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Leandro Vilar

terça-feira, 25 de junho de 2024

Uma história da literatura gótica

A literatura gótica consiste em um dos subgêneros da literatura de terror e horror, tendo surgida no século XVIII, chegando ao seu auge durante o XIX, apesar que ainda hoje ela exista, mas de forma diferente e menos popular do que foi a mais de um século. O presente texto apresenta as origens dessa literatura, suas características principais, suas fases e obras mais marcantes. 


O conceito de literatura gótica

Para iniciar essa explanação se faz necessário começar pelo conceito da palavra gótico, que possui vários sentidos. Originalmente o termo gótico era utilizado para se referir a cultura do povo Godo, um aglomerado de tribos de origem germânica que surgiram em período incerto, apesar de serem mencionados pelos romanos no século I d.C, como na obra Germânia de Tácito. Os Godos a partir de algumas migrações se dividiram em duas vertentes, os Ostrogodos e os Visigodos. Ambas as vertentes adentraram as terras do Império Romano e passaram a viver em harmonia ou em guerra ao longo de séculos. Após o fim desse império e a gradativa cristianização dos Ostrogodos e dos Visigodos, a palavra gótico para se referir a eles, praticamente foi abandonada. 

Muito tempo depois, entre os séculos XI e XII a arquitetura eclesiástica europeia passou por mudanças drásticas, deixando o estilo românico e adotando um estilo que veio a ser chamado de gótico. As igrejas e catedrais góticas surgiram na França e na Alemanha, marcadas por sua imponência, ornamentação pesada e cheia de detalhes, uso de grandes janelas com vitrais, torres altas, gárgulas, rosáceas, colunas naves com teto alto, piso branco ou cinza. As igrejas góticas se tornaram um estilo dominante em alguns países europeus da Baixa Idade Média como Alemanha, França, Inglaterra, Portugal, Espanha e Itália. Ao mesmo tempo em que na Itália despontava-se a pintura gótica, a qual enfatizava tons mais vívidos e técnicas de iluminação. (SNODGRASS, 2005, p. 147). 

Apesar disso, o termo arte gótica somente surgiu com os artistas renascentistas, anteriormente tínhamos outros termos para se referir a arquitetura dessas igrejas e a pintura. Porém, aqui surge uma problemática. Os artistas do Renascimento passaram a designar genericamente as artes medievais pelo termo de gótico, o que incluía a pintura, a escultura, a arquitetura, a iluminura, a carpintaria, a ourivesaria, os mosaicos etc., porém, nem todos esses foram influenciados pela arte gótica, além disso, alguns artistas como Giorgio Vesari usavam o termo gótico num sentido de crítica, como forma de se referir a uma "arte" inferior, por sua vez, ao abordar a arquitetura gótica, para Vesari essa tinha um aspecto "sombrio", algo que lembrava os Godos por terem sido "povos bárbaros". (SNODGRASS, 2005, p. 148). 

O termo gótico também acabou recebendo outros significados a depender do país, recebendo conotações políticas, morais, culturais etc. Porém, a literatura gótica somente ganharia esse sentido no final do XVIII, quando a palavra gótico na Inglaterra passaria a ser utilizado para se referir a um subgênero literário que despontava na época, relacionado a narrativas de fantasia, drama e terror. Eram histórias ambientadas no período medieval ou renascentista, passando-se em castelos, mansões, vilas ou cidades. Destaca-se o fato de Horace Walpole publicar seu mais famoso livro O Castelo de Otranto: Uma história gótica (1765). Esse livro como será visto adiante, se tornou a referência para o início da literatura gótica, já que seu subtítulo enfatizava o uso da palavra gótica para se referir a um subgênero em desenvolvimento.

O gótico surgiu como uma literatura subversiva aos padrões da época, ainda fortemente influenciado pelo Arcadismo (ou Neoclassicismo), movimento literário influenciado pela literatura clássica greco-romana, o Renascimento e o Iluminismo. Os autores arcadistas valorizavam a exaltação da natureza, o bucolismo (vida rural), faziam críticas ou sátiras a monarquia absolutista do Antigo Regime, ao conservadorismo cristão. Adotavam também ideários liberais iluministas sobre republicanismo, democracia, laicidade, incentivo as artes, à educação e as ciências, além da valorização da natureza nacional e de sua cultura. (CARPEAUX, 2011). 

A literatura arcadista era centrada em temas mais realistas sobre a vida rural ou urbana, o amor, o casamento, a solidão, o trabalho, a morte, o estudo. Era uma literatura que presava por uma escrita simples, diferente da literatura barroca que dominou os séculos XVI e XVII, além de fazer muitas referências a mitologia greco-romana em alguns casos, além de valorizar a beleza da vida, diferente do pessimismo do barroco. Porém, ao lado da literatura arcadista e barroca ainda tínhamos tragédias, comédias populares (pastoris), contos de fadas, fábulas, obras de aventura e proto-ficção científica. Soma-se a isso a chegada da literatura gótica. (CARPEAUX, 2011). 

Mas por que o gótico surgiu como uma literatura subversiva no XVIII? Como comentado por Horace Walpole, a literatura gótica se opunha aos padrões arcaístas, deixando de lado a valorização da Antiguidade clássica e da Idade Moderna, voltando-se para a valorização da Idade Média, período negligenciado pela literatura europeia moderna. Assim, como será visto, a fase do gótico clássico será marcado por obras que se associam ao período medieval, tornando a monarquia e o feudalismo novamente importantes, algo perdido para o Arcadismo. Além disso, a literatura gótica resgatou alguns aspectos da literatura barroca, como a dualidade entre sagrado e profano e o pessimismo de vida.

Assim, a literatura gótica caracteriza um subgênero do terror centrado em tramas que mesclavam inicialmente a fantasia (mais tarde inseriu-se a ficção científica, especialmente a partir do século XX), a qual misturava-se com contos medievaishistórias de fantasmas, lendas, elementos do folclore e dos contos de fadas. No XIX, personagens como vampiros, lobisomens e bruxas foram inseridos nessa literatura, ganhando bastante destaque, especialmente para os vampiros como será visto adiante. 

Além disso, vale frisar que a literatura gótica não é sinônimo de literatura de terror, pois existem diferentes tipos de subgêneros do terror em que esse se manifesta através de extraterrestres, palhaços, serial-killer, brinquedos assassinos, desastres da natureza, animais, robôs, distopia, época pós-apocalíptica, fome, peste, guerra, miséria, terror corporal, terror erótico, terror teen, slasher, terror trash etc. Assim, é preciso ter cuidado ao nomear gótico determinados autores e livros de terror, pois não necessariamente são obras góticas mesmo contendo elementos de terror. (CORSTORPHINE; KREMMEL, 2018). 

Entretanto, como comenta Snodgrass (2005), a literatura gótica não se restringe apenas a presença de monstros, existem exemplos em que tais criaturas nem estão presentes, porém, a tensão da narrativa se desenvolve com base no suspense e no mistério, os quais geram receio e temor. Assim, as ameaças não são de origem sobrenatural, mas reais, sendo assassinos humanos (as vezes animais). Por exemplo, O Castelo de Otranto (1764) não possui monstros, mas sua narrativa cria tensão a partir de uma maldição que vítima um príncipe, desencadeando a paranoia e vilania de seu pai. 

Destaca-se também o elemento do drama bastante em voga, especialmente entre os protagonistas, os quais são ameaçados por forças sobrenaturais ou ameaças reais. Neste âmbito destaca-se elementos referentes ao drama da vida, pessimismo, melancolia, desespero, sofrimento, temor, traumas etc. Essas características foram resgatadas pelo Romantismo do século XIX, enfatizando os dilemas da vida, as paixões não correspondidas, os medos, os sonhos, os desejos reprimidos, a vingança, a cobiça, a inveja, a luxúria, as esperanças e medos. (SNODGRASS, 2005, p. 153-154). 

Tomemos alguns casos por exemplo. Em Frankenstein (1818), Victor Frankenstein ambiciona ressuscitar os mortos (temos o sonho), mas ao ver o resultado da sua criação ele se assombra e passa a ser atormentado pelo monstro. Em Drácula (1897) temos o Conde Drácula atrás de um novo amor e de uma nova vida, por conta disso, ele muda-se para a Inglaterra. Inclusive o fato de ele se apaixonar por Mina Murray, em parte, deve-se a inveja que ele sente de Jonathan Harker. No romance Carmilla (1871) temos todo um joguete passional da vampira com sua vítima. Observa-se por tais exemplos, pois embora tais livros contenham monstros, ainda assim, eles não são criaturas desprovidas de sentimentos e emoções, mas todos os três acabam de alguma maneira presos por algum sentimento ou paixão, elementos que dirigem os rumos de suas tramas, como vingança, inveja e cobiça. 

Esse tom dramático concede a algumas obras da literatura gótica um ritmo lento, além de levar também a reflexão, o que nos faz entrar no campo da filosofia com o Existencialismo. O qual consiste numa escola filosófica que analisa a influência dos sentimentos e emoções no desenvolvimento da percepção de nós, dos outros, da sociedade e da realidade. Diferentes obras góticas passam por essas implicações, embora nem sempre perceptíveis numa primeira leitura. 

Todavia, sublinha-se que nem todo livro gótico possui uma carga de terror profunda, como costuma equivocadamente pensar. Quem ler histórias como O Castelo de Otranto, O médico e o monstro e até o famoso Drácula, estranhará ao perceber que não se tratam de livros profundamente assustadores, como temos a impressão de que seja. Isso se deve que a depender do período literário e do autor, as narrativas góticas são mais ou menos aterrorizantes. E no caso do período clássico e romântico, o enfoque se dava mais sobre o drama e o suspense. Somente no século XX é que começamos a ter uma literatura mais voltada para causar pavor nos leitores. 

Apesar dessas mudanças que a literatura gótica sofreu entre os séculos XVIII e XXI, no entanto, quando ela surgiu na Inglaterra, tratava-se de um subgênero literário subversivo. A literatura gótica surgiu na esteira do revivamento gótico, o apreço cultural e estético pela arquitetura gótica, levando a originar a arquitetura neogótica, mas também como uma forma de protesto aos ideários vigentes na época, influenciados pelo Iluminismo ("O Século das Luzes") com seu racionalismo e o nacionalismo político crescente. Dessa forma, os autores góticos optavam em inserir elementos fantásticos em suas narrativas, apelando ao sobrenatural, escapando desse padrão de escrever apenas romances realistas, algo que inclusive se desenvolveu no XIX. Como também não se importavam em promover a valorização da pátria, da cultura nacional e da natureza de seu país. Tais autores queriam escrever narrativas mais livres, voltadas ao entretenimento.

Sublinha-se também que a literatura gótica seja caracterizada por essa proximidade com as emoções, os sentimentos, o sublime, a reflexão, a crítica social, diferente de outras obras do gênero de terror que focam no mistério, no pavor, no grotesco, no horripilante, na ação, na violência, no susto etc., o gótico busca um aspecto mais dramático e um terror psicológico. 

A literatura gótica clássica (1764-1824)

Chama-se de período clássico da literatura gótica as produções que deram origem a esse subgênero literário na década de 1760, estendendo-se até a década de 1820. Apesar que alguns autores até expandam essa periodização para mais algumas décadas, porém, optei em ficar com essa delimitação com base nos autores consultados para este estudo. Sendo assim, o período clássico se notabilizou pelo emprego da palavra gótico para se referir a um subgênero do drama, assim como, pelo surgimento das características básicas desse estilo literário, apesar que como será visto, novas características foram agregadas, especialmente os elementos do terror, pelo qual o gótico ficou famoso. 

O livro que inaugurou essa literatura foi O Castelo de Otranto (1764), escrito pelo escritor, político, memorialista e nobre Horace Walpole (1717-1797), 4o Conde Orford. Devido ao seu vínculo com a nobreza e a aristocracia, Walpole desenvolveu um apreço pelas velhas tradições de seu país, por conta disso, ele tornou-se um apaixonado pela Idade Média, período que dizia ser mal compreendido pelos artistas e historiadores da modernidade, os quais o tratavam como um tempo de "idade das trevas". De fato, Walpole não estava errado quanto a isso, pois realmente existia esse preconceito com o período medieval em seu tempo. (HUGHES, 2013, p. 255-256). 

Assim, ele começou a estudar História e se interessou pela arte gótica, fato esse que sua mansão e outras propriedades foram reformadas para se acrescentar elementos do estilo gótico em arquitetura e decoração, o que revelam sua fixação pelo medievo. Com isso, Walpole decidiu escrever um romance sobre isso, assim surgiu seu primeiro livro de ficção, uma narrativa que se passava no período medieval em época e lugar indefinidos, acompanhando o drama e tragédia do príncipe Manfredo, cujo filho Conrado faleceu no dia do casamento. Uma antiga profecia falava do fim da linhagem do senhor daquele castelo. Manfredo temendo isso, decide despojar a nora Isabela, mas essa rejeita e escapa, dando início a trama do livro, que envolverá complôs, conflitos, traições e violência. 

Frontispício de O Castelo de Otranto: um romance gótico, em edição de 1766. 

Quando Walpole publicou esse livro, ele alegou se tratar ser da tradução de um romance de cavalaria italiano, realmente proveniente da Idade Média. No ano seguinte ele voltou atrás quanto a sua mentira, escrevendo que se tratava de uma narrativa original, mas baseada no período medieval, por conta disso ele inseriu o subtítulo "uma história gótica", no intuito de destacar ao leitor que a narrativa era ambientada no período medieval. 

No caso, Walpole adotou a palavra gótico para se referir a essa conexão com a Idade Média, característica seguida por outros autores ainda no XVIII. Em O Castelo de Otranto temos os primeiros elementos caracterizadores da literatura gótica clássica: ambientação medieval com castelos, igrejas, cemitérios, criptas, masmorras; mistério associado com o sobrenatural (mesmo esse não ficando explícito), tragédias familiares, donzelas em perigo, um herói que ainda se descobrirá herói, um vilão obcecado. (HUGHES, 2013, p. 262-263). Essas características como podem ser observadas são até encontradas em outros gêneros literários, porém, no Arcadismo do XVIII eram pouco usuais, o que diferia o gótico do arcadista. 

O livro de Walpole dividiu opiniões na época, em que a crítica negativa considerava a obra mal escrita, com enredo confuso e de pouca qualidade. Por outro lado, o livro ganhou novas edições rapidamente, assim como, atraiu atenção de escritores e poetas pela temática medieval (gótica). Nos anos seguintes contos e poemas abordando essa temática começaram a serem publicados. Walpole ainda escreveu The Mysterious Mother: A Tragedy (1768), obra que abordava o drama de uma condessa grávida, cujo filho era fruto de incesto. O tema pesado na época não foi bem recebido. Por conta disso, seu livro seguinte puxou mais para o humor, abandonado o estilo gótico. Apesar disso, seu legado permaneceu.

Na década de 1770 o Romantismo despontava na Alemanha e se espalharia por parte da Europa e depois iria para as Américas. Dessa forma, o Romantismo influenciaria algumas gerações de escritores góticos como será visto adiante. Entretanto, foi nesse período que uma nova leva de autores góticos começaram a despontar, o primeiro foi a escritora Clara Reeve (1729-1807), a qual publicou o conto The Champion of Virtue: A Gothic Story (1777), renomeado para The Old English Baron no ano seguinte. (HUGHES, 2013, p. XIX). 

Reeve como Walpole, adotou o subtítulo "a gothic story" para enfatizar a temática medieval de sua obra. De fato, ela era leitora de Walpole e se inspirou em seu livro para decidir escrever uma narrativa gótica que consiste num drama que envolve as famílias Harclay, Lovel e Fitz-Owen. Na trama temos o retorno do cavaleiro Sir Phillip Harclay à Inglaterra, ao tomar notícia que seu velho amigo de infância Arthur Lovel foi assassinado. Ao retornar, Harclay se ver em meio a acordos e intrigas. Observa-se que a obra de Reeve não possui elementos de terror, apenas a temática medieval, característica do gótico daquele período ainda. (DAVISON, 2009, p. 78-79). 

Na década de 1780 uma leva de publicações góticas ganhariam relativo destaque, apesar que os livros de Walpole e Reeve já fossem melhor recebidos por aquele tempo. Nessa década destaca-se inicialmente o trabalho da escritora Sophia Lee (1750-1824) com seu livro The Recess, or, A Tale of Other Time (1783-1785), obra dividida em três partes, o qual narra o drama de duas irmãs gêmeas, filhas bastardas de um rei e uma rainha, as quais são criadas num convento. Adultas elas passam por diferentes dificuldades em suas vidas. Novamente observa-se a ambientação medieval, mas não a presença de elementos sobrenaturais ou aterrorizantes. Além disso, o livro de Lee se destaca pela condição dos protagonistas serem mulheres, algo raro ainda naquele século. (DAVISON, 2009, p. 96-97). 

Seguindo uma narrativa diferente como a de Sophia Lee, a qual fez uso de protagonistas femininas, o escritor William Beckford (1760-1824) decidiu escrever uma novela gótica, mas ao invés de ser ambientada na Europa como normalmente era feito, ele optou em transpor sua narrativa para o Oriente Médio, assim surgiu Vathek, an Arabian Tale (1768). Inspirado nas Mil e Uma Noites (1704) e em contos orientais de Voltaire, Beckford nos apresenta a jornada do califa Vathek, homem depravado e imoral que em certa ocasião adoece e se ver no leito de morte até que é curado por um misterioso homem chamado Giaour ("infiel"). A partir de tal cura milagrosa, Vathek, sua mãe e alguns amigos, renunciam a fé em Alá e parte numa jornada de luxo, prazeres e perigos. Vathek tentando em descobrir poderes arcanos, passa a executar as instruções de Giaour. Nota-se que diferente dos outros livros mencionados, Beckford já se enveredou mais para o lado do fantástico e até trazendo momentos sombrios como a menção a monstros, demônios e o Inferno. (HUGHES, 2013, p. 38). 

Ilustração do califa Vathek e de Griaour. O livro marcou a primeira produção gótica baseada no Oriente Médio. 

Na década de 1790 a escritora Ann Radcliffe (1764-1823) se destacou no cenário da literatura gótica. Ela escreveu seis livros nesse subgênero, sendo o último uma publicação póstuma. Suas obras introduziram novas características ao estilo gótico, especialmente o destaque aos cenários melancólicos (influência do Barroco), agora acrescentando elementos sombrios. Radcliffe por influência de Sophia Lee, enfatizou protagonistas femininas em seus livros, para completar, ela passou a usar elementos sobrenaturais nos seus últimos livros e a inserir um pouco de terror psicológico nas narrativas. (HUGHES, 2013, p. 2009). 

Seus primeiros livros foram publicados anonimamente e seguiam a premissa básica da literatura gótica: um enredo de drama num ambiente medieval. Assim, tivemos os livros Os castelos de Athlin e Dunbayne (1789), Um romance siciliano (1790), O romance da floresta (1791). Seu terceiro livro foi o melhor recebido pela crítica, assim, Radcliffe passou a assinar suas obras em seguida. Porém, suas obras mais famosas foram O mistério de Udolfo (1794) e Os italianos (1797). Já seu último livro Gaston de Blondeville (1826), não recebeu o mesmo destaque, já que a literatura gótica, como será vista estava tomando outros rumos, e o período clássico havia terminado. 

A história sobre o mistério envolvendo o Castelo de Udolfo no sul da França, próximo a fronteira italiana, consagrou Radcliffe. A trama apresenta o desespero de Emily St. Aubert que se ver presa no referido castelo, que apresenta algo de assombrado, ao mesmo tempo em que ela deve conseguir escapar do marido da sua tia, um vigarista que trama casar Emily com um amigo seu. Apesar do roteiro clichê para os padrões atuais, o livro fez sucesso, destacando-se uma mulher como protagonista, as descrições de cenários e paisagens sombrias, um mistério sobrenatural com toques de terror. (DAVISON, 2009, p. 84-85). 

Frontispício da primeira edição. 

Com o sucesso desse livro, Ann Radcliffe publicou três anos depois Os italianos, livro que abordava uma trama sinistra na Itália do século XVIII, embora não fosse o período medieval, a ambientação lembrava o medievo; na narrativa acompanhamos a tramoia do nobre Vincentio di Vivaldi, que se apaixona perdidamente por Ellena Rosalba, e deseja se casar com ela, custe o que custasse. Assim, ele passa a conspirar com um padre, mas é sempre questionado por um misterioso monge a não fazer aquilo. Vivaldi se irrita e tenta caçar o monge que quer impedir seu casamento, eventualmente outras ocorrências se sucedem apresentando reviravoltas. Neste livro, diferente de seu antecessor, não temos elementos sobrenaturais explícitos, mas a presença do monge é misteriosa e suspeita. Além disso, retoma-se o típico drama entre nobres e casos passionais. Todavia, uma novidade desse livro foi o enfoque ao contexto religioso, envolvendo clérigos e igrejas, uma crítica a corrupção, a hipocrisia e o conservadorismo religioso, além de ser uma crítica a Inquisição (ainda vigente naquela época). (DAVISON, 2009, p. 145-146). 

Porém, sua ideia para Os italianos adveio de uma novela lançada no ano anterior, intitulada O monge (1796), escrita por Matthew Gregory Lewis (1775-1818). A obra causou polêmica e desconforto na época, por mostrar um cruel monge chamado Ambrosio que estuprou e engravidou uma mulher, a qual ele depois descobre ser uma irmã bastarda. Ou seja, ele acabou cometendo incesto também. Além desses crimes, a narrativa também insere elementos sombrios envolvendo bruxaria e a invocação de um demônio. Ambrosio tentado por sua luxúria por Antonia, decide fazer um pacto diabólico para tê-la. Percebe-se que tais elementos concediam um tom mais sombrio e aterrorizante a trama. (SNODGRASS, 2005, p. 235-236). 

O livro de Lewis influenciou alguns contos e até outros autores, apresentando tramas envolvendo clérigos inescrupulosos e pactos diabólicos. Isso ajudou a abrir portas para a inserção cada vez mais de elementos sombrios e aterrorizantes na literatura gótica. Mas isso ainda demoraria algumas décadas para se estabelecer. 

No final do XVIII, chapbooks (ou bluebooks) sobre temáticas góticas começaram a ganhar destaque. Os chapbooks eram livretos baratos produzidos em alguns países europeus desde o século XVI, abordando temas diversos como aventura, romance, folclore, drama, comédia, canções populares, sensacionalismo, lendas, eventualmente chegaram as histórias góticas que estavam em alta. Assim, Potter (2018, p. 156) comenta que algumas revistas começaram a se especializar em publicar narrativas góticas como The Lady’s Magazine; The London Magazine; La Belle Assemblée, or Bell’s Court and Fashionable Magazine; The Lady’s Monthly Museum, or Polite Repository of Amusement and Instruction; and The Gleaner, or, Entertainment for the Fire-Side

Entre 1797 e 1802 somente em Londres existiam 28 revistas especializadas em chapbooks góticos, tamanha a popularidade que esse subgênero havia alcançado. A maioria das narrativas eram baseadas nos autores famosos do gótico clássico como Walpole, Reeve, Radcliffe e Lewis, fato esse que muitas histórias se passavam em castelos ou mansões, envolvendo crimes e segredos sinistros, não necessariamente abordando monstros e o sobrenatural. De qualquer forma, os chapbooks se tornaram os antepassados dos penny dreadfuls, os quais investiram num terror mais grotesco e explícito como será visto adiante. (POTTER, 2018, p. 157-158). 

Adentrando o século XIX, os últimos anos do gótico clássico ainda manteria a receita tradicional de dramas envolvendo nobres, aristocratas, as vezes plebeus e clérigos em castelos, palácios e igrejas, fato esse que a famosa escritora Jane Austen (1775-1817) decidiu se aventurar nessa literatura, então popular na época. Assim, surgiu o A Abadia de Northanger (1818), uma publicação póstuma, mas escrito mais de dez anos antes. Neste livro basicamente temos uma paródia a literatura gótica clássica. Austen inclusive se inspirou bastante no trabalho de Ann Radcliffe. (DAVISON, 2009, p. 20). 

Apesar do livro de Austen não ter feito sucesso na época, sendo até ofuscado por seus renomados romances, outros autores interessados pelo gótico, começaram a publicar tramas mais sombrias, principalmente em forma de contos. Por exemplo, temos E. T. A. Hoffman (1776-1822) autor do conto Sandman (1816), escrito de forma epistolar, a trama se divide em três cartas que apresentam o temor de Nathaniel quanto a uma entidade dos sonhos chamada "Homem de Areia". A trama era inspirada na figura folclórica, popular em parte da Europa. (HUGHES, 2013, p. 134). 

Outro autor que investiu no gótico, foi o famoso poeta Lorde Bryon (1788-1824), que escreveu vários contos góticos como The Giaour (1813), The Bride of Abydos (1813), The Corsair (1814), The Siege of Corinth (1816), Manfred (1817). Apesar que eles não alcançaram o sucesso como seus poemas. No entanto, Bryon foi um incentivador para os escritores, ele costumava reunir amigos e convidados para compor poemas e contos sobre assuntos diversos, entre os temas, histórias sobre fantasmas e monstros lhe apreciavam. Fato esse que alguns amigos seus acabaram escrevendo narrativas góticas a partir dessas reuniões, destacando-se os trabalhos de Mary Shelley e John Polidori. (HUGHES, 2013). 

A jovem Mary Shelley (1797-1851), que por incentivo de seu marido, o poeta Percy Bryce Shelley, publicou anonimamente uma novela chamada Frankenstein (1818), obra epistolar, na qual acompanha a tragédia do médico Victor Frankenstein, o qual foge através da Europa, na tentativa de escapar do monstro feito de partes de cadáveres que ele criou para estudar uma forma de ressuscitar os mortos. Shelley nos anos seguintes ampliou essa novela, tornando-o um romance até chegar a sua versão definitiva que hoje conhecemos. O monstro de Frankenstein se tornou uma marca da literatura gótica. (DAVISON, 2009, 178). 

Victor Frankenstein se espanta com seu monstro. Ilustração de Theodor von Holst, para edição de 1831 do livro. 

O livro de Mary Shelley abordava características que começavam a se distanciar do estilo gótico clássico. A narrativa transcorria no século XVIII, sem explorar ambientações medievais, apesar de conservar cenários sombrios. A melancolia, o medo e o terror estavam mais presentes, além da presença de um monstro vingativo, mas também reflexivo. A obra de Shelley contém reflexões filosóficas sobre a vida, a moralidade, a sociedade etc. Embora a autora tenha escrito outros livros, Frankenstein ou o Prometeu Moderno, se tornou sua obra mais conhecida. (DAVISON, 2009, 179). 

Por sua vez, o médico e escritor John Polidori (1795-1821) por incentivo de seu amigo, Lorde Bryon, publicou um conto intitulado O Vampiro (1819), cuja obra é considerada uma das bases das narrativas vampirescas que se popularizariam no XIX. Na trama temos o misterioso e cruel Lorde Ruthven, homem de origem aristocrática, bastante cortês, mas isso tudo oculta sua real índole. Ele acaba fazendo amizade Aubrey, um jovem rico que anseia por aventuras. Ruthven o convence em acompanhá-lo pela Europa. À medida que eles convivem nessas semanas de viagem, Aubrey começa a notar comportamentos estanhos em Lorde Ruthven, mais tarde ele descobre que o mesmo era um vampiro. (DAVISON, 2009, 173). 

Frontispício da primeira edição de O Vampiro. 

O conto de Polidori conservava aspectos do gótico clássico, uma aventura dramática entre aristocratas, sendo que um deles revela sua má índole e se torna o vilão da narrativa. Todavia, a novidade foi utilizar elementos do folclore como as lendas sobre vampiros, adaptando-os para o estilo da literatura gótica. 

Caminhando para o final do período clássico, alguns contos e poemas se destacaram nessa época. O primeiro é Melmoth the Wanderer (1820), escrito por Charles Maturin, o qual narra a história de Melmoth, um homem que fez um pacto diabólico para viver por séculos. Mas cansado de sua longa vida, ele decide buscar uma forma de morrer. Nessa mesma época o poeta britânico John Keats publicou alguns contos e poemas como Lamia (1820), Isabella (1820), Eve of St. Agnes (1820), entre outros. Ele mesclava a narrativa tradicional do gótico clássico, mas já inserindo em algumas obras mais elementos de terror. (DAVISON, 2009, p. xiii). 

Todavia, foi nessa década que a literatura gótica começou a ganhar adeptos no outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos. O escritor, ensaísta e diplomata Washington Irving (1783-1859) interessado pelo gótico, publicou o conto The Legend of Sleepy Hollow (1820), o qual no Brasil ficou conhecido como "A Lenda do Cavaleiro Sem-cabeça". O conto foi escrito na Inglaterra, na época que Irving morou algum tempo no país, porém, a trama ocorre no interior do estado de Nova York, no final do século XVIII. Na história acompanhamos o desafortunado professor Ichabod Crane que ao voltar de uma festa durante à noite é perseguido por um cavaleiro sem-cabeça. O personagem acabou inspirando várias adaptações. 

Ichabod sendo perseguido pelo cavaleiro sem-cabeça. Ilustração de 1849. 

Assim, nesse início da literatura gótica, ela se tratava de uma série de dramas cuja ambientação era o período medieval, prática que se manteve até o começo do século XIX. Além disso, a maior parte das narrativas góticas clássicas não possuíam elementos de terror, mais abordavam o drama, a tragédia e as vezes o sobrenatural. A presença de monstros é algo que começou a despontar nas décadas de 1810 e 1820, já no final do período clássico, momento que também a ambientação medieval deixa de ser uma constância, sendo trocada por ambientações que se passavam entre os séculos XVI e XIX. 

A literatura gótica romântica (1825-1910)

Influenciado pelo Romantismo que despontava naquele século, a nova fase da literatura gótica assimilou a intensidade emocional, o pessimismo, o sublime, o individualismo, o idealismo, o drama, a melancolia, a preocupação, o sonho, o medo etc. Soma-se a isso, o grotesco, o assombroso, o misterioso, o suspense e o terror. Essas características seriam desenvolvidas no período romântico se tornando marcantes até hoje na literatura gótica. Pois foi nessa fase em que elementos sobrenaturais, sombrios e de terror se tornaram definitivamente comuns. 

Na década de 1830 a literatura gótica começou a se expandir pela Rússia, levando vários autores a escreverem contos nesse período e nos anos seguintes. Destacam-se alguns trabalhos como A Rainha de Espadas (1834) de Alexander Pushkin, grande nome da literatura russa, em cujo conto ele aborda história de fantasma; o poema Demônio (1829-1839) de Mikhail Lermontov, que aborda o relacionamento entre a princesa Tamara e um demônio; a novela Viy (1835) do célebre Nikolai Gogol, cuja narrativa sombria mescla elementos do folclore russo com bruxaria. (HORNER, 2002, p. 105, 114-118). 

Ilustração de 1901 mostrando as abominações na novela Viy. 

Entretanto, o primeiro autor a se destacar internacionalmente no período romântico foi o americano Edgar Allan Poe (1809-1849). Embora seja lembrado principalmente como autor de terror, Poe também escreveu sobre aventura, drama, ficção científica e até contos policias com o detetive Auguste Dupin. Entretanto, foi no subgênero da literatura gótica que ele se consagrou como um dos maiores escritores da História. (HUGHES, 2013, p. 25). 

E seu primeiro trabalho significativo nesse tipo de literatura foi a coletânea de contos intitulada Contos do Grotesco e do Arabesco (1840), a qual reunia narrativas de terror, fantasia, aventura e drama, publicadas anteriormente. Um dos contos mais famosos dessa coletânea é A queda da Casa Usher (1839), o qual narra a maldição que assola tal família. Recentemente esse conto inspirou uma minissérie. Outro conto é Morella (1835), o qual narra a possessão de Morella sobre o corpo de sua filha. Outra história conhecida dessa coletânea é O Diabo no Campanário (1839), um conto gótico satírico, que fala de um demônio travesso que atazana uma cidadezinha holandesa. (HUGHES, 2013, p. 200-201). 

Frontispício da primeira edição. 

Posteriormente, Poe voltaria a se destacar com a publicação dos contos O poço e o pêndulo (1842), O Gato Preto (1843), Um conto das Montanhas Escabrosas (1844), O Enterro Prematuro (1844), O demônio da perversidade (1845), entre outros. Além de contos, Poe também escreveu alguns poemas góticos como O palácio assombrado (1839), O Corvo (1845), A cidade no mar (1845), Annabel Lee (1845), são alguns dos mais notáveis poemas góticos de Poe. 

O trabalho de Poe apresenta uma série de características pelas quais a literatura gótica romântica ficaria conhecida: o aumento no foco no drama e na tragédia para personagens de origem social diversa, não mais centrados em personagens que eram nobres ou aristocratas; a exploração do terror psicológico (aspecto importante), a ênfase ao sofrimento individual (melancolia), o temor pelo desconhecido, a presença de fantasmas, maldições, bruxas etc. A manifestação do assombroso em animais ou coisas comuns. Além disso, as narrativas dele não se ambientavam em castelos como de costume, mas ocorriam em localidades mais comuns a época de sua vida. 

Nesse mesmo período na Inglaterra, destacava-se o trabalho do escritor William Harrison Ainsworth (1805-1882), autor de livros como Rookwood (1834), Jack Sheppard (1839) e The Lancanshire Witches (1849), estão entre suas principais obras góticas. As quais inclusive influenciaram vários outros autores, alguns que trabalhavam com um gênero popular de folhetins chamados penny dreadful. Que consistiam em revistas de poucas páginas, de papel barato, ilustrações as vezes malfeitas, mas cujas narrativas eram contos ou novelas divididos em capítulos, centrados em tramas de aventura, mistério e terror. (ANGLO, 1977). 

Os penny dreadful foram populares entre as décadas de 1830 e 1890, ajudando vários autores a conseguirem publicar suas histórias, mesmo que a maior parte deles não tenha ganhado fama com isso. Também se ressalva que algumas das narrativas eram assinadas por pseudônimos ou publicadas anonimamente. Os penny dreadful eram narrativas normalmente escritas num linguajar simples, abordando crimes reais que eram romanceados, boatos, lendas urbanas, histórias de assombração, sensacionalismo e tramas assombrosas, envolvendo até mesmo monstros. Algumas histórias populares foram Spring-Heeled Jack (1835), The Mysteries of London (1844), Sweeney Todd (1846-1847), Varney the Vampire (1845-1847), Wagner the Wehr-Wolf (1846-1847), The Necromancer (1851-1852), The Black Bess (1860). (ANGLO, 1977). 

Capa do romance Varney the Vampire, em 1845. O romance foi dividido em vários capítulos e publicado até 1847. 

No Brasil, a literatura gótica também chegou, mas acabou não sendo bem recebida, autores como Álvares de Azevedo (1831-1852) e Fagundes Varella (1841-1875), são alguns dos poucos nomes brasileiros que tentaram promover esse subgênero, mas sem sucesso. Azevedo é conhecido por ser o principal expoente do ultrarromantismo, apesar disso, duas de suas obras possuíam toques de gótico. Ele escreveu a peça Macário (1852), inspirada no Fausto de Goethe, na qual acompanhamos o diálogo entre Macário e um demônio. A obra apresenta as características típicas do Romantismo, mas acrescenta elementos góticos devido a presença demoníaca e o mistério sobrenatural. Além disso a narrativa é imbuída de reflexões e de sarcasmo. Três anos depois após sua morte foi publicado o livro de contos Noite na Taverna (1855), o qual reúne histórias narradas por um grupo de amigos chamados Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius Hermann e Johann, em que cada um conta uma desventura romântica, libertina, imoral e as vezes sombria. Os contos fazem apelo a violência, o remorso, o delírio, a luxúria, a insensatez etc. Diferente de sua obra anterior, nesse livro, Azevedo deixa de lado o sobrenatural, abordando um macabro mais realista. (FRANÇA, 2017, p. 471). 

Capa de uma edição de Noite na Taverna, exemplo de literatura gótica brasileira romântica. 

Já o poeta e contista Fagundes Varella, escreveu sobre diferentes assuntos, mas alguns de seus contos eram de temática gótica como três deles lançados em 1861, sendo As Ruínas da Glória,  abordando uma igreja assombrada no Rio de Janeiro, A Guarida de Pedra, que se tratava de uma fortaleza assombrada em Bertioga, por último, As Bruxas, um conto sobre um grupo de marinheiros no porto de Santos, atacados por bruxas. Os três contos passaram batido na época e somente foram redescobertos mais de um século depois. (SILVA, 2014). 

O famoso escritor Charles Dickens (1812-1870), conhecido por seus clássicos romances dramáticos como Oliver Twist (1834), Um Conto de Natal (1843), David Copperfield (1850), entre outros, era conhecido por escrever histórias natalinas envolvendo fantasmas, todavia, com a popularização da literatura gótica na segunda metade do XIX, Dickens decidiu escrever algo a respeito. Seu prmeiro trabalho foi Bleak House (1853), uma novela sobre detetive que investiga uma mansão assombrada, anos depois ele escreveu o livro de contos Histórias de Fantasmas (1866). Os dois livros acabaram não fazendo sucesso, estando entre as produções menos conhecidas de Dickens, embora ele não tenha sido o único autor a se enveredar pelo gótico, mesmo que brevemente. Como será visto adiante, nas décadas de 1880 a 1910, vários escritores chegaram a publicar contos góticos, devido a popularidade desse subgênero. (SNODGRASS, 2005, p. 32-33). 

Na segunda metade do século XIX, histórias sobre vampiros estavam em altas graças a literatura gótica, condição essa que o escritor irlandês Joseph Sheridan Le Fanu (1814-1873), decidiu escrever uma história com vampiro. Le Fanu já era famoso na década de 1860, devido aos seus contos góticos publicados regularmente em jornais, revistas e penny dreadfuls, assim entre 1871 e 1872 ele publicou na revista Dark Blue, um conto intitulado Carmilla. (HUGHES, 2013, p. 62). 

A obra narrada a partir da personagem Laura, órfã de mãe, ela vive num castelo com seu pai, um militar em serviço na região da Estíria, na atual Áustria. Além de Laura e seu pai, o castelo é habitado pelos criados, mas a jovem de 19 anos leva uma vida solitária, já que não pode ir à cidade, e não possui amigos. Ela então aguarda a chegada do amigo de seu pai que trará sua sobrinha para visitá-los. Mas enquanto isso não ocorre, por circunstâncias estranhas, uma jovem chamada Carmilla sofre um acidente nas terras do castelo e fica hospedada ali. Laura tem a impressão de conhecer aquela bela e pálida mulher. 

Carmilla assusta Laura deitada. Ilustração de 1872 para a revista Dark Blue

Carmilla se tornou mais um sucesso de Le Fanu, dessa vez apresentando a mais famosa vampira da literatura mundial. Uma personagem bela, encantadora, esnobe, sarcástica, misteriosa e possívelmente lésbica (pois sua orientação sexual é subtendida na história original). Seu conto como visto, combinava elementos do gótico clássico com a típica ambientação medieval, com elementos românticos, especialmente no desenvolvimento da relação entre Laura e Carmilla. A obra influenciou vários autores pelas décadas seguintes, inclusive o próprio Bram Stoker. 

A partir da década de 1880 vários escritores famosos ou parcialmente conhecidos na época, começaram a investir na literatura gótica. Anteriormente vimos o caso de Charles Dickens com seus contos sobre fantasmas, mas nos anos 1880 tivemos o caso de outro famoso escritor inglês que decidiu se aventurar com tramas sombrias, sendo ele Robert Louis Stevenson (1850-1894), conhecido por suas histórias de aventura e piratas, decidiu se arriscar na literatura gótica, assim surgiu O médico e o monstro (The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde), lançado em 1886. A narrativa combina elementos de terror e ficção científica. Ela é contada a partir do advogado Gabriel Utterson que busca pelo seu amigo o médico Henry Jekyll, o qual era atormentado por um homem misterioso chamado Edward Hyde. (SNODGRASS, 2005, p. 326). 


Capa de uma edição francesa de 1931. 

Utterson acaba conhecido o Sr. Hyde, homem baixo, feio, estranho, suspeito e mal-educado, que possui uma relação misteriosa com o Dr. Jekyll. Por sua vez, Utterson nota aflição em seu amigo durante as visitas que fez a ele. Além do fato de que Jekyll e Hyde nunca apareciam juntos. A trama mescla elementos de terror devido as ações sinistras de Hyde, assim como insere elementos de ficção científica devido aos estudos químicos de Jekyll, combinando tudo isso com suspense, no que resultou num clássico da literatura gótica. A obra obtive rápido sucesso, sendo adaptada para o teatro e o cinema várias vezes, além de outras mídias mais tarde. 

Quatro anos depois o famoso escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900), conhecido por seus romances e contos, arriscou-se na literatura gótica. Primeiro ele publicou o conto O Fantasma de Canterville (1886), uma sátira ao gótico clássico. A obra acabou sendo inserida em coletâneas de contos, todavia, o grande sucesso veio com uma história inusitada, que escapava dos temas tradicionais da literatura gótica, tratava-se de O Retrato de Dorian Gray (1890), lançado em capítulos em 1890 na revista Lippincott's, depois publicado integralmente no ano seguinte. Nesse livro acompanhamos o jovem hedonista Dorian Gray que ganha uma pintura "mágica" do pintor Basil Hallword, que se torna seu amigo e nutre um amor não correspondido. Dorian fica fascinado pelo quadro e promete sua alma para manter sua juventude e beleza. Posteriormente ele conhece Lorde Henry Lotton, um aristocrata boêmio, que o insere na vida extravagante da alta sociedade inglesa. Ele passa aproveitar a vida de forma extravagante, boêmia e irresponsável, apesar que mais tarde ele sentirá as consequências de seus atos. (SNODGRASS, 2005, p. 274). 

O pintor Basil Hallward (de pé) e Lorde Henry Wotton, os amigos de Dorian, contemplam seu belo retrato. Ilustração de Eugène Dété, 1908.

O Retrato de Dorian Gray se revelou um grande sucesso por conta da sua narrativa diferente, apesar de claramente inserida no gótico romântico, além de fazer reflexões sobre a vida. O livro também possui elementos implícitos de homossexualismo, tema que até rendeu problemas para Wilde, já que ele foi preso por ser gay, tendo que negar isso e até se casar e ter filhos para evitar o preconceito da época. Além disso, o livro se tornou marcante por suas críticas sociais ao hedonismo da Era Vitoriana, a vaidade exagerada, o narcisismo, a boêmia etc. A obra foi adaptada várias vezes para o teatro e alguns filmes, além de inspirar outros produções. 

Além de Dickens e Wilde que se aventuraram na literatura gótica, outros autores que fizeram isso foram: o ganhador do Nobel Rudyard Kipling com A Marca da Besta (1890), Júlio Verne com O Castelo dos Carpátos (1892), Edith Nesbit com Grim Tales (1893), Arthur Conan Doyle (autor de Sherlock Holmes) com The Mystery of Cloomber (1888), The Parasite (1894) e Lot n. 249 (1894); o pintor e escritor Robert W. Chambers com O Rei de Amarelo (1895), seu livro mais popular, que reúne contos que abordam uma peça de teatro que enlouquecia as pessoas; H. G. Wells com A ilha do Dr. Moreau (1896), obra que mostra um cientista louco criando monstros híbridos. (HUGHES, 2013, p. xxi). 

Entretanto, dessa leva de escritores famosos, o que teve mais repercussão foi o irlandês Bram Stoker (1847-1912), que trabalhava numa companhia de teatro, e escrevia contos e novelas, mas suas obras nunca lhe tinham alçado ao status de fama, mas isso mudou quando ele publicou Drácula (1897), o qual originou o mais famoso vampiro da ficção, inspirado no príncipe Vlad III da Transilvânia. (HOGLES, 2002, p. 11). 

Nesse romance epistolar, a narrativa é contada através de cartas, notícias de jornais, bilhetes e memórias, mostrando os planos do Conde Drácula em se mudar da Transilvânia para a Inglaterra, a fim de começar uma vida nova. Eventualmente somente descobrimos que ele é um vampiro quase na metade do livro. Enquanto isso, acontecimentos estranhos e sem explicação lógica acometem o advogado Jonathan Harker, enquanto ele estava hospedado no castelo de Drácula.

Capa da primeira edição.

Drácula se tornou um sucesso em pouco tempo, a obra combina características do gótico clássico como a ambientação medieval num castelo, o protagonista ser um nobre misterioso, culto e cortês, que possui hábitos estranhos e guarda segredos. Stoker chegou a fazer uma pesquisa histórica e folclórica para conceder mais autenticidade a ambientação e o passado do conde; somando-se a isso temos características do gótico romântico como o foco nas emoções e sentimentos, o temor pelo desconhecido, o sobrenatural mais presente, um vilão arrogante e apaixonado, o terro psicológico mais regular. (HOGLES, 2002, p. 12). 

Todavia, para quem nunca leu Drácula, o livro hoje pode surpreender alguns leitores de uma forma decepcionante até. O ritmo irregular de sua narrativa, a falta de ação, a condição de Drácula ficar alguns capítulos sem aparecer, além de não fazer muito uso de seus poderes, tendem a desanimar novos leitores, normalmente habituados a ter uma ideia do personagem com base em filmes, quadrinhos e jogos. 

No começo do século XX estava em alta escrever histórias sobre fantasmas, algo visto principalmente entre escritores americanos e britânicos, porém, a narrativa sobre fantasmas que mais se destacou no final do período romântico adveio da França com a novela O Fantasma da Ópera (1910), escrito por Gaston de Leroux, baseado numa lenda urbana da ópera de Paris. A trama possui claros elementos do Romantismo, como uma paixão dúbia entre os protagonistas, amor não correspondido, solidão, traumas, inveja, violência etc. O enredo ocorre dentro de um teatro, cujas peças passam a serem sabotadas, então surge o boato de quem um "fantasma" estaria assombrando o teatro. (SNODGRASS, 2005, p. 211). 

Capa da primeira edição. 

O Fantasma da Ópera dispensa o sobrenatural pela ameaça real, pois o suposto fantasma se revela ser um homem vingativo e chantageador, determinado a levar seus planos até as últimas consequências. Além disso, a ambientação do teatro ganha uma dosagem gótica com suas passagens secretas, segredos antigos e porões misteriosos e sombrios. O livro se tornou um sucesso imediato, sendo adaptado para o teatro várias vezes, mais tarde recebeu adaptações para vários filmes e até minisséries. O livro também inspirou músicas e personagens de livros, filmes e desenhos. Todavia, essas adaptações chegaram a alterar partes da trama original, amenizando o seu lado dramático e até ligeiramente sombrio. Dessa forma, seu livro é considerado pelos estudiosos de literatura, como a última obra que marcou o período romântico da literatura gótica. 

A literatura gótica moderna (1910-1960)

O período moderno do gótico vai inserir alguns elementos novos: a ambientação das tramas no tempo presente, ou seja, o século XX, o que repercutirá na adoção de culturas, aspectos sociais e históricos mais próximos; além disso, algumas produções góticas modernas também adotavam ambientações em mundos totalmente fantásticos e até extraterrestres em alguns casos. Os elementos de fantasia, terror e ficção científica estão muito mais presentes e sendo até regulares.

Soma-se a isso também uma tendência de amenizar elementos do Romantismo com seu idealismo, passando a inserir mais aspectos do Realismo, concedendo uma visão mais realista da vida com seus problemas, mas não a ponto de tornar a narrativa demasiadamente real, pois o fantástico e o grotesco continuam presentes. Além de se inserir elementos do terror psicológico. Alguns autores também aproveitaram para abordar problemas sociais como machismo, racismo, xenofobia, intolerância religiosa, antissemitismo, guerra, corrupção, fanatismo, miséria etc. (KING, 1987). 

O período moderno também foi marcado pela migração do gótico dos livros para os filmes e os quadrinhos, mais tarde para a música. Além disso, ilustrações, pinturas e decorações baseadas no estilo gótico retomaram, assim como, surgiu a moda gótica relacionada com a "tribo urbana" dos góticos.

Aproveitando a popularidade das histórias de fantasmas o historiador e escritor britânico Montague Rhodes James (1862-1936) publicou alguns contos de fantasmas como Ghosts stories of an Antiquary (1904), More ghosts stories of an Antiquary (1911), A Thin Ghos and Others (1919) e A Warning to the Curious and Other Ghost Stoires (1925). Nessas obras, James combinava características do final do período romântico e começo do moderno, tratando-se de uma produção ainda em fase de transição entre os dois períodos literários do gótico. Além de M. R. James, autores como Arthur Gray e Edmund Gill Swain, foram alguns nomes que se destacaram nesse início do período do gótico moderno, escrevendo contos com fantasmas. (HUGHES, 2013). 

No Japão, o escritor, poeta e dramaturgo Kyoka Izumi (1873-1939) é considerado o primeiro expoente do gótico japonês, apesar de ele ter escrito sobre outros temas também. Izumi influenciado pelo folclore de seu país, antigas histórias de fantasmas e o gótico americano moderno, escreveu alguns contos ambientados no Japão moderno. Suas obras somente foram traduzidas décadas depois, o que contribuiu para seu desconhecimento. (NG, 2007, P. 69-70). De qualquer forma, entre seus trabalhos estão: Japanese Gothic Tales (1996) uma coletânea de seus contos; Demon Lake (2007) e Sea Demons (2010), são algumas obras traduzidas de Izumi. 

Porém, o primeiro grande autor a se destacar no período moderno foi Howard Phillips Lovecraft (1890-1937) com seus trabalhos sobre terror, ficção científica, mistério e fantasia. Os primeiros trabalhos de Lovecraft eram centrados num terror mais tradicional, envolvendo maldições, bruxaria, zumbis, fantasmas etc. Assim temos contos como O alquimista (1916) e A tumba (1922). Todavia, foi com Dagon (1922) que o autor passou a se interessar por temas que combinavam história, arqueologia e a ficção científica, algo retomado com o clássico O Chamado de Cthulhu (1928). Nos anos seguintes Lovecraft seguiu publicando narrativas diversas sobre terror e ficção científica, até colaborando com outros autores. (HUGHES, 2013, p. 14, 172-173).  

Página de apresentação de O Chamado de Cthulhu, na Weird Tales, 1928. 

Lovecraft destacou-se na literatura gótica moderna por suas descrições de cenários sombrios, desde cavernas, florestas, tumbas, mansões, ruínas, cidades antigas, castelos etc., passando pela sensação de solidão, temor, impotência diante do perigo de seus personagens, pois alguns dos contos eram narrados em primeira pessoa. Soma-se isso alguns casos em que ele brinca com a sanidade do protagonista, levando o leitor a se questionar se aquilo seria real ou delírio. O terror psicológico é algo recorrente nas obras de Lovecraft. O autor também se destacou com a descrição de criaturas e situações bizarras e estranhas, que testam a capacidade de imaginação do leitor, além de combinar mistério, fantasia e ficção científica em algumas narrativas. Vale ressalvar que ele publicou o ensaio Supernatural in the Fiction (1927), em que analisava elementos de fantasia e terror na ficção contemporânea. (SNORDGRASS, 2005, p. 190, 215). 

Mas na época que Lovecraft escrevia seus contos, ele costumava publicá-los em revistas pulp fiction, periódicos surgidos na década de 1890 nos Estados Unidos e populares até os anos 1950. Em tais revistas publicavam-se geralmente contos e novelas, abordando temas diversos como aventura, fantasia, ficção científica, terror, mistérios, histórias de detetives, romance, contos eróticos etc. Devido a diversidade de temas abordados e a popularidade dessas revistas, a quais eram de impressão barata, muitos escritores da época costumavam escrever para tais revistas. O próprio Lovecraft publicou a maior parte de seus contos em revistas como a Weird Tales. (SORENSEN, 2010). 

Capa da primeira edição da Weird Tales, em 1923. 

Lovecraft ainda seguiu escrevendo mais contos na década de 1930, porém, devido a popularidade das pulp fiction, alguns escritores que escreviam sobre outros temas, decidiram se arriscar brevemente no gótico como o caso de Guy Endore com Um lobisomem em Paris (1933), clássico que rendeu alguns filmes; Edward Frederic Benson com seu livro de contos More Spook Stories (1934), abordando histórias de fantasmas e de outros tipos, mas contendo também sarcasmo; Dennis Wheatley com The Devil Rides Out (1934), livro abordando o ocultismo, algo em voga na época e que ele retornaria em outras publicações ao longo da vida como: Strange Conflict (1941), The Haunting of Toby Jugg (1948), To the Devil—A Daughter (1953), The Ka of Gifford Hillary (1956), The Satanist (1960), They Used Dark Forces (1964) e Gateway to Hell (1970); (HUGHES, 2013, p. 259). 

Na Europa oriental tivemos o romance do escritor e cientista da religião Mircea Eliade (1907-1986) intitulado Senhorita Christina (1936), a história de uma vampira na Romênia, abordando o folclore eslavo, apesar que o livro possua mais elementos do gótico romântico do que o moderno. 

Porém, uma autora que se destacou entre as décadas de 1930 e 1940 foi a escritora britânica Daphne du Maurier (1907-1989), que resgatou alguns elementos do gótico clássico e romântico, ao escrever histórias focadas em mulheres que padecem nas mãos dos vilões, em mansões ou castelos, só que com ambietanção no século XX. Seu primeiro sucesso foi o livro Rebecca (1938), o qual narra o desafortunado casamento da protagonista com o viúvo Maxim the Winter, um aristocrata inglês. A trama ocorre na mansão de campo dele, em que Rebecca se torna vítima de seu ciúmes doentio de Maxim. O livro fez rápido sucesso, ganhando um filme em 1940 dirigido pelo próprio Alfred Hitchcock. A obra é inspirada na ideia do Barba Azul. (SNODGRASS, 2005, p. 34). 

Cartaz do filme Rebecca (1940), um romance gótico moderno. 

Além de Rebecca, Daphne du Maurier escreveu outras obras, embora nem todas foram góticas. No caso das que retomaram o gótico estão Minha prima Raquel (1951), trama no estilo de Rebecca, o maior sucesso de Du Maurier; o conto Os Pássaros (1952), o qual narra uma cidade assolada por uma ataque de corvos. A trama se tornou outro filme dirigido por Hitchcock. Esse conto acabou sendo lançado numa coletânea de contos intitulada The Birds and other Stories, também chamada de The Apple Tree (1952). A qual também possui outros contos góticos. (HUGHES, 2013, p. 91). 

Influenciado pela popularidade das narrativas góticas nas pulp fiction, o cartunista Charles Addams (1912-1988) criou uma tirinha em 1938 para o popular jornal The New Yorker, o qual apresentava uma estranha família chamada Addams. Assim, surgiu a famosa Família Addams, uma sátira a tradicional família da classe média americana, mas reformulada com um visual gótico. Inclusive esse visual, especialmente o da Morticia e da Wandinha (Wednesday) influenciou a moda gótica feminina. 

Ilustração de Charles Addasm da Família Addams. 

As histórias dos Addams eram inspiradas numa sátira a literatura gótica moderna, apresentando uma família formada por personagens estranhos e alguns bizarros, que habitava um velho casarão com aspecto de ser assombrado; somava-se a isso o gosto dos Addams pelo terror, o bizarro, o grotesco, o que levava a várias piadas a respeito. Os personagens se tornaram um sucesso, originando hqs, seriados de televisão, filmes, desenhos e jogos. 

Entre as décadas de 1940 e 1950 o escritor, poeta e ilustrador Mervyn Peake (1911-1968) se destacou por suas obras de fantasia, gótico e drama. Sua primeira obra na literatura gótica foi Titus Groan (1946), uma novela inspirada em elementos do gótico romântico, apresentando o drama da Família Groan, cuja narrativa se passa basicamente no castelo de Gormenghast. Apesar da influência romântica, Peake inseriu problemáticas morais típicas dos gótico moderno. A obra fez sucesso, levando-o a escrever continuações intituladas Gormenghast (1950) e Titus Alone (1959). Ele pretendia escrever uma quarta obra, mas devido a problemas de saúde, não pode fazer isso. De qualquer forma, a trilogia sobre a Família Groan, mesclando o gótico romântico com o gótico moderno, se tornou um clássico de meados do século XX. (SNODGRASS, 2005). 

Outro nome que se destacou em meados do período do gótico moderno foi o escritor e roteirista americano Robert Bloch (1917-1994). Influenciado principalmente por Lovecraft, Bloch se destacou por escrever histórias que abordavam a fantasia, o ocultismo, a ficção científica, a violência real e o terror psicológico. Suas principais produções não foram no âmbito do terror, mas entre seus trabalhos no gótico se destacam: Your Truly, Jack the Ripper (1943), um conto sobre Jack, o Estripador; The Scarf (1947) que narra a história de um assassino; Psicose (1959), seu maior clássico, que se tornou filme dirigido por Alfred Hitchcock, e recebeu algumas continuações. Nessa obra Bloch explorou o terror psicológico num aspecto mais realista, envolvendo a psicopatia. Além disso, Bloch seguiu escrevendo até o fim da vida, publicando principalmente em revistas especializadas em narrativas de aventura, fantasia, ficção científica e terror. (FLANAGAN, 1979). 

A escritora Shirley Jackson (1916-1965) despontou no cenário gótico a partir de seu conto The Lottery (1948) publicado no jornal The New Yorker. A obra falava de uma cidadezinha americana fictícia que aparentemente era pacífica e próspera, mais anualmente eles realizavam um evento chamado de "loteria", em que pessoas deveriam ser selecionadas para serem sacrificadas. No mesmo ano ela publicou o romance The Road Through the Wall (1948), que se passava numa comunidade murada em Pepper Street, na cidade de Burlugane, na Califórnia. Nesse livro temos xenofobia, antissemitismo, preconceitos diversos, violência doméstica, sequestro etc. A obra era inspirada em alguns aspectos da realidade da década de 1940, que vivenciou o terror da guerra. Depois ela seguiu produzindo contos de terror e dramáticos, mas outros dois livros dela que se destacaram foram: The Haunting of Hill House (1959), o qual se tornou referência para várias produções envolvendo casas assombradas sobrenaturalmente ou locais em que ocorria crimes hediondos e We have Always Lived in the Castle (1962), que aborda o drama dos Blackwood, uma família que vive num casarão próximo a uma vila. Eles são alvos de jogo de interesses, além de serem acusados terem matado um de seus membros. (SNODGRASS, 2005). 

Capa da edição original. 

Na década de 1930 despontava o chamado gótico sulista (southern gothic), subvariedade do gótico americano centrado na cultura e história dos estados sulistas dos Estados Unidos, influenciados por uma colonização escravocrata mais intensa, o início da Guerra Civil-Americana, além da influência da colonização francesa e elementos culturais afro-caribenhos. (SNODGRASS, 2005, p. 14). 

O gótico sulista é conhecido por sua ambientação nas fazendas do sistema plantation, da ambientação em pântanos e charcos, e nas pequenas cidades daqueles estados; além de abordar a decadência da aristocracia rural escravocrata, o forte racismo, o fundamentalismo religioso, o sincretismo religioso, o humor ácido, os costumes locais etc. Essas características levaram alguns autores americanos a desprezarem as produções góticas sulistas, consideradas inferiores e "ideológicas". (SNODGRASS, 2005, p. 15). 

O escritor William Faulkner (1897-1952) é considerado um dos primeiros expoentes do gótico sulista, apesar que a maior parte de suas obras sejam classificadas como dramas, apenas alguns contos foram inseridos no subgênero do gótico. No seu conto A Rose for Emily (1930), encontramos elementos do gótico moderno sendo adaptados para o contexto sulista, descrito anteriormente. A trama se passa numa cidade pequena e fictícia com ambientação degradante. Outro trabalho gótico seu foi o conto That Evening Sun (1931) que aborda problemas mais reais como o estupro e a violência doméstica que acometem uma empregada doméstica negra. Faulkner voltaria a abordar o gótico e outros contos como Absalom, Absalom! (1936), Burn, Burning (1939), The Bear (1942), The Intruder of Dust (1948) etc. (SNODGRASS, 2005). 

Na década de 1950 se destacaram duas escritoras no gótico sulista, a primeira é Carson McCullers (1917-1967), a qual estreou com o livro de contos The Ballad of Sad Café (1951), que apresenta um drama que gira em torno do café de Miss Amelia, uma mulher que sofreu com o marido infiel e tida como fria, passa a buscar vingar-se de seu ex-marido Marcy. Por sua vez, Amelia é ajudada por um corcunda oportunista chamado Lymon, que finge ser o primo dela. A narrativa explora o drama existencialista comum no gótico romântico, mas retomado no gótico moderno por alguns autores, além de fazer referências a uma ambientação deprimente e sombria. (SNODGRASS, 2005, p. 20). 

Capa da primeira edição.

Já a segunda escritora a se destacar, foi Flannery O'Connor (1925-1964) escreveu dois livros góticos que abordavam a violência, a intolerância religiosa e o fundamentalismo religioso típico de algumas localidades dos estados sulistas em meados do século XX, assim ela publicou os livros Wise Blood (1952), sobre um veterano da Segunda Guerra que retorna para casa com sua fé abalada e entra em conflito com sua família e comunidade; e The Violent Bear it Away (1960), que narra o drama de um garoto que é maltratado pelo avô fundamentalista e foge de casa. (SNODGRASS, 2005, p. 260). 

Deixando o gótico sulista, passando para o gótico de ficção científica, uma obra que se destacou na década de 1950 foi Eu sou a Lenda (1954) do escritor Richard Matheson (1926-2013). Seu trabalho reimaginou as narrativa sobre vampiros. Nesse livro os vampiros são oriundos de uma misteriosa pandemia que matou parte da população e os que sobreviveram se tornaram vampiros. Robert Neville é o último homem normal de uma Los Angeles de 1976, vivendo solitário, tendo que coletar recursos e sobreviver aos ataques dos vampiros. Nesse tempo ele estuda o mesmos, a fim de compreendê-los e tentar descobrir uma forma de reverter aquele estado. Matheson com maestria misturou as informações básicas da literatura de vampiros com ideias originais. O livro fez sucesso ganhando três filmes e histórias em quadrinhos. (HUGHES, 2013, p. 127, 269). 

Capa da primeira edição. 


Adentrando a década de 1960, elementos de ficção científica, críticas a Segunda Guerra, a efervescência dos movimentos sociais, além da influência da estética dos filmes de terror, influenciou alguns autores do gótico moderno, o que levaria a originar mudanças mais significativas a partir dessa década. 

A literatura gótica contemporânea (1960-2000)

A partir da década de 1960 a literatura gótica entrou em nova fase, chamada por alguns de contemporânea. Nesse período algumas características que se destacam são a presença de poderes sobrenaturais, um terror as vezes mais sanguinolento, a presença de elementos de ficção científica mais rotineiros em alguns casos; romance entre os protagonistas e vilões, a presença de personagens gays ou lésbicas, embora as vezes a sexualidade não receba tanto destaque; questões sociais como feminismo, racismo, xenofobia, violência, etc.; o retorno de narrativas centradas numa tensão psicológica associada com a perseguição, o aprisionamento, ferimentos, doenças, estupro, violência doméstica, traumas de infância etc. Vilões que podem ser pessoas comuns e até inusitadas, que se mostram psicopatas, ou cruéis, ou vingativos. 

A escritora inglesa Angela Carter (1940-1992) enveredou-se por diferentes gêneros literários como o drama, o romance, a poesia, a literatura infantil, ensaios, o gótico e a ficção científica. Foi na década de 1960 que seus trabalhos na literatura gótica começaram a despontar, especialmente por ela abordá-los a partir de um viés do realismo mágico, dando maior atenção a problemas reais com o terror psicológico por eles gerados, deixando o sobrenatural em segundo plano, em alguns casos. De qualquer forma, seu primeiro trabalho a chamar atenção é Shadow Dance (1966), que acompanha uma criatura misteriosa chamada Honeybuzzard e seu amigo, os quais vivem como oportunistas em Londres, roubando e enganando casais. 

Outras obras que se destacam, as quais combinam diferentes subgêneros de narrativa estão: The Magic Toyshop (1967), o qual aborda o terror relacionado com marionetes e brinquedos; Heroes and Villains (1969) uma narrativa pós-apocalíptica que explora o machismo e a violência; The Inferal Desire Machines of Doctor Hoffman (1972), história que aborda o terror associado com máquinas; o livro de contos The Bloody Chamber (1979), inspirado em contos de fadas e histórias de lobisomem. Por fim, cito American Ghosts and Old World Wonders (1993), publicação póstuma sobre fantasmas. (SNODGRASS, 2005; HUGHES, 2013). 

Capa da primeira edição. Livro de contos sombrios baseados em contos de fadas. 

Entrando nos anos 1970 tivemos os destaques de alguns escritores como Stephen King, Anne Rice e James Herbert. Cada um colaborou da sua forma para desenvolver a nova fase da literatura gótica.

O mestre Stephen King, embora seja conhecido por seus livros sobre terror, ele escreveu também sobre fantasia, ficção científica, drama e alguns ensaios. Entretanto, King envereda-se por vários subgêneros do terror, não apenas o gótico, por isso se deve ter cuidado a não considerar todo seus livros de terror como sendo góticos. Neste ponto, Hughes (2013, p. 14) comenta que King teve forte influência de Lovecraft e outros autores americanos do gótico moderno, especialmente no quesito de usar os Estados Unidos do século XX como cenário para suas histórias. Assim, ele sugere que os seguintes livros: Carrie (1974), Salem's Lot (1975) e Skeleton Crew (1985), são alguns exemplos de literatura gótica produzidas por King. 

Para Hughes (2013, p. 100) Carrie, que foi o primeiro livro lançado por King, contém claramente elementos do gótico moderno, mas já com acréscimo de novas características como o uso de poderes paranormais. Neste livro, Carrie White possui telecinese e após surtar após sofrer bastante, ela tem um ataque de fúria e começa a se vingar e destruir a cidadezinha onde vive. Hughes considera os poderes de Carrie uma manifestação do sobrenatural visto em algumas obras antigas. Já em Salem's Lot temos uma pequena cidade americana infestada por vampiros. Por sua vez, Skeleton Crew é uma coletânea de contos. 

Capa da primeira edição. 

Já Snordgrass (2005, p. 202) inclui entre as produções góticas de King, os seguintes livros: O Iluminado (1977), o qual aborda um luxuoso hotel assombrado por fantasmas; Miséria (1987), que mostra um escritor sendo torturado por uma fã fanática que quer que ele mude seu último livro; Cemitério Maldito (1988), uma casa velha situada ao lado de um cemitério de animais que é assombrado; Dolores Clairbone (1992), narra a história de uma velha suspeita de ter matado algumas pessoas. 

A escritora Anne Rice (1941-2021) despontou com suas narrativas sobre vampiros, bruxas, ocultismo, lobisomens, maldições, múmias etc. Rice apesar de pertencer ao gótico contemporâneo, em algumas narrativas ela combinou elementos do gótico romântico e do gótico sulista, exemplo visto em um de seus livros mais famosos, intitulado Entrevista com um Vampiro (1976), sua primeira obra a ser lançada, a qual se passa no presente, em que o vampiro Louis Pont du Lac é entrevistado, e narra parte de sua vida, iniciada na Luisiana do século XVIII (gótico sulista), quando ele conheceu o vampiro Lestat que o transformou. Posteriormente, eles seguem para a Europa (gótico romântico), apesar de viajarem para outras localidades que são mencionadas. O livro inicialmente recebeu críticas mistas devido a ser escrito em forma de crônica, sem divisão de capítulos, e até algumas ligeiras reclamações devido ao teor homossexual entre alguns personagens, apesar que isso fica subentendido por conta da época. 

Cena do filme Entrevista com um Vampiro (1994), mostrando Lestat (Tom Cruise) e Louis (Brad Pitt). 

No entanto, Entrevista com um Vampiro acabou com os anos se tornando um fenômeno, levando Anne Rice a criar As Crônicas Vampirescas (1976-2018) composta por treze livros. Sendo seu trabalho mais famoso, além de ter impactado a forma de se escrever narrativas de vampiro no século XX e XXI, apesar que as obras de Rice combinavam uma ambientação antiga e presente, mas o estilo da narrativa, os problemas morais e outras concepções eram pautados na fase contemporânea do gótico. 

Por sua vez, o escritor britânico James Herbert (1943-2003) se destacou com algumas narrativas grotescas, mais violentas e até repulsivas. Seu primeiro sucesso foi The Rats (1974), cuja narrativa apresenta uma cidade infestada por ratos famintos. A temática se tornou marcante a ponto de Herbert escrever mais três livros sobre invasões de ratos. Em seguida tivemos The Fog (1975), um misterioso nevoeiro que fazia pessoas enlouquecerem (inclusive Stephen King copiou essa ideia em The Mist (1980)). Em The Spear (1978) ele abordou o ocultismo nazista. Na década de 1980, Herbert começou a diversificar um pouco sua produção, abordando fantasmas, maldições, serial-killers, fanatismo religioso etc. Destacam-se nesse período obras como The Dark (1980), Shrine (1983), Moon (1985), Sepulchre (1987), Haunted (1988). (HUGHES, 2013). 

Capa de uma edição de The Rats. 

Na décadas de 1980 e 1990, Stephen King, Anne Rice e James Herbert seguiam em alta com seus livros, alguns até se tornaram filmes, foram adaptados para histórias em quadrinhos e até influenciaram outros livros, filmes, seriados e jogos de videogame. Todavia, um livro que chamou atenção não na época do lançamento, mas anos depois foi O Conto da Aia (1983) de Margaret Atwood. Atualmente a obra está em alta por conta do seriado, porém, quando ele foi lançado no começo dos anos 1980, dividiu opiniões, assim como, colocou em dúvida sua classificação. A obra costuma ser classificada como um romance distópico dramático, porém, autores como Snordgrass (2005) e Hughes (2013), o classificam como parte do gótico contemporâneo. 

O Conto da Aia (The Handmaid's Tale) se passa num futuro distópico nos Estados Unidos, em que o governo republicano e federativo foi substituído por uma teocracia ultraconservadora e fanática de origem cristã. Embora a obra não possua elementos de sobrenatural e nem terror grotesco, no entanto, o temor e o terror psicológico estão presentes, além da exploração contra as mulheres, o que torna essa obra também como parte do gótico feminino (ver tipologia no final do texto), temática abordada pela autora em outros de seus romances como Olho de Gato (1988) e Alias Grace (1993). Em tais obras é possível encontrar uma das características do gótico moderno, contemporâneo e pós-moderno: o fanatismo religioso. (SNODGRASS, 2005, p. 16). 

Edição brasileira de O Conto da Aia. 

Entretanto, Atwood explorou outros elementos da literatura gótica também, especialmente os referentes a violência doméstica e psicológica, se aproximando das produções góticas mais realistas do período moderno, algo visto em The Robber Bride (1993) e O assassino cego (2001). (SNODGRASS, 2005, p. 16). 

Na década de 1990 destacou-se a série de livros Goosebumps (1992-1997) criada por Robert Lawrence Stine, o qual escreveu 62 livros, compostos por contos que abordam gêneros diversos do terror, incluindo o gótico moderno e contemporâneo. Goosebumps se mostrou um sucesso literário imediato, vendendo desde então centenas de milhões de exemplares. 

Edição brasileira de 2011, do primeiro volume. 

Suas narrativas são contos que na maior parte das vezes se passam nos Estados Unidos, abordando temas diversos como fantasmas, casas mal-assombradas, lobisomens, vampiros, zumbis, maldições, serial-killers, brinquedos assassinos etc., mas a diferença é que as tramas era produzidas com um tom mais leve, pois a maior parte das narrativas eram dirigidas ao público infanto-juvenil. Além disso, várias narrativas contam com elementos cômicos e satíricos, embora algumas histórias apelem mais para o mistério, o suspense e até o terror psicológico. Com o sucesso de Goosebumps algumas histórias foram adaptadas para os quadrinhos, série de televisão e filmes. 

A literatura gótica contemporânea influenciou vários filmes clássicos como O bebê de Rosemary (1968), O Exorcista (1973), Calafrios (1975), Halloween (1978), Terror em Amtyville (1979), Poltergeist (1982), Brinquedo Assassino (1988), A Sétima Profecia (1988), Beetlejuice (1988), Batman (1989), Edward Mãos de Tesoura (1990), O Silêncio dos Inocentes (1991), Cabo do Medo (1991), Família Addams (1991), Sonâmbulos (1992), Batman: O Retorno (1992), O estranho mundo de Jack (1993), O Corvo (1994), Gasparzinho (1995). Além disso, vários livros de Stephen King ganharam adaptações nesse período, embora nem todos sejam góticos. Soma-se também adaptações de clássicos do gótico romântico e moderno. 

Porém, o gótico contemporâneo não apenas influenciou filmes, mas também os quadrinhos como Vampirella (1969), Blade (1973), Hellblazer, (1985), Sandman (1988), From the Hell (1989), The Crow (1989) Hellboy (1991), Witchblade (1995), A Liga Extraordinária (1999) etc. Autores icônicos dos quadrinhos de terror como Alan Moore, Neil Gaiman, Mike Mignola, entre outros, foram diretamente influenciados pelo gótico moderno e contemporâneo. Além deles, algumas narrativas do Batman, Motoqueiro Fantasma e Spawn, apresentam elementos góticos. 

E esse período da literatura gótica também passou a influenciar os videogames, os quais surgiram nos anos 1970, mas despontaram nas décadas seguintes. Assim, jogos como Castlevania (1986), Sweet Home (1989), Alone in the Dark (1992), Clock Tower (1995), Casper (1996), Silent Hill (1999), são alguns exemplos de jogos inspirados por elementos do gótico contemporâneo. 

A literatura gótica pós-moderna (2000-presente)

O conceito de gótico pós-moderno foi cunhado na primeira década do século XXI para se referir as mudanças sofridas no estilo literário do gótico, além da adoção de novos elementos narrativescos que caracterizam as produções iniciadas de 2000 em diante. Condição essa que autoras como Anne Rice e Margaret Atwood já foram incluídas entre os autores do gótico pós-moderno devido as suas publicações lançadas no século XXI, em que se nota, alterações no seu estilo de escrita. (LAGUARDIA; COPATI, 2012). 

Assim, o período pós-moderno vai ser caracterizado por produções que buscam os linguajares das Geração Y e Geração Z, ou seja, obras destinadas a juventude entre 15 e 35 anos, assim, tais obras já passam a serem contextualizadas no presente do século XXI, com seus aspectos culturais, sociais, morais, políticos etc. Soma-se também uma maior presença de personagens de orientação sexual diversa, incluindo personagens queer; temos o retorno de pautas sobre o feminismo, o racismo, a xenofobia, a misoginia, o fundamentalismo religioso, a violência doméstica algo já antigo na literatura gótica, acrescido de questões sobre desemprego, segurança pública, terrorismo, teorias da conspiração, preconceitos diversos, problemas familiares, problemas ambientais etc. Elementos de ficção científica já mais atualizados a nossa realidade tecnológica. (BEVILLE, 2009, p. 15-21). 

O gótico pós-moderno também traz releituras sobre personagens clássicos como vampiros, lobisomens, fantasmas, bruxas, sereias, mortos-vivos etc., atualizando comportamentos e características para o público atual. Embora isso divida opiniões entre novos e velhos leitores. Por exemplo, é comum atualmente produções sobre zumbis associarem sua origem com a ficção científica, não mais com o sobrenatural. 

Assim, uma autora que se destacou na fase inicial do gótico pós-moderno foi Stephenie Meyer com a Saga Crepúsculo (Twilight Saga), que se tornou um fenômeno mundial, sendo adaptada ao cinema. A série é formada pelos livros Crepúsculo (2005), Lua Nova (2006), Eclipse (2007), Amanhecer (2008), Vida e Morte (2015) e Sol da Meia-Noite (2020). Por conta de ser uma série direcionada ao público juvenil, a maior parte dos personagens são jovens adultos, alguns até adolescentes. Além disso, o linguajar é mais simples, temos o triângulo romântico, a rotina escolar, problemas familiares, como também temos elementos vistos em histórias em quadrinhos de super-heróis, pois nesse universo, os vampiros possuem diferentes tipos de superpoderes, fugindo do habitual que normalmente estamos acostumados. (HUGHES, 2013, p. 182). 

Capas originais dos seis romances da Saga Crepúsculo. 

Crepúsculo também apresenta outras formas de se compreender os vampiros, mostrando que não necessariamente sejam cruéis, vários podem ser bons e até mesmo heróis. Além disso, os vampiros dessa série, eles brilham ao serem tocados pela luz do sol, ao invés de queimar (algo que até hoje desagrada muitas pessoas), eles também não dormem e alguns até se negam a beber sangue humano, alimentando-se de animais. Além disso, várias outras características novas que reimaginam os poderes vampirescos e seus comportamentos, foram desenvolvidas por Meyer em seus livros, vindo a inspirar produções como os seriados True Blood (2008-2014) e The Vampire Diaries (2009-2017). 

Emily Horton (2024, p. 34-35) destaca dois romances góticos pós-modernos do começo do século XXI, os quais foram influenciados por acontecimentos recentes. O primeiro é Double Vision (2003) de Pat Barker, o qual narra a história de um veterano da Guerra do Afeganistão (2001-2021) que volta a traumatizado para seu país; o segundo livro citado pela autora é Ghost Town (2005) de Patrick McGrath, que apresenta três contos que se passam em Nova York, em épocas diferentes. No caso, Horton destaca o conto Ground Zero que ocorre após o atentado terrorista de 11/09

No tocante a ameaça da tecnologia na atualidade, alguns autores escreveram obras a respeito. Sobre isso, Horton escreveu:

"Transmission de Hari Kunzru (2004) e Exit West de Mohsin Hamid (2017). Ambos os romances investigam a migração contemporânea com foco nas comunicações electrônicas transnacionais, evidenciando a vulnerabilidade dos migrantes nas tecnologias digitais emergentes. Ao fazê-lo, estas ficções oferecem, por um lado, um ataque crítico à falência ética corporativa, e, por outro, uma visão gótica do sofrimento e da perda migratória, sublinhando repetidamente reflexões estranhas, misteriosas, monstruosas e mórbidas sobre tecnologias contemporâneas. Em cada caso, os dispositivos especulativos e góticos no romances chamam a atenção para a violência e translocação da tecnologia global, pisando fora das fronteiras restritivas do realismo social para imaginar agressões digitais e para identificar paisagens misteriosas e monstros digitais na forma de vírus, portais e sistemas de segurança onipresentes. (HORTON, 2024, p. 94). 

O escritor sueco John Ajvide Lindqvist ganhou certo destaque com seus romances góticos ambientados na Suécia ou em outra localidade da Escandinávia. Seu romance de estreia Deixe ela Entrar (2004) tornou-se sucesso no seu país e depois foi ganhando relativa fama em outros países. Nessa obra temos a história de um menino chamado Oskar, que conhece uma garota de nome Eli, que mais tarde se descobre ser uma vampira. Lindqvist além de explorar a temática do vampirismo, insere problemas sociais, bullying, violência doméstica, prostituição, pedofilia, assassinatos etc., entre os temas abordados. 

Capa da edição brasileira. 

Em seguida Lindqvist publicou outros romances como Handling the Undead (2005), o qual aborda zumbis; Harbour (2008), um mistério numa ilha; Little Star (2010), uma jovem cantora com bela voz, mas com tendências homicidas; Esses são alguns livros de Lindqvist que se enquadram no gótico, apesar que o autor segue escrevendo outras obras desde então, algumas se encaixam no drama e em outros subgêneros do terror. 

O escritor canadense Andrew Pyper apesar de escrever desde os anos 1990, ele despontou na década de 2010 com três livros de terror: O Demonologista (2013) no qual narra a história de um professor universitário ateu, que após testemunhar uma possessão em Veneza, ele fica cético, porém, a situação piora quando sua filha desaparece, levando-o a ter que viajar pelos EUA para resgatá-la de forças que põe em duvida sua falta de fé. Já em Os Condenados (2015) acompanhamos o drama de dois irmãos gêmeos, em que a garota acaba morrendo e passa a atormentar o seu irmão que sobreviveu. No terceiro livro intitulado A Criatura (2020), prestando homenagens a clássicos do gótico romântico, neste livro acompanhamos o drama da psiquiatra Lily Dominick ao clinicar um assassino psicopata que possui conexão com forças ocultas, ao mesmo tempo em que Dominick é assolada por traumas de sua infância. 

Capas da edição brasileira. 

O renomado escritor Stephen King também possui algumas produções que se inserem no gótico pós-moderno como Celular (2006) que aborda o ciberterrorismo; Duma Key (2008), um homem sofre um acidente de carro e perde o braço, passando a ficar traumatizado, seu psicólogo recomenda que ele se mude para um local tranquilo para fazer terapia, recomendando uma casa de praia numa ilha na Flórida, ali ele desenvolve uma paranoia; Sob a Redoma (2009), no qual a pequena cidade americana Chester Mill amanhece presa numa gigantesca redoma de vidro que apareceu misteriosamente e quem tenta sair acaba morrendo; Doutor Sono (2013), continuação de O Iluminado; O Forasteiro (2018), um homem é acusado de um crime que não cometeu, porém, as provas forenses apresentam dúvidas, levando um detetive a procurar o verdadeiro criminoso que passa a persegui-lo. Além desses livros, alguns contos de King também se encaixam na proposta do gótico pós-moderno. 

Capa da edição original. 

A escritora Margaret Atwood também voltou ao gótico nos últimos anos com seu romance Semente de Bruxa (2016), uma releitura da peça A Tempestade de William Shakespeare, transformada numa narrativa de vingança num presídio; e com o livro Os Testamentos (2019), uma continuação de O Conto da Aia, mostrando uma nova tentativa de se derrubar o governo teocrático da República de Gilead. Atwood traz de volta toda a atmosfera distópica de seu livro anterior, atualizando algumas ideias com base na realidade dos últimos 40 anos. 

Capa da edição brasileira, a continuação de O Conto da Aia. 

Tipos da literatura gótica:

Gótico clássico: representa a origem da literatura gótica no século XVIII. As tramas possuem poucos elementos sobrenaturais e de terror, estando mais centradas nos dramas e tragédias ambientados na Idade Média ou na Idade Moderna. 

Gótico romântico: apresenta maior presença de monstros, do sobrenatural, do fantástico, da magia, do terror, somados as características do Romantismo. 

Gótico moderno: a ambientação das tramas passam ocorrer no século XX, inserindo aspectos culturais, sociais e históricos desse período. 

Gótico contemporâneo: marca as últimas décadas do XX, abordando temas iniciados no período moderno, mas atualizando seu contexto. 

Gótico pós-moderno: é a atual fase da literatura gótica, sendo caracterizada pela atualização dos temas do gótico contemporâneo para a realidade atual. 

Gótico francês: refere-se a produção de autores franceses.

Gótico britânico: refere-se a produção de autores britânicos. É a terra natal da literatura gótica. 

Gótico vitoriano: uma subvariedade do gótico britânico, sendo centrado na ambientação e contexto histórico da Era Vitoriana (1837-1901). 

Gótico germânico: refere-se a produção de autores alemães. 

Gótico americano: variedade da literatura gótica centrada nas produções originadas nos Estados Unidos, as quais tem como ambientação o próprio país, seja no passado colonial ou no presente. Fazendo uso de vários aspectos da cultura e da sociedade deste país. 

Gótico sulista: subvariedade do gótico americano, centrado em aspectos culturais e sociais dos estados sulistas, que foram influenciados pela cultura francesa e espanhola. Além disso, aborda temas ligados a escravidão e influências de matriz-africana e caribenha. 

Gótico da Nova Inglaterra: subvariedade do gótico americano, mas centrado na região chamada de Nova Inglaterra, situada no nordeste dos EUA, marcada por uma forte presença do Protestantismo e do Puritanismo, a caça às bruxas em Salem, folclore inglês, escocês e irlandês, além de conflitos com os povos indígenas. 

Gótico russo: abrange as produções em língua russa. É uma literatura bastante influenciada pelos costumes russos e o folclore eslavo. 

Gótico latino: termo usado para se referir as produções góticas oriundas da América Latina, mas que são ambientadas com base em sua localização geográfica, culturas, sociedades e história. 

Gótico feminino: termo surgido na década de 1960, sendo usado para se referir a produções do século XVIII ao XXI, cujos protagonistas sejam mulheres e o enredo é centrado em problemas envolvendo a condição feminina. 

Ficção científica gótica: subvariedade híbrida que mescla elementos da ficção científica e do gótico. Embora tenha surgido no XIX, entretanto, somente passou a ser mais comum a partir do século XX. 

Gótico urbano: termo que designa histórias que ocorram em cidades reais ou fictícias, em diferentes épocas, aproveitando a ambientação sombria, suja e violenta das mesmas. 

Gótico nazista: subvariedade surgida na década de 1970, cuja nomenclatura designa obras góticas associadas com o período nazista (1920-1945), ou até mesmo em ambientações distópicas em que o Nazismo não perdeu a guerra; ou envolvendo o neonazismo. 

Gótico cômico: nomenclatura que designa produções góticas com humor e sátira. Essa variedade surgiu no começo do XIX, se popularizando no XX principalmente nos quadrinhos, seriados e filmes. 

NOTA: Hoje em dia é possível encontrar nomenclaturas que se referem a literatura gótica produzida em outros países, assim temos o gótico escocês, irlandês, italiano, canadense, australiano, japonês etc. 

NOTA 2: O termo neogótico não costuma ser utilizado na literatura gótica, mas na arquitetura e na decoração. 

NOTA 3: A série Penny Dreadful (2014-2016) foi inspirada nos penny dreadfuls, mas também no gótico romântico, trazendo referências diretas a clássicos como o Drácula, Frankenstein, O Retrato de Dorian Gray, O médico e o monstro etc. 

NOTA 4: O gótico japonês é mais centrado nos mangás, animes, filmes e jogos de videogame. A literatura gótica japonesa possui pouca exploração, e geralmente é centrada em histórias de fantasmas ou de assassinos. 

NOTA 5: Algumas expressões referentes ao gótico são empregadas para a música gótica ou para a moda, mas não para a literatura. 

NOTA 6: A literatura gótica contemporânea e o gótico pós-moderno influenciaram alguns jogos como Devil May Cry (2001-2019), Bioshock (2007-2013), Bayonetta (2009-2022), Until Dawn (2015), The Little Hope (2020) e The Quarry (2022). 

NOTA 7: Os diretores de cinema, roteiristas e produtores Tim Burton e Guilherme del Toro, são conhecidos por sua predileção ao estilo gótico. Alguns de seus filmes mostram essa estética e características do gótico moderno e contemporâneo. 

NOTA 8: Inclui-se também nas produções audiovisuais desenhos como Batman: The Animated Series (1992-1995) e Os Gárgulas (1994-1997), em que ambos apresentam cidades sombrias e algumas ideias do gótico contemporâneo. 

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Links relacionados: 

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