No norte da Europa existem milhares de monumentos chamados de pedras rúnicas (runestones) os quais foram erigidos pelos vikings principalmente ao longo de um período de cem anos. Esses monumentos que continham escrita e imagens são símbolos de um passado milenar no qual os vikings gravaram na pedra alguns feitos pessoais, praticados por eles mesmos ou por familiares, e estas façanhas seriam dignas de serem eternizadas na pedra para as gerações futuras. Passados mil ano anos, muitas dessas pedras podem ser encontradas em campos, bosques, igrejas e museus, preservando essas memórias. Neste breve texto, escrevi um pouco a respeito destes monumentos e seu uso social e importância histórica.
As
pedras rúnicas consistem em pedras trabalhadas ou em
gravações em rochas naturais, nas quais foram inseridas runas, alfabeto de
origem germânica, surgido por volta do século II d.C, em local incerto, tendo
sido baseado no alfabeto latino ou grego, sendo difundido entre povos germânicos
e eslavos. Esse alfabeto apresentou variações quanto a grafia e quantidade de
letras. No caso escandinavo algumas dessas variações foram utilizadas durante a
Era Viking (VIII-XI), ficando conhecidas como novo futhark (PAGE,
1999, p. 2-3).
Pedra rúnica Öl 1, situada em Oland na Suécia. Datada por volta do século IX ou X. |
A pedras rúnicas consistiram em monumentos para fins memorialistas, sendo erguidos para se relembrar ou celebrar os feitos ou a memória dos vivos e dos mortos. Durante o século XI muitos desses monumentos eram erigidos para fins póstumos, os quais traziam breves epitáfios dedicados a entes falecidos.
As primeiras pedras rúnicas possuíam apenas runas, algumas poucas apresentavam imagens. A partir do século X a combinação de imagem e escrita começou a se tornar mais habitual. Por outro lado, existem também as chamadas pedras gravadas (picture stones, image stones ou gotland’s stones), tendo surgido entre os séculos IV ou V d.C, na ilha de Gotland, atualmente na Suécia. A principal diferença desse segundo tipo é a ausência de inscrições rúnicas, sendo que tais monumentos contêm apenas imagens e símbolos (JANSSON, 1987, p. 10).
No tocante as imagens contidas nas pedras rúnicas, elas apresentam animais como canídeos (não se sabe se haveria uma distinção entre cães e lobos), serpentes, aves (corvos, águias e galos), cavalos e leões. Além da decoração zoomórfica, há algumas pedras que trazem também pessoas e algumas criaturas que parecem monstros, possivelmente gigantes ou trolls. Também se encontra em alguns casos a presença de motivos fitomórficos e símbolos como a suástica, a triquetra (símbolo formado por três triângulos interligados) e a cruz cristã. Já nas pedras gravadas a presença de animais é um pouco mais variável, incluindo cervídeos e animais de fazenda, além de mostrar cenas do cotidiano, de batalha e mitológicas, sacrifícios, embarcações, armas, símbolos etc. (OEHRL, 2017, p. 88-89).
No tocante as imagens contidas nas pedras rúnicas, elas apresentam animais como canídeos (não se sabe se haveria uma distinção entre cães e lobos), serpentes, aves (corvos, águias e galos), cavalos e leões. Além da decoração zoomórfica, há algumas pedras que trazem também pessoas e algumas criaturas que parecem monstros, possivelmente gigantes ou trolls. Também se encontra em alguns casos a presença de motivos fitomórficos e símbolos como a suástica, a triquetra (símbolo formado por três triângulos interligados) e a cruz cristã. Já nas pedras gravadas a presença de animais é um pouco mais variável, incluindo cervídeos e animais de fazenda, além de mostrar cenas do cotidiano, de batalha e mitológicas, sacrifícios, embarcações, armas, símbolos etc. (OEHRL, 2017, p. 88-89).
Estes monumentos são encontrados sobretudo na Escandinávia, especificamente na Dinamarca, Noruega e principalmente na Suécia, embora que alguns desses monumentos foram erguidos na Inglaterra, Escócia, Ilha de Man, Irlanda, Rússia e outros territórios, mas consistindo numa pequena fração da produção geral. Todavia, a condição dessas pedras terem sido erguidas do século V ao XII, revela um uso cultural e social bem longevo para esse tipo de monumento (SAWYER, 2006, p. 10-14).
Atualmente
contabiliza-se que existam pelo menos 3 mil pedras rúnicas catalogadas, havendo
a possibilidade de algumas estarem soterradas e outras terem sido destruídas no
passar do tempo. Desse total de pedras rúnicas identificadas, 89% se concentra
na Suécia, especialmente na província de Uppland. Somente na Suécia
estima-se que haja 2.500 pedras rúnicas, na Dinamarca identificou-se 250
monumentos e cerca de 50 na Noruega. As demais pedras estão espalhadas por
outros territórios visitados ou ocupados pelos nórdicos (PRICE, 2015, p. 367).
As
pedras rúnicas mais antigas foram encontradas na Dinamarca, datando por volta
do século V d.C. No mesmo período já se
encontrava pedras gravadas em Gotland. As pedras rúnicas da Dinamarca faziam
uso do Antigo Futhark até o século IX, quando se passou a adotar o Novo
Futhark (SAWYER, 2006, p. 7-10). Sendo que muitos desses monumentos foram
erguidos durante a Era Viking (VIII-XI), o que seria resultado da expansão do
poder político e econômico de monarcas, nobres, ricos fazendeiros e
comerciantes que aproveitaram as expedições, invasões, saques, guerras e
colonização daquela época (PRICE, 2015, p. 368).
Mapa da Escandinávia com a concentração das principais pedras rúnicas. Os pontos e as áreas em preto são as regiões com mais destes monumentos. A maioria situado em Uppland na Suécia. |
A
origem das pedras rúnicas e das pedras gravadas ainda é debatida, não se sabe
exatamente se seriam originárias de conceitos internos ou teriam sofrido
influências externas de povos vizinhos como os germânicos. Todavia, o
arqueólogo Sune Lindqvist (1887-1976), defendia a tese de que tais
monumentos poderiam ter sido influenciados pela arte tumular dos romanos,
que foi absorvida pelos germânicos e gauleses, e levada ao norte da Europa. A
hipótese de Lindqvist embora criticada em alguns aspectos, foi nos anos
seguintes sendo sustentada com novas evidências (VARENIUS, 2012, p. 48).
Nylén
e Lamm (2007, p. 27), baseando-se na tese proposta por Lindqvist e defendida
por outros arqueólogos, eles sugeriram que através desse contato com a cultura
romana entre os séculos III e V, isso teria proporcionado que os gotlandeses
tivessem sido os primeiros escandinavos a darem origem a tradição de erguer
pedras para fins de homenagem, tradição essa que se espalhou pela Suécia, chegando
a Dinamarca e Noruega com menor
influência. As pedras erguidas em Gotland e no sul da Dinamarca apresentam
algumas semelhanças com tumbas romanas.
Em
geral as pedras rúnicas apresentam um uso memorialista, seja para enaltecer os
feitos de alguém vivo ou uma homenagem póstuma. A maior parte das homenagens eram
concedidas a homens (maridos, pais e filhos), por seus familiares (esposas e
filhos), mas há casos de mulheres que foram homenageadas, especialmente
esposas, mães e filhas. Estes monumentos não consistiam em túmulos como foi
sugerido no passado, mas seriam monumentos memorialistas, e em alguns casos,
poderia se considerar que possam ser cenotáfios pela condição de terem sido
erguidos para prestar homenagem aos mortos, incluindo o direito de a família
dedicar um epitáfio ao falecido.
Essa
dedicação de epitáfios entre os nórdicos é bem perceptível pela condição de que
muitas pedras rúnicas possuem o nome dos homenageados, dos familiares e em
alguns casos informam algum feito do morto, como tendo viajado para terras
distantes, morrido em batalha, conquistado fama, assumido cargo importante na
política local etc. Em outros exemplos tais informações não existem, apenas se
diz que os parentes erguiam aquele monumento em memória de um ente querido que
faleceu, e nesse ponto há casos de até mesmo citar-se o nome do escultor ou
mestre de runas que fez aquele monumento.
Muitas
das pedras rúnicas com epitáfios cristãos, datam do século XI, estando situadas
na Suécia, apesar que como visto anteriormente, tratava-se de um território
ainda não unificado e em processo de conversão. No caso das pedras rúnicas que
contém epitáfios cristãos o uso desses textos também adotava um valor
religioso, pois evocava-se o nome de Deus, e as vezes de Maria, Jesus e mais
raramente de algum santo ou dos anjos, pedindo que estes guardassem a alma do
falecido.
Entretanto
não bastava apenas destacar os feitos e a memória de alguém nesses monumentos,
através de epitáfios ou imagens, era preciso que tais monumentos pudessem ser
vistos pela comunidade. Estes monumentos eram erguidos em distintas localidades
como à beira de estradas, campos, pontes, cemitérios e terrenos de igreja, pois
tratava-se de lugares nos quais havia a circulação de pessoas, permitindo que a
população local tivesse contato com tais monumentos. Embora grande parte da
população nórdica fosse iletrada, ainda assim, apenas o ato de visualizar tais
monumentos já se fazia importante para a memória do homenageado. Além da
condição de que estamos nos referindo a comunidades com algumas centenas de
pessoas, o que favorecia que a população conhecesse uns aos outros, e pudesse
identificar determinadas pedras como pertencentes a membros de certa família
(MARJOLEIN, 2013, p. 3-4).
Embora a função desses monumentos fosse prestar homenagem aos vivos e mortos, Alain Marez (2007, p. 279-281) escreveu que as informações contidas em algumas dessas pedras nos permite conhecer um pouco mais sobre a história nórdica da Era Viking. Alguns desses monumentos informam que o falecido morreu em viagem a terras distantes. Logo, temos relatos de viajantes que faleceram na Inglaterra, Lombardia, Império Bizantino e até no Oriente Médio, como no caso da jornada de Ingvar, o Viajante, que liderou uma expedição ao Mar Cáspio.
Embora a função desses monumentos fosse prestar homenagem aos vivos e mortos, Alain Marez (2007, p. 279-281) escreveu que as informações contidas em algumas dessas pedras nos permite conhecer um pouco mais sobre a história nórdica da Era Viking. Alguns desses monumentos informam que o falecido morreu em viagem a terras distantes. Logo, temos relatos de viajantes que faleceram na Inglaterra, Lombardia, Império Bizantino e até no Oriente Médio, como no caso da jornada de Ingvar, o Viajante, que liderou uma expedição ao Mar Cáspio.
Outra
importância que Marez destaca é a condição de algumas pedras apresentarem
informações políticas. A mais famosa é a DR 42 Jelling 2, na Dinamarca,
erguida pelo rei Haroldo Dente Azul (c. 935-986). Nesse monumento está
escrito uma homenagem aos pais de Haroldo, Gorm e Thyra, além de
informar que Haroldo era rei da Dinamarca e da Noruega. Nota-se que o monumento
apresenta a função de ser memorialista, mas também de ser propagandístico por
exaltar os feitos do monarca.
Referências bibliográficas:
LINK:
Runas e Pedras Rúnicas: guia visual
Referências bibliográficas:
JANSSON, Sven B. F.
Runes in Sweden. Translation by Peter Foote. 2. ed. Värnamo: Gidlunds/Royal
Academy of Letters, History and Antiquities, 1987.
MAREZ, Alain.
Anthologie Runique. Paris: Les Belles Lettres, 2007. (Classiques du Nord).
MARJOLEIN, Stern.
Runestone image and visual communication in Viking Age Scandinavia. 2013. 405f.
PhD Thesis (Doctor of Philosophy) – University of Nottingham, 2013.
NYLÉN, Erik; LAMM,
Jan Peder. Les pierres gravées de Gotland: aux sources de la sacralité Viking.
Trad. Denise Bernard-Folliot. Paris: Éditions Michel de Maulf, 2007.
OEHRL, Sigmund.
Documenting and interpreting the picture stones of Gotland: Old Problems and
New Approaches. Current Swedish Archeology, vol. 25, 2017, p. 87-122.
PAGE, Raymond I. An
Introduction English Runes. London: Boydell e Brewer Ltd, 1999.
PRICE, T. Douglas.
Ancient Scandinavia. Oxford: Oxford University Press, 2015.
SAWYER, Birgit. The
Viking-age rune-stones: custom and commemoration in early medieval Scandinavia.
Oxford: Oxford University Press, 2000.
VARENIUS, Björn.
Pictures Stones as an Opening to Iron Age Society. In: KERNELL, Maria Herlin
(ed.). Gotland’s Pictures Stones: Bearers of an Enigmatic Legacy. Gotland:
Gotländskt Arkiv, 2012.
LINK:
Runas e Pedras Rúnicas: guia visual
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