A Revolta da Chibata e seu centenário
Prof. Dr. Álvaro Pereira do Nascimento(1)
Obs: as imagens presentes no texto, foram escolhidas por mim, para ilustrar a obra do autor.
Ao folhear A
Revolta da Chibata,
do jornalista Edmar Morel, qualquer
leitor ficará impressionado
com a magnitude do movimento que envolveu centenas
de marinheiros em 22 de novembro de 1910(2). São cenas realmente incríveis,
recheadas de coragem
e de espírito
de luta narradas
pelo saudoso jornalista. tomaram os mais novos e poderosos encouraçados
do mundo, Minas Gerais e São Paulo, e ameaçaram de bombardeio a capital Federal
da República. Foram quatro dias memoráveis para os marujos, que expuseram o
cotidiano de castigos físicos, as péssimas condições de trabalho, o racismo na
Marinha de Guerra, e puseram em xeque a força do recém-empossado governo Hermes
da Fonseca, visto como fraco, nacional e internacionalmente, logo após o fim da
revolta de novembro.
Outros
momentos dessa belíssima narrativa, como a segunda revolta, em dezembro,
no Batalhão Naval
da Ilha das
Cobras, poderiam ser
descritas aqui. E elas novamente encheriam de emoção diversos leitores,
como me ocorreu na primeira vez que li o trabalho de Edmar Morel. Gostaria,
então, de convidá-los a outra jornada, mais longa que a do jornalista, a qual
percorri durante anos,
para entender a
revolta de 1910.
Meu interesse aqui
não é somente narrar os acontecimentos
ocorridos entre novembro e dezembro de 1910, vai além. Incomodavam-me dúvidas
acerca das reivindicações dos marinheiros. Compreendia o horror dos marinheiros
pela chibata, mas não conseguia entender o fato de não existirem revoltas
anteriores com a mesma reivindicação. Via que, com o passar dos dias da
revolta, as manchetes dos jornais e mesmo os
discursos dos marinheiros
foram reduzindo as
reivindicações à abolição dos castigos físicos, que lembravam
a escravidão.
Mas notava o silêncio ou a pouca discussão acerca das demais reivindicações na época, e mesmo de pesquisadores que décadas depois estudaram o assunto. Os amotinados queriam o aumento do salário, a criação de uma nova “tabela” de serviços, a retirada de oficiais extremamente violentos na aplicação dos castigos, a mudança do código disciplinar que permitia a chibata e punições semelhantes e – algo pouco estudado pelos especialistas na revolta – “educação” para os marinheiros indisciplinados. Dediquei-me, então, a compreender o sentido que esse corpo de reivindicações faria na vida daqueles marinheiros, tanto na carreira militar como no mundo exterior à farda. O artigo está dividido em três partes. Na primeira entenderemos os marinheiros na passagem do século XIX para o século XX, percebendo o cotidiano a bordo e uma sumária história da violência nos navios. Logo em seguida, o leitor poderá ter contato com uma resumida narrativa da revolta de 1910. Finalmente, discutiremos seu legado social e histórico, analisando o uso da sua memória e as dificuldades por que passou seu maior líder, o marinheiro negro João Cândido Felisberto.
O marinheiro João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata, na primeira página do jornal Gazeta do Povo, em edição de 1912. |
Violência
e recrutamento
Ao
completar 17 anos, qualquer rapaz sabe que o período do serviço militar
obrigatório está próximo. Durante cerca de um ano, ele poderá ser treinado para
atuar em missões
diversas no Brasil
e no mundo,
caso seja necessário. As Forças
Armadas são uma necessidade em tempos de guerra e de paz, resguardadas todas as
ressalvas e críticas possíveis ao seu emprego e às suas formas de atuação. Na
virada do século XIX para o XX, o Exército e a Marinha enfrentavam problemas
graves de falta de pessoal para dar conta das ações mais simples. Raros eram os
casos de homens voluntários ao serviço militar. A lei do recrutamento em vigor
era pouco eficaz, permitindo que muitos homens fossem retirados das listas de
convocados. Somente os brasileiros
mais pobres, e
aqueles que não
tinham alguém que
os defendesse junto
às Forças Armadas,
poderiam ser levados
ao serviço militar, independentemente de
suas vontades(3). E
não havia um
convite especial para isso:
grupos de recrutadores civis e militares ganhavam um valor em dinheiro para
cada homem, rapaz ou garoto agarrado à força para o serviço militar. Juízes,
delegados e diretores de asilos de menores respondiam às solicitações das
autoridades militares enviando órfãos e presos por peque-nos delitos. Tinham de
servir por nove ou até quinze anos nas fileiras da Marinha de Guerra ou do
Exército.
No mapa
estatístico do Corpo
de Imperiais Marinheiros
isso fica mais claro(4). Nele se
observa que entre os anos de 1836 e 1888 somente 460 homens se apresentaram
espontaneamente, enquanto 6.271 foram recrutados à força. Ou seja, os
voluntários somaram menos de um décimo dos que foram incorporados às fileiras
da Armada em aproximadamente cinquenta anos. Em contrapartida, os oficiais
trataram de criar uma terceira via por meio da incorporação de meninos e
rapazes às Escolas de Aprendizes Marinheiros(5). Essas unidades foram espalhadas
em quase todas as províncias brasileiras e matricularam meninos pobres no
sentido de instruí-los para o
serviço nos vasos
de guerra. Ao
longo do tempo
esse caminho foi
gradativamente se tornando
crucial para a
Armada, a ponto
de ultrapassar a quantidade de
homens recrutada à força ao longo do século XIX (entre 1836 e 1888 foram 8.586
garotos e rapazes contra aqueles 6.271 homens recrutados à força). E, mais
importante: eram menores, garotos entre 10 e 18 anos(6), crescidos numa escola
militar e que, logo depois de formados (ou quando as urgências da Marinha de
Guerra exigiam), assumiam seus postos em navios de guerra e nas diversas
repartições. Para ministros e oficiais comandantes, as escolas representavam o
que de melhor fora pensado até então em termos de alistamento, pois ali se
poderiam modelar os costumes e valores dos futuros marinheiros.
No
livro de matrícula da Escola de Aprendizes Marinheiros do Rio de Janeiro, entre
1909 e 1910, podemos ter uma visão sumária do alcance dessa solução para falta
de pessoal na Marinha de Guerra(7). Encontramos 139 garotos e rapazes entre 11 e 18 anos matriculados
naquela escola. A maioria tinha entre 12 e 16 anos, uma ótima faixa etária na
visão dos oficiais para disciplinar
e formar bons
marinheiros, distantes daqueles
que eram trazidos à força. Não era à toa que as escolas eram chamadas de
“viveiros da marinha”.
A cor
desses garotos e rapazes também chama a atenção. Do total, 55 eram brancos, 48
pardos, 23 pretos, 5 mulatos, 3 morenos, 2 caboclos, 1 escuro e 2 não tinham
registros da cor. Nota-se uma quantidade maior de não brancos, com 82 alunos.
Ainda não há pesquisas mais detalhadas acerca da cor e origem dos marinheiros e
aprendizes desde o século XIX até o século XX, mas sabemos por fontes diversas
e até por testemunhos de oficiais que a maioria daqueles homens era composta de
indivíduos não brancos. Uma realidade que será paulatinamente modificada por
intermédio dos oficiais na passagem do século e que se aprofunda nas primeiras
décadas do século XX(8).
Já nesse
período, contudo, oficiais
encarregados da seleção
de pessoal davam preferência a
garotos e rapazes brancos ou quase brancos. É interessante notar que, dos 44
alunos enviados pela polícia, 19 eram pardos, 11 pretos, 2 morenos, 1
sem registro de
cor e 11
brancos; ou seja,
havia 32 não
brancos. No caso dos retirados dos asilos mencionados anteriormente, 10
eram pardos, 4 mulatos
e 6 pretos,
contra 13 brancos;
ou seja, 20
não brancos. Embora a diferença
seja pequena – os brancos representavam aproximadamente mais da metade naqueles
escolhidos nos asilos, índice que caiu para um terço do total no caso dos
enviados pela polícia –, ela pode nos mostrar uma realidade cada vez mais
difundida naquele período: tornar as fileiras de marinheiros, cabos e sargentos
mais brancas do que eram até então. Como se pode ver nos dados expostos, a
polícia não parece ter realizado a seleção dos futuros alunos
baseada na cor,
mas no caso
dos oficiais que
matricularam os garotos provenientes dos asilos há certa preferência por
brancos ou quase brancos. Minha desconfiança não se baseia na intuição, mas no
testemunho do diretor de outro asilo de menores. Num ofício enviado pelo
diretor Francisco Vaz, da Escola Premonitória Quinze de Novembro, ao chefe de
polícia, isso fica mais evidente:
"Ainda
há um ou dois anos, quando aqui esteve uma comissão naval para esse fim [recrutamento], de
sessenta menores aqui
escolhidos pela mesma,
acabaram sendo incluídos na Escola de Aprendizes Marinheiros apenas
seis. As corporações armadas têm chegado, muitas vezes, a rejeitar, sob
fundamento de defeitos físicos,
alunos que daqui
saem integralmente sãos,
segundo declaração formal do
nosso médico. A Marinha chega a recusar, sistematicamente, menores de cor,
alegando sempre incapacidade física".9
A
relação entre cor negra e maus hábitos era muito forte entre oficiais,
políticos, jornalistas, cientistas e intelectuais em geral(10). Para muitos
desses, tornava-se matéria quase impossível transformar homens egressos do
cativeiro, descendentes e pobres mestiços em pessoas educadas como os cidadãos
dos “países adiantados”(11). O
convívio com aquela
massa de negros
no pós-abolição, na
visão desses homens
letrados, fazia prevalecer
formas de viver inadmissíveis para um país que se
desejava novo e grande. Os valores presentes na belle époque carioca de época
valorizavam costumes diversos daqueles assemelhados aos
negros – numa
visão preconcebida a todo indivíduo
não branco e, pior, pejorativa em relação à religião, às festas, às
danças, às artes de cura etc, que tivessem raízes africanas. Mesmo os modos de
vestir, andar, conversar e rir eram ridicularizados. Havia a preocupação de
transformar o indivíduo pobre num homem novo, diferente do “atrasado” período
da escravidão, um brasileiro que pudesse transformar o país numa potência
econômica e com valores e costumes próprios de um fantasioso paradigma
europeu(12).
O incentivo
à imigração de
indivíduos do velho
continente, para além
da necessidade de mão de obra barata, resultou dessa proposta(13). Os
valores em torno do trabalhadores trazidos de lá e a miscigenação destes com os
brasileiros eram, para cientistas e políticos, importantes elementos de
transformação social e cultural. Outros
acreditavam, no entanto,
que enquanto essa
mudança não se concretizasse, somente a polícia, a
mudança nas leis (a perseguição à vadiagem e à capoeira, por exemplo), a
classificação dos indivíduos e outras formas de coerção poderiam forçar o
caminho para a constituição de uma nova realidade(14). No caso da Marinha,
oficiais acreditavam sobretudo no uso de castigos físicos para mudar o
comportamento de marinheiros, tal e qual gerações de oficiais
militares fizeram desde
o século XIX.
Para o então
tenente José Eduardo de Macedo
Soares,
"A
oficialidade da Marinha sempre foi, ao menos, uma parte das mais escolhidas da
alta sociedade do Brasil; por que ela merecerá menos crédito quando afirma a
imprescindível necessidade do castigo do que indignos políticos que advogam os
próprios inconscientes interesses explorando uma falsa piedade pelo negro boçal
que mata e rouba? Modificai a situação das guarnições: é o dever da política
que legisla e do governo, e depois dai largas ao humanitarismo. Enquanto a
guarnição for o esgoto da sociedade, a disciplina, a ordem e a segurança têm os
seus direitos e a chibata o seu lugar".15
Essa
posição intransigente e preconceituosa marcou boa parte dos oficiais da Marinha
de Guerra na virada do século XIX para o século XX. Acreditavam que aqueles marinheiros,
sobretudo negros, só poderiam entender suas ordens e redimirem-se dos seus
costumes através do castigo físico e de outras punições semelhantes, mesmo
sabendo que a maior parte daqueles marinheiros não estivesse ali por suas
próprias vontades, sendo forçados pela polícia, juízes de órfãos, mães e pais a
servirem por nove a quinze anos de suas vidas; período em
que receberiam salários
ínfimos, viveriam nos
próprios navios, enfrentariam
conflitos com colegas avessos à disciplina e estariam submetidos à chibata caso
incorressem em faltas disciplinares.
Há
casos de marinheiros açoitados por quinhentas e até oitocentas chibatadas –
pasmem – num
único dia! Mesmo
aprendizes, garotos e
rapazes, como vimos, recebiam
castigos. As duas
legislações disciplinares existentes no
período permitiam isso,
tanto nos Artigos
de Guerra como
nos Códigos Penal e Militar da
Armada (que substituiu o primeiro com o advento da República). Os limites de
lanhadas de chibata eram geralmente ultrapassados e, depois, os mesmos
responsáveis por essa péssima conduta omitiam ou deturpavam os 17 registros.
Uma carta do cirurgião Carlos de Barros Raja Gabaglia ao senador Rui Barbosa
nos mostra isso(16). Como todo médico a bordo, tinha a responsabilidade também de
verificar se o castigado aguentaria mais pancadas na hora do castigo, e mesmo a
possibilidade de restabelecimento do indivíduo após aquelas torturas. Carlos
Gabaglia, como pude notar em sua caderneta, tivera extensa experiência nas
unidades da Armada, convivendo com diversos oficiais comandantes. Segundo o
cirurgião,
“Tão
generalizado está o deprimente hábito que comandantes de merecimeto não se
envergonham de anotar nos livros de castigo sinais convencionais a fim de –
impunemente – iludir
a lei; por
exemplo – onde
se lê 4
horas de golilha ou
6 horas de
barra aplica-se certo
número de chibatadas.
[...] Presenciei o castigo de um foguista com oitocentas chibatadas, de
uma só vez; – Sei que aprendiz marinheiro tem sido castigado com cento e vinte
e cinco bolos, de uma feita”.
Nota-se
que os marinheiros revoltados em 1910 reclamavam com razão dos oficiais
rigorosos demais, e começamos a ver que faz sentido a reivindicação de
retirá-los de bordo dos navios. Oficiais como esses eram um terror na vida
de qualquer marinheiro,
mesmo aquele que
fosse de bom
comportamento e por qualquer erro, o mínimo que fosse, recebesse
terríveis lanhadas de chibata.
Em qualquer caso,
aquele que sofrera
o castigo não tinha a
quem reclamar pelos excessos do superior, por ser o militarismo altamente
hierárquico, produzindo um distanciamento entre as diferentes patentes, ao
impedir que um marinheiro inconformado se dirigisse a um oficial superior
àquele que o
comandava. Em minhas
pesquisas só encontrei
um caso de oficial
processado, o capitão
José Cândido Guillobel,
por excessos de
castigo, que foi denunciado pelo comandante da fragata que perguntara a
razão daquela punição. Mesmo assim o oficial processado foi somente “advertido”
e chegou aos mais altos cargos da marinha ao longo da sua carreira militar(17).
Os índices
de deserção, obviamente,
eram altíssimos. Havia
casos de homens que desertavam
por doze vezes. Não adiantava prendê-los novamente: na primeira oportunidade,
largavam a farda e se metiam em mais uma fuga das Forças Armadas. A situação
era tão grave que as autoridades decidiram mudar o código militar e aplicar
castigos físicos, antes da prisão por meses, como ocorria anteriormente.
Outra
relação que podemos fazer entre o proposto pelos marinheiros revoltados em
1910, os testemunhos do médico Raja Gabaglia e do processo envolvendo o oficial
José Cândido Guillobel é a mudança no Código Penal e Militar da Armada. Este
permitia o uso de castigos físicos passados 22 anos do fim da escravidão,
apesar de a primeira Constituição do país proibir torturas e castigos físicos.
Era um contrassenso ao espírito republicano defendido por seus mais fervorosos
representantes, como Rui Barbosa e tantos outros. A existência do código,
enfim, dava aos oficiais que excediam nas punições o instrumento necessário
para castigar seus comandados, e a superioridade na hierarquia militar
permitia-lhes o acesso aos livros de castigos, nos quais, de forma criminosa,
omitiam seus excessos ou redigiam falsas declarações de punições brandas no
lugar de centenas de pancadas.
Mas
ainda falta entender um pouco mais os sentidos do castigo físico e sua relação
com uma das reivindicações dos amotinados em 1910: a “educação” para
os marinheiros indisciplinados. Só
assim também poderá
ficar clara a razão de os castigos corporais permanecerem por décadas
sem algum tipo de contestação por parte dos marinheiros. Vejamos, então, o
significado desses castigos para os oficiais.
A
responsabilidade pelo navio e pela tripulação repousava sobre o comandante e,
em menor grau, sobre seus oficiais auxiliares. Eles tinham de tomar as medidas
necessárias para manter a limpeza da embarcação, a boa conservação, a
lubrificação dos armamentos,
a alimentação da
tripulação, o bom comportamento daqueles homens do mar etc. Caso contrário,
havia regulamentos militares que
puniam os próprios
oficiais se esses
cuidados não fossem tomados. Para isso, o trabalho exercido pelos marinheiros
era fundamental. Os oficiais estavam cientes dessa dependência e tentavam de
formas diferenciadas conter
os ânimos dos
marinheiros, fazendo-os concentrarem-se todo
o tempo em
suas obrigações. A
“correção” de qualquer hábito não condizente com os
princípios militares havia de ser conquistada por conselhos, advertências e,
mais frequentemente, pelo uso da chibata e outros castigos semelhantes.
Além
disso, os oficiais comandantes tinham de garantir a ordem hierárquica. Na
visão deles, fincar
seu poder mesmo
que através de
castigos se veros era
uma conduta corriqueira
e necessária. Havia
pouca menção a formas
diferenciadas de mudar
o comportamento de
marinheiros indisciplinados e que
não se acertavam com a vida militar. Somente no início do século XX começaram a
implantar mudanças, procurando dar incentivos ao bom comportamento, como
cursos, promoção e aumento de salário. Antes disso, o castigo físico era o
recurso mais utilizado. Porém, havia grande resistência dos oficiais
comandantes em largar as antigas práticas de punição. Era como se fosse o
recurso mais confiável e eficaz para dominar marinheiros indisciplinados. O
problema é que marinheiros de bom comportamento poderiam ser envolvidos num
conflito qualquer e castigados sumariamente juntos àqueles conhecidos
indisciplinados.
Gostaria
de ressalvar que não estou pretendendo criar dois grupos de marinheiros, divididos
entre os “bons”
e os “maus”.
Muito pelo contrário. Disciplinados ou não, qualquer um
desses pode ter promovido indisciplinas nas ruas ou nas embarcações. E pude
averiguar isso nas dezenas de processos criminais que li, julgados entre 1860 e
1910. Os marinheiros que desejavam seguir carreira ou cumprir o tempo de
serviço sem maiores problemas sabiam que a vontade do comandante estava acima
de tudo. Por isso criavam meios pelos quais pudessem dar largas aos seus
costumes e valores desde que não desagradassem
seu superior. Não
precisaria deixar de
visitar a namorada, parar de frequentar as casas de
bebida, os ajuntamentos em torno do jogo a dinheiro ou de parceiros da
capoeira, de ir a um prostíbulo, de praticar “atos imorais” etc. Na verdade,
tudo isso podia acontecer desde que não provocasse distúrbios a bordo,
desorganizasse as turmas das fainas, causasse baixas na guarnição por ferimento
ou morte e gerasse prejuízos na embarcação, armas e demais peças – fosse por
furto, roubo, mau uso ou má conservação. Mas, acima de tudo, o marinheiro nunca
deveria pôr-se em evidência nem testar o poder do comandante e seus auxiliares
mais diretos (oficiais e sargentos): tudo tinha de ser a extensão da vontade do
principal oficial a bordo (ou fazer parecer que isso acontecia).
Com o
passar do tempo, o marinheiro mais novo aprendia as normas escritas
(regulamentos, regimentos, códigos) e aquelas verbalizadas pelo comandante nas
formaturas, ou até reveladas nas atitudes, iniciativas, princípios e posições
demonstradas pelo mais
alto oficial a
bordo diante dos
diversos problemas enfrentados diariamente.
Essas observações e
mesmo a troca
de informações nas rodas de marinheiros eram importantes instrumentos
para que qualquer um deles não violasse a vontade do comandante e corresse o
risco de ser punido; saber trilhar nesse campo era crucial para que o
marinheiro conseguisse manter seus
costumes e valores.
Contudo, para aprender
esse delicado caminho, a experiência a bordo era fundamental.
Por mais
que alguém tentasse
manter distância, havia
as altercações com indivíduos
truculentos, que não aprendiam a conviver com o poder do oficial e suas
vontades, e prestavam pouca atenção às normas: se quisessem furtar um objeto,
esbofetear aquele que por descuido lhe pisou o pé, currar um grumete, beber até
cair, arrumar confusão com a polícia e até falar mal da mãe do oficial e tantas
outras indisciplinas e crimes, esses homens fariam o necessário para
realizá-las. Eram ímãs para confusões, atraíam de tudo, de brigas a
insubordinação. Assim, aquele outro marinheiro que compreendia o domínio do
comandante e aprendia a conviver com ele, sem deixar de realizar o que desejava
fazer, tinha também de saber lidar com indivíduos intragáveis, observar suas
formas de agir para manter-se afastado deles, o máximo possível.
Homens
como esses eram um perigo para sua integridade física e moral, além de colocar
em risco o sonho da ascensão hierárquica. Dessa forma, podemos entender o que
levou à existência dos castigos corporais sem contestação durante todo o
Império. Mas, com a República, tudo mudou.
No empenho
de evitar contragolpes,
o governo provisório
(1889-1891) procurou assegurar o novo regime de qualquer ameaça. Uma
delas foi animar os marinheiros para a causa republicana. No segundo dia do
novo regime, em 16 de novembro, seu terceiro decreto extinguiu os castigos
corporais na Armada e reduziu o tempo de serviço militar. Tal notícia alegrou
os marinheiros, mas incomodou o oficialato. Afinal, aquele decreto punha fim a
uma ordem militar na qual todos sabiam seus lugares e determinava os riscos a
assumir caso fugissem às regras impostas por essa mesma ordem. Com as mudanças
implementadas pela República, tudo deveria ser diferente, uma nova ordem teria
de ser criada entre as partes e os oficiais haveriam de encontrar outros instrumentos
de coerção a fim de garantir a hierarquia e a disciplina militares – sem o uso
de castigos físicos. Essa situação provocou a reação dos oficiais que, de tanto
pressionarem, levaram o mesmo governo provisório a baixar outro decreto, cinco
meses depois, retomando os castigos corporais.
A situação
piorou para os
marinheiros. Como uma
ressaca, a alegria do fim dos castigos encontrou pela
frente o aborrecimento do dia seguinte, no caso, o retorno da chibata e outras
punições semelhantes. No entanto, se no Império o indisciplinado era liberado
de qualquer outra punição após o castigo, com a legislação criada sob pressão
dos oficiais, esse mesmo homem tinha seus vencimentos reduzidos à metade, era
rebaixado de posto e, entre outras
punições, havia de
permanecer detido na
embarcação enquanto não desse provas sobejas ao comandante de
estar redimido – o que poderia levar meses. Não foi à toa que, a partir desse
momento, comecei a encontrar tentativas de revolta ou revolta em vasos de
guerra da Armada em estados como Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Rio de
Janeiro. Nesses primeiros momentos, ainda estavam muito ligadas às mudanças do
início da República e reclamavam das novas formas de punição(18). A de 1910
buscava muito mais do que isso. Era uma proposta de mudança para a Marinha de
Guerra, que oficiais e governo não
ouviram. Faltavam canais de
comunicação e mesmo
direitos políticos aos marinheiros, impedidos de votar pela Constituição
de 1891.
A
revolta de 1910
A Marinha
iniciara um projeto de reaparelhamento naval revolucionário em 1904(19). Foi a
oportunidade esperada por décadas. Oficiais reclamavam das péssimas condições
dos navios existentes na época e mesmo da reposição de outros destruídos
durante a Revolta da Armada, em 1893. O projeto transformaria em realidade um
objetivo reclamado há muito tempo.
As 24
embarcações foram construídas na Inglaterra e entre elas estavam os poderosos
encouraçados Minas Gerais e São Paulo,
armamentos que geraram inveja de outras marinhas sul-americanas e mesmo temor
diante daquele poderio bélico. A alegria da chegada dessas modernas embarcações
nas águas da baía da Guanabara estava estampada nas manchetes dos jornais e na
concorrência do público por um lugar possível de avistá-las.
Não
sabiam todos que um grupo de marinheiros reunia-se regularmente para exigir
mudanças na Marinha
de Guerra. Entendiam
a importância dos navios, mas não haviam sido perguntados
acerca dos seus interesses, das suas esperanças
e das dificuldades
por que passavam
no cotidiano da
Armada. Havia muito que reclamar, mas não conseguiam ser ouvidos por
seus superiores, muito menos por representantes do governo ou do Poder
Legislativo.
Reuniam-se em lugares diferentes da cidade e mesmo quando alguns estiveram na Inglaterra. A organização estava sendo tão benfeita que alguns homens já sabiam suas funções meses antes de estourar a revolta. Um deles, inclusive, ficaria responsável por comandar uma “emboscada” contra o presidente. Parentes já se pronunciavam por meio de cartas aos marinheiros, implorando que desistissem de tal atitude. O marinheiro João Cândido, o líder da revolta, disse posteriormente que as reuniões do “comitê” duraram aproximadamente dois anos. A revolta paulatinamente tomava corpo(20).
Numa viagem ao Chile, na comemoração da independência daquele país, o sinal mais claro do movimento pôde ser lido pelo oficial Alberto Durão. Uma carta assinada por “Mão Negra”, escrita pelo marinheiro Francisco Dias Martins, o ameaçava e a todos os oficiais a bordo(21). Dizia para notarem que os marinheiros muito se esforçavam para manter o navio limpo e em ordem, que ele mesmo não era salteador nem bandido, e que fora transformado em “escravo de oficiais da marinha”. E ameaçava a todos os oficiais, aconselhando-os a lembrarem-se da “esquadra no Báltico”; uma ligação direta com a revolta do encouraçado Potemkin, que estourou em 1905. A revolta russa despertara neles o “silêncio” em que se encontravam e que por isso “também marchavam em silêncio”. E terminou a carta anônima com o seguinte: “cuidado!... não queira deixar de ver sua família [...] deixe de carrancismo, tenha pena de si e de seus colegas, que nós não temos nada a perder.”22. Alberto Durão e o comandante não levaram muito a sério o teor da carta, não sabiam que a revolta já estava sendo tramada. Mas quando publicaram essa carta e seu relatório no Jornal do Commercio, em 2 de dezembro de 1910, a interpretação foi outra: “Hoje, seria o caso de acreditar ser um apelo justo, feito às autoridades contra a chibata!”.23
A
organização havia planejado a revolta para o dia 15 de novembro de 1910, data
da posse do novo presidente da República, o Marechal Hermes da Fonseca. Por
razões ainda pouco explicadas, adiaram o intento. No entanto, o castigo
de duzentas chibatadas
no marinheiro Marcelino,
ainda naquela semana, foi o sinal
de que o movimento havia de ter início.
Na noite
de 22 de
novembro, o comandante
do Minas Gerais, Batista das
Neves, participou do jantar a bordo de um navio de guerra francês que
visitava o país.
Após as despedidas
de praxe, retornou
ao Minas com um grupo de oficiais. Pensando ter uma noite
tranquila a bordo, subiu as escadas que davam acesso ao convés. Conversou ainda
com seus auxiliares, mas teve interrompida
a prosa por
gritos de “Viva
a liberdade” e
“Abaixo a chibata”. Armou-se e procurou enfrentar seus
oponentes junto com seus oficiais e mais alguns marinheiros que,
presumivelmente, remaram o barco que os trouxera do jantar. Batista das Neves e
seus auxiliares começaram a cair ensanguentados enquanto outros fugiam ante a
fúria dos amotinados. O aviso do “Mão Negra” tornara-se realidade.
Imediatamente
outros três navios foram tomados por seus respectivos marinheiros: São Paulo,
Deodoro e Bahia. Tiros vararam os céus e acertaram a cidade,
vitimando uma mãe
e seus dois
filhos. Os passageiros
das barcas que faziam a travessia
entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói passaram a ouvir os gritos e
perceberem o movimento desusado a bordo das grandes embarcações. A capital
federal da República, centro político, financeiro e industrial do país, foi
acordada. O novo presidente foi surpreendido com as notícias enquanto
participava de uma festa num clube, teve de retornar às pressas ao Palácio do
Catete. Políticos começaram as reuniões para tentar entender o que ocorria nas
águas da baía da Guanabara.
As
suspeitas recaíam sobre a oposição ao novo presidente, que enfrentara uma
campanha recheada de conflitos entre as partes. O pleito entre civilistas,
que apoiavam a
candidatura do senador
baiano Rui Barbosa,
e militaristas, que apoiavam
o marechal, teve
momentos de quebra-quebras e
discussões ríspidas nas ruas e nas folhas da cidade(24). A dúvida era se
aquele movimento teria ou não “motivação política”, ou seja, se alguém da
oposição influenciara os marinheiros para que tomassem o poder por meio de um
golpe.
Na
manhã seguinte, no entanto, quando os jornais já estampavam as primeiras
notícias sobre a revolta, puderam pôr de lado a suspeita, com a declaração dos
amotinados que aquele
era um movimento
que reclamava das péssimas
condições de trabalho na Marinha de Guerra. Foi o suficiente para que políticos
procurassem mais informações sobre o assunto, e a imprensa carioca revelasse
castigos desumanos e injustos sobre as costas dos marinheiros.
Alguns
jornais tiveram duas e até três edições num único dia, tal a sede por informações
de pessoas preocupadas
em saber se
algum daqueles tiros alcançaria suas casas ou suas próprias
cabeças. Moradores fugiam do centro da
cidade para áreas
mais distantes, como
a Tijuca e
outros subúrbios. Os marinheiros, enquanto isso, mantinham-se
em posição de guerra, com lenços vermelhos nos pescoços, a bandeira da mesma
cor hasteada, além de pendurar uma faixa com os dizeres “Ordem e Liberdade”.
O
ex-tenente e deputado federal José Carlos de Carvalho foi escolhido para
intermediar conversações com os amotinados. Pegou uma barca e zarpou para um
dos navios(25). Lá chegando, pôde perceber que o navio encontrava-se
completamente limpo, os camarotes permaneciam fechados e protegidos. As
garrafas de aguardente
foram jogadas ao
mar. Era um navio
com exemplar manutenção e
preparado para bombardear
a cidade. Foi-lhe
apresentado o marinheiro
Marcelino, que recebera os golpes de chibata dias antes. O horror dessa visão
foi descrita pelo deputado logo que chegou à Câmara, dizendo que as costas de
Marcelino pareciam as de uma tainha “pronta para ser salgada”. Foi nessa mesma
oportunidade que o deputado também relatou as reivindicações dos marinheiros,
muito bem descritas em uma lauda. O fim dos castigos físicos no código
disciplinar, a retirada de oficiais “incompetentes”, o aumento do soldo,
a educação para
os marinheiros indisciplinados e a mudança
na tabela de serviços.
Os
debates sobre o assunto foram iniciados na Câmara, enquanto o presidente
reunia-se com oficiais da Marinha e do Exército para saber se havia
possibilidade de contra-ataque
– plano abortado
pelo poder das
imensas embarcações, que
poderiam arrasar a
cidade e até
mesmo o Palácio
do Catete. Na Câmara as discussões eram tensas entre
membros da oposição e da situação. De um lado, o senador Pinheiro Machado
defendendo que o governo só ouvisse os marinheiros quando estes entregassem as
armas; e, de outro, o senador Rui Barbosa procurando defender a posição dos
amotinados. Havia uma clara tentativa de pôr ou retirar o governo dos ataques
que receberia, por ter permitido que um grupo de marinheiros se apoderasse das
mais possantes armas navais existentes na América do Sul. Folhas de outros
estados, mas também jornais portugueses, ingleses, franceses e americanos já
reservavam parte das suas primeiras páginas ao
assunto. Interesses econômicos,
políticos e bélicos
estavam em jogo
internacionalmente. O Brasil tinha a maior produção mundial de café,
abastecendo milhões de xícaras em diversos países. Devia vultosos empréstimos
conseguidos naquelas décadas. Adquiriu material bélico que modificou a política
armamentista no continente sul-americano. Por tudo isso, informações como essas
eram consumidas no exterior, no qual investidores e políticos aguardavam
apreensivos a posição do novo governo brasileiro, considerada fraca nos dias
seguintes.
Os
marinheiros permaneceram aproximadamente quatro dias navegando entre a baía da
Guanabara e o mar aberto, não tão distante, somente por prevenção de um contra-ataque
militar. Enviavam telegramas
ameaçadores no início e,
aos poucos, foram
descrevendo a situação
em que se
encontravam. Cronistas como Gilberto Amado elogiavam a perícia
demonstrada pelos marinheiros no
comando daquelas armas
de guerra, o
que incomodava violentamente os
oficiais da Marinha(26). Perguntavam como aqueles homens tão educados, que falavam mais
de uma língua, visitavam autoridades em viagens internacionais e pertenciam a
famílias tradicionais, poderiam castigar marinheiros como escravos. Charges tentavam
trazer algum humor
àqueles dias tão angustiantes,
mas acabavam reforçando
ainda mais a
visão de que a
Marinha funcionava como
uma fazenda de
escravos, referendando o dito
por Francisco Dias Martins, o “Mão Negra”, ao imediato Alberto Durão havia
quase três meses.
A
solução encontrada no Congresso Nacional foi dar a anistia aos envolvidos,
prometendo avaliar a situação quando esses entregassem as armas. Foi uma
proposta razoável aos amotinados. Crimes de insubordinação e revolta, previstos
no Código Penal da Armada, não recairiam sobre seus ombros, e não
teriam de responder
a processo algum,
cujas penas previam
pena de morte ou prisão por
muitos anos. Parece que a proposta encantou os marinheiros. De uma vez
conseguiram que o governo, parlamentares, jornalistas, cronistas e
a população voltassem
seus olhos e
ouvidos para os
navios, e pudessem finalmente
perceber o que havia de ruim em suas vidas e a razão de não se empolgarem tanto
com o projeto de reaparelhamento naval chefiado pelo alto escalão da Marinha de
Guerra. Boa parte dos homens letrados expôs sua visão e se mostrava estupefata
com o que ocorria na Marinha, defendendo a posição dos marinheiros e até
ridicularizando oficiais. Tudo isso já fora uma conquista dos
marinheiros, que acreditaram
que seus superiores
não mais lançariam mão dos
castigos após aquela marcante revolta. Foi assim que, em 26 de novembro, logo
após o projeto de anistia ser votado favoravelmente aos marinheiros, esses
entregaram os navios aos seus novos comandantes.
Dia
muito festivo, por sinal, quando jornalistas e fotógrafos invadiram os navios e
iniciaram o registro de um dia raro na História do Brasil. Entrevistavam toda
sorte de marinheiros, principalmente João Cândido, que teve seu nome estampado
em todas as matérias desde o primeiro dia do levante. Fotos dele lendo o
decreto da anistia no Diário Oficial representaram um troféu para os
fotógrafos: era como um símbolo da vitória dos amotinados, que forçaram
parlamentares e o próprio presidente a se render à causa assinando a lei. Outra
foto de suma importância é a passagem do comando ao novo comandante, feito,
imaginem, por um simples marinheiro. O comum, no militarismo, é um tenente, um
capitão, mas nunca um simples marinheiro, que participara de um movimento que
levara à morte seus colegas na noite de 22 de novembro. Uma das charges pode,
até mesmo, ter sido feita com base nessa foto e numa declaração do jornal
Correio da Manhã de que o líder comandava a revolta como um almirante. Na capa
daquela edição da revista satírica Careta, João Cândido está vestido de
almirante tendo no peito uma medalha com os dizeres “23 de novembro”.
Fotografia de 1910 mostrando marinheiros que participaram da revolta, ao lado de jornalistas. João Cândido é o homem alto à esquerda, que sorri para a câmera. |
Contudo, o dito almirante aparece com traços de um chimpanzé, tentando ridicularizar o líder da revolta. Prova do racismo presente nas matérias de jornais, como veremos mais à frente. Algo risível para a época: um almirante negro, mais parecido com um macaco. Na manhã seguinte, porém, tudo havia de retornar à normalidade... Algo impossível pela tensão que tomava cada um a bordo. Oficiais sabiam do perigo que aqueles marinheiros representavam: não eram mais vistos como simples comandados e indisciplinados, mas organizadores de um evento, conscientes dos seus interesses, e unidos pela experiência de anos a bordo e mesmo pela vitória alcançada com a revolta. Os marinheiros também sabiam da conquista, mas teriam de pagar o preço de conviver com um grupo de homens que havia sido exposto publicamente por seus atos e muito criticado na imprensa do Brasil e do exterior. A resposta dos oficiais não demorou tanto assim. Naquele mesmo dia foi dada a ordem para que os canhões fossem desarmados, extinguindo a possibilidade de uma nova revolta que ameaçasse a cidade. No dia 28 de novembro mais mudanças ocorreram, sendo expulsos dezenas e depois centenas de marinheiros. O senador Rui Barbosa subiu à tribuna e condenou tal posição, dizendo ser aquele um aviltante desrespeito ao decreto de anistia(27). A situação chegou ao limite. Marinheiros eram presos em terra e levados à polícia ou aos quartéis do Exército.
Pequenos bilhetes
aos antigos líderes
da revolta possivelmente
foram interceptados pelos oficiais. E a pergunta era direta: “João
Cândido, a revolta continua?” Na noite
de 9 de
dezembro de 1910,
o movimento no
navio de guerra Rio Grande do Sul
deu os primeiros sinais de que algo estava para acontecer. Antes
que aqueles movimentos desusados
se tornassem uma
revolta, seus oficiais decidiram fugir. E mais tarde o cabo Piaba
retomou o movimento no Batalhão Naval da Ilha das Cobras. Novamente gritos
foram ouvidos e o estampido dos tiros ecoou pela cidade. Canhões do exército
foram espalhados pelo litoral e começaram a bombardear a ilha, que respondia
com os armamentos disponíveis – muito próximos aos do Exército. Dessa vez, no
entanto, os navios do primeiro movimento não tomaram partido e ficaram no meio
do fogo cruzado sem nada fazer. Nesse momento, seus oficiais também se
retiraram. Os antigos líderes preferiram ficar ao lado do governo, demonstrando
total falta de sintonia com os marinheiros e fuzileiros navais da Ilha das
Cobras. Provavelmente procuraram garantir o direito alcançado com a anistia.
Como alvo fixo e sem capacidade de deslocamento, os amotinados renderam-se às
forças do governo. Começava aí a tortura de todos os envolvidos.
As
prisões da cidade, civis e militares, ficaram abarrotadas de marinheiros, tanto
com os revoltados de novembro como os de dezembro. Foi decretado o estado
de sítio, fechando-se
o Congresso e
suspendendo direitos. Durante um
mês o governo
teve toda a
liberdade de perseguir,
extraditar e deportar qualquer um. Na noite
de Natal, o
paquete Satélite transformou-se num tipo de navio negreiro: mais de cem
marinheiros, e mais aproximadamente cento e cinquenta detentos e detentas da
Casa de Detenção, foram postos no navio em direção ao Acre para serem
oferecidos e oferecidas como mão de obra nos seringais e na construção da
Ferrovia Madeira-Mamoré(28). Alguns marinheiros foram fuzilados a bordo por
suspeita de tramarem um levante a bordo.
João Cândido
e mais dezessete
marinheiros foram amontoados
numa estreita cela da Ilha das Cobras, por onde a luz e o ar tinham
dificuldade de penetrar. Naquela noite,
o comandante do
Batalhão Naval levou
consigo a chave da
cela, enquanto soldados
jogavam cal diluída
por baixo do
portão a fim de
desinfetar o lugar.
Quando a água
evaporou, a cal
transformou-se novamente em pó, penetrando as narinas dos marinheiros,
que gritavam para que a porta fosse aberta. Aos poucos, segundo João Cândido,
os gritos foram sendo silenciados, e
dezesseis deles morreram
asfixiados. Covardemente, o médico registrou “insolação” como causa
mortis. Sobraram somente o líder da revolta e mais um marinheiro.
João
Cândido ainda permaneceu preso por dois anos, incomunicável, tomando-o grave
depressão. Foi internado no hospital psiquiátrico, por ouvir os gritos dos seus
falecidos colegas e ter visões. Retornou ao presídio até ser liberto e
desligado da Marinha, com o auxílio de Evaristo de Moraes, que o defendeu do
processo gerado contra o almirante negro(29).
Uma
forma audaz de fazer política
Muitos
dos nossos professores da rede pública e mesmo do meio universitário
desconhecem a dimensão da revolta na época e o peso político que ela nos traz
até os dias atuais. É dado como mais um capítulo a ser trabalhado em sala de
aula, como a luta contra os castigos corporais. E isso, realmente, é uma
pequena parte dos acontecimentos.
Se a
revolta ocorresse hoje, os marinheiros estariam dominando navios movidos por
energia nuclear, com mísseis e canhões que alcançariam alvos a centenas de quilômetros,
como vimos recentemente em guerras sangrentas durante as
intervenções das marinhas
norte-americana, francesa, inglesa
e outras. Obviamente, em 1910 o poder dos armamentos era mínimo
comparado aos tempos
atuais, mas tinha
capacidade de arrasar
uma cidade e de
enfrentar a maior
parte dos navios
existentes nas armadas
mais poderosas daquele momento,
fosse a norte-americana, a
inglesa, a alemã
e outras. O poder
era tão grande
que o chanceler
argentino Montes de
Oca gerou uma crise diplomática com o Brasil, devido ao
temor por essa aquisição. Para ele, “bastaria
um só dos
encouraçados encomendados pelo
Brasil para destruir toda a esquadra argentina e
chilena”30. Propunha inclusive que o
Brasil negociasse um dos navios com a Argentina a fim de equilibrar o
poder entre as duas nações.
Então,
podemos nos perguntar: como os marinheiros conseguiram dominar essas incríveis
armas de guerra? E mais, quantas revoltas na história do Brasil nascidas entre
os membros das camadas mais pobres chegaram a esse grau de
organização? Não houve
um discurso ideologizado
por trás, como fizera
o então Partido
Comunista do Brasil
(PCB) ou mesmo
o movimento anarquista,
levantando uma possível massa de trabalhadores. Não encontramos um
almirante ou qualquer
oficial militar aproveitando-se da
situação para eclodir um ato golpista. Também não estavam presentes nas
fontes qualquer político ou
intelectual manobrando indivíduos
pobres a destruírem
e atearem fogo a bondes por qualquer interesse. Havia, na revolta, um
grupo de homens pobres, mormente negros, que entre si, somente entre si,
organizou-se em reuniões conspiratórias para pôr fim a um regime de trabalho
que não mais desejavam para
suas vidas; organização
essa que surpreendeu
a todos no Brasil
e no exterior,
pela capacidade de
os amotinados terem
bem claro os seus intentos, de
tomarem o comando daquelas moderníssimas armas de guerra; da determinação, sem
receios, apresentada naqueles dias de novembro e dezembro de 1910.
Homens oriundos
de famílias negras
e pobres, nascidos
entre as décadas de 1880 e 1890, quando o fim da
escravidão e o início da República levaram a transformações políticas,
econômicas e sociais imensas. Representavam
uma geração que
não mais desejava
viver numa fazenda
de escravos do meio rural ou
mesmo nas mais deploráveis condições de trabalho urbano reservadas a egressos
do cativeiro ou a filhos de ex-escravos e livres. Teriam de vencer o racismo
propalado em prosa e verso em contos, folhetins, charges, reportagens
jornalísticas, memórias e nas teses científicas vigentes ao longo do período.
Romances como os de Júlia Lopes de Almeida, uma escritora do início do século
XX, cujo discurso racista é fortíssimo em folhetins, crônicas e livros, são
bons exemplos disso(31). Teriam de vencer uma Marinha de Guerra composta por
oficiais brancos e que não aceitavam negros como seus iguais. Para os negros
estavam os postos de marinheiro a sargento e nem um passo a mais
na carreira militar,
como noticiou o
jornal O Estado de
S. Paulo, em junho de 1911:
“Um
desses grupos, o menos numeroso, é constituído pela oficialidade. O outro
grupo, muito mais numeroso, constitui o proletário de blusa ou de farda, a
gente que não tem direito a sonhar com os galões e vantagens de oficial. O
oficial nunca foi marinheiro. O marinheiro nunca poderá ser oficial. [...] Para
vir a
ser oficial é
preciso pertencer à
burguesia abastada, ter
dinheiro para custear a conquista
do galão na Escola Naval e ser o menos mestiço ou o mais branco possível”.32
Outro
exemplo do racismo na Marinha vem novamente do tenente José Eduardo Macedo
Soares. Em seu Política versus Marinha, Soares dizia que:
“[...]
a primeira impressão que produz uma guarnição brasileira é a da decadência e
incapacidade física. Os
negros são raquíticos,
mal encarados com todos os signos deprimentes das mais
atrasadas nações africanas. As outras raças submetem-se à influência do meio
criado pelos negros sempre em maioria.
Profundamente alheios a
qualquer noção de
conforto, os nossos
marinheiros vestem-se mal, não sabem comer, não sabem dormir.
Imprevidentes e preguiçosos, eles trazem da raça a tara da incapacidade de
progredir”.33
Sem
demonstrar preocupação com a imprensa — afinal, escrevia sob a capa do
anonimato, mas assinava como um “oficial”, representando a classe dos “superiores”
—, o autor
defendia que o
castigo corporal antes
de tudo era uma “necessidade”,
uma forma de combater tantos marinheiros “viciosos” nos conveses
e porões das
embarcações. Por isso,
Soares indignava-se com políticos que durante a revolta
criticaram os oficiais pela prática de castigos “desumanos”, que lembravam a
escravidão, e finalmente por terem anistiado os assassinos de Batista das Neves
e outros “briosos” oficiais que tombaram cumprindo seus deveres em nome da
ordem e da disciplina. Assim, ele expunha todo o preconceito racial e
imediatismo explicativo em poucas linhas, e exigia a demissão dos negros da
Marinha. Como nos ensina Carlos Hasenbalg, “a tenacidade da estratificação
racial e as novas fontes de discriminação após
o fim do
escravismo devem ser
procuradas nos variados
interesses de grupos brancos que
obtêm vantagens da estratificação racial” 34.
Além do
racismo, os marinheiros teriam de se fazer ouvidos pelas autoridades da
Marinha de Guerra
e mesmo pelos
representantes do Estado. Tentaram contato com estes, mas não
conseguiram alcançar o desejado. Não restavam muitas alternativas aos
marinheiros para fazer valer suas reivindicações. O grito, o barulho, a ameaça,
a força, a união e a decisão para vencer os castigos corporais, o salário
baixo, os oficiais que se excediam nas punições, o excesso de trabalho
acarretado pela compra das novas embarcações e o ambiente violento a bordo
teriam de ser extremamente vigorosos. Somente assim políticos e oficiais
poderosos, a maior parte deles racistas, ouviram, temeram por suas vidas e
sucumbiram ante a “coragem” do “marinheiro brasileiro”.
Por
essas razões a revolta revela o tamanho do seu impacto e serve, até os nossos
dias, de exemplo de luta, e a historiografia ainda precisa se conscientizar da
sua relevância política e histórica.
A
revolta entrou para a História
Podemos
dizer que a memória é um elemento importante da formação da identidade
individual ou coletiva,
e por isso
muitas vezes ela
pode ser usada, manipulada e
forçada ao esquecimento por ações de grupos, classes, governos e
instituições diversas(35). A
história da história
da Revolta da Chibata
reflete muito bem usos diversos da sua memória. Em seus 100 anos, a memória do
movimento de 1910 passou pelo surgimento do PCB, pelo regime de exceção do
Estado Novo, pela conscientização do racismo no Brasil, pelo golpe militar
de 1964, entre
outros. Nesses momentos
existiram disputas e usos da memória da revolta que devemos
buscar, mesmo que sumariamente. É uma forma de trazer ao presente reflexões
sobre a inserção desse acontecimento
em movimentos sociais
e partidários, em
projetos educacionais e na
luta por direitos. Tal inserção foi sucessivamente combatida, muitas vezes à
força, a
fim de apagar
ou distorcer uma
memória que incomodava,
e ainda incomoda, militares e
governantes.
Sucessivas tentativas
de levá-la ao
esquecimento foram arranjadas.
Jornalistas, intelectuais e militantes procuravam relembrar o feito
pelos marinheiros de 1910 nas décadas que se seguiram ao evento, sendo o
período do governo de Getúlio Vargas um dos mais ricos em matérias e textos.
Uma parte desses indivíduos era antifascista e filiada ou simpatizante do
movimento comunista. E a experiência do famoso jornalista gaúcho Aparício
Torelly, mais conhecido por Barão de Itararé, ilustra bem como militares e
políticos incentivavam o esquecimento da memória do feito de João Cândido e
seus colegas.
Já
dando provas de sua ligação com o comunismo, Torelly inaugurou o Jornal do
Povo, em 1934,
com uma série
de artigos sobre
João Cândido, próximo à
comemoração dos 25 anos do evento. Isso foi encarado como uma afronta à Marinha
de Guerra. Em represália, um grupo de oficiais invadiu a redação e o
sequestrou, levando-o para as bandas da então longínqua Barra da Tijuca, onde
teve seu cabelo cortado e passou vexames. Com o bom-humor de costume, Itararé
mandou afixar na porta do seu escritório: “Entre sem bater”36.
Em 1934
surgia o livro A revolta de João Cândido(37). No único exemplar que encontramos
existe uma anotação a lápis na folha de rosto afirmando que ele havia sido
impresso em Pelotas, e que Benedito Paulo, na verdade, era o pseudônimo do
médico Adão Manuel Pereira Nunes. Na introdução, o autor explicou que havia
escrito sobre a revolta, a fim de as classes pobres e oprimidas entenderem a
sua força.
“A luta
dos pequenos contra os grandes continua e ela há de ter o seu fim. Os
marinheiros e soldados, filhos do povo, sairão vitoriosos pelo determinismo
da história. E
além dos oficiais
amigos, aos batalhões
de terra se
ajuntarão camponeses e intelectuais,
sem cujo apoio
toda e qualquer
insubordinação nunca passará de uma aventura de fácil esmagamento, como
a que aconteceu em 1910”.38
O PCB,
que estava atuando
na clandestinidade durante
aquele período, mantinha-se
na oposição e
procurava arregimentar o
apoio das classes trabalhadoras para derrubar os
“governos burgueses”. Em 1931, Luiz Carlos Prestes escreveu uma carta aberta
aos soldados e marinheiros através de um discurso bem
próximo ao que
Adão Nunes havia
de utilizar anos
depois: “Voltem as suas
armas contra os
seus próprios chefes,
lacaios da burguesia e, organizando os seus conselhos,
fraternizem com os trabalhadores”39. A
semelhança dos discursos
revela a proximidade
de Adão Nunes
com a ideologia revolucionária
defendida pelo PCB. Além disso, Adão Nunes afirmava que revoltas isoladas, e aí
entra a Revolta da Chibata, nos meios militares não passariam de uma aventura
facilmente esmagada, daí a necessidade da união entre todas as classes pobres e
oprimidas.
A
revolta dos marinheiros de 1910, para ele, também teve conotações de
preconceito racial: “Eram os negros, mulatos, caboclos e brancos oprimidos, a
quem os republicanos
acenaram com a
igualdade, que se
revoltaram contra o espezinhamento da ala rica da raça branca”. Esse
trecho revela um relacionamento
maior entre o
racismo e a
revolta. Intelectuais e
militantes discutiam mais abertamente os problemas ocasionados pelo
racismo – década em que surgem a Frente Negra Brasileira (1931) e o livro de
Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala (1933)40. Esse discurso demonstra maior
sensibilidade com o racismo
na sociedade brasileira
e como ele
produzia prejuízos para a população negra. O autor de A revolta
de João Cândido queria utilizar essa história como instrumento de persuasão, a
fim de sensibilizar trabalhadores, soldados e marinheiros, brancos e negros,
para a causa revolucionária defendida pelo PCB.
A
relação entre o PCB e a revolta daria um capítulo à parte. No mesmo período
houve a tentativa do golpe conhecido por Intentona Comunista, quando foram
recolhidos panfletos conclamando marinheiros contra o governo getulista e
propagandeando uma revolução no país. No panfleto “Viva 22 de Novembro”,
assinado por “um
grupo de marinheiros
libertadores”, seus autores encontraram
na memória da
revolta uma forma
de envolver os homens
da baixa patente a se levantar contra o governo. E fechavam o texto com as
seguintes palavras de luta:
Pão e
Terra – O Governo Popular Nacional Revolucionário com o nosso querido e heróico
Luiz Carlos Prestes à frente!
Abaixo
o Integralismo, Política de Fome, Guerra e Revolução!!!
Viva os
Nossos Combativos Companheiros de 1910!!!
Viva 22
de Novembro!!!
Viva a
Revolução Nacional Libertadora!!!41
Se esse
panfleto foi distribuído
exatamente no dia
22 de novembro, seria véspera do levante em Natal e
dias depois (27) ao do Rio de Janeiro. Se esse grupo de marinheiros existia,
ele estava bastante informado do plano de ação tramado pelos membros da Aliança
Nacional Libertadora (ANL), e deviam estar seduzindo e arregimentando o maior
número possível de colegas para o combate.
A história
da Revolta dos Marinheiros de 1910 já não era somente uma “triste” lembrança
para os oficiais da Marinha de Guerra. João Cândido e a revolta tornam-se
símbolos, peças de uma memória coletiva que poderiam arregimentar forças de
pelo menos um segmento social importante em qualquer tentativa de revolução
armada: marinheiros e soldados das Forças Armadas. A história da revolta de
1910 tornara-se símbolo de uma causa. Não foi à toa que falar de João Cândido
ou da revolta durante o Estado Novo era motivo de severa repressão.
A
história do vexame vivido pelo Barão de Itararé foi lida pelo jornalista Edmar
Morel, que se perguntou: “um herói da ralé não podia ter história?”42. Essa
questão o levou a um ambicioso projeto, publicado finalmente pela Editora Irmãos
Pongetti, em 1958, sob o título A Revolta da Chibata, livro que ainda hoje
inspira atores, cineastas, carnavalescos, professores e o leitor comum.
Morel realizou vasta
e pioneira pesquisa
sobre o assunto:
jornais, revistas, processo
criminal, cartas, documentos cedidos por descendentes dos envolvidos e diversas
entrevistas tornaram seu livro um clássico sobre o assunto, que manteve a
memória da revolta até nossos dias. João Cândido concedeu entrevistas e reviu
os originais. Essa parceria pôde ser registrada em diversos eventos do
lançamento do livro e mesmo depois. Por conta dessa publicação, que tornou
popular a revolta, João Cândido passou a ser convidado para diversas atividades
e recebeu muitas homenagens no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. O livro
ainda recebeu diversos posfácios ao longo de suas cinco edições, sendo a última
póstuma e ampliada por seu neto, o historiador Marco Morel, com a autobiografia
que João Cândido escreveu ainda em 1912.
Às
vésperas do golpe militar de 1964, João Cândido esteve na assembleia dos marinheiros
da Associação de
Marinheiros e Fuzileiros
Navais do Brasil (AMFNB), no Sindicato dos
Metalúrgicos. Aqueles marinheiros mais novos viam no líder de 1910 um símbolo
de força e conquista, e o reverenciavam. Sinais dessa relação
foram os sucessivos
discursos lembrando o
feito dos marinheiros em 1910, na luta contra os
castigos desumanos e as péssimas condições de trabalho. João Cândido era sempre
lembrado como líder de um movimento que libertou gerações de marinheiros de
humilhações como a punição de chibata. Foram à casa do velho líder, na atual
Baixada Fluminense, levar um bolo no dia de seu aniversário. Isso tudo
rememorava uma história que oficiais da Marinha detestavam, como ocorreu durante
as matérias publicadas pelo Barão de Itararé e preocupava, e muito, civis e
militares descontentes com o governo João Goulart. Este pôs em andamento as
Reformas de Base recheadas de mudanças que abalariam estruturas de poder e
riqueza dos indivíduos mais abastados do país. E mesmo de organismos
internacionais, interessados nas riquezas brasileiras e na influência do país
no continente, caso o Brasil seguisse os exemplos de Cuba ou da China
comunista.
Os
marinheiros da AMFNB fundaram a associação dois anos antes do golpe de 1964 e
espalharam núcleos em várias partes do país. Inicialmente lutavam por melhores
condições de ascensão social na Marinha, e reclamavam por
mais direitos civis
e políticos para
os militares de
baixa patente. Da união desses
homens surgiram escolas e serviços de assistência médica, independentes da
Marinha(43). O movimento ganhou cada vez mais contornos políticos, num período
marcado por agitações na esfera do governo federal, com a
renúncia à presidência
por Jânio Quadros
e a conturbada
posse de João Goulart,
tido como “esquerdista”. A
Guerra Fria respingava
com mais frequência no
país, pressionado pela
política dos Estados
Unidos sobre a América Latina, a abertura do país ao
capital internacional, os ecos da Revolução Cubana e a penetração cada vez
maior da ideologia de esquerda em movimentos sociais urbanos e rurais.
A
prisão de alguns membros da AMFNB levou a assembleia de março de
1964, tornar-se permanente.
A crise se
instaurou e o
ministro da Marinha se viu em
maus lençóis; o movimento foi noticiado nos meios de comunicação. Para
piorar a situação,
houve apoio popular
e alguns fuzileiros convocados para reprimir o
movimento largaram as armas e pularam o muro do sindicato, juntando-se aos
amotinados. O conjunto dessa assembleia
permanente, embora posteriormente dissolvida,
foi um duro
golpe, que certamente atiçou ainda mais aqueles oficiais que dariam o
golpe de 31 de março de 1964. João Cândido foi novamente observado e a história
da revolta, perseguida. Edmar
Morel, que escrevera
o livro A Revolta
da Chibata, teve seus direitos
políticos cassados, perdeu o emprego de redator da Rede Ferroviária Federal,
não conseguiu posição nos demais jornais e teve sua obra mais importante
retirada de circulação44.
O
registro da memória do líder João Cândido durante o regime militar pelo Museu
de Imagem e
do Som (MIS)
também foi realizado
com todo o cuidado. Afinal, havia menos de quatro anos
que o entrevistado participara da assembleia dos marinheiros da AMFNB no
Sindicato dos Metalúrgicos e acendera a luz vermelha para o golpe de 1964. O
museu tinha como atividade gravar entrevistas com personalidades da
música, das artes
ou que haviam participado de
eventos marcantes. Tal
registro teve toda
a preocupação de não
levantar suspeitas e
intervenções do governo.
Esse foi um
dos últimos depoimentos de João
Cândido, entrevistado por Ricardo Cravo Albin e pelo historiador Hélio Silva(45).
Mesmo nessas
décadas em que a liberdade
de expressão foi
aviltada recorrentemente, dois compositores tiveram a coragem de
relembrar a memória e escreveram a música “Navegante Negro”, que por força da
censura foi rebatizada de “O mestre-sala dos mares” (1974). Aldir Blanc e João
Bosco foram várias vezes convidados a dar explicações à Censura Federal sobre a
canção. Segundo Aldir Blanc,
o censor explicou
que “o problema
é essa história
de negro, negro, negro”.
Para Blanc, aquelas
palavras o haviam
atropelado, “não pelas piadinhas tipo
tiziu, pudim de asfalto etc., mas pelo panzer do racismo nazi-ideológico
oficial”46. Não era a preocupação de tornar a revolta um exemplo de movimento
social contra regimes ditatoriais, mas de transformar um homem negro em herói,
que lutou por direitos de toda uma classe. Algo bem distante do símbolo criado
por filmes, revistas, músicas e matérias, que recorrentemente traduziam pessoas
negras como incapazes, preguiçosas, limitadas intelectualmente, perigosas e
feias.
Em
1985, a escola de samba União da Ilha escolheu a Revolta da Chibata como enredo
usando como referência o livro de Edmar Morel, que recebeu uma placa de prata
no dia em que visitou a quadra da escola. Havia uma preocupação dos oficiais do
alto escalão da Marinha de a escola pôr na avenida foliões vestidos com a roupa
do oficialato açoitando marinheiros. A pressão foi grande sobre o carnavalesco
Luís Orlando e a direção da agremiação. Duas partes do projeto inicial foram
retiradas, funcionários do Ministério
e marinheiros desistiram
de sair e
o samba-enredo foi
alterado. Para Morel, isso
ocorreu pelas ligações das escolas com “bicheiros, traficantes de tóxico e
exploradores de lenocínio”. Isso tirou da direção o poder de reação, pois não
“tinha autoridade moral, sequer, para estabelecer um diálogo”47.
Na
década de 1980 e com a liberdade parcial de expressão, mais três livros foram
lançados e melhoraram
ainda mais nosso
entendimento da revolta. Mário Maestri e
Marcos Silva publicaram
dois livros voltados
a um público mais vasto, menor
que o de Morel, mas que sintetizavam a história da revolta e contribuíam com
outras perspectivas, como o racismo, no livro de Maestri, e a repercussão na
imprensa operária, no caso de Marcos Silva(48). Paulo Ricardo
de Moraes, jornalista
gaúcho, explorou a
história da revolta no
livro didático, no
sentido de questionar
a forma e
o espaço em
que era reproduzida nesses
compêndios(49). Foram livros
importantes nessa primeira metade da década de 1980, para a
popularização e manutenção da memória, haja vista que o regime militar ainda
estava vigente e a livre opinião era um ato perigoso.
No ano
do centenário da
abolição, um único
livro veio a
público, e curiosamente foi
redigido pelo vice-almirante Hélio
Leôncio Martins. Digo curiosamente por esperar que nesse ano
surgissem também contribuições de movimentos sociais organizados. Contudo, era
o ano de Zumbi, e João Cândido ainda não figurava como herói negro.
Sabendo
da sua filiação à Marinha e toda a tradição que a instituição envolve, avisou
que seu trabalho
não era uma
“história oficial” do
evento, ou seja, que ele não respondia pela Armada, mas por seu próprio
intento. O almirante redigiu um
trabalho com pesquisa,
equilibrado nas questões
que levaram à revolta. Nesse processo de redação, ele deixou alguns espaços
em que a defesa dos oficiais era latente, e pouca crítica à Marinha da época
foi apresentada50.
A memória
da Revolta na
década de 1990
e nos anos 2000, cresceu enormemente(51). O regime militar não
mais impedia e a identificação de João Cândido e dos marinheiros negros com
movimentos sociais voltados para a luta
contra as desigualdades
raciais e o
não respeito aos
direitos humanos, tornou-se
realidade. Uma organização civil voltada para a questão é a União de
Mobilização Nacional pela Anistia (UMNA), formada pelos envolvidos na antiga Associação
dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) e de outras
armas como as da Aeronáutica
e do Exército.
São indivíduos que não foram anistiados na lei de 1979 – a
maior parte foi expulsa da Marinha após a assembleia no Sindicato dos
Metalúrgicos – e durante décadas tiveram de lutar para conquistar seus
direitos. No entanto, esses homens ainda nutrem por João Cândido admiração
intocável. Apoiaram familiares, fizeram marchas a Brasília, procuraram
recorrentemente as autoridades municipais da cidade do Rio de Janeiro, apoiaram
pesquisas sobre a revolta de 1910, criaram sala em homenagem ao falecido líder
e à sua filha, entre outras ações.
A luta
desses homens sempre foi dar a João Cândido o lugar de herói nacional. Não por
acaso, foram eles que iniciaram a luta e o apoio ao então vereador Edson
Santos, que teve aprovada lei para construção de um monumento a
João Cândido. Desde
o início da
década de 1990
esse projeto estava aprovado, mas os sucessivos prefeitos
não financiaram a estátua. Foi no mínimo absurda a posição do então prefeito
César Maia, estando à frente do executivo municipal durante mais de uma década,
em não construir o monumento – embora
tenha inaugurado a
de outros nomes
importantes como Braguinha,
Carlos Drummond de Andrade e Princesa Isabel.
Os
membros da UMNA tiveram de lutar e muito, junto a outras associações do
movimento negro e o próprio Edson Santos para conseguir o financiamento da
construção da estátua através da Petrobras. Walter Brito foi o escultor da
obra. Mesmo pronta, a escultura não pôde ser instalada no local desejado pelos
membros da UMNA, de frente para o mar, em plena Praça XV. A instalação foi
recusada pelo prefeito César Maia, alegando que a Marinha de Guerra não permitia
tal instalação por
ter sido João
Cândido expulso daquela
Força Armada em 1910. A solução encontrada foi instalar o monumento nos
jardins do Palácio da República, que foi muito bem vista por boa parte dos
militantes. Mas o momento mais importante foi quando o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva veio ao Rio de Janeiro reinaugurar a escultura, e no lugar
anteriormente desejado, a Praça XV, no dia da “Consciência Negra”, em 2008.
Estátua de João Cândido, na Praça XV de Novembro, no Rio de Janeiro. |
A mudança dos jardins do Palácio do Catete para a Praça XV só foi possível porque, após quase um século, finalmente João Cândido e seus colegas foram novamente anistiados. Não havia, assim, como a Marinha reclamar da presença da escultura de um anistiado naquela praça tão importante para a história da Marinha e do país. Essa anistia nasceu do projeto de lei da senadora Marina Silva e passou anos sem um resultado final. A UMNA e outras associações sempre reclamaram para que essa situação fosse logo resolvida, mas somente em 2008 ela ocorreu:
DA CAMARA DOS DEPUTADOS AO PROJETO DE LEI N. 7.198-B, DE 2002, DO SENADO FEDERAL.
(PLS N. 45/2001 na Casa de origem) Emenda da Câmara dos Deputados ao Projeto de
Lei n. 7.198-A, de 2002, do Senado Federal (PLS n. 45/2001 na Casa de origem),
que concede anistia post-mortem a João Cândido Felisberto, líder da chamada
Revolta da Chibata, e aos demais participantes do movimento.
EMENDA
Dê-se
ao caput do art. 1. do projeto a seguinte redação:
“Art. 1.
É concedida anistia post-mortem a
João Cândido Felisberto,
líder da chamada Revolta da
Chibata, e aos demais participantes do movimento, com o objetivo de restaurar o
que lhes foi assegurado pelo Decreto n. 2.280, de 25 de novembro de 1910.” Sala
de sessões 13 de maio de 2008.
O ponto
negativo dessa anistia
é que Zeelândia
Cândido, filha e defensora
da memória do seu pai, não pôde comemorar esse resultado, por ter falecido ainda
em 2006. Nenhum
familiar recebeu qualquer
compensação financeira após quase cem anos de precariedade econômica em
que viveram devido à perseguição ao provedor do lar, o marinheiro João Cândido.
Antes
de morrer, dona Zeelândia deixou um último ensinamento aprendido com seu pai.
Cremos servir a qualquer um de nós. Perguntada por Silvia de Mendonça sobre
“Qual a herança ou lição maior que ele [João Cândido] deixou para a família?”
respondeu:
“Ele
deixou para a família a noção de que este mundo era desigual e isto ele sentiu
na pele com a Revolta da Chibata. Ele dizia na comunidade de marinheiros que
não deviam se rebaixar e se humilhar. E isso ele passou para todos os filhos
também. Eu aprendi e fui à luta, participo nas associações de moradores, no
movimento negro e de mulheres. Parada eu não fico. A lição que meu pai deixou é
que se a gente tem um ideal, e não se sente bem com uma situação e se puder
reverter essa situação, que não devemos esperar pelos outros, temos que
arregaçar as mangas e lutar para mudar. Com luta ou com diálogo, vamos nós
mesmos tomando as rédeas do nosso destino, porque abaixo de Deus nós temos esta
condição. Não podemos esperar que a solução dos nossos problemas venha só de
cima”.52
NOTAS
1 O
autor é professor adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
campus Nova Iguaçu, pesquisador
do Programa de
Apoio a Núcleos
de Excelência-Centro de Estudo
dos Oitocentos (Pronex-CEO)
(Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico-Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado do Rio de Ja-neiro
(CNPq/Faperj), do Programa
Nacional de Cooperação
Acadêmica (Procad): Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)/Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)/Universidade Federal
do Rio Grande
do Sul (UFRGS)
(Capes) e do Programa Pensa Rio (CNPq/Faperj). Contato
do autor: alvaropn@uol.com.br.
2 MOREL,
Edmar, A Revolta da Chibata. 4. ed., Rio de Janeiro, Graal, 1986[1958].
3 CARVALHO,
José Murilo de, “As forças armadas na Primeira República: o poder desestabilizador”.
In FAUSTO, Boris (Org.), História geral da civilização brasileira, t. III, v.
II. São Paulo: Difel, 1977.
4 O Corpo de Imperiais Marinheiros estava localizado na ilha de Villegaignon e para lá eram enviados todos os recrutas e voluntários em idade de assentar praça.
5
O Exército também criou uma escola parecida com esta, que não teve tanto sucesso
como na Marinha de Guerra. Veja BEATTIE, Peter,
The Tribute of Blood: Army, Honor, Race, and Nation in Brazil, 1864-1945. Durham: Duke
University Press, 2001, p. 144-145.
6 As
idades mínima e
máxima para matrícula
nessas escolas foram
modificadas ao longo do
século XIX e
início do século
XX. No regulamento
para as escolas, baixado sob o Decreto n. 9.371, de
14 de fevereiro de 1885, estes limites eram de 13 e 16 anos. Tempos depois, no
regulamento de 1o de agosto de 1907, passou
a ser de 12 e 16 anos. Por outro lado, quando completassem 18 anos ou, antes,
alcançassem robustez para a vida no mar, eram desligados das escolas e
assentavam praça. No
entanto, encontramos casos
de garotos com
nove anos frequentando escolas.
7 Serviço
de Documentação da
Marinha, Livro 3533,
Escola de Aprendizes
Marinheiros – Rio de Janeiro, 1909-1918.
8 Sobre
o assunto, veja NASCIMENTO, Álvaro Pereira do, Cidadania, cor e disciplina na
Revolta dos Marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: Mauad, 2008, cap. 3.
9 Grifo
meu.
10 Veja
NASCIMENTO, Á. P. do, Um reduto negro: cor e cidadania na Armada (1870-1910).
In GOMES, Flávio
dos Santos; CUNHA,
Olivia Gomes da (Orgs.),
Quase-cidadão: história e antropologias da pós-emancipação no Brasil. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2007.
11
SCHWARCZ, Lilia Moritz, Retrato em branco e preto. São Paulo: Círculo do Livro,
1988; e O espetáculo
das raças: cientistas, instituições
e questão racial
no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.
12
Veja, entre outros, RIBEIRO, Gladys Sabina, Mata galegos. Os portugueses e os
conflitos de trabalho na República Velha. São Paulo: Brasiliense, 1990;
CHALHOUB, Sidney, Trabalho, lar e
botequim: o cotidiano
dos trabalhadores no
Rio de Janeiro
da Belle Époque. 2. ed. Campinas: Unicamp, 2001;
SEYFERTH, Giralda, “Construindo a nação: hierarquias raciais e o papel do
racismo na política de imigração e colonização”. In: MAIO, Marcus
Chor; SANTOS, Ricardo
Ventura (Orgs.), Raça, ciência
e sociedade. Rio de Janeiro:
Fiocruz/CCBB, 1996.
13
KOWARICK, Lúcio, Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1994, p. 103.
14
BRETAS, Marcos Luiz, A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997; SOARES, Carlos Eugênio Libano, A negregada
instituição: os capoeiras
na Corte Imperial
(1850-1890). 2. ed.
Rio de Janeiro: Access, 1999.
15 “Um
oficial da Armada ( José Eduardo de Macedo Soares)”. Política versus Marinha.
[1911?], s/l.: s/ed., s/d., p. 90.
16
Fundação Casa de
Rui Barbosa, Arquivo
Histórico: CR636/1, carta
de Carlos de Barros Raja Gabaglia a Rui Barbosa, em
07/12/1910.
17
Arquivo Nacional (AN), CGM: Processo n. 695: José Cândido Guillobel, Caixa
13170, ano 1874. Veja detalhes desse caso no capítulo 1 de NASCIMENTO, Álvaro
Pereira do. A ressaca da marujada. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2001.
18 Tais
movimentos foram discutidos no terceiro capítulo de NASCIMENTO, Á. P. do, A
ressaca da marujada, op. cit.
19
NORONHA, Júlio César de. Relatório do Ministro da Marinha. Rio de Janeiro: Imprensa
Naval, 1905.
20 Todas
as informações narradas
aqui sobre a
revolta podem ser
encontradas em NASCIMENTO, Á. P.
do. Cidadania, cor e disciplina, op. cit.
21
COELHO, Alberto Durão, Algozes e vítimas. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio,
1911. Agradeço a Guilherme Neves a doação dessa fonte de suma importância para
os estudos da Revolta da Chibata.
22Ibidem,
p. 21-22.
23Ibidem,
p. 20.
24
Sobre a rivalidade na campanha eleitoral através dos jornais, veja, CUNHA,
Maria Clementina Pereira. Liberalismo & oligarquias na República Velha: O
Paiz e a campanha do Marechal Hermes da Fonseca (1909/1910). Dissertação de
Mestrado. São Paulo: USP, 1976.
25 Veja
o depoimento do deputado em CARVALHO, José Carlos de, O livro da minha vida.
Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1912.
26 AMADO,
Gilberto, Mocidade no Rio e primeira viagem à Europa. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1956, p. 87-88.
27
DISCURSOS PARLAMENTARES, Obras completas de Rui Barbosa. Rio de Janeiro:
Ministério da Educação e Cultura, t. III, v. XXXVII, 1971[1910]. Discursou o
senador baiano, “Evidentemente, o decreto [que desligou marinheiros] tem uma
relação com a anistia de há dois dias”.
28
HARDMAN, Francisco Foot, O trem fantasma: a modernidade na selva. São Paulo:
Cia. das Letras, 1988.
29 MORAES,
Evaristo de, Reminiscências de um rábula
criminalista. Belo Horizonte: Rio de Janeiro: Briguiet,
1989[1922].
30 MARTINS
FILHO, João Roberto. “Colosso dos mares”. Disponível em:
<http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1307 >,
acesso em 19 fev. 2010.
31
ALMEIDA, Júlia Lopes de, A intrusa. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca
Nacional, 1994, p. 115[1905]. “Revoltado contra a Natureza que o fizera negro,
odiava o branco com o ódio da inveja, que é o mais perene. Criminava Deus pela
diferença das raças. Um ente misericordioso não deveria ter feito de dois
homens iguais dois seres dessemelhantes! Ah, se ele pudesse despir-se daquela
pele abominável, mesmo que fogo lento, ou a afiados gumes de navalha, correria
a desfazer-se dela com alegria. Mas a abominação era irremediável. O
interminável cilício duraria até que, no fundo da cova, o verme pusesse a nu a
sua ossada branca.”
32 Apud
BOMILCAR, Álvaro, O preconceito de raça no Brasil. Rio de Janeiro, 1916, p.
27-28.
33 Um
oficial da Armada ( José Eduardo de Macedo Soares), op. cit., p. 85-86.
34
HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro:
Graal, 1979, p. 76-77.
35 LE
GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Unicamp, 1994, p. 476-477.
36 MOREL, E., op. cit., p. 45; e Augusto Buonicore. “As peripécias de um Barão
verme-lho – 33 anos da morte de Aparício Torelly”. Disponível em:
http://www.espacoaca-demico.com.br/045/45cbuonicore.htm, acessado em 22 de
fevereiro de 2010.
37
PAULO, Benedito (Adão Pereira Nunes). A Revolta de João Cândido. S/l.: s/ed.,
s/d. [193 4?].
38 Ibidem,
p. 2.
39
DULLES, John W. F. Anarquistas e comunistas no Brasil. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1977, p. 380.
40 Essa
não seria a
primeira vez que
o racismo fora
discutido tendo como
eixo de discussão a Revolta da Chibata.
Álvaro Bomilcar, em 1916, já revelava que oficiais da Marinha eram
preconceituosos em relação à cor dos marinheiros. E irritava-se com tal
situação na Marinha de Guerra. Veja BOMILCAR, Álvaro, op. cit.
41 Arquivo
Público do Estado
do Rio de Janeiro. Dops:
“Panfleto”, 228. [grifos
do original]
42 MOREL, E., op. cit., p. 45.
43
CAPITANI, Avelino Bioen, A rebelião dos marinheiros. Porto Alegre: Artes e
Ofícios, 1997.
44 Ibidem,
p. 249.
45 A
fita original pode
ser encontrada no
Museu da Imagem
e do Som
do Rio de Janeiro. A entrevista foi publicada. Veja
em MUSEU DA IMAGEM E DO SOM, João Cândido. Rio de Janeiro: Gryphus, 1999.
46
Idem, p. 22 (texto grifado no original).
47 MOREL, E., op. cit., p. 299-300.
48 FILHO,
Mário Maestri, 1910: a Revolta
dos Marinheiros. São Paulo:
Global, 1982; SILVA, Marcos A.
Contra a chibata: marinheiros brasileiros em 1910. São Paulo: Brasi-liense,
1982.
49
MORAES, Paulo Ricardo de, João Cândido. Porto Alegre: RBS/Tchê, 1982.
50
MARTINS, Hélio Leôncio, A Revolta dos Marinheiros, 1910. Rio de Janeiro; São
Paulo: SDGM/Nacional, 1988.
51
Veja, por exemplo, duas teses recentes defendidas nos Estados Unidos e França. MORGAN, Zachary Ross, Legacy of
the Lash: Blacks
and Corporal Punishment
in the Brazilian Navy,
1860-1910. Tese de doutorado. Providence: Department
of History at Brown University,
2001; e ALMEIDA, Silvia Capanema Pereira de, “Nous, marins, citoyens brésiliens
et républicains”: Identités, modernité et mémoire de la révolte des mate-lots
de 1910. Tese de doutorado. Paris: École des Hautes Études en Sciences Sociales,
2009.
52 MENDONÇA,
Silvia de, “Morre
Zeelândia Cândido de
Andrade”. Disponível em http://www2.fpa.org.br/conteudo/morre-zeelandia-candido-de-andrade, acessado
em 20 fev. 2010.
Fonte: NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. A Revolta da Chibata e seu centenário. Perseu, n. 5, ano 4, 2010, p. 11-41.