Pesquisar neste blog

Comunicado

Comunico a todos que tiverem interesse de compartilhar meus artigos, textos, ensaios, monografias, etc., por favor, coloquem as devidas referências e a fonte de origem do material usado. Caso contrário, você estará cometendo plágio ou uso não autorizado de produção científica, o que consiste em crime de acordo com a Lei 9.610/98.

Desde já deixo esse alerta, pois embora o meu blog seja de acesso livre e gratuito, o material aqui postado pode ser compartilhado, copiado, impresso, etc., mas desde que seja devidamente dentro da lei.

Atenciosamente
Leandro Vilar

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Samarcanda: a cidade azul de Tamerlão

Embora seja uma cidade com mais de dois mil e quinhentos anos de idade, Samarcanda atingiu seu esplendor na segunda metade do século XIV, quando foi escolhida para ser a capital do império de Tamerlão, um poderoso imperador turco-mongol que teve a ambição de fundar um império extenso como Genghis Khan e seus descendentes fizeram. No entanto, por ser muçulmano, Tamerlão quis imitar alguns califas e sultões, possuindo uma magnífica capital para chamar de sua, como foram Bagdá e o Cairo. Por conta disso, ele escolheu Samarcanda, importante cidade mercante da Ásia Central. 

Detalhe de um recinto de Samarcanda com seu icônico azul. Foto de Nunzio Rosano, 2015. 

Introdução

A história da origem de Samarcanda ainda é desconhecida, não se sabendo ao certo quando essa cidade foi fundada. Acredita-se que sua fundação tenha sido feita pelo povo soguediano em algum momento dos séculos VIII a.C ou VI a.C, na região da Transoxiana, na Ásia Central (atualmente sudeste do Uzbequistão), ao sul do rio Zarafshansituado num território de clima mais ameno (diferente dos desertos ao sul), com chuvas mais regulares, pastos e rios, o que contribuiu para o desenvolvimento de Samarcanda e de outras cidades e vilas. O nome samarcanda viria do soguediano, significando "fortaleza de pedra". Embora possa ter tido influência do sânscrito também, pois em determinadas épocas a cidade era chamada de Marcanda ou Maracanda, palavra persa para "cidade". (SCHAEDER, BOSWORTH, CROWE, 2007, p. 453). 

Em algum momento do século V a.C, a cidade foi anexada ao Império Persa Aquemênida (550-330 a.C), o que lhe concedeu privilégios graças a organização burocrática, além de sua rede de estradas que favoreceu o comércio. Com isso, a pequena cidade foi crescendo nos séculos seguintes enquanto permaneceu sob domínio persa. Posteriormente ela foi incluída aos domínios de Alexandre, o Grande. Mais tarde, após a morte de Alexandre e o declínio de seu vasto império, Samarcanda voltou ao controle dos persas e depois foi dominada por tribos turcomanas. Entretanto, a cidade passou a ingressar algumas rotas mercantis que seguiam para o leste, adentrando o território da China. (SCHAEDER, BOSWORTH, CROWE, 2007, p. 453). 

No século V d.C existem breves relatos de viajantes e mercadores chineses citando uma rica cidade mercante chamada de Samokian, situada ao oeste da China, na Ásia Central. De fato, a Rota da Seda cruzava aquelas terras e chegava a Samarcanda, que com o tempo se tornou uma das portas de entrada aos domínios persas. Mais tarde, no final do século VIII, Samarcanda foi inserida aos domínios árabes, os quais levaram consigo o Islão, religião que se espalhou rapidamente na cidade, no século seguinte. 

Mapa da Transoxiana e regiões vizinhas, destacando as principais cidades, durante o século VIII. 

Durante o Califado Abássida (750-1258), Samarcanda, como outras cidades islâmicas, prosperaram por um período. A cidade como dito anteriormente, era a porta de entrada da Rota da Seda nos domínios persas, de lá estradas seguiam para distintas direções, incluindo Bagdá, então capital do império abássida. Nos séculos IX ao XI, a cidade prosperou, destacando-se como centro mercante no norte do império. Além disso, ali viviam muçulmanos, cristãos, zoroastrianos, alguns budistas e povos de religiões politeístas. Samarcanda naquele período apresentava ares cosmopolitanos devido ao comércio, em que reunia diferentes povos, idiomas e religiões. (SCHAEDER, BOSWORTH, CROWE, 2007, p. 454). 

No século XIII a Transoxiana foi conquistada por Genghis Khan, no entanto, Samarcanda embora tenha sido saqueada em dados momentos, conseguiu sobreviver a fúria mongol, diferente de outras cidades que foram saqueadas e incendiadas como Bagdá. Sob o domínio mongol, Samarcanda ainda continuou como um importante polo mercantil, condição essa que décadas depois, o viajante veneziano Marco Polo citou que a cidade era grande e nobre, inclusive pertencia ao Canato de Chagatai, um dos filhos de Genghis. Polo praticamente nada comentou sobre Sarmacanda, já que não a visitou, apenas a citou brevemente. 

Samarcanda seguiu os séculos XIII e XIV sob domínio mongol, entretanto, na segunda metade do XIV, um poder local desafiou o controle do decadente império mongol, esse novo poder era curiosamente liderado por um homem que se dizia descender de Genghis Khan, seu nome era Timur Leng

"Passado um século depois da morte de seu fundador, o império mongol de Genghis Khan parece dividido e enfraquecido, e um novo conquistador vai aparecer para unificar com punhos de ferro o mundo das estepes e uma boa parte da Ásia". (CONRAD, 1976, p. 299).

Ilustração retratando Tamerlão, o último grande conquistador de origem mongol. 

Nascido com o nome de Timur ou Tamerlão (1336-1405), era o filho de uma família de camponeses da aldeia Kesh, ao sul de Samarcanda. Tamerlão era de origem turco-mongol, mas adulto defendia descender de linhagem nobre que perdeu seus direitos, sendo ele um suposto descendente de Genghis Khan. Sua família era vassala do Clã Barlas, que detinha razoável influência na região, por conta disso, Tamerlão ao ingressar na guerra, ainda adolescente, passou os vinte anos seguintes construindo sua ascensão. Em 1370, aos 34 anos de idade, Tamerlão era o senhor da Transoxiana e da Bacteriana. Ele era conhecido por seus inimigos como o "Coxo", mas seus subordinados o chamavam de o "homem de ferro" devido a sua rigidez como líder e crueldade com os inimigos. (CONRAD, 1976, p. 303).

Aclamado com o título de emir (comandante), Tamerlão deu início a expandir seu recente império, missão a qual se dedicou até o fim da vida, tendo fundado um império na Ásia Central que se estendia pela Armênia, Geórgia, Iraque, Síria,  Pérsia, Afeganistão, Paquistão e o oeste da Índia. Entretanto, ele como grandes líderes muçulmanos queria um capital para chamar de sua, uma cidade que representasse o esplendor de seu império. E a cidade escolhida foi Samarcanda, a qual ele já morava há alguns anos. (ROBINSON, 2007, p. 26). 

Em amarelo o império de Tamerlão em sua máxima extensão no ano de 1405. Em vermelho o Império Otomano e em verde o Império Mameluco. 

A cidade azul

Com a conquista da Transoxiana em 1370, Tamerlão pôde decretar que Samarcanda fosse sua capital, assim, nos trinta anos seguintes a cidade recebeu vários investimentos para torná-la a capital de um novo e crescente império. Para isso, Tamerlão ordenou a construção de suntuosas mesquitas, madraças, palácios, praças, entre outras obras públicas, além de intensificar o comércio e os contatos com outros povos. Ele teve a pretensão de tornar Samarcanda uma cidade grandiosa como Bagdá havia sido mais de cem anos antes, e como o Cairo era naquele momento. Sob seu governo, a pequena cidade de Samarcanda cresceu significativamente, mesmo que não tivesse alcançado as dimensões de cidades como Bagdá, Damasco, Cairo, Constantinopla e Córdoba, no entanto, era muito maior que várias capitais europeias daquele tempo. 

"Tamerlão conduzia a sua campanha de construções com a mesma rapidez e zelo que devotava às operações militares. Como uma fênix renascendo das cinzas, Samarcanda passou de uma pequena cidade a uma metrópole de 150.000 habitantes em menos de 35 anos. Palácios ornamentados, graciosos jardins, bazares fervilhantes e imponentes mesquitas, escolas islâmicas e mausoléus de mosaico azul surgiam do nada. Vivia-se uma constante torrente de atividade: elefantes indianos arrastavam enormes blocos de pedra para construção; cantoneiros, envernizadores de azulejos, tecelões de seda e outros artesãos das terras conquistadas trabalhavam arduamente". (AS TERRAS DO ISLÃ, 2008, p. 129-130). 

O azul era uma cor bastante apreciada na cultura islâmica, pois aludia a cor do céu, que por sua vez, era uma referência a Allah. Por conta disso, não era incomum encontrar tonalidades de azul na arte islâmica de distintos países muçulmanos. O azul ganhou destaque nas tapeçarias, cerâmica e azulejaria. Além disso, os persas eram grandes apreciadores dessa cor, usando o lápis-lazúli em seu fabrico, isso originou o chamado azul persa

"Os muçulmanos fizeram uso da cor na arquitetura como nenhum outro povo, revestindo os edifícios de um colorido brilhante e de uma profusão de modelos. O azulejo vitrificado foi um recurso comum. Esta arte alcançou o ápice com Tamerlão e seus descendentes nas cidades da Ásia central e no Afeganistão". (ROBINSON, 2007, p. 204). 

O Mausoléu de Shah-i-Zinda. 

Por conta dessa preferência, Tamerlão ordenou que os arquitetos e artistas investissem no azul. Essa cor foi usada principalmente nas mesquitas, madraças, portais, tumbas e mausoléus. Por conta da condição de que Samarcanda por séculos não ter edificações mais altas do que as mesquitas e as madraças, suas cúpulas azuis se destacavam na paisagem. Viajantes poderiam avistá-las a alguns quilômetros de distância, e saberiam que estavam chegando a Samarcanda, a "cidade azul". 

As cúpulas azuis da Mesquita de Bibi Khanym, construída por ordem de Tamerlão, entre 1399 e 1404, como presente para uma de suas esposas.  

Embora Tamerlão tenha mando construir mesquitas, madraças, palácios, praças e outros monumentos, ele investiu em mausoléus. Os quais estão entre alguns dos mais suntuosos já erigidos nas nações islâmicas. A antiga necrópole de Samarcanda que estava parcialmente abandonada e em ruínas, foi revitalizada em seu reinado, construindo-se vários tumbas, criptas e mausoléus para sua família, parentes e amigos. 

Três mausoléus azuis na necrópole de Samarcanda, erigidos durante o reinado de Tamerlão. Atualmente a necrópole é uma atração turística. 

Dentre os mausoléus construídos, o do próprio Tamerlão foi o mais imponente da cidade. Ele seguia o padrão arquitetônico da época, o que o faz parecer com uma mesquita ou madraça. Chamado de Gur-e-Amir ("Tumba do Rei"), no mausoléu se encontra os sarcófagos de algumas das esposas, filhos e netos de Tamerlão. 

O Gur-e-Amir, o mausoléu de Tamerlão, em Samarcanda. 

O Gur-e-Amir começou a ser construído em 1403 por ordem Muhammad Mirza, um dos netos do imperador, como presente para o avô. Todavia, Tamerlão já tinha ordenado a construção de um mausoléu para si, localizado em outra cidade. Todavia, Tamerlão faleceu em 1405, aos 68 anos, enquanto viajava com seu exército para tentar invadir a China. Ele foi sepultado no mausoléu em Sharisabz (onde ficava seu palácio azul), como ordenado, porém, quando o Gur-e-Amir ficou pronto anos depois, seus netos ordenaram a transferência dos restos mortais do avô. (AS TERRAS DO ISLÃ, 2008, p. 131). 

Detalhe do belíssimo pórtico do Gur-e-Amir, com seus azulejos azuis e brancos em estilo arabesco e floral. 

A madraça ou madrassa consiste numa escola para estudos sobre o Corão, direito religioso e outras ciências. Ao longo do tempo as madraças mudaram a forma de funcionamento, podendo receber crianças, adolescentes ou somente adultos. Algumas madraças atuavam como faculdades. Outras possuíam bibliotecas e centros copistas. No caso de Samarcanda, suas madraças se destacaram arquitetonicamente por seus grandes pórticos (psihtaq) adornados com azulejos azuis. (ROBINSON, 2007, p. 104). 

Em Samarcanda as três maiores madraças não foram construídas por Tamerlão, mas pelos governantes que o sucederam. Hoje elas compreendem a praça do Reguistão, a maior praça da cidade e cartão-postal da mesma. A primeira madraça a de Ulug Beg foi construída entre 1417 e 1420, no entanto, suas irmãs foram erigidas apenas no século XVII, Sher-Dor (1619-1636) e Tilya-Kori (1646-1660). As três madraças seguem a arquitetura imponente que se tornou referência nas nações islâmicas da Ásia Central, com seus enormes pórticos, torres auxiliares, salas abobadadas, corredores com arcos, cúpulas azul turquesa. (ROBINSON, 2007, p. 106-107). 

As três madraças na praça do Reguistão em Samarcanda, sendo sua principal atração turística. 

NOTA: A antiga região da Transoxiana compreende atualmente partes do território de cinco países: Uzbequistão, Cazaquistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Quirquistão

NOTA 2: A Dinastia Timúrida fundada por Tamerlão perdurou de 1370 a 1507, sendo mantida por seus filhos e netos, um século após a morte de seu fundador. Todavia, o príncipe Babur que era bisneto de Tamerlão, fundou uma nova dinastia na Índia, o Império Mogol (1526-1857). 

NOTA 3: Apesar de sua importância histórica, Samarcanda não é a capital do Uzbequistão, mas sim Toshkent

NOTA 4: Cúpulas, mesquitas, madraças e mausoléus em azul não ficaram restritos apenas a Samarcanda, mas em Bukhara e outras cidades do que hoje forma o Uzbequistão, construções nesse estilo foram feitas também. 

NOTA 5: Samarcanda empresta seu nome para títulos de livros, filmes, histórias em quadrinhos, séries e outras produções. 

Referências bibliográficas:

CONRAD, Phillipe. As civilizações das estepes. Rio de Janeiro, Editions Ferni, 1976. 

POLO, Marco. O livro das maravilhas: a descrição do mundo. Tradução de Elói Braga Júnior. Porto Alegre, L&PM, 2009. 

ROBINSON, Francis. O mundo islâmico: o esplendor de uma fé. Barcelona, Ediciones Folio, 2007. 

SCHAEDER, H. H; BOSWORTH, C. E; CROWER, Y. Samarqand. In: BOSWORTH, C. Edmund (ed.). Historic Cities of the Islamic World. Leiden, Brill, 2007, p. 453-

As Terras do Islã. Barcelona, Ediciones Folio, 2008. 

Links relacionados: 

Tamerlão, "o homem de ferro"

Os mongóis

Bagdá: a joia do Islão (VIII-XIII)


sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Os mandarins: a elite dos funcionários da China imperial

Por séculos os mandarins estiveram entre os mais respeitados cargos administrativos do império chinês. Surgidos no século VII como conselheiros e secretários, com o tempo o cargo foi ganhando novas atribuições e funções, além de se gerar também toda uma hierarquia e graus de promoção. Os mandarins passaram a exercer funções burocráticas, administrativas, fiscais, políticas e militares, o que revela como esse ofício ganhou alterações com o tempo. 

Retrato do mandarim Jiang Shunfu (1453-1504) e dois funcionários

Etimologia

A palavra mandarim é de origem portuguesa, sendo os portugueses no século XVI os primeiros a usarem para se referir a esses funcionários do império chinês. O boticário e comerciante Tomé Pires (1465?-1540) em visita à Malaca (atualmente na Malásia), comentou em cartas sobre sua viagem, que conheceu funcionários chineses. Pires utilizou os termos mandaris, manderis, manderyspara se referir a eles. Embora não se saiba se realmente foram mandarins que ele teria conhecido ou ouvido falar, pois a palavra mandarim em alguns documentos europeus era empregada de forma genérica, para se referir a qualquer funcionário do governo chinês. Apesar da variação em grafia, tais palavras voltaram a aparecer em outras publicações como o livro História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses (1558) de Fernando Castanheda

Todavia, não há um consenso quanto a origem do termo mandarim, pois não consistia numa palavra usada pelos chineses. Alguns etimologistas defendem que a palavra mandarim viria do latim como mandador ou mandare, que significa "aquele que manda". Outra vertente sugere uma origem malaia, significando menteri (conselheiro), defendendo que se tratava de uma palavra usada pelos malaios para se referir a aqueles homens, e os portugueses a incorporaram. Outra hipótese aponta uma origem no sânscrito com a palavra mantri (conselheiro, ministro). Apesar da dúvida quanto a origem etimológica da palavra mandarim, foi a forma aportuguesada que se difundiu entre as línguas europeias. 

Funcionário concursado

Os primeiros mandarins surgiram por volta de 605 d.C, sendo conselheiros e secretários. Nessa época eles eram homens provenientes da aristocracia e nobreza, tratando-se de estudiosos que aprenderam a burocracia estatal. E por conta disso, por mais de duzentos anos, os mandarins seguiram sendo nomeados a partir da aristocracia, em que se avaliava sua postura e capacidade de falar. Nesse período ocorria também favorecimentos, como cargos comissionados, indicações e até mesmo a compra de cargos. 

Por conta desses problemas a qualidade dos funcionários era irregular em várias ocasiões. Mas a realidade somente mudou durante a Dinastia Song (960-1279), a qual instituiu os exames imperiais ou o concurso público para mandarim. Com o tempo o concurso foi sendo alterado e melhor estruturado, mas ele concedeu uma nova forma de avaliar os futuros funcionários, além de conceder a oportunidade a pessoas que não fossem oriundas da aristocracia e da nobreza, pudessem disputar uma vaga no serviço público (pelo menos em teoria). 

Mas para poder chegar a fazer a prova de mandarim, o candidato primeiro deveria ser aprovado numa série de exames para atestar sua capacidade mínima de ingressar no ensino superior, para se formar ali e depois disputar o concurso para mandarim. Dessa forma, para poder ingressar no ensino superior, algo que equivaleria a faculdade ou a universidade, o candidato deveria passar por três exames:

  • Exame distrital (xianshi): era realizado a cada dois ou três anos, durando até cinco dias. Os aprovados seguiam para a próxima fase;
  • Exame da prefeitura (fushi): era realizado na prefeitura, ao longo de três dias. Os candidatos eram separados por distritos e eram sabatinados. Os aprovados seguiam para a próxima fase;
  • Exame de aptidão (yuanshi): os finalistas eram avaliados ao longo de quatro dias, por funcionários enviados pelo governador ou direto da capital imperial. Os aprovados recebiam o título de "Licenciado" (xiucai). 

De posse do título de Licenciado, o candidato detinha o direito de ingressar numa escola para aprender o necessário sobre sua futura função como mandarim. O curso duraria de dois a três anos, e basicamente se restringia a aulas de filosofia confucionista, caligrafia, e um pouco de história, política, legislação e ética. Concluído o curso, o candidato deveria se submeter a um exame para atestar sua capacidade de aprendizado. 

  • Exame provincial (xiangshi): ocorria a cada três anos ou em datas determinadas pelo imperador. Era realizado nas capitais das províncias, em que funcionários da corte eram enviados para fiscalizar os candidatos. As provas eram realizadas ao longo de três dias, em que o candidato respondia exames escritos e orais. Caso ele fosse aprovado, receberia o título de "Mestre" (juren). 

Recebendo o título de juren, significava que o candidato estava apto a prestar o concurso para ser mandarim, isso após alguns anos de estudo e tentativas de passar nos exames para xiucai. Mas finalmente conquistando os dois títulos obrigatórios, os candidatos aguardavam o próximo concurso que era realizado na capital imperial, no caso, Pequim. Ali eles se dirigiam ao Palácio da Suprema Harmonia.

  • Exame do palácio (gongshi): era presidido por oito mandarins veteranos e o imperador em pessoa. Geralmente somente dez vagas eram oferecidas a cada concurso. Os mandarins davam notas aos candidatos e o imperador os avaliava, tendo autoridade discricionária para alterar resultados ou desclassificar um candidato que não lhe agradasse, apesar das notas. Embora nem sempre isso ocorresse, mas houve casos assim. 

O Palácio da Suprema Harmonia, na Cidade Proibida, em Pequim. Por séculos esse palácio sediou o concurso para mandarim. 

Os candidatos aprovados recebiam o título de "Doutor" (jinshi), mas os três primeiros colocados recebiam titulações diferentes e honrarias, como forma de destacar sua colocação. De qualquer forma, os aprovados estavam aptos para começar a trabalhar como mandarins.

Antes de passar para a organização do cargo de mandarim e suas funções e níveis, é preciso comentar brevemente o conteúdo dessas provas. Foi visto que o candidato para se tornar mandarim teria que passar por cinco exames. Mas o que era perguntado nesses exames? Por incrível que pareça o tema girava em torno da filosofia confucionista

Confúcio (552-489 a.C) foi um importante filósofo, conselheiro e funcionário público. Seus ensinamentos foram preservados por seus discípulos em alguns livros como os Analectos e outras obras. Nesse livro em particular, Confúcio narrava uma série de recomendações morais, éticas e sociais, além de apresentar reflexões sobre a política, a história, a religião, a sociedade, a vida, o trabalho etc. Pela condição de ele ter sido funcionário público, Confúcio em várias ocasiões usava exemplos de seu trabalho para instruir dedicação, bom comportamento, esmero, polidez, eficiência etc. Por conta disso, esse livro se tornou uma das bases para os estudos do concurso de mandarim. 

Além dos Analectos, outros livros são o Grande Saber, a Doutrina da Média e o Mencio. Esses livros nem sempre foram usados nos exames para mandarim, mas foram incorporados ao processo a partir do século XII quando o filósofo, historiador, escritor e estadista Zhu Xi (1130-1200), um dos maiores especialistas em neoconfucionismo da época, estabeleceu que o concurso de mandarim deveria incluir essas quatro obras como leitura obrigatória. Fato esse, que até 1905, os candidatos deveriam ler esses quatro livros com teor filosófico, social e político, para responder perguntas e escrever dissertações sobre alguns de seus temas. 

Mais além dos Quatro Livros, outros cinco também faziam parte dos exames, sendo eles chamados de Cinco Clássicos, os quais consistiam em obras que versavam também sobre o confucionismo, mas traziam outros temas como história, política, administração e poesia. Tais livros eram:

  • I Ching (Livro das Mutações): livro de caráter filosófico e religioso, atribuído ao lendário filósofo Lao Tsé. A obra influenciou o próprio Confúcio; 
  • Shujing (Livro da História): composto por 58 capítulos, a obra traz fatos históricos de caráter político e militar, discursos de imperadores, governadores e ministros; além de aspectos legislativos e reflexões de alguns políticos famosos; 
  • Shijing (Livro da Poesia): Confúcio valorizava as artes, em especial a poesia, por conta disso, ela se tornou uma das artes mais prestigiadas na história chinesa por séculos. Durante os exames, os candidatos deveriam responder perguntas sobre métrica e versificação e até compor poemas; 
  • Lijing (O Registro do Rito): obra que versa sobre a etiqueta social, palaciana e burocrática, além de trazer ensaios filosóficos e moralistas; 
  • Chunqiu (Os Anais da Primavera e do Outono): livro de teor histórico que apresenta alguns acontecimentos históricos ocorridos entre os séculos VIII a.C. e VI a.C., além de trazer comentários de alguns governadores e generais. 
Observa-se por tais livros que os assuntos requisitados para os quatro exames e a própria prova para mandarim se pautavam nos temas de filosofia, história, política, legislação, administração, etiqueta, ética e poesia. Além desses assuntos, os candidatos eram também avaliados por sua caligrafia e comportamento durante os exames. Em alguns casos, também se procurava saber se o candidato não teria antecedentes criminais ou possuiria problemas com bebida, jogo, prostitutas, dívidas etc. 
 
Sendo assim, os exames concediam notas, os que passassem da média, seguiriam para a próxima etapaAs provas eram feitas de forma escrita e oral, sendo realizadas numa mesma sala com todos os candidatos ou em cabines separadas. 

Uma folha do exame para mandarim em 1894. Aqui vemos a pergunta na direita e a resposta do candidato, escrita de cima para baixo. 

No quesito para a reprovação, além de perder pontos nas respostas, o candidato poderia ser eliminado se cometesse erros de caligrafia, se não estivesse vestido de forma adequada, se não se comportasse direito, se chegasse atrasado ao local de prova, se levasse material para "colar", se recebesse ajuda de outras pessoas, se subornasse um dos avaliadores, se cometesse crime de falsidade ideológica. Fato esse que em todos os exames existiam equipes para fiscalizar os pertences dos candidatos para ver se não estavam levando "colas" escondidas, existiam fiscais que monitoravam os candidatos durante os exames, além de outras medidas para se evitar trapaças, embora que algumas vezes isso falhasse. 

Pintura retratando um candidato no exame palaciano apresentando sua prova ao imperador e um mandarim. 

Os candidatos aprovados nos exames para se tornar Licenciado, depois para concluir os estudos e finalmente ser aprovado na prova de mandarim, tinham seus nomes publicados numa lista de aprovados, que era lida publicamente na capital imperial, nas capitais de província e nas prefeituras. Uma mensagem felicitando a família dos aprovados era enviada. Além disso, banquetes eram servidos nos exames da prefeitura e da província, sendo o mais honorífico o banquete servido aos aprovados na prova de mandarim, os quais participavam de uma festa na presença do imperador e da corte. 

O mandarim militar

Apesar dos mandarins serem lembrados principalmente como funcionários da administração imperial, nem todos eram civis, alguns mandarins eram militares, possuindo funções, direitos e deveres diferentes. Primeiro, eles não precisavam passar pelos exames para se tornarem Licenciados e Mestres, eles tinham que ingressar no Exército, algo que poderiam fazer se voluntariando como soldado. Depois deveriam aprender a ler e escrever. Com isso, eles teriam que estudar os manuais militares do período, sendo o mais famoso a Arte da Guerra de Sun Tzu

Além dessas manuais, eles estudavam um pouco de filosofia, história, política e ética. Mas os manuais militares eram o conteúdo principal das provas escrita e oral. No entanto, somava-se a tais provas os exames físicos, os quais eram divididos em testes de destreza e força. O que incluía tiro ao alvo, cavalgada, corrida, levantamento de peso, combate e outros testes. Sendo aprovados nesses testes, o candidato recebia o título de wu jinshi ("Doutor Militar"). 

Os exames físicos eram mais valorizados do que o exame intelectual, pois no Exército, o mandarim ainda seguiria sendo um guerreiro, tendo que ir a guerra. A diferença é que ele passava a poder exercer funções administrativas. Alguns mandarins inclusive poderiam ascender na hierarquia militar e não apenas nos níveis de sua profissão. 

Os níveis e funções dos mandarins

Explicado de forma breve como se dava o concurso para se tornar mandarim civil e militar, agora se faz necessário apresentar quais as funções que eles exerciam e como era a hierarquia desse cargo. Foi na Dinastia Ming (1644-1912) que a hierarquia em nove níveis ou classes para os mandarins civis e militares foi estabelecida e mantida quase inalterada pelos séculos seguintes. Sendo assim, em cada nível, cabia funções específicas ao mandarim, assim como, ele deveria utilizar adereços e insígnias em suas vestes para identificar em qual nível ele pertencia. Antes do governo Ming, os graus e classes variavam um pouco, mas as funções eram similares.

Isso facilitava para que as autoridades e funcionários soubessem o nível e influência daquele mandarim, pois em geral para a população, qualquer mandarim era um homem importante, independente de seu grau hierárquico. Condição essa, que em algumas épocas da Dinastia Qing, somete 1 em cada 100 mil candidatos conseguia ser aprovado como mandarim, devido as poucas vagas e os exames difíceis. 

Na Dinastia Qing, o cargo de mandarim era dividido em nove níveis, mas cada um possuía dois graus, o que representa dezoito graus. Em cada nível e grau da ascensão funcional do mandarim, ele ia desde realiza atividades burocráticas simples até alcançar o primeiro nível, em que se tornava conselheiro direto do imperador, posição bastante estimada, pois o tornava membro da corte, podendo residir na Cidade Proibida, e em qualquer palácio em que o monarca estivesse.

Os nove níveis eram os seguintes: 

  • Nível 1-A: Secretário pessoal do imperador, secretário-mor;
  • Nível 1-B: Ajudante do imperador ou do príncipe herdeiro, presidente dos ministérios, tribunais e juntas; 
  • Nível 2-A: Ajudante adjunto do príncipe herdeiro, vice presidente dos tribunais, juntas, ministro da Casa Imperial, vice-rei;
  • Nível 2-B: Conselheiro da Casa Imperial, Governador de província, Conselheiro da Academia Hanlin, Superintendente das Finanças;
  • Nível 3-A: Diretor de tribunais, juiz provincial, vice-presidente adjunto do Fisco; 
  • Nível 3-B: Diretor dos banquetes imperiais ou das cavalariças imperiais, controlador-geral do sal;
  • Nível 4-A: Diretor ou subdiretor da Casa Imperial, tribunais, juntas, fisco, relações exteriores e assistente-sênior de circuito;
  • Nível 4-B: Prefeito, instrutor na Casa Imperial e na Academia Hanlin;
  • Nível 5-A: Vice-prefeito e supervisor adjunto da Academia Hanlin;
  • Nível 5-B: Bibliotecário nas academias, ajudante de instrução, censor, subdiretor das juntas e tribunais; 
  • Nível 6-A: Secretário e professor nas academias, secretário e registrador nas secretárias imperiais; 
  • Nível 6-B: Subprefeito provincial, secretário de tribunal, secretário adjunto das secretárias imperiais, sacerdote-chefe; 
  • Nível 7-A: Secretário de polícia, juiz distrital, secretário de estudos em Pequim;
  • Nível 7-B: Secretário de província, controlador do sal e das estações de transporte;
  • Nível 8-A: Assistente dos juízes distritais, secretário da prefeitura, diretor de estudos em escolas;
  • Nível 8-B: Subdiretor de estudos, arquivista do controlador de sal; 
  • Nível 9-A: Arquivista da prefeitura, secretário distrital, agente penitenciário; 
  • Nível 9-B: Cobrador de impostos, fiscal de contas, secretário adjunto de penitenciária, comissário adjunto de polícia.
Nota-se por esses níveis e subgraus como as funções dos mandarins variavam, abrangendo cargos políticos, administrativos, fiscais, policiais, jurídicos, acadêmicos e até religiosos. No entanto, algumas pessoas podem achar estranho que os cargos de polícia estejam em níveis baixos, isso se deve ao fato que naquela época, ser membro da polícia não era algo de prestígio, fato esse que tais cargos estão no nível 9, o primeiro no qual um mandarim ingressava. O melhor cargo de polícia seria o de secretário de polícia (nível 7-A), isso para o mandarim civil, pois alguns cargos de polícia eram ocupados pelos mandarins militares, sendo o mais renomado o de comissário de polícia da capital. 

Por sua vez, os ofícios ligados ao sal e o transporte eram algo interessante. A China imperial controlava a produção de sal, mercadoria importante, por conta disso, os controladores do sal eram incumbidos de fiscalizar as salinas, o armazenamento, transporte e comércio desse produto. Mandarins que trabalhavam nas secretárias das prefeituras e do governo provincial, também fiscalizavam outras mercadorias, pois existiam secretárias do comércio e produção. 

As funções de educação tinham um prestígio um pouco melhor. Incluíam serem assistentes, fiscais de exames, secretários, bibliotecários, arquivistas, instrutores, professores, diretores e conselheiros. As academias imperiais como a de Hanlin, que era a mais famosa, consistiam nos locais em que os candidatos a mandarim estudavam, além e aristocratas e nobres. 

Em cargos mais elevados nota-se funções de governo como ser prefeito, governador, ministro, vice-rei (equivalente a alguns tipos de ministros), além dos cargos de direção nos tribunais, juntas e departamentos. 

Entretanto, existiam alguns cargos curiosos como o de diretor de banquetes imperiais e das cavalariças do imperador. Hoje em dia podem parecer ofícios supérfluos, mas no contexto monárquico, eram funções de prestígio você ser responsável por organizar as festas, banquetes e cerimônias da corte, assim como, cuidar dos cavalos reais. 

No entanto, os níveis e funções dos mandarins militares eram diferentes, como se pode conferir a seguir:
  • Nível 1-A: Marechal de campo e camareiro da guarda imperial;
  • Nível 1-B: Tenente-General da Unidade dos Estandartes, General em Chefe da Manchúria, Comandante Provincial do Exército Chinês;
  • Nível 2-A: General de brigada, Comandante de Divisões; 
  • Nível 2-B: General de Divisão, Tenente-Coronel; 
  • Nível 3-A: Coronel de Divisão, Brigadeiro da Artilharia; 
  • Nível 3-B: Comandante de Brigada fora de Pequim;
  • Nível 4-A: Tenente-Coronel, Comissário de Polícia da capital;
  • Nível 4-B: Capitão, assistente das tropas palacianas;
  • Nível 5-A: Capitão, tenente de polícia;
  • Nível 5-B: Vice-capitão, tenente da guarda da porta; 
  • Nível 6: Magistrado de polícia, tenente de artilharia, subtenente;
  • Nível 7: Assistente dos mordomos palacianos;
  • Nível 8-A: Alferes;
  • Nível 8-B: Primeiro sargento;
  • Nível 9-A: Segundo sargento;
  • Nível 9-B: Sargento de terceira classe; 

Entre os mandarins militares seguia-se a hierarquia do Exército, lhe atribuindo funções típicas desses cargos, mas as vezes atribuindo outras funções como as de polícia, e algumas honoríficas associadas com a corte, para as hierarquias mais elevadas. Observa-se também que os níveis 6 e 7 não possuíam dois subgraus, mas apenas um. 

Além disso, vale ressalvar que os mandarins militares foram algo mais comum durante a Dinastia Qing, além de que eles sofreram influência de modelos europeus, principalmente pelo contato com os portugueses e ingleses. Condição essa que alguns cargos são equivalentes aos dos padrões europeus, incluindo os de artilharia, pois no XIX, a China já possuía tropas de artilharia. 

Cada nível hierárquico dos mandarins civis e militares atribuíram deveres, funções, mas também regalias. Uma delas era o salário, inicialmente baixo, mas que ia subindo gradativamente. Em alguns casos alguns mandarins de níveis altos conseguiam se tornar membros da corte através de casamentos ou por concessão de títulos pelo imperador. Além disso, mandarins de origem humilde, poderiam ter a oportunidade de adentrar a aristocracia à medida que subiam de nível. 

Os mandarins de nível intermediário para cima passavam a dispor de ajudantes, assistentes e até recebiam criados. Em alguns casos, eles também tinham funções de circuito, ou seja, a cada tantos anos deviam trocar de cidade ou província para exercer suas funções. 

Entretanto, a subida de nível variava em alguns aspectos. Por exemplo, candidatos que tiraram excelentes notas em todos os cinco exames e terminaram o concurso de mandarim nas primeiras colocações, não iriam começar no nível 9, poderiam já iniciar no nível 6 ou 7. Por outro lado, a progressão de cargo poderia levar até 9 anos e havia casos em que o mandarim nem conseguia subir de nível, permanecendo o restante da vida no mesmo nível. 

Essa progressão estava associada ao desempenho do funcionário, seu comportamento, caráter e se não tivesse se envolvido com imoralidades, desavenças e crimes. Poucos mandarins conseguiam galgar posições até os primeiros níveis, e isso quando ocorria, já eram homens com mais de quarenta ou cinquenta anos (isso se eles não tiveram favorecimentos e ingressaram no serviço público ainda cedo), os quais conquistaram prestígio na capital ou na corte. 

Embora houvesse também jogos de interesses, com casos de mandarins que conseguiram através de favores e subornos, comprar sua ascensão ou comprometer concorrentes. Por outro lado, um mandarim poderia ser destituído de seu cargo caso cometesse alguns tipos de crime; podendo inclusive ir para a prisão, pagar multa ou ser condenado a pena de morte. 

Não obstante, outro aspecto a ser comentado sobre os níveis dos mandarins, diz respeito a sua indumentária e insígnias. A ideia dos noves níveis foi algo surgido propriamente na Dinastia Ming, sendo reelaborado pela Dinastia Qing. Nesse ponto, cada nível hierárquico era representado por uma cor e ave. Os níveis baixos usavam tons de azul, os níveis intermediários usavam preto ou verde, já os níveis elevados se vestiam com o vermelho (cor tido como associada a realeza, a sorte, a autoridade, o sagrado etc.). 

Hierarquia de cor e animal para trajes civis dos mandarins. 

  • Nível 1: vermelho carmesim e um grou branco; 
  • Nível 2: vermelho e um faisão dourado; 
  • Nível 3: vermelho e um pavão real; 
  • Nível 4: vermelho e ganso;
  • Nível 5: verde e um faisão prateado; 
  • Nível 6: preto e uma garça branca;
  • Nível 7: azul escuro e um pato mandarim;
  • Nível 8: azul claro e um codorniz;
  • Nível 9: azul claro e um papa-mosca.
Simbolicamente as aves e pássaros na cultura chinesa imperial, eram animais associados com a elegância, o trabalho, o mérito, a honraria, o trabalho burocrático entre outros significados. Por conta disso, observa-se que aves de maior prestígio representavam os níveis mais elevados. 

Três exemplos de trajes usados por mandarins. O vermelho representa o nível 1 (grou branco), o verde representa o nível 5 (faisão prateado), e o azul representa o nível 7 (pato mandarim).

Além dessas cores e insígnias das aves, o traje dos mandarins também incluía o uso de joias feitas de rubi, safira, lápis-lazúli, ouro, prata, madrepérola etc. Os níveis mais altos usavam rubis. Essas joias poderiam aparecer nos chapéus ou como broches para prender o cabelo trançado, ou em colares e anéis. Além disso, em algumas cerimônias e ritos, os trajes poderiam receber adereços como cordões, colares, ombreiras, penas de pavão, capas, sobretudos em roxo, marrom, cinza etc. Os trajes militares variavam um pouco. Por fim, sublinha-se que à medida que os mandarins subissem de nível ou a depender da cerimônia, eles faziam uso de vestes feitas de seda e outros tecidos finos. 

No caso dos mandarins militares, os animais usados não eram aves e pássaros, mas animais quadrupedes:
  • Nível 1: inicialmente o leão, depois trocado pelo qilin (tipo de animal folclórico);
  • Nível 2: leão;
  • Nível 3: inicialmente o tigre, depois trocado pelo leopardo;
  • Nível 4: inicialmente o leopardo, depois trocado pelo tigre;
  • Nível 5: urso;
  • Nível 6: pantera;
  • Nível 7: inicialmente a pantera, depois trocado pelo rinoceronte;
  • Nível 8: rinoceronte;
  • Nível 9: inicialmente o rinoceronte, depois trocado pelo cavalo.
Quadrado mandarim com um leopardo, animal usado por mandarins militares de nível 3. Esse exemplar foi confeccionado entre os séculos XVIII e XIX. 

Considerações finais

O sistema burocrático dos mandarins perdurou no império chinês de 605 a 1905, totalizando 1.300 anos de duração, consistindo em uma das organizações burocráticas mais longevas da História, condição essa que outros países adotaram esse sistema, mas com algumas adaptações e por bem menos tempo. 

Na Coreia o cargo de mandarim era chamado de yangban, estando em voga durante  algum período do reinado da Dinastia Joseon (1392-1847). No Japão tentou-se aplicar o conceito de mandarim, o qual esteve em voga no Período Heian (794-1185), mas acabou sendo abolido pelos xogunatos, que privilegiavam funcionários escolhidos a dedo ou por comissão. Na Indonésia colonial dos séculos XVII ao XIX, existia o cargo de kapitan cina, baseado nos mandarins. O Vietnã entre os séculos XVI ao XIX, também adotaram um modelo parecido com os mandarins. 

Por outro lado, os mandarins acabaram influenciando no idioma e na escrita dos chineses, fato esse, que ainda hoje se fala em língua mandarim, isso se deve a uma interpretação dos portugueses no século XVI, pois os mercadores tinham que resolver com mandarins questões legais e administrativas, sendo que esses funcionários usavam a língua culta, pautada no padrão gramatical no qual eles eram instruídos. Porém, acabou se espalhando a ideia de que na China se falava mandarim, não o chinês. Sendo que na China existem outros idiomas e dialetos também, porém, o chamado mandarim era o idioma da corte, da capital e da burocracia, vindo a ser reconhecido como idioma oficial do país, mais tarde. 

No começo do século XX, com a grande influência inglesa na China, em 1905, o concurso para mandarim foi abolido, assim como, o sistema hierárquico e administrativo foi substituído por modelos ingleses, isso a nível civil e militar. Vale ressaltar que o império chinês vivenciava crise de poder, autoridade e legitimidade no final do XIX, e isso foi se alastrando até seu fim em 1912. 

Três mandarins com seus filhos e assistentes. Fotografia de 1902. 

NOTA: O pato mandarim (Aix galericulata) ganhou esse nome por conta de sua imagem ser uma das aves que ilustravam as insígnias dos mandarins civis, especificamente os de nível 7. 

NOTA 2: No século XIX, em alguns países europeus, a palavra mandarim era usada para se referir a funcionários públicos soberbos, vaidosos, as vezes preguiçosos e inadimplentes.  

NOTA 3: O Mandarim (1880) é o título de uma novela do famoso escritor português Eça de Queiroz. Na trama, o protagonista assassina um mandarim e passa a arcar com as consequências de seu ato. 

NOTA 4: Mandarim é o nome de um vilão clássico do Homem de Ferro, surgido em 1964, sendo criado por Stan Lee e Don Heck. Trata-se de um personagem estereotipado. 

NOTA 5: Os Mandarins (1954) é um romance da escritora e filósofa Simone de Beauvoir, o qual acompanha um grupo de intelectuais franceses na década de 1950. O título faz referência a noção de mandarim como burocrata vaidoso. 

NOTA 6: No romance Jornada ao Oeste (séc. XVI) de Wu Cheng'en, o pai do protagonista Tang Sanzang é um mandarim que foi aprovado no concurso em primeiro lugar. 

Referências bibliográficas:

FAIRBANK, John King. The Cambridge history of China. Cambridge, Cambridge University Press, 2008.

ICHISADA, Miyazaki. China’s Examination Hell. Tokyo/New York, s.e, 1976.

TWITCHETT, Denis Crispin. The birth of the Chinese meritocracy. Bureaucrats and examinations in T’ang China. Londres, s. e, 1976.

Links relacionados: 

Sun Tzu e a Arte da Guerra

Confúcio