalmente para se referir aos ofícios de tinturaria, no fabrico do pigmento de cor vermelha.
No livro Singularidade da França Antártica (1558), escrita pelo capuchinho francês André Thevet, após sua estada no Brasil, mais precisamente na colônia da França Antártica, situada na baía de Guanabara, atualmente na cidade do Rio de Janeiro, Thevet comentou que o pau-brasil era parecido com uma árvore asiática comumente chamada de sapang ou sappan. Ainda hoje tal árvore em língua inglesa é conhecida como sappanwood. Seu nome científico é Caesalpinia sappan, e entre os portugueses era conhecida como pau-brasil das Índias ou pau-roxo de Sumatra. (BARROSO, 1941, p. 77).
O uso da sapang é bastante antigo. Relatos chineses, indianos e árabes da Alta Idade Média (V-X) fazem menção a uma árvore usada na tinturaria, na qual fornecia pigmentos vermelhos. Ela era comumente chamada de sapang, nome que se acredita ser de origem malaia. Babcock (1922, p. 52) baseado em Humboltd, sugerira a hipótese que a palavra brasa, brasero, brazir, braise, braciere, brasile, brasilem etc., encontradas nos idiomas português, espanhol, francês e italiano tenha advindo da palavra árabe bakkam. Nesse ponto se faz necessário recordar que os árabes ocuparam a Península Ibérica por mais de setecentos anos, além de terem tentado invadir a França, assim como, ocuparam a ilha da Sicília por algum tempo. Centenas de palavras de origem árabe foram incluídas principalmente nas línguas portuguesa e espanhola devido ao contanto mais longevo com aquele povo.
Sappan, pau-brasil da Índia, pau-roxo de Sumatra (Caesalpinia sappan). |
Não obstante, a palavra bakkam de acordo com Humboltd, seria usada para designar pigmentos vermelhos. Não obstante, os árabes até o século XIII pelo menos, ainda eram os principais comerciantes marítimos no Mar de Mediterrâneo, inclusive eram eles que forneciam as especiarias e outras mercadorias orientais aos venezianos e genoveses, os quais por sua vez revendiam para outros países.
“Referências
ao comércio do pau-brasil podem ser encontradas também em uma série de
documentos, principalmente em antigas pautas alfandegárias e forais
governamentais, remontando aos séculos XII, XIII e XIV. De 1151, encontra-se um
documento escrito em latim bárbaro, uma ordem de pagamento do arcebispo de
Gênova a Filippe de Lamberto Guezzi, mencionando que uma quarta parte do
pagamento seria realizado in brasilem. De 1194 é conhecido um documento, também
escrito em latim bárbaro, versando sobre um tratado de paz celebrado entre os
governos de Ferrara e Bolonha, referindo-se ao pagamento por carga muar, “de
todos os panos de algodão, pedra hume, de grã e de brasile”. Além desses, outro
documento, datado de 1198, denomina a tinta vermelha de braxilis. Esses termos,
brasilem, brasile e braxilis, são então formas de referências, bastante
antigas, atribuídas ao pau brasil”. (MENEZES,
2009, p. 13 apud CÂNDIDO, 1922).
Desde o século XIV pelo menos, os portugueses e espanhóis tinham conhecimento da árvore sappan e seu pigmento chamado brasil, apesar de muitos nunca terem visto essa árvore. No caso dos italianos o contato era mais antigo, inclusive em Veneza aparece o termo verzino para se referir a tal pigmento vermelho, em alguns documentos do século XII. Não obstante, de acordo com Pedro Mártir d'Anghiera, esse comentou que Cristóvão Colombo ao retornar de sua segunda viagem ao Novo Mundo, em 1495, relatou ter encontrado "pau-de-tinta", com o qual os nativos extraíam brasil. Fernando Colombo, filho de Cristóvão, comenta em uma carta que o local de onde os espanhóis iam coletar aquele "pau-de-tinta" na ilha de Hispaniola (Haiti), ficou conhecido como Porto Brasil. (BARROSO, 1941, p. 78).
Pau-brasil (Caesalpinia echinata). |
Nota-se por essa explanação que o nome brasil pelo qual os portugueses, espanhóis, franceses e italianos estavam mais familiarizados, estava relacionado a cor vermelha proveniente da árvore sappan do sudeste asiático. Logo, quando os espanhóis encontraram árvores similares nas Américas, não seria de estranhar que os portugueses quando tomaram posse de suas terras em 1500, também encontraram árvores que produzissem brasil. De fato o pau-brasil (Caesalpinia echinata), pertence a mesma família do sappan ou pau-brasil das Índias. Não obstante, a família Caesalpina possui várias espécies espalhadas pela Ásia e Américas. Logo, os portugueses e espanhóis se depararam com várias espécies de plantas dessa família e as chamavam genericamente de pau-brasil.
A ilha Brasil e os portugueses:
Por fim resta a comentar a questão de se o nome do país Brasil adveio de fato das árvores e seu pigmento, como normalmente foi dito nos livros desde o século XVI, ou adviria da ilha Brasil? Como visto, os portugueses já possuíam conhecimento do pigmento brasil desde o final da Idade Média. No ano de 1470 uma carta régia enviada ao rei D. Afonso V, na qual relatava uma lista de drogas do Oriente (termo da época para se referir a especiarias) fazia menção a brasil.
Logo, os portugueses décadas antes de "descobrirem" o Brasil, já possuíam conhecimento do emprego dessa palavra para se referir ao pigmento vermelho extraído de algumas árvores. Planta essa comercializada pelos árabes, os quais a traziam das Índias para o Mediterrâneo. Logo, quando o Brasil começou a ser mapeado entre 1500 e 1503, não tardou para a Coroa Portuguesa conceder a Fernando de Loronha, monopólio na exploração de pau-brasil, pois as expedições anteriores atestaram a abundância dessas árvores naquelas terras.
Não obstante, os portugueses também já tinham conhecimento das lendas da ilha do Brasil de São Brandão. Já que desde o século XIV essa ilha já aparecia em mapas. Inclusive reis portugueses solicitaram a cartógrafos italianos como Andrea Bianco, lhe fazerem mapas, e como visto, no mapa de Bianco encontra-se menção a ilha Brasil.
Nesse ponto se faz necessário mencionar que houve expedições e quem dissesse que haveria avistado a Ilha Brasil. Entre os anos de 1499 e 1500, os navegantes portugueses João Fernandes Lavrador, Pedro de Barcelos e os irmãos Gaspar e Miguel Corte Real, chegaram a costa leste do atual Canadá, região já visitada pelos vikings cinco séculos antes. De qualquer forma, estes navegantes lusos retornaram a Portugal avisando acerca da sua descoberta, e nos anos seguintes novas viagens para a "ilha de Lavrador" foram autorizadas pela Coroa.
Apesar dos seus "descobridores" não associarem tais terras com a ilha Brasil, algumas pessoas que tomaram conhecimento de tal lugar, cogitaram se aquela terra não seria a ilha Brasil ou a ilha de São Brandão, pois ficavam a oeste da Irlanda. Babcock (1922, p. 59) comenta que navegantes ingleses no século XVI, continuaram a viajar a Labrador e Terra Nova a procura da Ilha Brasil, pois havia quem disse-se que os portugueses teriam a avistado pelo Golfo de São Lourenço.
Mas além de supostamente a Ilha Brasil ter sido vista pelos portugueses na costa do atual Canadá, havia quem disse que ela na verdade ficaria nos Açores. O arquipélago dos Açores é formado por nove ilhas, sendo a terceira delas nomeada de Ilha Terceira. Conta-se o relato que no sul dessa ilha, na Angra do Heroísmo, um monto local era conhecido pelo nome de Monte Brasil. Tal nome teria sido dado por um comerciante chamado Pero Luís de Sousa, o qual segundo o padre Manuel de Azevedo da Cunha, teria feito riqueza no Brasil, então se mudou para a ilha Terceira. O problema é que isso tudo ocorreu antes da chegada de Portugal ao Brasil. Como Pero Luís poderia ter feito fortuna numa época que a colônia lusitana do Novo Mundo nem se quer havia sido visitada?
Para Geraldo Cantarino (2004, p. 182) isso se trataria de um equívoco terminológico e geográfico. Terminológico porque a palavra brasil já era comumente usada para se referir ao pigmento vermelho usado na tinturaria. O tal Pero Luís de Sousa de fato poderia ser negociante de brasil, mas não significasse que ele tivesse morado na colônia portuguesa do Brasil, já que ela nem se quer existia entre os anos de 1480 e 1490. Não obstante o autor comenta que em alguns mapas como o Atlas Medici (1351), o mapa de Pizigano (1367) e o Planisfério de Soleris (1385), situavam a Ilha Brasil na região dos Açores. Possivelmente motivado por tais mapas, os navegantes portugueses ao chegarem aos Açores no começo do século XV, possam ter tomado a Ilha Terceira como sendo a suposta Ilha Brasil.
Assim chegamos a questão final deste texto, o terceiro lugar no qual os portugueses supostamente teria encontrado a ilha Brasil, neste caso o próprio Brasil. Apesar de Pedro Álvares Cabral não ter sido o primeiro a liderar uma expedição a América Portuguesa, pois antes dele, navegantes espanhóis e até mesmo o próprio português Duarte Pacheco tenham passado pela futura costa brasileira, foi apenas com Cabral e sua armada de 12 navios e mais de mil tripulantes, que oficialmente em 22 de abril de 1500 o Brasil teve a posso decretada.
Inicialmente Cabral e outros pilotos acharam que se tratava de uma ilha! Os leitores devem estar se perguntando se isso seria um indicativo de que Cabral tivesse achado que havia chegado a Ilha Brasil? Da mesma forma que supostamente Colombo acreditava ter chegado as Índias? Antes de tudo é preciso explicar determinadas condições para se evitar equívocos. No final do século XV, a existência de outros continentes para além da Europa, África e Ásia era considerada uma hipótese, mesmos os cartógrafos da época possuíam dúvidas se as terras descobertas por Colombo seriam parte de um continente desconhecido ou ilhas a meio caminho da Ásia. Logo, quando Cabral chegou a América do Sul, para ele aquelas terras seriam naturalmente uma ilha, pois de acordo com o pensamento da época, não se tinha certeza que haveria outros continentes.
Não obstante, ele chamou aquela terra de Ilha de Vera Cruz. Ora, se Cabral tivesse pensado que havia chegado a ilha Brasil, por que ele haveria dado-lhe um novo nome? Alguns poderão alegar que era costume dos europeus batizar as terras descobertas com nomes cristãos. De fato isso era verdade. A suposta ilha deixou de ser uma ilha, tornando-se Terra de Santa Cruz.
Pero Vaz de Caminha, escrivão responsável por relatar a descoberta daquela terra para o rei D. Manuel de Portugal, a chamava de ilha, mas nada mencionou da ilha Brasil, nem se quer menciona a existência do pau-brasil ali. Algo que somente foi notificado nas expedições posteriores. A armada de Pedro Álvares Cabral a qual seguia com destino também a Calicut na Índia, era formada por pilotos, marinheiros e navegadores experientes, provavelmente muitos deles já tivessem ouvido falar da Ilha Brasil ou a visto em mapas da época. Se nenhum deles fez menção que a Ilha de Vera Cruz pudesse ser a ilha Brasil, é indicativo que eles soubessem que não se tratava do mesmo lugar, pois como dito, a partir de 1500, os mapas passaram a situar a ilha Brasil sempre a oeste da Irlanda. Apesar de Vera Cruz ficar no ocidente, aquelas terras ficavam a oeste da África e não da Europa.
Considerações finais:
Quanto a dúvida se o Brasil teria recebido o seu nome da ilha ou do pigmento vermelho, tal pergunta desde o século XVI apontava para a segunda indicativa, mas em termos historiográficos, desde o século XIX, historiadores como Capistrano de Abreu já afirmava que o nome Brasil se deveu ao comércio do pau-brasil e sua grande necessidade na indústria tintureira portuguesa. Por mais que os portugueses tivessem conhecimento da lenda da ilha Brasil, em momento algum e em nenhum documento ou mapa do século XVI, encontra-se a colônia do Brasil sendo confundida com a ilha das lendas irlandesas.
Isso por si só já seria um argumento convincente. Não obstante, alguns chegaram a alegar que o significado da palavra Breasil em irlandês antigo faria sentido também para o caso do Brasil, pois este foi considerado um país de abundância, prosperidade, uma terra verde e paradisíaca. Isso é correto, mas o problema é que tais adjetivos por si só não garantiriam o fato do Brasil receber seu nome proveniente da lenda irlandesa, pois como mencionado ao longo do texto, desde a Antiguidade existem vários mitos e lendas sobre ilhas fantásticas e paraísos terrestres. Se tomarmos tal argumentação baseada nos adjetivos que qualificavam a ilha, logo, teríamos dezenas ou centenas de lugares no Novo mundo que poderiam receber o mesmo nome.
Em suma, o nome Brasil como consta nos mapas desde o século XVI, possui dois significados. Tem o sentido irlandês para a ilha Brasil e o sentido português para a colônia Brasil. Sendo que a colônia lusa de fato recebeu seu nome por quase da árvore pau-brasil, a qual os portugueses consideravam ser bem parecida com a árvore sappan dos asiáticos. E de fato pertencem a mesma família.
Quanto a ilha Brasil, ainda hoje não se sabe quando se originou ou porque somente a partir do século XIV começou a aparecer nos mapas europeus. Não obstante, os vikings entre os séculos VIII e XI navegaram em torno da Irlanda, pois chegaram a colonizá-la, mas não se conhece nenhuma lenda ou relato viking falando sobre a ilha Brasil ou outras ilhas próximas da Irlanda. Isso é um tanto curioso, pois os vikings foram exímios navegantes. O motivo para essa ausência são vários, mas não cabe comentá-los aqui nesse momento, ainda assim, a ilha Brasil se comparada a outras lendas irlandesas, seguia a mesmas características como sendo descrita como um lugar paradisíaco.
Logo, os portugueses décadas antes de "descobrirem" o Brasil, já possuíam conhecimento do emprego dessa palavra para se referir ao pigmento vermelho extraído de algumas árvores. Planta essa comercializada pelos árabes, os quais a traziam das Índias para o Mediterrâneo. Logo, quando o Brasil começou a ser mapeado entre 1500 e 1503, não tardou para a Coroa Portuguesa conceder a Fernando de Loronha, monopólio na exploração de pau-brasil, pois as expedições anteriores atestaram a abundância dessas árvores naquelas terras.
Não obstante, os portugueses também já tinham conhecimento das lendas da ilha do Brasil de São Brandão. Já que desde o século XIV essa ilha já aparecia em mapas. Inclusive reis portugueses solicitaram a cartógrafos italianos como Andrea Bianco, lhe fazerem mapas, e como visto, no mapa de Bianco encontra-se menção a ilha Brasil.
Nesse ponto se faz necessário mencionar que houve expedições e quem dissesse que haveria avistado a Ilha Brasil. Entre os anos de 1499 e 1500, os navegantes portugueses João Fernandes Lavrador, Pedro de Barcelos e os irmãos Gaspar e Miguel Corte Real, chegaram a costa leste do atual Canadá, região já visitada pelos vikings cinco séculos antes. De qualquer forma, estes navegantes lusos retornaram a Portugal avisando acerca da sua descoberta, e nos anos seguintes novas viagens para a "ilha de Lavrador" foram autorizadas pela Coroa.
Apesar dos seus "descobridores" não associarem tais terras com a ilha Brasil, algumas pessoas que tomaram conhecimento de tal lugar, cogitaram se aquela terra não seria a ilha Brasil ou a ilha de São Brandão, pois ficavam a oeste da Irlanda. Babcock (1922, p. 59) comenta que navegantes ingleses no século XVI, continuaram a viajar a Labrador e Terra Nova a procura da Ilha Brasil, pois havia quem disse-se que os portugueses teriam a avistado pelo Golfo de São Lourenço.
O Golfo de São Lourenço, Canadá. No século XVI expedições inglesas percorriam essa região em busca da Ilha Brasil. |
Para Geraldo Cantarino (2004, p. 182) isso se trataria de um equívoco terminológico e geográfico. Terminológico porque a palavra brasil já era comumente usada para se referir ao pigmento vermelho usado na tinturaria. O tal Pero Luís de Sousa de fato poderia ser negociante de brasil, mas não significasse que ele tivesse morado na colônia portuguesa do Brasil, já que ela nem se quer existia entre os anos de 1480 e 1490. Não obstante o autor comenta que em alguns mapas como o Atlas Medici (1351), o mapa de Pizigano (1367) e o Planisfério de Soleris (1385), situavam a Ilha Brasil na região dos Açores. Possivelmente motivado por tais mapas, os navegantes portugueses ao chegarem aos Açores no começo do século XV, possam ter tomado a Ilha Terceira como sendo a suposta Ilha Brasil.
Assim chegamos a questão final deste texto, o terceiro lugar no qual os portugueses supostamente teria encontrado a ilha Brasil, neste caso o próprio Brasil. Apesar de Pedro Álvares Cabral não ter sido o primeiro a liderar uma expedição a América Portuguesa, pois antes dele, navegantes espanhóis e até mesmo o próprio português Duarte Pacheco tenham passado pela futura costa brasileira, foi apenas com Cabral e sua armada de 12 navios e mais de mil tripulantes, que oficialmente em 22 de abril de 1500 o Brasil teve a posso decretada.
Inicialmente Cabral e outros pilotos acharam que se tratava de uma ilha! Os leitores devem estar se perguntando se isso seria um indicativo de que Cabral tivesse achado que havia chegado a Ilha Brasil? Da mesma forma que supostamente Colombo acreditava ter chegado as Índias? Antes de tudo é preciso explicar determinadas condições para se evitar equívocos. No final do século XV, a existência de outros continentes para além da Europa, África e Ásia era considerada uma hipótese, mesmos os cartógrafos da época possuíam dúvidas se as terras descobertas por Colombo seriam parte de um continente desconhecido ou ilhas a meio caminho da Ásia. Logo, quando Cabral chegou a América do Sul, para ele aquelas terras seriam naturalmente uma ilha, pois de acordo com o pensamento da época, não se tinha certeza que haveria outros continentes.
Não obstante, ele chamou aquela terra de Ilha de Vera Cruz. Ora, se Cabral tivesse pensado que havia chegado a ilha Brasil, por que ele haveria dado-lhe um novo nome? Alguns poderão alegar que era costume dos europeus batizar as terras descobertas com nomes cristãos. De fato isso era verdade. A suposta ilha deixou de ser uma ilha, tornando-se Terra de Santa Cruz.
Pero Vaz de Caminha, escrivão responsável por relatar a descoberta daquela terra para o rei D. Manuel de Portugal, a chamava de ilha, mas nada mencionou da ilha Brasil, nem se quer menciona a existência do pau-brasil ali. Algo que somente foi notificado nas expedições posteriores. A armada de Pedro Álvares Cabral a qual seguia com destino também a Calicut na Índia, era formada por pilotos, marinheiros e navegadores experientes, provavelmente muitos deles já tivessem ouvido falar da Ilha Brasil ou a visto em mapas da época. Se nenhum deles fez menção que a Ilha de Vera Cruz pudesse ser a ilha Brasil, é indicativo que eles soubessem que não se tratava do mesmo lugar, pois como dito, a partir de 1500, os mapas passaram a situar a ilha Brasil sempre a oeste da Irlanda. Apesar de Vera Cruz ficar no ocidente, aquelas terras ficavam a oeste da África e não da Europa.
Considerações finais:
Quanto a dúvida se o Brasil teria recebido o seu nome da ilha ou do pigmento vermelho, tal pergunta desde o século XVI apontava para a segunda indicativa, mas em termos historiográficos, desde o século XIX, historiadores como Capistrano de Abreu já afirmava que o nome Brasil se deveu ao comércio do pau-brasil e sua grande necessidade na indústria tintureira portuguesa. Por mais que os portugueses tivessem conhecimento da lenda da ilha Brasil, em momento algum e em nenhum documento ou mapa do século XVI, encontra-se a colônia do Brasil sendo confundida com a ilha das lendas irlandesas.
Isso por si só já seria um argumento convincente. Não obstante, alguns chegaram a alegar que o significado da palavra Breasil em irlandês antigo faria sentido também para o caso do Brasil, pois este foi considerado um país de abundância, prosperidade, uma terra verde e paradisíaca. Isso é correto, mas o problema é que tais adjetivos por si só não garantiriam o fato do Brasil receber seu nome proveniente da lenda irlandesa, pois como mencionado ao longo do texto, desde a Antiguidade existem vários mitos e lendas sobre ilhas fantásticas e paraísos terrestres. Se tomarmos tal argumentação baseada nos adjetivos que qualificavam a ilha, logo, teríamos dezenas ou centenas de lugares no Novo mundo que poderiam receber o mesmo nome.
Em suma, o nome Brasil como consta nos mapas desde o século XVI, possui dois significados. Tem o sentido irlandês para a ilha Brasil e o sentido português para a colônia Brasil. Sendo que a colônia lusa de fato recebeu seu nome por quase da árvore pau-brasil, a qual os portugueses consideravam ser bem parecida com a árvore sappan dos asiáticos. E de fato pertencem a mesma família.
Quanto a ilha Brasil, ainda hoje não se sabe quando se originou ou porque somente a partir do século XIV começou a aparecer nos mapas europeus. Não obstante, os vikings entre os séculos VIII e XI navegaram em torno da Irlanda, pois chegaram a colonizá-la, mas não se conhece nenhuma lenda ou relato viking falando sobre a ilha Brasil ou outras ilhas próximas da Irlanda. Isso é um tanto curioso, pois os vikings foram exímios navegantes. O motivo para essa ausência são vários, mas não cabe comentá-los aqui nesse momento, ainda assim, a ilha Brasil se comparada a outras lendas irlandesas, seguia a mesmas características como sendo descrita como um lugar paradisíaco.
“Entre mitologia degradada em folclore e a pura especulação
fantasiosa pouco se pode dizer de substancial sobre o nome Brasil. Mas, pela
frequência com que aparece na cartografia medieval e pela configuração com que
ela se institucionalizou no folclore moderno, só se pode concluir que a ilha
Brasil tenha sido um elemento importante de uma mitologia antiga e, como tantos
outros mitemas do mundo céltico, tenha ficado perdida num passado impossível de
ser reconstituído em toda sua completude. Restam-nos, infelizmente, apenas os
fragmentos de uma mitologia que aponta claramente para sua identificação através de um conjunto de narrativas de viagem
ao Outro Mundo da literatura gaélica medieval: os immrama”. (DONNARD, 2009, p. 22).
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