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Leandro Vilar

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Pedras rúnicas: preservando os feitos dos vikings


No norte da Europa existem milhares de monumentos chamados de pedras rúnicas (runestones) os quais foram erigidos pelos vikings principalmente ao longo de um período de cem anos. Esses monumentos que continham escrita e imagens são símbolos de um passado milenar no qual os vikings gravaram na pedra alguns feitos pessoais, praticados por eles mesmos ou por familiares, e estas façanhas seriam dignas de serem eternizadas na pedra para as gerações futuras. Passados mil ano anos, muitas dessas pedras podem ser encontradas em campos, bosques, igrejas e museus, preservando essas memórias. Neste breve texto, escrevi um pouco a respeito destes monumentos e seu uso social e importância histórica. 

As pedras rúnicas consistem em pedras trabalhadas ou em gravações em rochas naturais, nas quais foram inseridas runas, alfabeto de origem germânica, surgido por volta do século II d.C, em local incerto, tendo sido baseado no alfabeto latino ou grego, sendo difundido entre povos germânicos e eslavos. Esse alfabeto apresentou variações quanto a grafia e quantidade de letras. No caso escandinavo algumas dessas variações foram utilizadas durante a Era Viking (VIII-XI), ficando conhecidas como novo futhark (PAGE, 1999, p. 2-3).


Pedra rúnica Öl 1, situada em Oland na Suécia. Datada por volta do século IX ou X. 

A pedras rúnicas consistiram em monumentos para fins memorialistas, sendo erguidos para se relembrar ou celebrar os feitos ou a memória dos vivos e dos mortos. Durante o século XI muitos desses monumentos eram erigidos para fins póstumos, os quais traziam breves epitáfios dedicados a entes falecidos.

As primeiras pedras rúnicas possuíam apenas runas, algumas poucas apresentavam imagens. A partir do século X a combinação de imagem e escrita começou a se tornar mais habitual. Por outro lado, existem também as chamadas pedras gravadas (picture stonesimage stones ou gotland’s stones), tendo surgido entre os séculos IV ou V d.C, na ilha de Gotland, atualmente na Suécia. A principal diferença desse segundo tipo é a ausência de inscrições rúnicas, sendo que tais monumentos contêm apenas imagens e símbolos (JANSSON, 1987, p. 10).


A esquerda a pedra rúnica U 241 datada do século XI. Na direita a pedra gravada de Stora Hammars 1, datada por volta do século X. Uma das principais diferenças entre os dois tipos de monumentos é que no segundo hão há a presença de escrita.
 
No tocante as imagens contidas nas pedras rúnicas, elas apresentam animais como canídeos (não se sabe se haveria uma distinção entre cães e lobos), serpentes, aves (corvos, águias e galos), cavalos e leões. Além da decoração zoomórfica, há algumas pedras que trazem também pessoas e algumas criaturas que parecem monstros, possivelmente gigantes ou trolls. Também se encontra em alguns casos a presença de motivos fitomórficos e símbolos como a suástica, a triquetra (símbolo formado por três triângulos interligados) e a cruz cristã. Já nas pedras gravadas a presença de animais é um pouco mais variável, incluindo cervídeos e animais de fazenda, além de mostrar cenas do cotidiano, de batalha e mitológicas, sacrifícios, embarcações, armas, símbolos etc. (OEHRL, 2017, p. 88-89).

Estes monumentos são encontrados sobretudo na Escandinávia, especificamente na DinamarcaNoruega e principalmente na Suécia, embora que alguns desses monumentos foram erguidos na Inglaterra, Escócia, Ilha de Man, Irlanda, Rússia e outros territórios, mas consistindo numa pequena fração da produção geral. Todavia, a condição dessas pedras terem sido erguidas do século V ao XII, revela um uso cultural e social bem longevo para esse tipo de monumento (SAWYER, 2006, p. 10-14).

Atualmente contabiliza-se que existam pelo menos 3 mil pedras rúnicas catalogadas, havendo a possibilidade de algumas estarem soterradas e outras terem sido destruídas no passar do tempo. Desse total de pedras rúnicas identificadas, 89% se concentra na Suécia, especialmente na província de Uppland. Somente na Suécia estima-se que haja 2.500 pedras rúnicas, na Dinamarca identificou-se 250 monumentos e cerca de 50 na Noruega. As demais pedras estão espalhadas por outros territórios visitados ou ocupados pelos nórdicos (PRICE, 2015, p. 367).

Mapa da Escandinávia com a concentração das principais pedras rúnicas. Os pontos e as áreas em preto são as regiões com mais destes monumentos. A maioria situado em Uppland na Suécia. 

As pedras rúnicas mais antigas foram encontradas na Dinamarca, datando por volta do século V d.C.  No mesmo período já se encontrava pedras gravadas em Gotland. As pedras rúnicas da Dinamarca faziam uso do Antigo Futhark até o século IX, quando se passou a adotar o Novo Futhark (SAWYER, 2006, p. 7-10). Sendo que muitos desses monumentos foram erguidos durante a Era Viking (VIII-XI), o que seria resultado da expansão do poder político e econômico de monarcas, nobres, ricos fazendeiros e comerciantes que aproveitaram as expedições, invasões, saques, guerras e colonização daquela época (PRICE, 2015, p. 368).

A origem das pedras rúnicas e das pedras gravadas ainda é debatida, não se sabe exatamente se seriam originárias de conceitos internos ou teriam sofrido influências externas de povos vizinhos como os germânicos. Todavia, o arqueólogo Sune Lindqvist (1887-1976), defendia a tese de que tais monumentos poderiam ter sido influenciados pela arte tumular dos romanos, que foi absorvida pelos germânicos e gauleses, e levada ao norte da Europa. A hipótese de Lindqvist embora criticada em alguns aspectos, foi nos anos seguintes sendo sustentada com novas evidências (VARENIUS, 2012, p. 48).

Nylén e Lamm (2007, p. 27), baseando-se na tese proposta por Lindqvist e defendida por outros arqueólogos, eles sugeriram que através desse contato com a cultura romana entre os séculos III e V, isso teria proporcionado que os gotlandeses tivessem sido os primeiros escandinavos a darem origem a tradição de erguer pedras para fins de homenagem, tradição essa que se espalhou pela Suécia, chegando a Dinamarca e  Noruega com menor influência. As pedras erguidas em Gotland e no sul da Dinamarca apresentam algumas semelhanças com tumbas romanas.

Em geral as pedras rúnicas apresentam um uso memorialista, seja para enaltecer os feitos de alguém vivo ou uma homenagem póstuma. A maior parte das homenagens eram concedidas a homens (maridos, pais e filhos), por seus familiares (esposas e filhos), mas há casos de mulheres que foram homenageadas, especialmente esposas, mães e filhas. Estes monumentos não consistiam em túmulos como foi sugerido no passado, mas seriam monumentos memorialistas, e em alguns casos, poderia se considerar que possam ser cenotáfios pela condição de terem sido erguidos para prestar homenagem aos mortos, incluindo o direito de a família dedicar um epitáfio ao falecido.

Essa dedicação de epitáfios entre os nórdicos é bem perceptível pela condição de que muitas pedras rúnicas possuem o nome dos homenageados, dos familiares e em alguns casos informam algum feito do morto, como tendo viajado para terras distantes, morrido em batalha, conquistado fama, assumido cargo importante na política local etc. Em outros exemplos tais informações não existem, apenas se diz que os parentes erguiam aquele monumento em memória de um ente querido que faleceu, e nesse ponto há casos de até mesmo citar-se o nome do escultor ou mestre de runas que fez aquele monumento.

Muitas das pedras rúnicas com epitáfios cristãos, datam do século XI, estando situadas na Suécia, apesar que como visto anteriormente, tratava-se de um território ainda não unificado e em processo de conversão. No caso das pedras rúnicas que contém epitáfios cristãos o uso desses textos também adotava um valor religioso, pois evocava-se o nome de Deus, e as vezes de Maria, Jesus e mais raramente de algum santo ou dos anjos, pedindo que estes guardassem a alma do falecido.

Entretanto não bastava apenas destacar os feitos e a memória de alguém nesses monumentos, através de epitáfios ou imagens, era preciso que tais monumentos pudessem ser vistos pela comunidade. Estes monumentos eram erguidos em distintas localidades como à beira de estradas, campos, pontes, cemitérios e terrenos de igreja, pois tratava-se de lugares nos quais havia a circulação de pessoas, permitindo que a população local tivesse contato com tais monumentos. Embora grande parte da população nórdica fosse iletrada, ainda assim, apenas o ato de visualizar tais monumentos já se fazia importante para a memória do homenageado. Além da condição de que estamos nos referindo a comunidades com algumas centenas de pessoas, o que favorecia que a população conhecesse uns aos outros, e pudesse identificar determinadas pedras como pertencentes a membros de certa família (MARJOLEIN, 2013, p. 3-4).

A pedra U 629 em Grynsta backe, município de Sigtuna, na Suécia. Datada de meados do século XI, esse monumento foi feito a pedido de dois filhos para se homenagear seu pai que era cristão. A pedra fica situada diante de uma antiga estrada que conduz ao fiorde de Sigtuna. 

Embora a função desses monumentos fosse prestar homenagem aos vivos e mortos, Alain Marez (2007, p. 279-281) escreveu que as informações contidas em algumas dessas pedras nos permite conhecer um pouco mais sobre a história nórdica da Era Viking. Alguns desses monumentos informam que o falecido morreu em viagem a terras distantes. Logo, temos relatos de viajantes que faleceram na Inglaterra, Lombardia, Império Bizantino e até no Oriente Médio, como no caso da jornada de Ingvar, o Viajante, que liderou uma expedição ao Mar Cáspio.

Outra importância que Marez destaca é a condição de algumas pedras apresentarem informações políticas. A mais famosa é a DR 42 Jelling 2, na Dinamarca, erguida pelo rei Haroldo Dente Azul (c. 935-986). Nesse monumento está escrito uma homenagem aos pais de Haroldo, Gorm e Thyra, além de informar que Haroldo era rei da Dinamarca e da Noruega. Nota-se que o monumento apresenta a função de ser memorialista, mas também de ser propagandístico por exaltar os feitos do monarca. 

A face com runas da pedra rúnica DR 42 Jelling 2, situada na Dinamarca, e erigida por ordem do rei Haroldo Dente Azul. A pedra possui outras imagens na parte de traz, mostrando uma serpente e um leão, e Jesus Cristo crucificado. A Jelling 2 consiste em uma das pedras rúnicas mais famosas, tendo servido de modelo para os estilos posteriores.

Embora sejam monumentos antigos, cujos primeiros começaram a serem erguidos no século V, somente no século XI ocorreu o auge desse tipo de monumento, tendo se feito mais de 70% dessas pedras, principalmente em determinadas regiões suecas como Uppland, Södermandland e Gotland. Localidades prósperas devido a agricultura, pecuária e o comércio regional e até internacional, especialmente em Gotland onde chegavam produtos vindos do sul da Europa e até do Oriente Médio através do Império Bizantino. Logo, para muitos historiadores essa prosperidade econômica foi essencial para que houvesse uma grande difusão desses monumentos, embora não se saiba qual seria o custo do mesmos.

Não obstante, o uso de pedras rúnicas coexistiu mesmo com a condição de haver nórdicos cristãos, fato esse que há muitas pedras contendo cruzes e até epitáfios citando o nome de Deus, Jesus e Maria. Porém, com o fim da Era Viking (VIII-XI) e o início da Idade Média Nórdica (XII-XV), a qual foi marcada pela consolidação dos reinos cristãos da Suécia, Dinamarca e Noruega, o uso de pedras rúnicas foi sendo abandonado no século XII. A população começou a adotar outras formas memorialistas como inscrições latinas ou rúnicas em lápides ou túmulos, os quais exibiam em geral cruzes ou alguma ornamentação geométrica ou de entrelaçamento. O fim da Era Viking marcou o fim das pedras rúnicas e das pedras gravadas. 

Referências bibliográficas: 
JANSSON, Sven B. F. Runes in Sweden. Translation by Peter Foote. 2. ed. Värnamo: Gidlunds/Royal Academy of Letters, History and Antiquities, 1987. 
MAREZ, Alain. Anthologie Runique. Paris: Les Belles Lettres, 2007. (Classiques du Nord).
MARJOLEIN, Stern. Runestone image and visual communication in Viking Age Scandinavia. 2013. 405f. PhD Thesis (Doctor of Philosophy) – University of Nottingham, 2013.
NYLÉN, Erik; LAMM, Jan Peder. Les pierres gravées de Gotland: aux sources de la sacralité Viking. Trad. Denise Bernard-Folliot. Paris: Éditions Michel de Maulf, 2007.
OEHRL, Sigmund. Documenting and interpreting the picture stones of Gotland: Old Problems and New Approaches. Current Swedish Archeology, vol. 25, 2017, p. 87-122.
PAGE, Raymond I. An Introduction English Runes. London: Boydell e Brewer Ltd, 1999.
PRICE, T. Douglas. Ancient Scandinavia. Oxford: Oxford University Press, 2015.
SAWYER, Birgit. The Viking-age rune-stones: custom and commemoration in early medieval Scandinavia. Oxford: Oxford University Press, 2000.
VARENIUS, Björn. Pictures Stones as an Opening to Iron Age Society. In: KERNELL, Maria Herlin (ed.). Gotland’s Pictures Stones: Bearers of an Enigmatic Legacy. Gotland: Gotländskt Arkiv, 2012.

LINK:
Runas e Pedras Rúnicas: guia visual

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