Na madrugada de 31 de março para 1 de abril de 1964, o então presidente da República Federativa do Brasil, João Goulart (1919-1975), conhecido também pelo apelido de Jango, recebeu naquela fatídica noite no Rio de Janeiro, um telefonema do general Olímpio Mourão, decretando que o presidente renunciasse ao mandato, caso contrário isso seria feito a força. Jango recusou-se a abandonar o cargo, e no dia seguinte tropas do Exército invadiram a cidade do Rio de Janeiro, e foi decretada a prisão do presidente, o golpe havia sido dado.
O presidente João Goulart e a primeira-dama Maria Thereza Fontella Goulart, durante o Comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, a 20 de março de 1964. Onze dias depois veio o golpe de Estado. |
De 1964 a 1985, num período de quase vinte um anos, o Brasil assim como, vários outros países da América Latina, vivenciou uma ditadura civil-militar. Mas, passado-se esses 50 anos desde a deflagração do golpe, ainda hoje grande parte da população brasileira pouco sabe sobre aquela época, e infelizmente já ouvi e li muitas asneiras sobre isso, e há quem defenda aqueles anos como tendo sido "anos dourados". Pelo visto a propaganda militar realmente foi bem sucedida, pois ainda hoje há quem acredite que uma "revolução pela democracia" ocorreu para evitar uma "suposta revolução comunista".
A proposta deste texto não é realizar uma narrativa sobre as duas décadas do regime militar brasileiro, mas apresentar algumas questões pertinentes que espero que contribua para que o povo brasileiro repense certas ideias e posicionamentos acerca do que foi a Ditadura.
Uma democracia subjugada:
Quando os militares assumiram o controle do país, a democracia foi subjugada, embora que o governo militar alegasse que o Brasil ainda se mantivesse como uma democracia. Se hoje alguns brasileiros reclamam do atual modelo democrático vigente no país, reclamando da corrupção, problemas de violência, economia, saúde, educação, trabalho, etc., na época da ditadura era bem pior, e o Estado fez questão de iludir o povo, de forma que se pensasse o contrário.
Logo após Castelo Branco assumir a presidência, não tardou para ser criado o primeiro Ato Institucional (AI), redigido por Francisco dos Santos Nascimento a 9 de abril de 1964. Formado por onze artigos, o AI-1 deliberava acerca dos poderes que o Presidente da República passaria a dispor, como também convocava eleições indiretas para o cargo de presidente, e ao mesmo tempo seu "preâmbulo" era uma reafirmação da "revolução militar" que havia ocorrido há poucos dias. O AI-1 foi o primeiro de um total de 17 Atos Institucionais, que legalmente eram equiparáveis as leis na Constituição, e todos eles legitimavam de alguma forma a autoridade abusiva do governo militar, que alegava estar "preservando a democracia" do povo brasileiro e do país.
Também é importante mencionar que embora os militares estivessem no controle, algumas das medidas tomadas pelo regime favoreceram civis, especialmente civis do meio político e empresarial, pois algumas dessas leis foram redigidas por civis, o que mostra que embora a população em geral estivesse fora da participação política, não significava que os políticos estivessem fora também, daí, alguns historiadores preferirem falar de um regime civil-militar como já foi mencionado anteriormente aqui.
O AI-2 foi baixado em 27 de outubro de 1965, estabelecendo novas regulamentações que concediam maior autoridade ao governo no âmbito dos poderes Executivo e Judiciário. Ao todo o AI-2 possuía 33 artigos, entre alguns merecem destaque: o aumento de 11 para 16 ministros no Supremo Tribunal Federal, sendo a maioria a favor das medidas do governo, e isso facilitava as intenções do regime.
Outra medida, sendo essa vindo a intervir diretamente na democracia do país, foi a supressão dos partidos políticos. Com a aprovação do AI-2, no ano seguinte passava a vigorar apenas dois partidos políticos no país, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). A ARENA era a maioria no país e representava diretamente o governo, já o MDB era a "oposição", ou pelo menos o que deveria se chamar de oposição, pois o MDB sofreu com falta de espaço para atuar, além de ser manipulado pelo Estado.
Outra medidas apresentadas nesse ato institucional foram:
O governo federal passou a deter livre direito de intervenção na política estadual ou municipal sem prévio aviso, isso ia de encontro a autonomia administrativa do federalismo implantado desde 1891, no Brasil. O AI-2 também legalizava a criação dos Atos Complementares que permitiam a criação de decretos-leis visando a política de Segurança Nacional. Tais decretos-leis poderiam ser baixados a qualquer momento e não dependiam de votação ou aprovação da Câmara dos Deputados, do Senado ou do povo; bastava o presidente ou alguém delegado por ele, concordar com sua redação e o mesmo era aprovado.
No ano de 1965, nas últimas eleições estaduais livres antes da suspensão dessas pelos militares, os candidatos do MDB venceram nos três maiores estados do Sudeste: São Paulo, Minas Gerais e Guanabara (como o Rio de Janeiro era chamado na época). A vitória do MDB revela que a população não concordava plenamente com o que os militares estavam fazendo. Havia um ar de desconfiança quanto aos verdadeiros interesses daquela "revolução imposta". O governo militar em resposta a essa derrota nas urnas, no ano seguinte foi baixado o AI-3, em 5 de fevereiro de 1966.
O AI-3 o qual foi um dos Atos Institucionais mais curtos, deliberava principalmente sobre as eleições. No artigo 1, era definido que as eleições para governador e vice-governador seriam realizadas pelos membros da Assembleia Legislativa, ou seja, a população não poderia eleger mas seus governadores.
Seguindo essas mudanças, os prefeitos das capitais também deixariam de ser elegíveis pela população, eles passariam a ser indicados pelos governadores com o consentimento da Assembleia Legislativa. Já os prefeitos de outras cidades continuaram a ser eleitos normalmente. Já a votação para deputados estaduais e federais, e os senadores ainda se mantivera direta até aquela época.
Todavia é interessante perceber que a supressão do direito de voto caiu sobre os governadores e os prefeitos das capitais, como forma de reforçar o controle do regime sobre os estados e suas capitais. Isso é tão evidente que posteriormente nas universidades federais, os reitores passaram a ser nomeados pelo Presidente da República, e os reitores anteriores foram afastados do cargo.
O AI-4, expedido a 7 de dezembro de 1966, pelo próprio presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, tratava basicamente da convocação do Congresso Nacional para a organização de uma nova Constituição devido que a então Constituição de 1946, que estava em vigor, se encontrava defasada, se encontrava bastante modificada, mas acima de tudo não conduzia em vários pontos com as propostas da Ditadura. A ideia por trás da elaboração de uma nova constituição era legitimar ainda mais a legalidade e poder dos militares, e isso resultou na Constituição de 1967.
De fato alguns artigos da Constituição de 1967, foram reaproveitados para a Constituição de 1988, a qual é a vigente atualmente. Em suma, a Constituição de 1967 não era ruim, mas o grande problema é que ela favorecia a intervenção e a autoridade da Ditadura.
No ano de 1968, ano marcado por grandes protestos contra a ditadura em todo o país, levaram o então Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, a redigir o AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968. O quinto Ato Institucional foi uma forma de aumentar ainda mais a autoridade do presidente, e tornar mais opressor o Estado ditatorial. De fato foi a partir de 1968 que se iniciou o período mais violento da Ditadura, os chamados "anos de chumbo". De 1968 a 1974, o número de perseguidos, demitidos, presos, torturados, mortos e desaparecidos foi maior do que no restante da época da ditadura.
O AI-5 foi acrescentado na Constituição de 1967 pela Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969. O AI-5 também foi um duro golpe ao que restava de democracia ao povo, a liberdade de expressão e aos direitos civis. Composto por doze artigos, o AI-5 deliberava o seguinte:
Por outro lado, o poder Executivo se tornou mais ferrenho ao ponto de negar habeas corpus, decretar vigilância e restrições aos cidadãos; decretar demissões ou aposentadorias compulsórias, como também retirava o direito judicial dos presos. Em outras palavras, qualquer pessoa que fosse enquadrada como "subversivo" (termo que eles gostavam de usar), ou declarado "comunista" ou "terrorista", e que estivesse atentando contra a Segurança Nacional, era preso e tinha seus direitos civis, políticos e judiciais subtraídos. Se você fosse preso, não teria direito a um advogado ou a um julgamento, era simplesmente interrogado a base de torturas.
Os Atos Institucionais seguintes entre suas deliberações estavam uma série de cassações, demissões e aposentadorias forçadas, tanto para políticos, militares, professores, jornalistas, médicos, advogados, diplomatas, funcionários públicos, etc. Tudo isso conotava a "limpeza" que o governo estava fazendo para retirar de cena pessoas taxadas como "perigosas" para o Estado, ou melhor dizendo, perigosas para a manutenção da Ditadura.
O governo também nos anos seguintes aumentou a censura sobre os meios de comunicação e a opinião pública. Quem não dançasse conforme o ritmo da música tocada pelos militares, corria o risco de perder o emprego ou no caso dos donos, perder a empresa. Houve casos de emissoras de rádio, televisão, jornais, editoras, etc., que foram fechados. Revistas e livros foram tirados de circulação, e há denúncias de queimas de livros, especialmente obras consideradas apologéticas ao comunismo, ao socialismo ou que possem em contradição o regime militar.
As eleições do ano de 1970 foram suspensas, só vindo a ocorrerem em 1974, no que resultou novamente na eleição de vários prefeitos, deputados, vereadores e senadores do partido do MDB, a "oposição" do governo militar. Lembrando que os cargos de presidente, governador e prefeitos das capitais não eram elegíveis por eleições abertas. Todavia, a vitória do MDB em relação a ARENA, novamente revela que a opinião pública não era totalmente favorável ao regime militar.
Durante o governo de Ernesto Geisel (1974-1979), a censura e a opressão da ditadura começou a ser "afrouxada", a partir da sua política de "distensão" como um processo "lento, gradual e seguro", se bem que nesse período houve alguns fatos particulares que puseram em contestação essa "distensão política". Em 1976, em resposta ao avanço do MDB nas eleições de 1974, o Ministro da Justiça, Armando Falcão, publicou a Lei 6.339 de 1 de julho de 1976, a qual ficou conhecida como Lei Falcão, passou a impor restrições a propaganda eleitoral gratuita.
Com a Lei Falcão, os políticos tanto da ARENA quanto do MDB não podiam apresentar suas ideias ou fazer seus discursos, a propaganda limitou-se apenas a apresentar seus nomes, currículos, legendas, fotografias, números de registro e o horário dos comícios. Além de impor restrições a propaganda política, deliberou-se também algumas obrigações e exigências para as emissoras de televisão e rádio. A Lei Falcão foi revogada apenas em 1985.
É importante salientar que toda vez que a população se mostrou contrária ao governo, este criava uma forma de impor sua autoridade e diminuir os direitos eleitorais e civis. Em 1965, o MDB venceu as eleições nos maiores colégios eleitorais do país (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais), em resposta, o governo decretou o AI-2 em 1966, como mencionado; em 1967 ocorreram vários protestos nas capitais, em resposta, o governo decretou o AI-5. E agora em 1974, com o favorecimento do MDB, o governou criava a Lei Falcão, para restringir o direito político eleitoral dos candidatos.
No ano de 1979, o presidente Geisel decretou a Lei de Anistia (para favorecer os militares que cometeram crimes contra os direitos humanos) e revogou o AI-5 (ainda assim, ele operou por 11 anos). Em 1982, já durante o governo do presidente João Figueiredo (1979-1985), o bipartidarismo foi abolido, retornando-se ao pluripartidarismo, onde o MDB tornou-se o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e a ARENA tornou-se o PDS (Partido Democrático Social).
Ainda no ano de 1982, foi convocado eleições para governador de estado. Todavia, o povo ainda não estava contente, e com isso cobravam o fim da Ditadura e o direito de eleger o Presidente da República, no que repercutiu nos protestos e passeatas das Diretas Já!, ocorridos entre 1983 e 1984. Mesmo tendo alegado apoiar a distensão política, durante as Diretas Já!, Figueiredo chegou ordenar prisões de manifestantes e a aumentar a censura sobre a imprensa. Todavia, em 1985, a Ditadura chegou ao fim.
Ainda no ano de 1922, o então presidente da República, Epitácio Pessoa decretou a ilegalidade do PCB. Apenas em 1927 o partido recuperou sua legalidade, mas novamente foi banido, retornando apenas em 1945. Em 1962 a partir de uma grave cisão interna no PCB, surgiu o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Em 1965, baixado o AI-2 como já visto, todos esses partidos foram declarados ilegais.
Todavia, o grande problema em se falar numa "revolução comunista" no Brasil na década de 60, é que não havia indícios e possibilidades para a mesma. Ambos os partidos comunistas haviam se desentendido e seguiam propostas diferentes, além disso, o número de partidários era baixo, e estes não contavam com um apoio da população ou dos militares como foi o caso de outros países. Por exemplo, na Revolução Chinesa de 1949, parte das Forças Armadas chinesas apoiavam o Partido Comunista Chinês. Na Revolução Cubana de 1959, o apoio era bem menor, mas o território também o era, e com base em ataques de guerrilhas, Fidel e Raul Castro, e Ernesto Che Guevara conseguiram derrubar o presidente Fulgêncio Batista, e declarar um novo governo.
Mesmo que houvesse guerrilhas comunistas no Brasil, as dimensões territoriais são muito maiores, e os mesmos estariam sozinhos contra as Forças Armadas, sem contar que parte da população devido a política anticomunista disseminada no país, enxergava os comunistas com mal olhar. Por outro lado, na época alegou-se que a suposta "revolução" não viria através das armas, mas viria através da política do então presidente João Goulart, o qual foi acusado de simpatizar com os soviéticos e os chineses.
De fato Goulart chegou a viajar a China e a Rússia, mas foi por interesses políticos e econômicos. Ao anunciar suas Reformas de Base no ano de 1964, houve gente que acusou que tais reformas nos setores da educação, fiscal, agrário e político eram de caráter comunista. Por exemplo, para o setor agrário havia uma proposta de reforma agrária, mas a reforma agrária não é uma ideia comunista. No século II a.C, em Roma, os irmãos Graco defenderam perante o Senado Romano, uma reforma agrária.
Para reafirmar que a ideia das Reformas de Base propostas por Jango, as quais supostamente seria reformas comunistas, não passou de uma mentira, até o ano de 1967, o governo militar de Castelo Branco ainda mantinha uma proposta de uma reforma agrária, como também tinha em mente adotar algumas das sugestões apresentadas no projeto de Jango, como também mantinha um convênio de intercâmbio universitário com a Rússia (algo que será visto mais adiante). Ora, se as tais Reformas de Base do governo Goulart tivessem preceitos comunistas, como alguns alegaram na época, não faz sentido que o presidente Castelo Branco, ainda mantivesse interesse nelas, pois ele estaria indo de encontro ao motivo do golpe, o qual teria sido combater a implantação do comunismo no Brasil. Além do fato, de que ele não cancelou o contrato de intercâmbio com os soviéticos.
Então, se Jango não pretendia realizar uma "revolução comunista" como alguns alegavam na época, por que os militares decidiram dar o golpe em 1964?
A resposta se encontra por motivos políticos e econômicos da oposição ao governo Goulart, tanto da ala civil quanto militar, ao mesmo tempo em que os Estados Unidos também incentivaram tal ala opositora a tomar o poder. Os militares em 1 de abril de 1964, chamaram o golpe, de revolução, algo bem significante quando lemos os Atos Constitucionais ou a Constituição de 1967, como já mencionados. No entanto, a ideia de contra-revolução é problemática, pois não havia uma revolução para ser contra-atacada.
A verdade é que as Forças Armadas brasileiras no começo dos anos 60 procuravam apenas um pretexto para tomar o controle do Brasil, algo que já havia ocorrido em outros países da América Latina e estava também para acontecer em outras nações.
Os Estados Unidos apoiaram o golpe de 64?
Desde a década de 70, já se possui conhecimento sobre o papel da Casa Branca nos bastidores do golpe civil-militar de 1964. O historiador americano Phylis R. Parker publicou o livro U.S. Policy Prior to The Brazilian Coup of 1964, traduzido no Brasil como 1964: O papel dos Estados Unidos no Golpe de Estado de 31 de março de 1964, ainda nos anos 70. É evidente que desde essa obra, várias outras foram escritas abordando a chamada "Operação Brother Sam".
Em 1962 o então presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy em reunião com Richard Goodwin, subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos; com McGeorge Bundy, assessor especial para Assuntos de Segurança Nacional, e com o então embaixador americano no Brasil, Lindon Gordon, deliberaram acerca do que seria feito sobre o Brasil. Após a Revolução Cubana em 1959, os Estados Unidos passaram a redobrar a atenção sobre as demais nações latino-americanas para se evitar uma "nova revolução comunista".
No caso do Brasil, a especial atenção que os americanos deram ao país se tratava do fato do país ser a quinta maior nação territorial do mundo, rico em recursos naturais, possuía a maior população da América Latina, seguido pelo México; era um aliado militar, político e econômico dos Estados Unidos desde o século XIX (Joaquim Nabuco no século XIX foi diplomata do Brasil em Washington D.C).
Em outras palavras, o Brasil era um país importante para os interesses americanos e um ponto geográfico bastante significativo a ser mantido fora da influência da União Soviética. Se o Brasil se tornasse aliado dos soviéticos, seria um duro golpe para os interesses capitalistas dos americanos, logo, a preocupação em se fazer o que fosse necessário para manter a influência sobre as terras brasileiras foi planejada.
No entanto, não foram apenas os militares que buscaram o apoio do governo estadunidense para uma intervenção no Brasil. O então governador da Guanabara, Carlos Lacerda (1914-1977) o qual pertencia a União Democrática Nacional (UDN), partido de oposição ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ao qual pertencia o presidente João Goulart; Lacerda em uma viagem aos Estados Unidos, deu uma entrevista ao jornal Los Angeles Times, em outubro de 1963, onde sugeria que o governo americano intervisse no Brasil. A entrevista de Lacerda se tornou bastante polêmica, pois além de criticar o presidente Jango, Lacerda também criticou as Forças Armadas. Chegou-se a cogitar que Jango convocasse estado de sítio, pois temia-se que os americanos de fato atenderiam o pedido de Carlos Lacerda, mas o Congresso Nacional recusou autorizar estado de sítio.
No ano seguinte antes do golpe ser deflagrado em 31 de março, e a cidade do Rio de Janeiro ser invadida em 1 de abril, as operações militares Brother Sam e Popeye já estavam ativas e em movimento. A Operação Popeye foi comandada pelo general Olímpio Mourão Filho, despachando tropas do exército alocadas em Minas Gerais, para o estado da Guanabara (então nome do atual estado do Rio de Janeiro). O objetivo era simples, depor o presidente e instaurar um governo militar.
Enquanto o exército brasileiro seguia para o Rio, na costa do Espírito Santo, próxima a capital Vitória, um porta-avião americano chamado USS-Forrestal (CVA-59) aguardava em companhia de alguns destróieres, para em caso de fosse necessário conceder apoio ao general Mourão, a Operação Brother Sam orquestrada pelo presidente Lyndon Johnson (sucessor de John Kennedy), estaria pronto para intervir no Rio de Janeiro. Em outras palavras, foi a Operação Popeye que deflagrou o golpe de 64, contando com o suporte da Operação Brother Sam, para levar acabo o golpe.
Entre as décadas de 70 e 80 operou-se a chamada Operação Condor, uma aliança político-militar entre as ditaduras do Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai com o apoio da CIA. Entre as medidas da Operação Condor estavam em se compartilhar informações de perseguidos políticos que haviam abandonado seus países natais, promover prisões, perseguições, complôs, missões paramilitares, sequestros e assassinatos. A operação foi analisada no documentário brasileiro Condor (2007).
A ditadura atuou apenas na região Sudeste?
Essa uma pergunta que alguns fazem, e geralmente tendem a respondê-la errada pelo pressuposto de que embora as principais notícias sobre a ditadura adviessem dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, depois acrescido com Brasília no Centro-oeste, passou-se a se acreditar que a Ditadura não atuou em todo o território nacional.
Outro problema que leva os brasileiros a pensarem que a ditadura foi restrita, é o fato que em muitos casos, a perseguição política se manteve nas capitais estaduais e nas grandes cidades, logo as cidades menores de certa forma não vivenciaram o mesmo impacto visto nos principais centros urbanos, assim como, no meio rural em determinados estados, a perseguição foi menos visível, mas isso não significa que não houve perseguição na zona rural ou em cidades menores, e tão pouco quer dizer que a Ditadura não atuou em todo o país.
Em cada um dos 26 estados brasileiros havia um Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), criado em 1924 pelo presidente Arthur Bernardes, mas reformulado ao longo do século XX, e durante o período da Ditadura, o DOPS o qual também recebeu outras designações, era um dos principais órgãos fiscalizadores, investigativos e repressores do regime militar. O DOPS atuava como a polícia, realizando investigações, analisando denúncias, prendendo, autuando, interrogando, denunciando, taxando e qualificando cidadãos como subversivos, terroristas, possíveis ameaças, etc. Em 1983, o DOPS foi extinto pelo presidente Figueiredo.
Após a criação da Operação Bandeirante (OBAN), órgão com sede em São Paulo, encarregado de investigar e combater os movimentos anti-ditadura, assim como a luta armada desenvolvida por alguns grupos, e ao mesmo tempo, descobrir militantes e organizações contrárias ao regime, em 1970 foram criados dois órgãos diretamente ligados ao Exército: o Destacamento de Operações e Informações (DOI) e o Centro de Operações de Defesa Interna (CODI). Ambos os órgãos tinham funções semelhantes a OBAN e o DOPS, embora o DOI-CODI - como normalmente era referido -, tivesse funções de um órgão de inteligência, planejamento estratégico e coordenava outros órgãos policiais do regime. O DOI-CODI existiu em vários estados do Brasil, mas não chegou a possuir uma sede em cada capital estadual.
Todavia, a existência de prédios do DOPS e do DOI-CODI espalhados pelo território nacional já é uma prova de que a repressão não se limitava a região Sudeste. Outra prova de que a repressão atuou não apenas na zona urbana, mas enveredou-se pela zona rural, foi a perseguição as ligas camponesas e os militantes rurais.
As ligas camponesas surgiram no Brasil nos anos 40 e continuaram até a década de 60, quando o regime militar passou a reprimi-las e perseguir seus membros. Em suma, entre as propostas das ligas estavam: a reforma agrária, melhorias de trabalho e vida para o homem do campo. Quando a Ditadura foi instaurada, parte dos membros das ligas camponesas passaram a protestar contra o governo militar, e isso foi um dos motivos para serem perseguidos, além do fato, de que algumas ligas estavam associadas ao PCdoB.
Um bom livro que mostra a perseguição tanto da Ditadura quanto de anos anteriores, a população rural e de cidades do interior é Retrato da repressão política no campo - Brasil 1962-1985: camponeses torturados, mortos e desaparecidos de Ana Carneiro e Marta Cioccari, tendo sido publicado agora no século XXI. Nesse livro as autoras comentaram as iniciativas de algumas pessoas importantes na militância rural em todo o Brasil, além de trazer listas de vítimas da repressão no campo.
Além dos camponeses e até pessoas de outros ofícios terem sido perseguidos pelo interior do país, a Ditadura também dedicou-se a confrontar os povos indígenas de forma específica. Embora houvesse indígenas ligados a movimentos rurais, durante "os anos de chumbo" foram criados duas prisões no estado de Minas Gerais: O Reformatório Krenak, na cidade de Resplendor e a Fazenda Guarani em Carmésia. Para ambos os locais foram enviados indígenas de diferentes etnias, provenientes de vários estados do Brasil. Tais pessoas, na maioria homens eram taxados como "infratores" ou "subversivos" e eram enviados para tais locais como presos políticos, embora que na época alegou-se que era para reabilitação social, pois dizia-se que eles estavam de vadiagem, preguiça e eram indisciplinados.
Nestes locais os prisioneiros eram agredidos, torturados e eram obrigados a trabalhos forçados, vivendo em condições análogas a escravidão. Ambos os centros eram administrados por policiais militares sob a ordem da Ditadura, e contando com a discrição da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), já que a própria fundação na época era manipulada e controlada pelo governo ditatorial.
Além desses dois centros específicos, os indígenas também sofreram com a desapropriação de suas terras, principalmente na Região Norte. Muitas terras indígenas foram desapropriadas ilegalmente, e as famílias ou foram forçadas a ajudar nas obras locais, ou simplesmente foram expulsas. Se tentassem reclamar ou não seriam ouvidos pela autoridades, ou corriam o risco de serem enviados para os "reformatórios", ou seriam silenciados para sempre.
Houve espalhado pelo Brasil algumas cadeias para presos políticos, assim como, casas que era usadas para interrogatórios a base de tortura, assassinatos e o sumiço de pessoas, como foi o caso da chamada "Casa da Morte", em Petrópolis no estado do Rio de Janeiro.
A verdade é que a repressão da Ditadura atuou em todo o país, em alguns lugares de forma mais severa em outros de forma mais branda. Por exemplo, houve denuncias de grupos de extermínio em alguns estados, grupos estes que simplesmente iam atrás dos opositores e os assassinavam. Pensar que a Ditadura atuou apenas no Sudeste é um erro, e se quiser ter mais provas disso, basta consultar os arquivos do Centro de Pesquisa de Documentação de História Contemporânea no Brasil (CPDOC), onde há muito material sobre a Ditadura, documentos estes provenientes dos DOPS, DOI-CODIs e outros órgãos do regime militar.
Todo militante era comunista?
Ainda hoje há um senso comum errôneo em se pensar que todo militante que participou das manifestações, das revoltas, dos atentados, ou que foram presos, eram todos partidários da causa comunista. A verdade não é bem assim. Como foi visto, os partidos comunistas no Brasil assim como outros partidos foram proibidos durante o regime militar, devido a adoção do bipartidarismo representado pela ARENA e o MDB, logo, oficialmente os partidos comunistas eram ilegais, e seus membros eram clandestinos, por esse fato, isso significava que mesmo os militantes e os simpatizantes eram considerados criminosos pelo Estado.
Contudo, isso não significa que todo militante fosse ligado ao comunismo ou ao socialismo, pois como já foi dito, muita gente desconhecia a real proposta destas ideologias, além de serem influenciadas pela propaganda anticomunista deflagrada pelo governo, o que contribuía para que mesmo os militantes ficassem em dúvida se aderiam a causa comunista ou não. Isso significa que, aqueles que protestavam, militavam ou participavam dos movimentos armados, necessariamente não eram comunistas, mas o que todos tinham em comum, era o fato de combaterem a ditadura, em lutarem para depô-la.
Além disso, havia o fato da perseguição política para com os familiares e amigos de algumas pessoas que foram presas, pois acreditava-se que a esposa ou os filhos também seriam comunistas (houve casos de crianças que foram fichadas pelo DOI-CODI, consideradas "subversivas. Como também houve caso de sequestros de filhos de supostos "comunistas). Por outro lado, pessoas que não estavam envolvidas diretamente nos protestos, mas caso acobertassem ou ajudassem quem estivesse, poderia ser considerado cúmplice, e acabar sendo preso.
Para reafirmar o fato de que nem todos os militantes eram comunistas, podemos tomar como exemplo, movimentos estudantis, movimentos culturais, movimentos sindicais, movimentos religiosos promovidos pela Igreja contra a Ditadura, movimentos femininos, etc.
A Passeata dos Cem Mil ocorrida em 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro, contou com milhares de estudantes, donas de casa, trabalhadores de diversos empregos, artistas, intelectuais, etc. Só para citar alguns nomes conhecidos hoje, que participaram dessa passeata, estavam: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Clarice Lispector, Nara Leão, Grande Otelo, Milton Nascimento, Tônia Carrero, todos estes do meio artístico e intelectual, e do meio estudantil tínhamos como membros Fernando Gabeira, José Dirceu, Dilma Rousseff, Tancredo Neves, etc., os quais se tornaram ou são políticos hoje em dia.
A Passeata dos Cem Mil foi um protesto contra a violência e a opressão do governo militar, que eclodiu tendo como estopim a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto (1950-1968), assassinado aos dezessete anos durante um confronto dos militares contra estudantes no restaurante chamado Calabouço, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Na ocasião o movimento estudantil pretendia protestar pelo preço abusivo do restaurante que servia principalmente os estudantes da região, mas a polícia chegou de forma agressiva, e além de Edson, houve outros mortos e alguns feridos.
Embora tenha sido uma passeata singular, outras parecidas ocorreram pelo país, e o fato de ter optado por mostrar essa como exemplo, é no intuito de mostrar que os militantes eram pessoas das mais diversas origens e causas, quebrando com a ideia de que apenas os comunistas faziam protestos ou participaram da luta armada. Um problema que levou a esse erro de avaliação, é o fato de que muitas vezes as pessoas autuadas ou que eram presas, eram taxadas pela polícia, genericamente como "comunista", embora que em muitos casos, ela na realidade não o fossem.
Havia corrupção no regime militar?
Algumas pessoas falam que a corrupção nas décadas de 90 e nos anos 2000 cresceu por causa dos governos corruptos do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), operante sob o governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) e posteriormente com os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) com Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011) e atualmente com o governo da presidente Dilma Rousseff. Todavia, a corrupção no Brasil é algo antigo e histórico, desde a época colonial possuímos relatos de corrupção em nosso governo.
Se hoje a corrupção é mais evidente, é por que há mais gente investigando e denunciando, além da imprensa possuir liberdade para fazer isso, contudo durante a Ditadura civil-militar (1964-1985), havia corrupção, mas o fato de não sabermos muito sobre isso, era pelo simples motivo que o governo controlava as informações.
O Estado censurava os jornais, revistas, redes de televisão, programas de rádios, livros, o cinema, etc., havia um controle em se evitar que tais meios de comunicação apresentassem informações que falassem mal do governo ou pusesse em descrença a imagem de "justeza" que o governo tentava promover. Além desse fato do controle do Estado aos meios de comunicação, as pessoas que tentavam investigar e denunciar os crimes do governo, fossem esses crimes de corrupção ou de outros tipos, tais pessoas se fossem descobertas eram presas, interrogadas através de torturas, e em muitos casos eram mortas. Isso também era um fator para desmotivar as investigações, pois além de correr risco de vida, poderia por em risco sua própria família.
O jornalista, professor e dramaturgo Vladimir Herzog (1937-1975) nos anos 70, trabalhava na TV Cultura, e era militante comunista. Vlado como era mais conhecido pelos amigos, sempre procurou alguma forma de mostrar ao povo a verdade sobre o regime militar, e no ano de 1975, ele foi preso, interrogado e torturado no prédio do DOI-CODI de São Paulo, e morreu ali. Na época, o Exército disse que ele havia se suicidado, e até forjaram a cena do suposto suicídio. Herzog foi um de vários que ousaram confrontar e denunciar o governo ditatorial e acabaram morrendo por causa disso.
Para reafirmar essa verdade de que houve corrupção no regime militar e que ela não foi branda como alguns pensam, meses depois do presidente Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1967) assumir o poder após o golpe, uma das medidas iniciais que ele tomou, foi criar a Comissão Geral de Investigações (CGI), a qual agiria em todo território nacional para investigar crimes de corrupção. Castelo Branco estava ciente que tanto o meio civil e militar no Brasil estavam sujeitos a corrupção, e a criação do CGI foi uma forma de investigar tais corruptos, embora descobriu-se que não seria fácil prendê-los. Após o AI-5, o presidente Costa e Silva reformulou o CGI com o decreto-lei 359 de 17 de sembro de 1968, o tornando mais severo, permitindo até que o presidente pudesse confiscar os bens conseguidos de forma ilícita pelos funcionários públicos, fossem civis ou militares.
Outro exemplo para conhecermos o problema da corrupção no Brasil durante a Ditadura diz respeito as chamadas "obras faraônicas". Tomemos alguns exemplos: a Ponte Presidente Costa e Silva, popularmente chamada de Ponte Rio-Niterói, a qual liga esses dois municípios, cruzando a baía de Guanabara, começou a ser construída em 1969, embora o início simbólico ocorreu em 23 de agosto de 1968, contando até com a ilustre presença da rainha Elizabeth II do Reino Unido e de seu marido Filipe, Duque de Edimburgo.
O governo brasileiro havia feito um acordo com a empresa inglesa N M Rothschild & Sons para fornecer material e ser um dos investidores da obra, a qual desde o projeto proposto em 1963, visava-se que no máximo de três anos a ponte estaria pronta, contudo em 1971, a licitação teve que ser rescendida devido a atrasos nas obras, o que levou o governo a convocar nova licitação, dessa vez dando vitória para três construtoras brasileiras, as quais concluíram as obras em 1974, totalizando ao todo quase seis anos de obras, e ao mesmo tempo, isso quase duplicou o orçamento inicialmente proposto. A CGI chegou a investigar acusações de desvio de verba e superfaturamento.
Outra obra também monumental para a época, não chegou a ser concluída, se tornando um dos grandes fiascos do governo ditatorial. Foi a empreitada da Rodovia Transamazônica, hoje mais conhecida como BR-230. Iniciada no governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), a rodovia visava conectar alguns estados do Nordeste com a região Norte, a estrada inicia-se no município de Cabedelo na Paraíba, e segue até o município de Lábrea no Amazonas, passando pelos estados da Paraíba, Ceará, Piauí, Tocantis, Pará e Amazonas, totalizando 4.223 km de extensão. Oficialmente a obra foi concluída, mas na prática não é bem assim. A maior parte do trajeto da rodovia nos estados do Pará e Amazonas até hoje não foi asfaltado, e nos outros estados há trechos esburacados. Ainda na época da Ditadura, muitos dos trechos ficaram apenas na terra, e nas áreas que cortam a floresta amazônica, as vezes a estrada quase desaparece, e nos tempos de chuva tudo se torna um lamaçal.
Após passar de Manaus em 1972, o projeto propunha que a rodovia seguisse até Boa Vista e de lá iria até Benjamin Constant, para adentrar o Peru e o Equador, mas acabaram desistindo deste, e encerraram em Lábrea. Embora tenha sido construída em tempo curto, com o intuito de promover a migração dos nordestinos para povoar o Norte, como parte do programa do Polamazônia (Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia), o qual possuía o intuito de desenvolver a economia da região Norte, com a fundação de fazendas, empresas, indústrias, etc., a ideia era promissora, mas acabou não dando certo em alguns aspectos, assim como, gerou grandes impactos ambientais devido ao desmatamento.
A Usina Hidrelétrica de Itaipu construída em parceria com o Paraguai entre os anos de 1971 e 1984, totalizando mais de dez anos de obras, no que resultou na maior hidrelétrica do Brasil, na época foi considerada um projeto de suma importância para o crescimento do país, de fato o foi e ainda é uma das nossas usinas mais importantes, embora que desde 2009 já apresente sinais de saturação. A obra causou vários atrasos, excedeu em muito o orçamento previsto, causou grande impacto ambiental, embora o governo procurou salvar os animais e também desapropriou as populações que moravam na localidade, mas que causou problemas posteriormente. Aqui fica evidente que assim como hoje vivenciamos projetos inacabados ou que foram concluídos tardiamente e superfaturados, isso não é novidade. Contudo, o presidente João Batista Figueiredo (1979-1985) a inaugurou com grande entusiasmo e uma vitória para o país.
Entre outros casos de corrupção do regime militar, um que merece destaque foi o programa do CAPEMI (Caixa de Pecúlios dos Militares), empresa criada em 1960 pelo então coronel Jaime Rolenberg de Lima, que na época se chamava CAPEMA (Caixa de Pecúlio Mauá), com intuitos filantrópicos. Pelo fato do coronel ser espírita e procurando realizar ações beneficentes, reuniu-se a um grupo de amigos, e por sua vez aliou-se as organizações Lar Fabiano de Cristo e a Casa do Velho Assistencial e Divulgadora (CAVADI). A medida que muitos militares foram aderindo a causa filantrópica e beneficente, em 1963, a CAPEMA tornou-se a CAPEMI, e começou a mudar suas diretrizes, tornando-se uma empresa de fundo de contribuição.
Com a popularização do CAPEMI entre as Forças Armadas, os militares foram incentivados a fazerem doações e em alguns casos a contribuição passou a ser debitada diretamente das suas contas. O CAPEMI se tornou um fundo através do pecúlio, pratica na qual a pessoa contribuía com um determinado valor até o fim da vida, e quando o contribuinte morresse, seu herdeiro retirava o valor. O pecúlio é uma prática comum no Brasil e em outros países, contudo durante a vigência do CAPEMI no período da Ditadura, houve denúncias de corrupção a empresa, e teve até gente que denunciara que quando foram retirar o valor da contribuição, não conseguiram fazê-lo ou receberam uma quantia irrisória que não condizia com o tempo de contribuição feito. Em 2008, o CAPEMI tornou-se o grupo CAPEMISA.
O CGI também chegou a investigar denúncias de desvio de verbas públicas, favorecimento de empresas, fraude em licitações, casos de suborno, investimentos de risco, má conduta nos cargos públicos, etc.
O "milagre econômico" realmente ocorreu?
No tópico anterior vimos brevemente que houve corrupção no regime militar, mas então surge uma pergunta: o chamado "milagre econômico" realmente existiu ou não passou de uma "jogada política" do governo para promover o país internamente? A resposta para isso é dupla: sim, de fato houve um crescimento econômico e uma expansão industrial, comercial e agroindustrial no país, algo que a Ditadura usou para promover seu governo, contudo, existem algumas especificidades que devem ser ditas.
"Do início de 1964 ao final de 1984, portanto no período que cobre o ciclo de governos militares com um deslocamento temporal de três meses dita pela disponibilidade das estatísticas das Contas Nacionais, o Brasil cresceu em média 6,15% ao ano, contra os 7,12% ao ano registrados entre 1948 e 1963". [...]. Trocando-se o parâmetro temporal pelo parâmetro geográfico, concluiu-se que o Brasil não fez feio entre 1964 e 1985. É bem verdade que a taxa média de inflação de 58% ao ano, medida pelo deflator implícito do PIB (ou de 60,05% medida pelo IGP-DI), coloca o país numa posição claramente inferior à taxa média mundial de 9,4% ou às taxas de 20,2% dos países em desenvolvimento e de 39% do país da América Latina. Por outro lado, o crescimento médio brasileiro de 6,15% ao ano, entre 1964 e 1985, suplantou em muito o crescimento médio mundial de 3,66% bem como as taxas de 4,78% e 4,75%, respectivamente, dos países em desenvolvimento da América Latina". (CYSNE, 1993, p. 186).
Mais especificamente, o "milagre econômico" não se referiu propriamente a todo o período da Ditadura, mas aos anos que vão de 1969 a 1973, o que correspondeu a quase todo o período do governo do presidente Emílio Garrastazu Médici.
De fato o "milagre econômico" foi real. O governo nesse tempo recebeu uma grande quantia de capitais externos (fosse por meio de investimento ou por empréstimos), especialmente dos Estados Unidos, o que foi utilizado para o desenvolvimento industrial: os setores da metalurgia, siderurgia, construção, petroquímica, produção de energia, setor automobilístico, alimentar, têxtil, etc., cresceram muito. Um dos motivos para isso foi o massivo investimento nas indústrias nacionais, algo iniciado em 1967 e continuado com intensidade até 1974.
Na óptica do governo investir nas próprias indústrias era um dos caminhos para o crescimento econômico do país, contudo, não se pode enganar-se com isso; as indústrias privadas também cresceram muito e nesse período tiveram regalias fiscais; um exemplo disso foi a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM), capital do estado do Amazonas, onde o governo estadual e federal forneceram várias isenções fiscais para atrair indústrias nacionais, mas principalmente internacionais para a região amazônica. A ZFM não foi uma criação dos militares, pois foi concebida em 1957 pela Lei 3.173/97, proposta pelo deputado federal Francisco Pereira da Silva, contudo o desenvolvimento dessa zona se deu a partir de 1967, quando se iniciou os projetos do Poloamazônia.
Alguns programas que expressaram o programa de desenvolvimento do governo, podemos destacar no setor de energia: o Programa Nuclear Brasileiro que em 1972, inaugurou o reator nuclear da Usina Angra I, no município de Angra dos Reis no estado do Rio de Janeiro. Além do intuito energético, havia o preceito de se criar armas nucleares, algo que não foi viabilizado. A hidrelétrica de Itaipu já mencionada neste texto, também começou a ser construída nesta época.
Em 1975 foi criado o Programa Nacional do Álcool (Pró-álcool), o qual não fizera parte do período do "milagre econômico", pelo contrário, foi uma resposta do governo brasileiro a crise mundial do petróleo estourada em 1973. Todavia, menciono tal programa por estar relacionado ao setor energético, onde se incentivou o desenvolvimento das usinas de etanol no país e a fabricação de automóveis a etanol.
A construção também cresceu muito neste tempo, tanto para o setor residencial quanto o industrial, assim como para o setor das obras públicas, o que repercutia nos grandes projetos do governo como a Rodovia Transamazônica, a hidrelétrica de Itaipu, assim como a pavimentação de rodovias, ampliações dos campus universitários, construção de escolas, hospitais, fábricas, etc.
Retomando as políticas econômicas, também merecem destaque o Plano de Integração Nacional (PIN), criado pelo Decreto-Lei 1.1106, de 16 de julho de 1970, o qual viabilizava o desenvolvimento da região Norte, o fato da preocupação dos militares com o norte do Brasil se devia ao motivo que naquela época a região Norte ainda era bastante atrasada em vários aspectos em relação ao restante do país, possuía poucas empresas e indústrias; possuía uma economia fraca; era pouco povoada; por outro lado era e ainda é rica em recursos naturais, principalmente matéria-prima.
A ideia do governo com o PIN, era enviar trabalhadores ou famílias principalmente da região Nordeste para povoarem e irem trabalhar nos empreendimentos que eram desenvolvidos pelo PIN e outros programas e projetos públicos e privados como o Poloamazônico, o Projeto Jarí de 1967 (de iniciativa privada proposta pelo milionário americano Daniel Ludwig para explorar a indústria de celulose para o fabrico de papel).
Sob a perspectiva da região Norte, dois jargões se tornaram recorrentes na época: "integrar para não entregar", ou seja, aproximar o Norte ainda mais do restante do país, não o deixando quase que uma "região esquecida" da nação, e o jargão "exportar é o que importa", o qual visava desenvolver principalmente empresas fornecedoras de matéria-prima, e de fato muitas madeireiras e mineradoras se instalaram na região, mesmo que para isso o governo ordenou a invasão de reservas indígenas e de propriedades privadas.
O governo estava interessado em vender em grande quantidade nossos recursos naturais, e as vezes por preços indignos, algo que acontece ainda hoje, tendo como exemplo, a exploração e venda do mineral nióbio, onde o Brasil é o maior produtor do mundo desse minério e o vende a preços baixos.
Nos anos 70 outro "mega-plano" desenvolvido pelo governo ditatorial foi o I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), um plano econômico de curto prazo que realmente dera certo. Aprovado pela Lei 5.727 de 4 de novembro de 1971. Entre algumas das metas deste plano podemos destacar: o desenvolvimento da indústria pesqueira, criação de programas para a prevenção dos efeitos da seca no Nordeste, promovendo a construção de açudes, poços, barragens, reflorestamento, etc.; desenvolver o transporte hidroviário, construir novas rodovias que partiriam de Brasília se integrando as rodovias do PIN; incentivo ao turismo; integração nacional; desenvolvimento de mão de obra qualificada e especializada; combater o analfabetismo; visar metas para que o país crescesse pelo menos 8% durante esses dois anos, e a inflação anual ficasse abaixo dos 20%; desenvolvimento de tecnologia, dos meios de transportes e telecomunicações, etc.
De fato as medidas do plano surtiram efeito ainda mais combinadas com o programa de Metas e Bases para a Ação do Governo (1970-1974), todavia a partir de 1975, problemas econômicos começaram a voltar a afetar o Brasil, e o então presidente Ernesto Geisel (1974-1979) ainda no final de 1974 aprovou o II Plano Nacional de Desenvolvimento para combater os efeitos da crise mundial do petróleo e ao mesmo tempo conseguir manter o crescimento do país, todavia o II PND não obtivera o mesmo êxito do seu antecessor, e o país nesse tempo aumentou absurdamente sua dívida externa. Após 1974, o Brasil deixou de crescer 8% a 10% (em 1973 alcançou-se 13%) para começar a cair essa taxa de desenvolvimento, ao mesmo tempo em que a dívida externa aumentava, e inflação voltava a crescer. Entre algumas medidas que o governo tomou para combater essa crise econômica, foi o arrocho salarial, onde os salário dos servidores públicos e até do meio privado foram "congelados" por alguns anos, o que significava que na prática, os impostos aumentavam anualmente, mas os salários permaneciam os mesmos. Quando a Ditadura acabou, a moeda brasileira que na época era o Cruzeiro estava tão fraca, que o governo de José Sarney (1985-1989) lançou o Plano Cruzado (1986), para tentar recuperar o valor monetário do país.
"Três importantes críticas podem ser feitas à condução de política econômica no período militar. Primeiro, o fato de o crescimento experimentado pelo país entre 1964 e 1985 não ter se traduzido numa redução das desigualdades sociais e de uma diminuição da pobreza; segundo, a exagerada estatização ocorrida, principalmente após 1974. Terceiro, a não dotação do país como uma autoridade monetária independente que tivesse permitido maiores garantias, após 1972, à relativa estabilidade de preços então alcançada". (CYSNE, 1993, p. 187).
Quando os militares assumiram o controle do país, a democracia foi subjugada, embora que o governo militar alegasse que o Brasil ainda se mantivesse como uma democracia. Se hoje alguns brasileiros reclamam do atual modelo democrático vigente no país, reclamando da corrupção, problemas de violência, economia, saúde, educação, trabalho, etc., na época da ditadura era bem pior, e o Estado fez questão de iludir o povo, de forma que se pensasse o contrário.
Tanques de guerra e tropas do exército patrulham ruas do Rio de Janeiro, no dia 1 de abril de 1964, quando o golpe se instaurava. |
Também é importante mencionar que embora os militares estivessem no controle, algumas das medidas tomadas pelo regime favoreceram civis, especialmente civis do meio político e empresarial, pois algumas dessas leis foram redigidas por civis, o que mostra que embora a população em geral estivesse fora da participação política, não significava que os políticos estivessem fora também, daí, alguns historiadores preferirem falar de um regime civil-militar como já foi mencionado anteriormente aqui.
Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro presidente da ditadura brasileira. |
Outra medida, sendo essa vindo a intervir diretamente na democracia do país, foi a supressão dos partidos políticos. Com a aprovação do AI-2, no ano seguinte passava a vigorar apenas dois partidos políticos no país, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). A ARENA era a maioria no país e representava diretamente o governo, já o MDB era a "oposição", ou pelo menos o que deveria se chamar de oposição, pois o MDB sofreu com falta de espaço para atuar, além de ser manipulado pelo Estado.
Outra medidas apresentadas nesse ato institucional foram:
- convocação de estado de sítio por um prazo de até 180 dias, onde o presidente poderia convocá-lo a qualquer momento sem precisar reportar-se ao Congresso;
- permitia que o presidente dissolvesse o Congresso;
- permitia a cassação política e a cassação de funcionários públicos (civis ou militares), em geral pessoas contrárias ao regime foram demitidas ou aposentadas, e ao mesmo tempo perdiam por um período de dez anos, seus direitos políticos.
O governo federal passou a deter livre direito de intervenção na política estadual ou municipal sem prévio aviso, isso ia de encontro a autonomia administrativa do federalismo implantado desde 1891, no Brasil. O AI-2 também legalizava a criação dos Atos Complementares que permitiam a criação de decretos-leis visando a política de Segurança Nacional. Tais decretos-leis poderiam ser baixados a qualquer momento e não dependiam de votação ou aprovação da Câmara dos Deputados, do Senado ou do povo; bastava o presidente ou alguém delegado por ele, concordar com sua redação e o mesmo era aprovado.
No ano de 1965, nas últimas eleições estaduais livres antes da suspensão dessas pelos militares, os candidatos do MDB venceram nos três maiores estados do Sudeste: São Paulo, Minas Gerais e Guanabara (como o Rio de Janeiro era chamado na época). A vitória do MDB revela que a população não concordava plenamente com o que os militares estavam fazendo. Havia um ar de desconfiança quanto aos verdadeiros interesses daquela "revolução imposta". O governo militar em resposta a essa derrota nas urnas, no ano seguinte foi baixado o AI-3, em 5 de fevereiro de 1966.
O AI-3 o qual foi um dos Atos Institucionais mais curtos, deliberava principalmente sobre as eleições. No artigo 1, era definido que as eleições para governador e vice-governador seriam realizadas pelos membros da Assembleia Legislativa, ou seja, a população não poderia eleger mas seus governadores.
Seguindo essas mudanças, os prefeitos das capitais também deixariam de ser elegíveis pela população, eles passariam a ser indicados pelos governadores com o consentimento da Assembleia Legislativa. Já os prefeitos de outras cidades continuaram a ser eleitos normalmente. Já a votação para deputados estaduais e federais, e os senadores ainda se mantivera direta até aquela época.
Todavia é interessante perceber que a supressão do direito de voto caiu sobre os governadores e os prefeitos das capitais, como forma de reforçar o controle do regime sobre os estados e suas capitais. Isso é tão evidente que posteriormente nas universidades federais, os reitores passaram a ser nomeados pelo Presidente da República, e os reitores anteriores foram afastados do cargo.
O AI-4, expedido a 7 de dezembro de 1966, pelo próprio presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, tratava basicamente da convocação do Congresso Nacional para a organização de uma nova Constituição devido que a então Constituição de 1946, que estava em vigor, se encontrava defasada, se encontrava bastante modificada, mas acima de tudo não conduzia em vários pontos com as propostas da Ditadura. A ideia por trás da elaboração de uma nova constituição era legitimar ainda mais a legalidade e poder dos militares, e isso resultou na Constituição de 1967.
De fato alguns artigos da Constituição de 1967, foram reaproveitados para a Constituição de 1988, a qual é a vigente atualmente. Em suma, a Constituição de 1967 não era ruim, mas o grande problema é que ela favorecia a intervenção e a autoridade da Ditadura.
No ano de 1968, ano marcado por grandes protestos contra a ditadura em todo o país, levaram o então Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, a redigir o AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968. O quinto Ato Institucional foi uma forma de aumentar ainda mais a autoridade do presidente, e tornar mais opressor o Estado ditatorial. De fato foi a partir de 1968 que se iniciou o período mais violento da Ditadura, os chamados "anos de chumbo". De 1968 a 1974, o número de perseguidos, demitidos, presos, torturados, mortos e desaparecidos foi maior do que no restante da época da ditadura.
O AI-5 foi acrescentado na Constituição de 1967 pela Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969. O AI-5 também foi um duro golpe ao que restava de democracia ao povo, a liberdade de expressão e aos direitos civis. Composto por doze artigos, o AI-5 deliberava o seguinte:
- Art. 2: O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.
- Art. 3: O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição.
- Art. 4: No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.
- Art. 5: A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:
- I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
- II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
- III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;
- IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:
- a) liberdade vigiada;
- b) proibição de frequentar determinados lugares;
- c) domicílio determinado.
- Art. 6: Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, mamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo. § 1º - O Presidente da República poderá mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregado de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço.
- Art. 7: O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo.
- Art. 8: O Presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
- Art. 10: Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a
segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
- Art. 11: Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.
Por outro lado, o poder Executivo se tornou mais ferrenho ao ponto de negar habeas corpus, decretar vigilância e restrições aos cidadãos; decretar demissões ou aposentadorias compulsórias, como também retirava o direito judicial dos presos. Em outras palavras, qualquer pessoa que fosse enquadrada como "subversivo" (termo que eles gostavam de usar), ou declarado "comunista" ou "terrorista", e que estivesse atentando contra a Segurança Nacional, era preso e tinha seus direitos civis, políticos e judiciais subtraídos. Se você fosse preso, não teria direito a um advogado ou a um julgamento, era simplesmente interrogado a base de torturas.
Primeira página do Jornal do Brasil de 14 de dezembro de 1968 noticiando a aprovação do AI-5. |
O governo também nos anos seguintes aumentou a censura sobre os meios de comunicação e a opinião pública. Quem não dançasse conforme o ritmo da música tocada pelos militares, corria o risco de perder o emprego ou no caso dos donos, perder a empresa. Houve casos de emissoras de rádio, televisão, jornais, editoras, etc., que foram fechados. Revistas e livros foram tirados de circulação, e há denúncias de queimas de livros, especialmente obras consideradas apologéticas ao comunismo, ao socialismo ou que possem em contradição o regime militar.
As eleições do ano de 1970 foram suspensas, só vindo a ocorrerem em 1974, no que resultou novamente na eleição de vários prefeitos, deputados, vereadores e senadores do partido do MDB, a "oposição" do governo militar. Lembrando que os cargos de presidente, governador e prefeitos das capitais não eram elegíveis por eleições abertas. Todavia, a vitória do MDB em relação a ARENA, novamente revela que a opinião pública não era totalmente favorável ao regime militar.
Durante o governo de Ernesto Geisel (1974-1979), a censura e a opressão da ditadura começou a ser "afrouxada", a partir da sua política de "distensão" como um processo "lento, gradual e seguro", se bem que nesse período houve alguns fatos particulares que puseram em contestação essa "distensão política". Em 1976, em resposta ao avanço do MDB nas eleições de 1974, o Ministro da Justiça, Armando Falcão, publicou a Lei 6.339 de 1 de julho de 1976, a qual ficou conhecida como Lei Falcão, passou a impor restrições a propaganda eleitoral gratuita.
Charge sobre a Lei Falcão. |
Propaganda Eleitoral Gratuita em 1976 já sob a influência da Lei Falcão.
É importante salientar que toda vez que a população se mostrou contrária ao governo, este criava uma forma de impor sua autoridade e diminuir os direitos eleitorais e civis. Em 1965, o MDB venceu as eleições nos maiores colégios eleitorais do país (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais), em resposta, o governo decretou o AI-2 em 1966, como mencionado; em 1967 ocorreram vários protestos nas capitais, em resposta, o governo decretou o AI-5. E agora em 1974, com o favorecimento do MDB, o governou criava a Lei Falcão, para restringir o direito político eleitoral dos candidatos.
No ano de 1979, o presidente Geisel decretou a Lei de Anistia (para favorecer os militares que cometeram crimes contra os direitos humanos) e revogou o AI-5 (ainda assim, ele operou por 11 anos). Em 1982, já durante o governo do presidente João Figueiredo (1979-1985), o bipartidarismo foi abolido, retornando-se ao pluripartidarismo, onde o MDB tornou-se o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e a ARENA tornou-se o PDS (Partido Democrático Social).
Ainda no ano de 1982, foi convocado eleições para governador de estado. Todavia, o povo ainda não estava contente, e com isso cobravam o fim da Ditadura e o direito de eleger o Presidente da República, no que repercutiu nos protestos e passeatas das Diretas Já!, ocorridos entre 1983 e 1984. Mesmo tendo alegado apoiar a distensão política, durante as Diretas Já!, Figueiredo chegou ordenar prisões de manifestantes e a aumentar a censura sobre a imprensa. Todavia, em 1985, a Ditadura chegou ao fim.
Comício das Diretas Já! em Porto Alegre, RS. |
Uma contra-revolução para se combater uma revolução comunista?
Já se disse que o golpe de 64 foi uma medida contra-revolucionária para impedir que supostos indivíduos ligados a ideias e grupos comunistas tomassem o poder, pois eram tempos de Guerra Fria (1945-1991), e o Comunismo era pintado pelos Estados Unidos como sendo a grande quimera do século XX, um monstro vermelho comandado pela União das Repúblicas Soviéticas Socialistas (URSS), para dominar o mundo.
Aqui há três problemas: primeiro, o Comunismo em si nunca chegou a ser concretizado. Se você estudar o conceito e os preceitos comunistas, surgidos no século XIX, e a forma que alguns países tentaram aplicá-los, verá uma grande diferença entre a teoria e a prática. Embora a URSS alegasse ser um Estado comunista, na prática ela nunca o foi.
Para se entender melhor isso, conheçamos alguns conceitos sobre o Comunismo.
“Com base nessas considerações, podemos nos perguntar se,
historicamente, houve sociedades que chegaram realmente a implantar o Comunismo
em suas relações sociais. Segundo os marxistas, existiu um Comunismo primitivo
na história da humanidade, quando não havia propriedade privada e os bens eram
divididos coletivamente. Nesse período, não haveria desigualdade social. Esse
estágio, típico de sociedades tribais, teria terminado com o surgimento da
propriedade privada e da hierarquização. Porém, para muitos pensadores não
marxistas, o Comunismo nunca existiu, pois era um projeto vinculado à sociedade
capitalista e, como tal, não pode ser encontrado em outros contextos
históricos. E a URSS não seria a primeira nação comunista da história? A
maioria dos pensadores considera que a URSS foi uma construção política
socialista, e não comunista. Mas para Trotski, contemporâneo e articulador da
Revolução de 1917, que fundou o Socialismo soviético, a URSS era apenas uma
sociedade intermediária entre o Capitalismo e o Socialismo”. (SILVA, 2009, p.
73).
Para se entender melhor isso, conheçamos alguns conceitos sobre o Comunismo.
“O Dicionário do pensamento marxista oferece duas
definições para Comunismo: primeiro, ele seria o movimento político da classe
operária dentro da sociedade capitalista, iniciado com a Revolução Industrial.
Esse sentido do termo surgiu na década de 1830, com o crescimento da classe
operária na Europa Ocidental. Em segundo lugar, o Comunismo seria a sociedade
criada pela classe trabalhadora em sua luta com as classes dominantes na
sociedade capitalista. Esses dois sentidos foram propostos por Karl Marx e
estão intimamente relacionados: assim, o Comunismo é ao mesmo tempo o movimento
político e a sociedade que dele emerge. Podemos entendê-lo ainda como uma
ideologia, um conjunto articulado de princípios teóricos que fundamentam um
tipo de sociedade e uma ação política”. (SILVA, 2009, p. 70-71).
“Uma nova sociedade deveria surgir um
dia, na qual todos os homens tivessem possibilidade de desenvolver plenamente
todas as suas potencialidades, fossem elas no campo da arte, da ciência, do amor
etc. Esta nova sociedade onde viveria um Homem Novo, um Homem Total, seria a sociedade
comunista. Comunismo, para ele [Marx], era o estágio da sociedade humana onde
não mais existiriam exploradores e explorados, onde a exploração do homem pelo
homem tivesse chegado a seu fim. O homem, a sociedade e a natureza formariam um
todo harmônico; o sonho do Homem Integral estaria realizado”. (SPINDEL, 1991,
p. 7).
“É importante ressaltar que o conceito de Comunismo difere do de
Socialismo, este último atuante em diversos regimes políticos ao longo do
século XX. Os termos Socialismo e Comunismo, durante a segunda
metade do século XIX, eram usados indiscriminadamente como referência à luta da
classe trabalhadora. Mesmo Marx e Engels, autores do Manifesto comunista,
não fizeram grande distinção entre os dois nem objetaram o uso da expressão
social-democrata, que designava grandes partidos socialistas, como o alemão e o
austríaco”. (SILVA, 2009, p. 71).
“Lenin defendia que o Socialismo era uma fase de transição que
conduziria a sociedade capitalista ao Comunismo propriamente dito. Nesse
sentido, o Socialismo seria uma primeira fase de domínio das classes
trabalhadoras, quando estas tomariam o poder e imporiam a Ditadura do
Proletariado, mas onde ainda haveria divisão de classes. O Comunismo, por sua
vez, seria a fase posterior, aperfeiçoada, em que as classes sociais deixariam
de existir, e com elas, a dominação do homem sobre o homem. Foi esse esquema de
Lenin que inspirou praticamente todas as revoluções socialistas do século XX”.
(SILVA, 2009, p. 71).
Embora o Comunismo seja um reflexo do cenário político, social e cultural da Europa do século XIX, algumas das suas ideias como a questão da propriedade privada e a exploração do trabalho são bem mais antigas. Platão, os primeiros doutores da Igreja Católica e São Tomás Moro, já haviam debatido a questão do problema da propriedade privada como fator para gerar uma desigualdade social e econômica entre a população.
“o ideal de vida em comum, vivida na pobreza
e na caridade, e do consequente desapego dos bens terrenos, operará
potentemente no cristianismo dos primeiros séculos, encontrando concreta
manifestação nas ordens monásticas e em formulações doutrinais do tipo daquela
de Santo Ambrósio: ‘a natureza colocou tudo em comum para uso de todos; ela criou
o direito comum; a usurpação criou o direito privado’”. (BOBBIO, 1998, p. 205).
“Essa sociedade comunista teria como características
fundamentais a abolição da propriedade privada, da alienação humana, da divisão
do trabalho e das classes sociais; o restabelecimento do controle sobre as
forças materiais, deixando a produção dos bens a cargo de uma sociedade de
produtores associados. Marx defendia que o Comunismo seria implantado primeiro
naquelas sociedades em que o Capitalismo teria chegado ao máximo
desenvolvimento de suas forças produtivas”. (SILVA, 2009, p. 73).
Bobbio [1998] chamou atenção que a diferença entre teoria e a prática do Comunismo levada pelas nações socialistas ("ditas comunistas"), foi utilizada pela propaganda anticomunista para tornar a ideologia comunista uma ameaça internacional. O problema se encontra na visão deturpada das "ditaduras socialistas" do século XX, como a URSS, a China, a Coreia do Norte, o Vietnã e Cuba, que defendendo a bandeira comunista acabaram se enveredando-se por outros caminhos, dos quais foram utilizados como armas pelas nações capitalistas para expor ao mundo uma visão deturpada e negativa sobre a ideologia comunista.
“ser anticomunista "significa...
dividir categoricamente a humanidade em dois campos e considerar... o dos
comunistas... como o campo daqueles que já não são homens, por haverem renegado
e postergado os valores fundamentais da civilização humana". Trata-se, no entanto,
de definições genéricas e limitativas, sendo o Anticomunismo um fenômeno
complexo, ideológico e político ao mesmo tempo, explicável, além disso, à luz
do momento histórico, das condições de cada um dos países, e das diversas
origens ideais e políticas em que se inspira”. (BOBBIO, 1998, p. 34).
A propaganda anticomunista passou a difundir às nações capitalistas, valores deturpados dos países "ditos comunistas". Como preceitos de ateísmo, onde se alegava que um Estado comunista aboliria as religiões; preceitos que desintegrariam a família, onde num Estado comunista o núcleo familiar não teria mais a importância histórica e cultural. Preceitos econômicos deturpados, onde se dizia que as pessoas que viviam nestes países eram todos pobres, vivendo na miséria, pois a ideia do Comunismo seria gerar a "pobreza", se bem que na realidade, a proposta fosse conceder um estilo de vida adequado para todas as pessoas, daí a ideia de não haver divisões de classes sociais, todo mundo poderia dispor de mais ou menos a mesma qualidade de vida e bem-estar, tudo sendo providenciado pelo Estado.
“No plano internacional, o Anticomunismo é o critério inspirador
de uma política de alcance planetário, cujos objetivos são simultaneamente:
1) contenção do influxo dos Estados socialistas; 2) interferência nos negócios
internos de cada um dos países, a fim de prevenir e/ou reprimir os movimentos de
inspiração comunista (ou tida como tal)”. (BOBBIO, 1998, p. 35).
Propaganda americana anticomunista. |
A partir dessa descrição, quando olhamos para os países que se diziam ser comunistas, já podemos notar que de fato embora eles alegassem um programa comunista, na prática eram nações socialistas, que por sua vez, o Socialismo difere do Comunismo. E isso nos leva ao segundo problema: durante a Guerra Fria, os Estados Unidos e alguns países europeus procuraram distorcer as ideias socialistas e comunistas de forma a manipular suas verdadeiras intenções e preceitos, a fim de se criar uma "ameaça", algo que realmente deu certo.
Ainda hoje, quando se fala em socialismo e comunismo, em geral a população leiga encara isso como algo negativo, como uma ditadura mascarada, uma falsa democracia. Realmente a ideia proposta era essa, e no Brasil na década de 60, muita gente realmente acreditava que tal visão negativa realmente era real e que estava por acontecer no país. Que os "comunistas" iriam tornar o Brasil em uma ditadura como Fidel Castro fizera em Cuba, como Mao Tsé-tung fizera na China. Nesse ponto, chegamos ao terceiro problema de se entender o comunismo no contexto da Guerra Fria.
Embora a URSS, a cabeça chefe do ideal comunista no mundo; o socialismo cubano foi de um jeito, o socialismo chinês atuou de outra forma, o socialismo vietnamita seguiu outra direção, e assim por diante. Não houve um consenso, pois em cada um destes países seus líderes revolucionários procuraram desenvolver as ideias socialistas e comunistas da sua própria forma, embora tivessem em comum as mesmas referências teóricas. Por exemplo, o falecido Hugo Chávez, alegava que o socialismo bolivariano que ele desenvolveu na Venezuela, se diferia do socialismo visto no século XX. Embora Chávez fosse bastante ligado a Fidel Castro, a forma dele governar não foi igual a de Fidel. E neste ponto, podemos adentrar ao contexto do Brasil.
“O Partido Comunista do Brasil (PCB),
seção brasileira da Internacional Comunista, foi fundado em fins de março de
1922 por um grupo composto basicamente por antigos militantes anarquistas, sob
a liderança de Astrojildo Pereira. A criação do Partido foi resultado do
trabalho de divulgação das 21 cláusulas de adesão à Internacional Comunista, que
vinha sendo conduzido por Astrojildo desde o ano anterior e que levara à
criação de grupos comunistas em algumas capitais estaduais”. (SPINDEL, 1991, p.
31).
Ainda no ano de 1922, o então presidente da República, Epitácio Pessoa decretou a ilegalidade do PCB. Apenas em 1927 o partido recuperou sua legalidade, mas novamente foi banido, retornando apenas em 1945. Em 1962 a partir de uma grave cisão interna no PCB, surgiu o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Em 1965, baixado o AI-2 como já visto, todos esses partidos foram declarados ilegais.
Todavia, o grande problema em se falar numa "revolução comunista" no Brasil na década de 60, é que não havia indícios e possibilidades para a mesma. Ambos os partidos comunistas haviam se desentendido e seguiam propostas diferentes, além disso, o número de partidários era baixo, e estes não contavam com um apoio da população ou dos militares como foi o caso de outros países. Por exemplo, na Revolução Chinesa de 1949, parte das Forças Armadas chinesas apoiavam o Partido Comunista Chinês. Na Revolução Cubana de 1959, o apoio era bem menor, mas o território também o era, e com base em ataques de guerrilhas, Fidel e Raul Castro, e Ernesto Che Guevara conseguiram derrubar o presidente Fulgêncio Batista, e declarar um novo governo.
Mesmo que houvesse guerrilhas comunistas no Brasil, as dimensões territoriais são muito maiores, e os mesmos estariam sozinhos contra as Forças Armadas, sem contar que parte da população devido a política anticomunista disseminada no país, enxergava os comunistas com mal olhar. Por outro lado, na época alegou-se que a suposta "revolução" não viria através das armas, mas viria através da política do então presidente João Goulart, o qual foi acusado de simpatizar com os soviéticos e os chineses.
De fato Goulart chegou a viajar a China e a Rússia, mas foi por interesses políticos e econômicos. Ao anunciar suas Reformas de Base no ano de 1964, houve gente que acusou que tais reformas nos setores da educação, fiscal, agrário e político eram de caráter comunista. Por exemplo, para o setor agrário havia uma proposta de reforma agrária, mas a reforma agrária não é uma ideia comunista. No século II a.C, em Roma, os irmãos Graco defenderam perante o Senado Romano, uma reforma agrária.
Para reafirmar que a ideia das Reformas de Base propostas por Jango, as quais supostamente seria reformas comunistas, não passou de uma mentira, até o ano de 1967, o governo militar de Castelo Branco ainda mantinha uma proposta de uma reforma agrária, como também tinha em mente adotar algumas das sugestões apresentadas no projeto de Jango, como também mantinha um convênio de intercâmbio universitário com a Rússia (algo que será visto mais adiante). Ora, se as tais Reformas de Base do governo Goulart tivessem preceitos comunistas, como alguns alegaram na época, não faz sentido que o presidente Castelo Branco, ainda mantivesse interesse nelas, pois ele estaria indo de encontro ao motivo do golpe, o qual teria sido combater a implantação do comunismo no Brasil. Além do fato, de que ele não cancelou o contrato de intercâmbio com os soviéticos.
Então, se Jango não pretendia realizar uma "revolução comunista" como alguns alegavam na época, por que os militares decidiram dar o golpe em 1964?
A resposta se encontra por motivos políticos e econômicos da oposição ao governo Goulart, tanto da ala civil quanto militar, ao mesmo tempo em que os Estados Unidos também incentivaram tal ala opositora a tomar o poder. Os militares em 1 de abril de 1964, chamaram o golpe, de revolução, algo bem significante quando lemos os Atos Constitucionais ou a Constituição de 1967, como já mencionados. No entanto, a ideia de contra-revolução é problemática, pois não havia uma revolução para ser contra-atacada.
A verdade é que as Forças Armadas brasileiras no começo dos anos 60 procuravam apenas um pretexto para tomar o controle do Brasil, algo que já havia ocorrido em outros países da América Latina e estava também para acontecer em outras nações.
Os Estados Unidos apoiaram o golpe de 64?
Desde a década de 70, já se possui conhecimento sobre o papel da Casa Branca nos bastidores do golpe civil-militar de 1964. O historiador americano Phylis R. Parker publicou o livro U.S. Policy Prior to The Brazilian Coup of 1964, traduzido no Brasil como 1964: O papel dos Estados Unidos no Golpe de Estado de 31 de março de 1964, ainda nos anos 70. É evidente que desde essa obra, várias outras foram escritas abordando a chamada "Operação Brother Sam".
Em 1962 o então presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy em reunião com Richard Goodwin, subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos; com McGeorge Bundy, assessor especial para Assuntos de Segurança Nacional, e com o então embaixador americano no Brasil, Lindon Gordon, deliberaram acerca do que seria feito sobre o Brasil. Após a Revolução Cubana em 1959, os Estados Unidos passaram a redobrar a atenção sobre as demais nações latino-americanas para se evitar uma "nova revolução comunista".
No caso do Brasil, a especial atenção que os americanos deram ao país se tratava do fato do país ser a quinta maior nação territorial do mundo, rico em recursos naturais, possuía a maior população da América Latina, seguido pelo México; era um aliado militar, político e econômico dos Estados Unidos desde o século XIX (Joaquim Nabuco no século XIX foi diplomata do Brasil em Washington D.C).
O presidente estadunidense John F. Kennedy e o embaixador americano Lyndon Gordon. |
Carlos Lacerda |
No ano seguinte antes do golpe ser deflagrado em 31 de março, e a cidade do Rio de Janeiro ser invadida em 1 de abril, as operações militares Brother Sam e Popeye já estavam ativas e em movimento. A Operação Popeye foi comandada pelo general Olímpio Mourão Filho, despachando tropas do exército alocadas em Minas Gerais, para o estado da Guanabara (então nome do atual estado do Rio de Janeiro). O objetivo era simples, depor o presidente e instaurar um governo militar.
Enquanto o exército brasileiro seguia para o Rio, na costa do Espírito Santo, próxima a capital Vitória, um porta-avião americano chamado USS-Forrestal (CVA-59) aguardava em companhia de alguns destróieres, para em caso de fosse necessário conceder apoio ao general Mourão, a Operação Brother Sam orquestrada pelo presidente Lyndon Johnson (sucessor de John Kennedy), estaria pronto para intervir no Rio de Janeiro. Em outras palavras, foi a Operação Popeye que deflagrou o golpe de 64, contando com o suporte da Operação Brother Sam, para levar acabo o golpe.
O porta-avião USS-Forrestal (CVA-59) e seis destróieres.
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Após o golpe de 64 ser deflagrado, o governo americano ainda mantivera seu apoio a ditadura brasileira. Escritórios da Central de Inteligência Americana (CIA) foram fundados em Brasília e no Rio de Janeiro, e até o Federal Bureau of Investigacion (FBI) chegou a ter base no Brasil. Além desse apoio durante e depois do golpe, o governo americano também chegou a treinar alguns militares brasileiros na chamada Escola das Américas (atualmente chamada Western Hemisphere Institute for Security Cooperation) com sede no Panamá, onde treinou e formou militares de toda a América Latina, inclusive em técnicas de espionagem, contra-espionagem, interrogatório, tortura, guerra psicológica, etc.
A Escola das Américas recebeu críticas negativas de órgãos internacionais, por instruir e apoiar as ditaduras militares da América Latina, embora fosse um reflexo da política externa americana sobre a América Latina. Além do Brasil, outros países latino-americanos contaram com o apoio do governo americano em suas ditaduras.
A Escola das Américas recebeu críticas negativas de órgãos internacionais, por instruir e apoiar as ditaduras militares da América Latina, embora fosse um reflexo da política externa americana sobre a América Latina. Além do Brasil, outros países latino-americanos contaram com o apoio do governo americano em suas ditaduras.
Entre as décadas de 70 e 80 operou-se a chamada Operação Condor, uma aliança político-militar entre as ditaduras do Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai com o apoio da CIA. Entre as medidas da Operação Condor estavam em se compartilhar informações de perseguidos políticos que haviam abandonado seus países natais, promover prisões, perseguições, complôs, missões paramilitares, sequestros e assassinatos. A operação foi analisada no documentário brasileiro Condor (2007).
O apoio civil-militar ao
golpe de 64 e a ditadura:
Até há alguns anos costumava-se a dizer que o golpe de 64 foi armado
apenas pelos militares, mas hoje sabe-se que elementos civis apoiaram tal golpe
de Estado, assim como também apoiaram o regime.
Nesse texto já foi mencionado à participação de políticos e empresários
no governo ditatorial. Mas partamos para comentar um pouco mais. Além de
interesses dos políticos e empresários, houve a participação da Igreja, de
corporações de trabalhadores, de estudantes, de donas de casa, de artistas, de
intelectuais, jornalistas, professores, etc.
É importante mostrar que embora o movimento estudantil fosse uma das
principais oposições à ditadura, mesmo assim não significa que todos os
estudantes eram contra a Ditadura, houve alas desligadas da UNE (União Nacional dos Estudantes) que apoiavam a
“revolução”.
Na esfera clerical, o apoio foi dividido, houve basicamente três
segmentos: os que permaneceram neutros, ou pelo menos tentaram ficar neutros
acerca do golpe e da política de violência e de censura do regime; houve a ala
de esquerda que procurou se opor a certas medidas da ditadura e até mesmo
ajudou a esconder perseguidos políticos, e por fim, houve a ala da direita que
apoiou o golpe de 64 e as medidas da Ditadura.
Isso não é novidade, pois em outros países que houveram ditaduras, o
posicionamento do Vaticano foi ambíguo: por exemplo, houve negligência
do Vaticano para o Holocausto na época da Segunda Guerra (1939-1945), embora não
fossem cristãos, mesmo assim eram “irmãos de fé”, e, além do mais, eram seres
humanos. Por outro lado, houve papas que declararam publicamente serem
contrários ao governo de Stálin e sua tendência de tornar o Estado, ateu (de
fato Stálin entrou em conflito com a Igreja Ortodoxa Russa por causa disso).
No Brasil, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)
chegou em 1964 a apoiar o golpe e dar apoio ao regime nos anos seguintes até
1968, quando começou a mudar de posicionamento acerca da Ditadura. Houve passeatas
promovidas por padres em diferentes estados que convocavam as pessoas para
impedir que o “ateísmo comunista” destruísse as bases familiares e cristãs da
sociedade brasileira.
Um dos fatores que levou a uma mudança no posicionamento da Igreja Católica
no Brasil, adveio da II Assembleia Geral do Conselho Episcopal
Latino-Americano, ocorrida em 1968, em Medelín na Colômbia.
Nessa importante reunião deliberou-se que a Igreja deveria fortalecer seu apoio
aos pobres, e lutar em defesa da segurança e integridade humana. Com as
denúncias de maus tratos, violência, tortura e assassinatos que eram realizados
pela ditadura brasileira, a CNBB começou a questionar seu apoio ao governo militar.
A partir da reunião em Medélin foi criado as Comunidades Eclesiais de
Base (CEB) para por em prática esse apoio e aproximação entre a Igreja e a
sociedade. As CEB geralmente eram organizações de bairros onde a comunidade em
torno de determinadas igrejas católicas, se uniam e formavam essa CEB. No ano de
1968, houve manifestações de algumas CEB contra o regime.
No caso das igrejas protestantes, nos anos 70 começou a crescer os
preceitos da Teologia da Libertação (surgida na década de 50), onde
igrejas evangélicas ligadas a esse movimento passaram a se opor a política
autoritária e opressora do regime. É importante mencionar que de 1969 a 1974 as
manifestações pacíficas diminuíram, pois foi o auge da censura, o chamado “anos
de chumbo”, mas a militância continuou mesmo assim. A partir de 1975 começou a
se retornar as manifestações de diferentes procedências.
O filme Batismo de Sangue
(2006), baseado na obra homônima de frei Betto, publicado em 1983, contana história que ele e outros freis dominicanos de um mosteiro em São Paulo, apoiaram a Aliança
Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos Marighella
(1911-1969). Alguns dos freis que apoiavam a ALN chegaram a ser presos e
torturados para delatar informações sobre a ALN.
Um dos grandes marcos do apoio civil a ditadura, ocorreu ainda no ano de
1964, nos movimentos da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, ocorridos de 19 de março a 8 de junho, tais passeatas reuniram milhares de
pessoas principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, embora tenha ocorrido
em outros estados também.
"As mães do Brasil", incentivadas a apoiar publicamente a Ditadura. |
Nessas marchas da família, vários grupos se uniram para apoiar o golpe de
64 e defender a “dita contrarrevolução”. É interessante ver que a Igreja chegou
a participar desses movimentos como já foi mencionado anteriormente, mas
deixando esse lado clerical, passamos para conhecer alguns grupos civis que se
encontravam nessas marchas.
A primeira marcha que ocorreu em São Paulo, aconteceu no Dia de São José (19 de março), o qual é conhecido como o padroeiro das famílias; uma data bastante significante, pois respaldava todo o
caráter simbólico e político por trás dessas marchas. Embora tenha contado com
mais de cem mil manifestantes (existem divergências acerca do número exato de
integrantes), algo que se destacou nessa primeira marcha foi a grande
participação de mulheres (não falo em grupos feministas, pois tais grupos
não estiveram ligados ao movimento feminista, mas foram criados meramente por
preceitos políticos para dar apoio ao golpe), como a União Cívica Feminina
(UCF), o Movimento de Arregimento Feminino (MAF), entre outros.
Houve também nessa marcha, grupos de trabalhadores urbanos e rurais como a
Fraterna Amizade Urbana e Rural, a Sociedade Rural Brasileira,
alguns sindicatos trabalhistas os quais tiveram apoio da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Havia grupos de artistas, intelectuais, políticos, estudantis, familiares de militares, amigos de
militares, representantes de familiares de políticos e empresários, etc.
Na Marcha da Vitória no Rio de Janeiro, contou com a participação da Campanha da
Mulher pela Democracia (CAMDE), grupo esse criado em 1962, sendo organizado
e patrocinado pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), órgão
governamental, que durante o governo de João Goulart foi visivelmente contrário
a sua política. O IPES foi acusado de manipular suas pesquisas para
desfavorecer propositalmente a política de Goulart.
Houve a presença da Igreja Assembleia de Deus, a Associação Cristã dos
Moços, a Associação de Pais e Mestres, Congregação de Belém,
a Sociedade do Cristo Redentor, representantes da Cruz Vermelha
Brasileira, o grupo chamado Falange Patriótico, etc. Ao todo foram
pelo menos 49 marchas pelo país.
No caso de alguns intelectuais e artistas que apoiaram ou colaboraram com
a ditadura, podemos destacar os nomes do sociólogo recifense Gilberto Freyre
(1900-1987), conhecido pelo seu livro Casa-grande
& Senzala (1933), declarou abertamente apoio ao golpe de 64, para
depor João Goulart.
A famosa escritora, tradutora, cronista e jornalista Rachel de Queiroz
(1910-2003), também apoiou o golpe e a ditadura, chegando até mesmo a trabalhar
no Conselho Federal de Cultura e a se filiar a ARENA. Os cantores Roberto
Carlos e Aguinaldo Timóteo também colaboraram com o regime, embora não
saibamos até onde eles apoiaram a Ditadura. Alguns membros da Academia Brasileira de Letras
(ABL), proclamaram discursos e escreveram artigos apoiando a Ditadura.
Jornais, revistas, editoras, redes de televisão e de rádio declararam
apoio ao regime, embora que por um lado temessem retaliação por desobedecerem às
ordens, mas por outro, apoiaram por livre espontânea vontade. Mas, como foi dito
também neste texto, houve casos desses meios de comunicação terem discordado do
governo, e foram fechados.
Normalmente se pensa que
todo militar brasileiro entre as décadas de 60 e 80 eram a favor da ditadura, a
realidade não foi bem assim. Entre as Forças Armadas brasileiras houve grupos
que foram contra o golpe de 64, grupos que eram contra o regime militar; grupos
que eram mais liberais e eram a favor de uma intervenção militar, chamados de "Linha-branda"; e havia grupos que
eram mais conservadores, estes chamados de "Linha-dura",
os quais apoiavam o golpe e apoiavam a manutenção da ditadura. A
"Linha-dura" e a "Linha-Branda" chegaram a disputar entre
si nos bastidores da política.
Quando Castelo Branco
assumiu a presidência em abril de 1964, o mesmo em seu discurso de posse, alegou que assumia a presidência de forma temporária, pois se convocaria
eleições para se eleger um novo presidente. Os anos foram se passando e as
eleições sempre eram adiadas. Em 1967, as eleições presidenciais haviam sido
suspensas, sendo permitido apenas votar-se nos demais candidatos. Castelo
Branco foi considerado um militar da “Linha-branda”, embora haja historiadores
que questionem isso.
De qualquer forma, com a
supressão do voto direto para presidente, o cargo passou a ser escolhido entre
os militares e civis ligados ao governo. Vendo que Castelo Branco não era um
homem de “pulso forte”, elegeram Costa e Silva, general mais rígido e
conservador. Para se ter ideia, durante o governo Castelo Branco cogitou-se a possibilidade de se fazer uma reforma agrária, algo que foi posto de lado, depois que Costa e Silva assumiu a presidência.
Costa e Silva faleceu em
1969, tendo o governo sido pego de surpresa, convocou-se uma Junta Governativa Provisória, um
triunvirato militar formado por representantes de cada uma das Forças Armadas:
o general Aurélio de Lira Tavares
(1905-1998), o almirante Augusto
Rademaker (1905-1985) e o marechal-do-ar
Márcio de Sousa Melo (1906-1991). A junta governou de agosto a outubro
daquele ano até que um novo presidente fosse escolhido. Decidiu-se não nomear
um militar moderado como Castelo Branco, mas manter a linha conservadora do
governo Costa e Silva, e assim elegeu-se Emílio Médici.
A Junta Governativa Provisória. Da esquerda para direita: Aurélio Lira, Márcio Melo e Augusto Rademaker. |
Todavia, a história é
interessante. com o fim do mandato de Médici, o governo militar estava
caminhando para uma crise interna. Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo
foram militares moderados, inclusive o fato que a “Linha-dura” não apoiara a
eleição dos dois para a presidência. Na década de 80 o regime militar estava
visivelmente em crise.
No campo do
bipartidarismo, representado pela ARENA e o MDB, embora muitos procuraram se
filiar a ARENA a qual representava os interesses do Estado, houve militares que
se filiaram ao MDB, a oposição.
Houve caso de militares
que foram demitidos ou pediram demissão, e se filiaram a grupos de esquerda,
fossem grupos pacíficos ou grupos armados. Dois casos interessantes sobre
isso podem ser mencionados: o primeiro sobre José Anselmo dos Santos, conhecido como Cabo Anselmo, um marinheiro que durante a Revolta dos Marinheiros em 25 de março de 1964, foi o líder da
manifestação de mais de 2 mil marinheiros e alguns fuzileiros navais, os quais
protestavam por melhorias na carreira. João Goulart chegou até a conceder
anistia para eles, pois a Marinha os considerou rebeldes e decretou a prisão
dos mesmos, contudo, mesmo tendo sido concedido a anistia, posteriormente a
Marinha declarou expulsão da corporação.
Anos depois, Anselmo
retornou ao Brasil e se uniu aos grupos de oposição ao governo, até que em 1970
foi capturado e decidiu aceitar a proposta dos militares, em se tornar espião.
Anselmo tornou-se espião do governo, mas antes disso chegou a ser contrário ao
regime militar.
Carlos Lamarca |
O segundo caso foi
diferente. O capitão Carlos Lamarca
(1937-1971) assim como outros militares, começou a questionar as ordens e as
medidas tomadas pelo regime militar. Em 1969, ele desertou e se uniu ao grupo
guerrilheiro Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR), tornando-se um dos líderes desse grupo armado. Por dois anos, Lamarca
foi caçado pelo governo, considerado além de desertor, um traidor e inimigo
público, acabou sendo assassinado na Bahia. Todavia, Lamarca e Anselmo são
casos onde militares se opuseram a ditadura, embora tenham seguido caminhos
diferentes após romperem com as Forças Armadas. Fica evidente que nem todos os
militares eram favoráveis ao regime, além disso, é importante mencionar que
embora foram poucos os militares que se rebelaram, pois se o fizessem seriam
mortos, havia o fato de que nem todo militar conhecia a realidade das práticas
violentas e censuradoras do governo, pois certas informações eram sigilosas, e
ao mesmo tempo isso favorecia ao pensamento que tais informações poderiam ser
falsas ou mentiras da oposição. Ainda hoje em algumas escolas militares certas
informações negativas sobre o regime militar são omitidas.
A ditadura atuou apenas na região Sudeste?
Essa uma pergunta que alguns fazem, e geralmente tendem a respondê-la errada pelo pressuposto de que embora as principais notícias sobre a ditadura adviessem dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, depois acrescido com Brasília no Centro-oeste, passou-se a se acreditar que a Ditadura não atuou em todo o território nacional.
Outro problema que leva os brasileiros a pensarem que a ditadura foi restrita, é o fato que em muitos casos, a perseguição política se manteve nas capitais estaduais e nas grandes cidades, logo as cidades menores de certa forma não vivenciaram o mesmo impacto visto nos principais centros urbanos, assim como, no meio rural em determinados estados, a perseguição foi menos visível, mas isso não significa que não houve perseguição na zona rural ou em cidades menores, e tão pouco quer dizer que a Ditadura não atuou em todo o país.
Em cada um dos 26 estados brasileiros havia um Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), criado em 1924 pelo presidente Arthur Bernardes, mas reformulado ao longo do século XX, e durante o período da Ditadura, o DOPS o qual também recebeu outras designações, era um dos principais órgãos fiscalizadores, investigativos e repressores do regime militar. O DOPS atuava como a polícia, realizando investigações, analisando denúncias, prendendo, autuando, interrogando, denunciando, taxando e qualificando cidadãos como subversivos, terroristas, possíveis ameaças, etc. Em 1983, o DOPS foi extinto pelo presidente Figueiredo.
Após a criação da Operação Bandeirante (OBAN), órgão com sede em São Paulo, encarregado de investigar e combater os movimentos anti-ditadura, assim como a luta armada desenvolvida por alguns grupos, e ao mesmo tempo, descobrir militantes e organizações contrárias ao regime, em 1970 foram criados dois órgãos diretamente ligados ao Exército: o Destacamento de Operações e Informações (DOI) e o Centro de Operações de Defesa Interna (CODI). Ambos os órgãos tinham funções semelhantes a OBAN e o DOPS, embora o DOI-CODI - como normalmente era referido -, tivesse funções de um órgão de inteligência, planejamento estratégico e coordenava outros órgãos policiais do regime. O DOI-CODI existiu em vários estados do Brasil, mas não chegou a possuir uma sede em cada capital estadual.
Quartel do 1 B.P.E do Rio de Janeiro. Durante a Ditadura foi a sede do DOI-CODI no estado. |
As ligas camponesas surgiram no Brasil nos anos 40 e continuaram até a década de 60, quando o regime militar passou a reprimi-las e perseguir seus membros. Em suma, entre as propostas das ligas estavam: a reforma agrária, melhorias de trabalho e vida para o homem do campo. Quando a Ditadura foi instaurada, parte dos membros das ligas camponesas passaram a protestar contra o governo militar, e isso foi um dos motivos para serem perseguidos, além do fato, de que algumas ligas estavam associadas ao PCdoB.
Um bom livro que mostra a perseguição tanto da Ditadura quanto de anos anteriores, a população rural e de cidades do interior é Retrato da repressão política no campo - Brasil 1962-1985: camponeses torturados, mortos e desaparecidos de Ana Carneiro e Marta Cioccari, tendo sido publicado agora no século XXI. Nesse livro as autoras comentaram as iniciativas de algumas pessoas importantes na militância rural em todo o Brasil, além de trazer listas de vítimas da repressão no campo.
Além dos camponeses e até pessoas de outros ofícios terem sido perseguidos pelo interior do país, a Ditadura também dedicou-se a confrontar os povos indígenas de forma específica. Embora houvesse indígenas ligados a movimentos rurais, durante "os anos de chumbo" foram criados duas prisões no estado de Minas Gerais: O Reformatório Krenak, na cidade de Resplendor e a Fazenda Guarani em Carmésia. Para ambos os locais foram enviados indígenas de diferentes etnias, provenientes de vários estados do Brasil. Tais pessoas, na maioria homens eram taxados como "infratores" ou "subversivos" e eram enviados para tais locais como presos políticos, embora que na época alegou-se que era para reabilitação social, pois dizia-se que eles estavam de vadiagem, preguiça e eram indisciplinados.
Nestes locais os prisioneiros eram agredidos, torturados e eram obrigados a trabalhos forçados, vivendo em condições análogas a escravidão. Ambos os centros eram administrados por policiais militares sob a ordem da Ditadura, e contando com a discrição da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), já que a própria fundação na época era manipulada e controlada pelo governo ditatorial.
Ditadura criou cadeias para índios com trabalho forçado e torturas.
Além desses dois centros específicos, os indígenas também sofreram com a desapropriação de suas terras, principalmente na Região Norte. Muitas terras indígenas foram desapropriadas ilegalmente, e as famílias ou foram forçadas a ajudar nas obras locais, ou simplesmente foram expulsas. Se tentassem reclamar ou não seriam ouvidos pela autoridades, ou corriam o risco de serem enviados para os "reformatórios", ou seriam silenciados para sempre.
Houve espalhado pelo Brasil algumas cadeias para presos políticos, assim como, casas que era usadas para interrogatórios a base de tortura, assassinatos e o sumiço de pessoas, como foi o caso da chamada "Casa da Morte", em Petrópolis no estado do Rio de Janeiro.
A verdade é que a repressão da Ditadura atuou em todo o país, em alguns lugares de forma mais severa em outros de forma mais branda. Por exemplo, houve denuncias de grupos de extermínio em alguns estados, grupos estes que simplesmente iam atrás dos opositores e os assassinavam. Pensar que a Ditadura atuou apenas no Sudeste é um erro, e se quiser ter mais provas disso, basta consultar os arquivos do Centro de Pesquisa de Documentação de História Contemporânea no Brasil (CPDOC), onde há muito material sobre a Ditadura, documentos estes provenientes dos DOPS, DOI-CODIs e outros órgãos do regime militar.
Todo militante era comunista?
Ainda hoje há um senso comum errôneo em se pensar que todo militante que participou das manifestações, das revoltas, dos atentados, ou que foram presos, eram todos partidários da causa comunista. A verdade não é bem assim. Como foi visto, os partidos comunistas no Brasil assim como outros partidos foram proibidos durante o regime militar, devido a adoção do bipartidarismo representado pela ARENA e o MDB, logo, oficialmente os partidos comunistas eram ilegais, e seus membros eram clandestinos, por esse fato, isso significava que mesmo os militantes e os simpatizantes eram considerados criminosos pelo Estado.
Contudo, isso não significa que todo militante fosse ligado ao comunismo ou ao socialismo, pois como já foi dito, muita gente desconhecia a real proposta destas ideologias, além de serem influenciadas pela propaganda anticomunista deflagrada pelo governo, o que contribuía para que mesmo os militantes ficassem em dúvida se aderiam a causa comunista ou não. Isso significa que, aqueles que protestavam, militavam ou participavam dos movimentos armados, necessariamente não eram comunistas, mas o que todos tinham em comum, era o fato de combaterem a ditadura, em lutarem para depô-la.
Além disso, havia o fato da perseguição política para com os familiares e amigos de algumas pessoas que foram presas, pois acreditava-se que a esposa ou os filhos também seriam comunistas (houve casos de crianças que foram fichadas pelo DOI-CODI, consideradas "subversivas. Como também houve caso de sequestros de filhos de supostos "comunistas). Por outro lado, pessoas que não estavam envolvidas diretamente nos protestos, mas caso acobertassem ou ajudassem quem estivesse, poderia ser considerado cúmplice, e acabar sendo preso.
Para reafirmar o fato de que nem todos os militantes eram comunistas, podemos tomar como exemplo, movimentos estudantis, movimentos culturais, movimentos sindicais, movimentos religiosos promovidos pela Igreja contra a Ditadura, movimentos femininos, etc.
A Passeata dos Cem Mil ocorrida em 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro, contou com milhares de estudantes, donas de casa, trabalhadores de diversos empregos, artistas, intelectuais, etc. Só para citar alguns nomes conhecidos hoje, que participaram dessa passeata, estavam: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Clarice Lispector, Nara Leão, Grande Otelo, Milton Nascimento, Tônia Carrero, todos estes do meio artístico e intelectual, e do meio estudantil tínhamos como membros Fernando Gabeira, José Dirceu, Dilma Rousseff, Tancredo Neves, etc., os quais se tornaram ou são políticos hoje em dia.
Foto dos manifestantes da Passeata dos Cem Mil, em 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro. |
Cena da Passeata dos Cem Mil, com destaque a placa onde diz "Artistas, intelectuais, clero, com os estudantes". |
Havia corrupção no regime militar?
Algumas pessoas falam que a corrupção nas décadas de 90 e nos anos 2000 cresceu por causa dos governos corruptos do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), operante sob o governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) e posteriormente com os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) com Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011) e atualmente com o governo da presidente Dilma Rousseff. Todavia, a corrupção no Brasil é algo antigo e histórico, desde a época colonial possuímos relatos de corrupção em nosso governo.
Se hoje a corrupção é mais evidente, é por que há mais gente investigando e denunciando, além da imprensa possuir liberdade para fazer isso, contudo durante a Ditadura civil-militar (1964-1985), havia corrupção, mas o fato de não sabermos muito sobre isso, era pelo simples motivo que o governo controlava as informações.
O Estado censurava os jornais, revistas, redes de televisão, programas de rádios, livros, o cinema, etc., havia um controle em se evitar que tais meios de comunicação apresentassem informações que falassem mal do governo ou pusesse em descrença a imagem de "justeza" que o governo tentava promover. Além desse fato do controle do Estado aos meios de comunicação, as pessoas que tentavam investigar e denunciar os crimes do governo, fossem esses crimes de corrupção ou de outros tipos, tais pessoas se fossem descobertas eram presas, interrogadas através de torturas, e em muitos casos eram mortas. Isso também era um fator para desmotivar as investigações, pois além de correr risco de vida, poderia por em risco sua própria família.
O jornalista, professor e dramaturgo Vladimir Herzog (1937-1975) nos anos 70, trabalhava na TV Cultura, e era militante comunista. Vlado como era mais conhecido pelos amigos, sempre procurou alguma forma de mostrar ao povo a verdade sobre o regime militar, e no ano de 1975, ele foi preso, interrogado e torturado no prédio do DOI-CODI de São Paulo, e morreu ali. Na época, o Exército disse que ele havia se suicidado, e até forjaram a cena do suposto suicídio. Herzog foi um de vários que ousaram confrontar e denunciar o governo ditatorial e acabaram morrendo por causa disso.
Para reafirmar essa verdade de que houve corrupção no regime militar e que ela não foi branda como alguns pensam, meses depois do presidente Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1967) assumir o poder após o golpe, uma das medidas iniciais que ele tomou, foi criar a Comissão Geral de Investigações (CGI), a qual agiria em todo território nacional para investigar crimes de corrupção. Castelo Branco estava ciente que tanto o meio civil e militar no Brasil estavam sujeitos a corrupção, e a criação do CGI foi uma forma de investigar tais corruptos, embora descobriu-se que não seria fácil prendê-los. Após o AI-5, o presidente Costa e Silva reformulou o CGI com o decreto-lei 359 de 17 de sembro de 1968, o tornando mais severo, permitindo até que o presidente pudesse confiscar os bens conseguidos de forma ilícita pelos funcionários públicos, fossem civis ou militares.
“promover investigações sumárias
para o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no
exercício de cargo ou função pública, da União, dos Estados, do Distrito Federal,
dos Territórios e dos Municípios, inclusive de empregos das respectivas autarquias,
empresas públicas ou sociedades de economia mista’. Durante os governos
militares, o instrumento criado para o combate à corrupção eram os inquéritos
policial-militares, IPMs, abertos em todos os estados e submetidos, inicialmente,
ao controle da Comissão Geral de Investigações, CGI. O acervo recolhido ao Arquivo
Nacional é formado por processos sobre investigações para confisco de bens relativo
ao período de 1968 a 1979, perfazendo cerca de 264 metros lineares de documentos”.
(http://www.portalan.arquivonacional.gov.br/Media/CGI.pdf).
Outro exemplo para conhecermos o problema da corrupção no Brasil durante a Ditadura diz respeito as chamadas "obras faraônicas". Tomemos alguns exemplos: a Ponte Presidente Costa e Silva, popularmente chamada de Ponte Rio-Niterói, a qual liga esses dois municípios, cruzando a baía de Guanabara, começou a ser construída em 1969, embora o início simbólico ocorreu em 23 de agosto de 1968, contando até com a ilustre presença da rainha Elizabeth II do Reino Unido e de seu marido Filipe, Duque de Edimburgo.
O governo brasileiro havia feito um acordo com a empresa inglesa N M Rothschild & Sons para fornecer material e ser um dos investidores da obra, a qual desde o projeto proposto em 1963, visava-se que no máximo de três anos a ponte estaria pronta, contudo em 1971, a licitação teve que ser rescendida devido a atrasos nas obras, o que levou o governo a convocar nova licitação, dessa vez dando vitória para três construtoras brasileiras, as quais concluíram as obras em 1974, totalizando ao todo quase seis anos de obras, e ao mesmo tempo, isso quase duplicou o orçamento inicialmente proposto. A CGI chegou a investigar acusações de desvio de verba e superfaturamento.
Emílio Garrastazu Médici |
Trajeto da Rodovia Transamazônica, chamada atualmente Rodovia BR-230. |
João Batista Figueiredo |
Entre outros casos de corrupção do regime militar, um que merece destaque foi o programa do CAPEMI (Caixa de Pecúlios dos Militares), empresa criada em 1960 pelo então coronel Jaime Rolenberg de Lima, que na época se chamava CAPEMA (Caixa de Pecúlio Mauá), com intuitos filantrópicos. Pelo fato do coronel ser espírita e procurando realizar ações beneficentes, reuniu-se a um grupo de amigos, e por sua vez aliou-se as organizações Lar Fabiano de Cristo e a Casa do Velho Assistencial e Divulgadora (CAVADI). A medida que muitos militares foram aderindo a causa filantrópica e beneficente, em 1963, a CAPEMA tornou-se a CAPEMI, e começou a mudar suas diretrizes, tornando-se uma empresa de fundo de contribuição.
Com a popularização do CAPEMI entre as Forças Armadas, os militares foram incentivados a fazerem doações e em alguns casos a contribuição passou a ser debitada diretamente das suas contas. O CAPEMI se tornou um fundo através do pecúlio, pratica na qual a pessoa contribuía com um determinado valor até o fim da vida, e quando o contribuinte morresse, seu herdeiro retirava o valor. O pecúlio é uma prática comum no Brasil e em outros países, contudo durante a vigência do CAPEMI no período da Ditadura, houve denúncias de corrupção a empresa, e teve até gente que denunciara que quando foram retirar o valor da contribuição, não conseguiram fazê-lo ou receberam uma quantia irrisória que não condizia com o tempo de contribuição feito. Em 2008, o CAPEMI tornou-se o grupo CAPEMISA.
O CGI também chegou a investigar denúncias de desvio de verbas públicas, favorecimento de empresas, fraude em licitações, casos de suborno, investimentos de risco, má conduta nos cargos públicos, etc.
O "milagre econômico" realmente ocorreu?
No tópico anterior vimos brevemente que houve corrupção no regime militar, mas então surge uma pergunta: o chamado "milagre econômico" realmente existiu ou não passou de uma "jogada política" do governo para promover o país internamente? A resposta para isso é dupla: sim, de fato houve um crescimento econômico e uma expansão industrial, comercial e agroindustrial no país, algo que a Ditadura usou para promover seu governo, contudo, existem algumas especificidades que devem ser ditas.
"Do início de 1964 ao final de 1984, portanto no período que cobre o ciclo de governos militares com um deslocamento temporal de três meses dita pela disponibilidade das estatísticas das Contas Nacionais, o Brasil cresceu em média 6,15% ao ano, contra os 7,12% ao ano registrados entre 1948 e 1963". [...]. Trocando-se o parâmetro temporal pelo parâmetro geográfico, concluiu-se que o Brasil não fez feio entre 1964 e 1985. É bem verdade que a taxa média de inflação de 58% ao ano, medida pelo deflator implícito do PIB (ou de 60,05% medida pelo IGP-DI), coloca o país numa posição claramente inferior à taxa média mundial de 9,4% ou às taxas de 20,2% dos países em desenvolvimento e de 39% do país da América Latina. Por outro lado, o crescimento médio brasileiro de 6,15% ao ano, entre 1964 e 1985, suplantou em muito o crescimento médio mundial de 3,66% bem como as taxas de 4,78% e 4,75%, respectivamente, dos países em desenvolvimento da América Latina". (CYSNE, 1993, p. 186).
Mais especificamente, o "milagre econômico" não se referiu propriamente a todo o período da Ditadura, mas aos anos que vão de 1969 a 1973, o que correspondeu a quase todo o período do governo do presidente Emílio Garrastazu Médici.
De fato o "milagre econômico" foi real. O governo nesse tempo recebeu uma grande quantia de capitais externos (fosse por meio de investimento ou por empréstimos), especialmente dos Estados Unidos, o que foi utilizado para o desenvolvimento industrial: os setores da metalurgia, siderurgia, construção, petroquímica, produção de energia, setor automobilístico, alimentar, têxtil, etc., cresceram muito. Um dos motivos para isso foi o massivo investimento nas indústrias nacionais, algo iniciado em 1967 e continuado com intensidade até 1974.
Na óptica do governo investir nas próprias indústrias era um dos caminhos para o crescimento econômico do país, contudo, não se pode enganar-se com isso; as indústrias privadas também cresceram muito e nesse período tiveram regalias fiscais; um exemplo disso foi a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM), capital do estado do Amazonas, onde o governo estadual e federal forneceram várias isenções fiscais para atrair indústrias nacionais, mas principalmente internacionais para a região amazônica. A ZFM não foi uma criação dos militares, pois foi concebida em 1957 pela Lei 3.173/97, proposta pelo deputado federal Francisco Pereira da Silva, contudo o desenvolvimento dessa zona se deu a partir de 1967, quando se iniciou os projetos do Poloamazônia.
Tabela retirada do livro História Geral da Civilização Brasileira - tomo III, vol. 11, p. 154. |
Em 1975 foi criado o Programa Nacional do Álcool (Pró-álcool), o qual não fizera parte do período do "milagre econômico", pelo contrário, foi uma resposta do governo brasileiro a crise mundial do petróleo estourada em 1973. Todavia, menciono tal programa por estar relacionado ao setor energético, onde se incentivou o desenvolvimento das usinas de etanol no país e a fabricação de automóveis a etanol.
A construção também cresceu muito neste tempo, tanto para o setor residencial quanto o industrial, assim como para o setor das obras públicas, o que repercutia nos grandes projetos do governo como a Rodovia Transamazônica, a hidrelétrica de Itaipu, assim como a pavimentação de rodovias, ampliações dos campus universitários, construção de escolas, hospitais, fábricas, etc.
Retomando as políticas econômicas, também merecem destaque o Plano de Integração Nacional (PIN), criado pelo Decreto-Lei 1.1106, de 16 de julho de 1970, o qual viabilizava o desenvolvimento da região Norte, o fato da preocupação dos militares com o norte do Brasil se devia ao motivo que naquela época a região Norte ainda era bastante atrasada em vários aspectos em relação ao restante do país, possuía poucas empresas e indústrias; possuía uma economia fraca; era pouco povoada; por outro lado era e ainda é rica em recursos naturais, principalmente matéria-prima.
A ideia do governo com o PIN, era enviar trabalhadores ou famílias principalmente da região Nordeste para povoarem e irem trabalhar nos empreendimentos que eram desenvolvidos pelo PIN e outros programas e projetos públicos e privados como o Poloamazônico, o Projeto Jarí de 1967 (de iniciativa privada proposta pelo milionário americano Daniel Ludwig para explorar a indústria de celulose para o fabrico de papel).
Sob a perspectiva da região Norte, dois jargões se tornaram recorrentes na época: "integrar para não entregar", ou seja, aproximar o Norte ainda mais do restante do país, não o deixando quase que uma "região esquecida" da nação, e o jargão "exportar é o que importa", o qual visava desenvolver principalmente empresas fornecedoras de matéria-prima, e de fato muitas madeireiras e mineradoras se instalaram na região, mesmo que para isso o governo ordenou a invasão de reservas indígenas e de propriedades privadas.
O governo estava interessado em vender em grande quantidade nossos recursos naturais, e as vezes por preços indignos, algo que acontece ainda hoje, tendo como exemplo, a exploração e venda do mineral nióbio, onde o Brasil é o maior produtor do mundo desse minério e o vende a preços baixos.
Nos anos 70 outro "mega-plano" desenvolvido pelo governo ditatorial foi o I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), um plano econômico de curto prazo que realmente dera certo. Aprovado pela Lei 5.727 de 4 de novembro de 1971. Entre algumas das metas deste plano podemos destacar: o desenvolvimento da indústria pesqueira, criação de programas para a prevenção dos efeitos da seca no Nordeste, promovendo a construção de açudes, poços, barragens, reflorestamento, etc.; desenvolver o transporte hidroviário, construir novas rodovias que partiriam de Brasília se integrando as rodovias do PIN; incentivo ao turismo; integração nacional; desenvolvimento de mão de obra qualificada e especializada; combater o analfabetismo; visar metas para que o país crescesse pelo menos 8% durante esses dois anos, e a inflação anual ficasse abaixo dos 20%; desenvolvimento de tecnologia, dos meios de transportes e telecomunicações, etc.
Ernesto Geisel |
"Três importantes críticas podem ser feitas à condução de política econômica no período militar. Primeiro, o fato de o crescimento experimentado pelo país entre 1964 e 1985 não ter se traduzido numa redução das desigualdades sociais e de uma diminuição da pobreza; segundo, a exagerada estatização ocorrida, principalmente após 1974. Terceiro, a não dotação do país como uma autoridade monetária independente que tivesse permitido maiores garantias, após 1972, à relativa estabilidade de preços então alcançada". (CYSNE, 1993, p. 187).
O regime militar e o ensino superior:
Nem tudo que a Ditadura fez foram males, houve coisas boas, e uma dessas foi a modernização do ensino superior brasileiro que até os anos 60 estava defasado e atrasado em comparação a outros países da América Latina. João Goulart em 1961 que na época era vice-presidente de Jânio Quadros (1917-1922), havia viajado para a Rússia, e em um dos objetivos da missão era fomentar um acordo para intercâmbio com a Universidade Russa de Amizade dos Povos Patrice Lumumba (atual Universidade Russa da Amizade dos Povos).
O acordo de intercâmbio deu certo, e a partir de 1962 os primeiros bolsistas começaram a viajar para Moscou. O convênio com a Universidade Russa por incrível que pareça continuou até 1968, já durante o regime militar, até que com a deflagração do AI-5, o governo decidiu romper de vez com esse intercâmbio com os russos, alegando que os estudantes estariam sendo treinados pelos comunistas russos para incitarem revoltas e promoverem uma revolução comunista no país.
Com o interrompimento do intercâmbio com os russos em 1968, o governo do presidente Artur da Costa e Silva (1967-1969) antes de emitir o AI-5, decretou uma nova lei da educação voltada para normatizar o ensino superior, essa foi a Lei 5.440 de 28 de novembro de 1968. Além de regulamentar o ensino superior, nos anos seguintes o regime investiu na construção de novos campi, na ampliação de campus, construindo salas de aula, laboratórios, bibliotecas, ginásios, auditórios, etc. Na década de 70 o orçamento das universidades foi o mais alto durante a época da Ditadura. Algumas universidades que foram criadas nesse período foram a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) fundada em 1966, em São Paulo; a Universidade Estadual Paulista (Unesp), fundada em 1976; a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em 1966; a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) em 1979; a Universidade Federal do Acre (UFAC) em 1974; a Universidade Estadual de Feira de Santa (UEFS), na Bahia em 1976, entre outras.
Outras reformas implicaram na reorganização dos cursos, criando os departamentos e os centros, algo que não havia propriamente antes; criou-se coordenações, diretorias, colegiados, reformulou-se o plano de carreira dos professores, reorganizou os parâmetros para nomear os docentes, pois antes havia um professor catedrático responsável por isso, mas agora teria-se uma comissão para fazê-lo, além do fato que o reitor, o vice-reitor ou o presidente poderia nomear os docentes. Reorganizou-se os parâmetros para a contratação de funcionários públicos para trabalhar na universidade. Passou-se a cobrar dos professores que além de darem aulas, se dedicassem a projetos de pesquisa e extensão, a organizarem eventos artísticos, culturais, sociais e científicos.
As pós-graduações de alguns cursos começaram também a serem criadas nesta época, pois havia um grande déficit em programas de pós-graduação, fosse em nível de mestrado ou doutorado. O Conselho Nacional de Pesquisa (atualmente Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o qual mantivera a sigla original CNPq) fundado em 1951, começou nos anos 70 a recuperar importância e receber maiores investimentos, reação essa por causa dos investimentos do governo federal a educação superior.
Também se criou em 1976, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), para se coordenar e avaliar o desenvolvimento dos cursos de pós-graduação em todo país, assim como avaliar o aperfeiçoamento contínuo dos docentes universitários, etc. Num caso mais específico tivemos em 1965 a criação da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), para o estado do Rio de Janeiro, a qual estava ligada com o financiamento de programas de pesquisa em universidades, institutos tecnológicos, laboratórios, empresas, etc.
Durante o regime militar, ampliou-se o número de vagas para os cursos, determinando o Exame do Vestibular como meio de ingressar no ensino superior público. Se bem que naquela época não havia cotas, e além disso, a maioria dos que ingressavam nas universidades pertenciam a classe média para cima. A classe baixa tivera dificuldades para ingressar no ensino superior, e a alternativa era procurar as faculdades particulares, além disso, se por um lado o ensino superior recebeu bastante investimento, o ensino básico formado no Brasil pela educação infantil, fundamental e médio, começou a ser sucateado, em detrimento de acordos comerciais que passaram a privilegiar o ensino básico particular.
Já ouvi gente dizer que a educação básica pública brasileira era de boa qualidade durante a Ditadura. Mas tal afirmação deve ser feita com cautela. Durante os anos 60 e 70, as escolas públicas de fato eram boas, mas no final dos anos 70, quando o governo começou a entrar em crise econômica, optou-se em dedicar a maior parte do investimento na Educação, para fortalecer e desenvolver o ensino superior, deixando de lado o ensino básico. A partir do final da década de 70, as escolas particulares começaram sua expansão no país, e nos anos 80 começamos a ver um declínio no ensino básico público no país.
No entanto, se por um lado o governo militar investiu massivamente no ensino superior no intuito de desenvolver o país, não significa que eles deixaram a situação fora de controle; a fiscalização dos funcionários e dos alunos foi mantida. Os cursos de História, Filosofia, Sociologia, Ciências Políticas, etc., foram os mais fiscalizados, pois os professores não podiam ensinar ideias socialistas, comunistas ou falar qualquer coisa que fosse contrária a ditadura. dos.
Chegou-se também em se haver "batidas policiais" em bibliotecas universitárias para se retirar livros sobre o comunismo, socialismo ou que criticassem o autoritarismo, principalmente de autores que foram revolucionários ou incentivavam a revolução, pois autores de linguajar mais brando foram permitidos.
Contudo, não era apenas esses cursos que eram monitorados, todos os cursos eram vigiados, pois nas salas, disfarçados entre alunos havia policiais militares ou soldados, que agiam como espiões, os quais relatavam tudo de suspeito que era ouvido e comentado entre professores, alunos e funcionários. As pessoas que falavam algo ou combinavam fazer algum movimento, ou um protesto, ou convocavam uma reunião que parece-se ser suspeita, eram todos fixados, e seus registros encaminhados para as secretárias especiais geralmente localizadas no prédio da reitoria, onde posteriormente dependendo das acusações ou na repetição de infrações, tal indivíduo seria procurado pela polícia e chamado para se explicar. De fato, em todo o país houve professores que foram autuados, foram aposentados compulsoriamente, foram demitidos, foram transferidos, foram presos e alguns até mesmo sumiram, e nunca mais foram encontrados.
Ainda no ano de 1964, tropas do exército invadiram a Universidade de Brasília (UnB) e destituíram o então reitor Anísio Teixeira (1900-1971), proeminente jurista, professor, educador e escritor brasileiro, foi retirado do cargo e substituído por Zeferino Vaz, que era professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Além de Anísio vários outros reitores pelo país foram retirados do cargo, e o governo empossou novos reitores, estes favoráveis as políticas do regime militar. Na época que o professor Anísio Teixeira foi destituído de seu cargo, houve protestos na UnB, mas a polícia militar repreendeu os estudantes.
Em 1964, a Lei Suplicy Lacerda decretou a ilegalidade da União Nacional dos Estudantes (UNE), formada principalmente por alunos universitários, pois embora houvesse alunos que eram partidários do regime militar, muitos eram contra. Com a ilegalidade da UNE, foi criado os Diretórios Acadêmicos (DAs) e o Diretório Central dos Estudantes (DCE), ambos nas universidades, como forma de garantir o direito de reunião dos alunos, embora que ambos eram controlados e fiscalizados pelo regime. Isso levou a UNE a manter reuniões clandestinas até que em 1968, a sede em São Paulo foi depredada e incendiada pelo exército.
Considerações finais:
Acredito que após o comentários destes pontos mencionados no texto, tenha ficado mais claro o que foi o regime político da Ditadura Militar Brasileira (1964-1985), e que diferente do que alguns alegam hoje, ela foi um grande mal, mesmo que tenha realizado algumas boas contribuições, ainda assim, isso não retira a mácula que foi suspender o Estado direito de democracia; suspender os direitos políticos, civis e judiciais; limitar o direito de ir e vir; pregar uma grande mentira, ao dizer que estavam salvando o país de uma ameaça comunista, a qual nunca existiu.
Enganou o povo quanto a dizer que o país vivia em segurança, e com melhorias na saúde, educação e com crescimento econômico. De fato, não podemos negar que algumas destas melhorias realmente existiram e funcionaram, mas isso foi para alguns anos. Pois a crise financeira acometeu o regime ditatorial na segunda metade da década de 70.
Por outro lado, vimos como o governo tomou medidas para limitar e retirar do cidadão o direito ao sufrágio, inclusive decretando leis que dificultavam ainda mais os cidadãos poderem escolher seus candidatos e limitava a eleição de candidatos contrários ao regime militar.
Vimos também que nem todos os protestantes participaram da luta armada, mas foram pessoas provenientes de distintas camadas sociais, municípios, estados, de ocupações e ofícios. Não obstante, vigorou entre os órgãos policiais da ditadura, taxar todo protestante de ser "terrorista", "subversivo", "comunista". Classificando todos da mesma forma, mesmo que eles não fossem de fato guerrilheiros, militantes comunistas ou mesmo subversivos.
A ideia de que poucos foram os torturados também é uma falácia. Oficialmente a Ditadura apenas divulgou que um pouco mais de 250 pessoas foram torturadas e pelo menos umas 100 foram assassinadas, mas na prática, os números são bem maiores, todavia, os militares destruíram documentos que corroboravam isso. Ainda hoje há pessoas que desapareceram durante a Ditadura, e seus corpos nunca foram achados.
Diferente do que alguns dizem, nem todos os militares apoiaram o golpe e a Ditadura, houve gente das três Forças Armadas que discordaram e até lutaram contra, mas acabaram sendo afastados, demitidos, aposentados compulsoriamente ou até mesmo presos ou mortos.
A ideia de que não houve corrupção durante o governo militar, isso é mentira. A corrupção existiu, mas é em grande parte desconhecida pelos seguintes motivos: o governo antes de chegar ao fim, destruiu documentos; a CGI, não conseguiu agir plenamente e nem a julgar os crimes; aqueles que tentavam investigar as irregularidades e crimes, acabavam sendo ameaçados ou desmotivados a prosseguir; e em alguns casos, foram mortos. Além disso, o governo censurava os meios de comunicação; qualquer rede de TV, jornal, rádio, revista, etc., tentasse publicar ou divulgar informações comprometedoras contra o governo, corriam riscos de serem fechadas ou os responsáveis poderiam ser presos.
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Referências legais:
Lei 5.440 de 28 de novembro de 1968
Nem tudo que a Ditadura fez foram males, houve coisas boas, e uma dessas foi a modernização do ensino superior brasileiro que até os anos 60 estava defasado e atrasado em comparação a outros países da América Latina. João Goulart em 1961 que na época era vice-presidente de Jânio Quadros (1917-1922), havia viajado para a Rússia, e em um dos objetivos da missão era fomentar um acordo para intercâmbio com a Universidade Russa de Amizade dos Povos Patrice Lumumba (atual Universidade Russa da Amizade dos Povos).
O acordo de intercâmbio deu certo, e a partir de 1962 os primeiros bolsistas começaram a viajar para Moscou. O convênio com a Universidade Russa por incrível que pareça continuou até 1968, já durante o regime militar, até que com a deflagração do AI-5, o governo decidiu romper de vez com esse intercâmbio com os russos, alegando que os estudantes estariam sendo treinados pelos comunistas russos para incitarem revoltas e promoverem uma revolução comunista no país.
Arthur Costa e Silva |
Outras reformas implicaram na reorganização dos cursos, criando os departamentos e os centros, algo que não havia propriamente antes; criou-se coordenações, diretorias, colegiados, reformulou-se o plano de carreira dos professores, reorganizou os parâmetros para nomear os docentes, pois antes havia um professor catedrático responsável por isso, mas agora teria-se uma comissão para fazê-lo, além do fato que o reitor, o vice-reitor ou o presidente poderia nomear os docentes. Reorganizou-se os parâmetros para a contratação de funcionários públicos para trabalhar na universidade. Passou-se a cobrar dos professores que além de darem aulas, se dedicassem a projetos de pesquisa e extensão, a organizarem eventos artísticos, culturais, sociais e científicos.
As pós-graduações de alguns cursos começaram também a serem criadas nesta época, pois havia um grande déficit em programas de pós-graduação, fosse em nível de mestrado ou doutorado. O Conselho Nacional de Pesquisa (atualmente Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o qual mantivera a sigla original CNPq) fundado em 1951, começou nos anos 70 a recuperar importância e receber maiores investimentos, reação essa por causa dos investimentos do governo federal a educação superior.
Também se criou em 1976, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), para se coordenar e avaliar o desenvolvimento dos cursos de pós-graduação em todo país, assim como avaliar o aperfeiçoamento contínuo dos docentes universitários, etc. Num caso mais específico tivemos em 1965 a criação da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), para o estado do Rio de Janeiro, a qual estava ligada com o financiamento de programas de pesquisa em universidades, institutos tecnológicos, laboratórios, empresas, etc.
Durante o regime militar, ampliou-se o número de vagas para os cursos, determinando o Exame do Vestibular como meio de ingressar no ensino superior público. Se bem que naquela época não havia cotas, e além disso, a maioria dos que ingressavam nas universidades pertenciam a classe média para cima. A classe baixa tivera dificuldades para ingressar no ensino superior, e a alternativa era procurar as faculdades particulares, além disso, se por um lado o ensino superior recebeu bastante investimento, o ensino básico formado no Brasil pela educação infantil, fundamental e médio, começou a ser sucateado, em detrimento de acordos comerciais que passaram a privilegiar o ensino básico particular.
Já ouvi gente dizer que a educação básica pública brasileira era de boa qualidade durante a Ditadura. Mas tal afirmação deve ser feita com cautela. Durante os anos 60 e 70, as escolas públicas de fato eram boas, mas no final dos anos 70, quando o governo começou a entrar em crise econômica, optou-se em dedicar a maior parte do investimento na Educação, para fortalecer e desenvolver o ensino superior, deixando de lado o ensino básico. A partir do final da década de 70, as escolas particulares começaram sua expansão no país, e nos anos 80 começamos a ver um declínio no ensino básico público no país.
No entanto, se por um lado o governo militar investiu massivamente no ensino superior no intuito de desenvolver o país, não significa que eles deixaram a situação fora de controle; a fiscalização dos funcionários e dos alunos foi mantida. Os cursos de História, Filosofia, Sociologia, Ciências Políticas, etc., foram os mais fiscalizados, pois os professores não podiam ensinar ideias socialistas, comunistas ou falar qualquer coisa que fosse contrária a ditadura. dos.
Chegou-se também em se haver "batidas policiais" em bibliotecas universitárias para se retirar livros sobre o comunismo, socialismo ou que criticassem o autoritarismo, principalmente de autores que foram revolucionários ou incentivavam a revolução, pois autores de linguajar mais brando foram permitidos.
Contudo, não era apenas esses cursos que eram monitorados, todos os cursos eram vigiados, pois nas salas, disfarçados entre alunos havia policiais militares ou soldados, que agiam como espiões, os quais relatavam tudo de suspeito que era ouvido e comentado entre professores, alunos e funcionários. As pessoas que falavam algo ou combinavam fazer algum movimento, ou um protesto, ou convocavam uma reunião que parece-se ser suspeita, eram todos fixados, e seus registros encaminhados para as secretárias especiais geralmente localizadas no prédio da reitoria, onde posteriormente dependendo das acusações ou na repetição de infrações, tal indivíduo seria procurado pela polícia e chamado para se explicar. De fato, em todo o país houve professores que foram autuados, foram aposentados compulsoriamente, foram demitidos, foram transferidos, foram presos e alguns até mesmo sumiram, e nunca mais foram encontrados.
Ainda no ano de 1964, tropas do exército invadiram a Universidade de Brasília (UnB) e destituíram o então reitor Anísio Teixeira (1900-1971), proeminente jurista, professor, educador e escritor brasileiro, foi retirado do cargo e substituído por Zeferino Vaz, que era professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Além de Anísio vários outros reitores pelo país foram retirados do cargo, e o governo empossou novos reitores, estes favoráveis as políticas do regime militar. Na época que o professor Anísio Teixeira foi destituído de seu cargo, houve protestos na UnB, mas a polícia militar repreendeu os estudantes.
Em 1964, a Lei Suplicy Lacerda decretou a ilegalidade da União Nacional dos Estudantes (UNE), formada principalmente por alunos universitários, pois embora houvesse alunos que eram partidários do regime militar, muitos eram contra. Com a ilegalidade da UNE, foi criado os Diretórios Acadêmicos (DAs) e o Diretório Central dos Estudantes (DCE), ambos nas universidades, como forma de garantir o direito de reunião dos alunos, embora que ambos eram controlados e fiscalizados pelo regime. Isso levou a UNE a manter reuniões clandestinas até que em 1968, a sede em São Paulo foi depredada e incendiada pelo exército.
Incêndio na sede da UNE em 1968. |
Acredito que após o comentários destes pontos mencionados no texto, tenha ficado mais claro o que foi o regime político da Ditadura Militar Brasileira (1964-1985), e que diferente do que alguns alegam hoje, ela foi um grande mal, mesmo que tenha realizado algumas boas contribuições, ainda assim, isso não retira a mácula que foi suspender o Estado direito de democracia; suspender os direitos políticos, civis e judiciais; limitar o direito de ir e vir; pregar uma grande mentira, ao dizer que estavam salvando o país de uma ameaça comunista, a qual nunca existiu.
Enganou o povo quanto a dizer que o país vivia em segurança, e com melhorias na saúde, educação e com crescimento econômico. De fato, não podemos negar que algumas destas melhorias realmente existiram e funcionaram, mas isso foi para alguns anos. Pois a crise financeira acometeu o regime ditatorial na segunda metade da década de 70.
Por outro lado, vimos como o governo tomou medidas para limitar e retirar do cidadão o direito ao sufrágio, inclusive decretando leis que dificultavam ainda mais os cidadãos poderem escolher seus candidatos e limitava a eleição de candidatos contrários ao regime militar.
Vimos também que nem todos os protestantes participaram da luta armada, mas foram pessoas provenientes de distintas camadas sociais, municípios, estados, de ocupações e ofícios. Não obstante, vigorou entre os órgãos policiais da ditadura, taxar todo protestante de ser "terrorista", "subversivo", "comunista". Classificando todos da mesma forma, mesmo que eles não fossem de fato guerrilheiros, militantes comunistas ou mesmo subversivos.
A ideia de que poucos foram os torturados também é uma falácia. Oficialmente a Ditadura apenas divulgou que um pouco mais de 250 pessoas foram torturadas e pelo menos umas 100 foram assassinadas, mas na prática, os números são bem maiores, todavia, os militares destruíram documentos que corroboravam isso. Ainda hoje há pessoas que desapareceram durante a Ditadura, e seus corpos nunca foram achados.
Diferente do que alguns dizem, nem todos os militares apoiaram o golpe e a Ditadura, houve gente das três Forças Armadas que discordaram e até lutaram contra, mas acabaram sendo afastados, demitidos, aposentados compulsoriamente ou até mesmo presos ou mortos.
A ideia de que não houve corrupção durante o governo militar, isso é mentira. A corrupção existiu, mas é em grande parte desconhecida pelos seguintes motivos: o governo antes de chegar ao fim, destruiu documentos; a CGI, não conseguiu agir plenamente e nem a julgar os crimes; aqueles que tentavam investigar as irregularidades e crimes, acabavam sendo ameaçados ou desmotivados a prosseguir; e em alguns casos, foram mortos. Além disso, o governo censurava os meios de comunicação; qualquer rede de TV, jornal, rádio, revista, etc., tentasse publicar ou divulgar informações comprometedoras contra o governo, corriam riscos de serem fechadas ou os responsáveis poderiam ser presos.
Referências Bibliográficas:
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Referências legais:
Lei 5.440 de 28 de novembro de 1968
Atos Institucionais
Constituição Brasileira de 1946
Constituição Brasileira de 1967
Lei 6.339, de 1 de julho de 1976 (Lei Falcão)
Documentários:
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Jango
Memória do Chumbo Brasil
Marighella
O Golpe Militar de 1964
Camponeses do Araguaia: A Guerrilha vista por dentro
O Regime Militar no Brasil (1964: 40 anos depois)
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2 comentários:
Seria correto afirmar que não somente os direito civis, mas também políticos da população ficaram mais restritos pela Reformulação da Constituição?
No caso você refere a Constituição de 1967 ou a de 1988?
Se for a Constituição de 1967, promulgada em plena Ditadura, de fato tanto direitos civis quanto direitos políticos foram reduzidos para o povo no geral. O próprio direito eleitoral de sufrágio recebeu duros golpes, o direito à liberdade de expressão e de criticar e discordar do governo foi censurado. Direitos de concorrer a cargos políticos foi restringido. Direitos judiciais como habeas corpus, habeas data, julgamento, defesa etc., foram suprimidos aos investigados. A tortura apesar de não ter sido legalizada, mas era descaradamente praticada.
Direito a privacidade também sofreu problemas, pois o governo espionava a população. Embora que ainda hoje países como EUA e Rússia espionem sua população, invadindo contas de redes sociais e e-mails. No caso da Ditadura a internet ainda estava em desenvolvimento e não existia no Brasil, mas o governo espionava as pessoas nos locais de trabalho e convivência pública. Nas universidades haviam secretárias que recebiam relatórios de professores, alunos, funcionários e qualquer um que fosse considerado suspeito. Nas Forças Armadas e repartições públicas tais escritórios também existiam.
Houve casos de pessoas que foram fichadas pelo DOPS, e nem se quer sabiam disso. Anos depois descobriram que seus nomes foram indicados como potenciais subversivos. E na ficha constava vários dados pessoais.
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