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Leandro Vilar

sábado, 12 de abril de 2025

As múmias

Embora os antigos egípcios sejam principalmente lembrados pela prática religiosa da mumificação, no entanto, eles não foram os únicos povos a criar múmias. Outros povos como os incas e os japoneses, cada um com suas próprias técnicas. Assim, o presente texto mostra como existiram diferentes tipos de múmias em alguns lugares do mundo, além de que o conceito de múmia inclui múmias naturais e artificiais, assim como, a mumificação é uma prática para se criar múmias artificiais como será visto.


A palavra múmia

Essa palavra advém do latim medieval mumia, baseada no árabe mumiya, usada para designar cadáveres embalsamados com betume. Por sua vez, os persas usavam o termo mum (piche). A medicina islâmica utilizava o betume e piche para diferentes empregos, inclusive embalsamar os corpos enquanto eles aguardavam o funeral. 

Assim, o contato entre povos europeus com povos de língua árabe os levou a assimilar a palavra mumia, usada principalmente na medicina medieval para designar substâncias derivadas do betume medicinal e até de compostos químicos diversos, vendidos como remédios para tratar diferentes tipos de doenças. Inclusive se sabe que houve casos de se pegar partes de múmias e moê-las, tornando-as num "pó de múmia", que era vendido para se fazer poções e medicamentos. 

Frasco apotecário com pó de mumia, datado de entre o século XVI e XVII.  

Essa ideia de mumia como um tipo de composto medicinal perdurou ao longo do medievo e meados da modernidade, quando foi abandonada devido a mudanças no pensamento medicinal. Por sua vez, a palavra múmia passou a designar as múmias egípcias, até então as mais famosas e conhecidas pelos europeus, africanos e povos do Oriente Médio. Nesse período da Idade Moderna o antiquarismo fez crescer o interesse pelas múmias, cobiçadas como bizarros itens de colecionador. 

Múmias naturais

O conceito mais simplista de múmia refere-se a um cadáver que por condições naturais ou artificiais (induzidas) foi preservado de tal forma que conseguiu resistir a decomposição e intempéries ao longo de séculos ou milênios. No caso, as múmias naturais se dividem em dois tipos: as acidentais, ou seja, a pessoa não pretendia se tornar uma múmia, mas devido as circunstâncias e localidade onde ela veio a morrer, seu corpo acabou ficando preso em algum substrato e ali foi preservado. 

Um exemplo famoso é o Ötzi, o homem do gelo. Um viajante que cruzava os Alpes austríacos há mais de cinco mil anos, o qual acabou morrendo de frio e seu corpo foi coberto por gelo e neve, permitindo que ficasse preservado por milênios até ser descoberto em 1991 por um casal de alpinistas no Vale de Ötztal. Nesse caso, esse viajante não pretendia se tornar uma múmia, mas acabou acidentalmente se tornando uma por conta de ter morrido ali e seu corpo ter sido congelado naturalmente e permanecido nesse estado de preservação por milhares de anos.

Fotografia da descoberta de Ötzi, em 1991. 

Outro exemplo de múmias naturais são as múmias dos pântanos dinamarqueses. O território central da Dinamarca, chamado de Jutland é conhecido por possuir em determinadas localidades turfeiras, um tipo de região pantanosa. No passado sacrifícios humanos e de animais eram feitos nessas turfeiras. Devido a lama, o lodo e o clima mais frio, isso criava um substrato que envolvia os cadáveres deixando-os preservados por séculos. Um exemplo famoso é do chamado Homem de Tollund, o qual viveu no século V a.C, o qual foi sacrificado na ocasião. Seu corpo foi descoberto em 1950 durante uma escavação próximo a Silkeborg

Fotografia da face do Homem de Tollund. 

Entretanto, o segundo exemplo de múmia natural é quando ela é induzida aquilo. Aqui inclui-se a condição de que alguém deliberadamente depositou um cadáver em determinado local para ele ser preservado. Os incas costumavam fazer isso ao deixar pessoas que foram sacrificadas em cavernas nas montanhas. Devido ao clima frio, esses cadáveres se tornavam múmias. A respeito voltarei a comentar no tópico específico sobre as múmias incas. 

No México, na cidade de Guanajuato, no século XIX começaram a exumar túmulos no cemitério de Santa Paula devido a falta de espaço para covas. Ao se fazer isso, os coveiros constataram que alguns corpos estavam preservados. Tratam-se de múmias naturais que devido ao clima seco, atingiram essa condição. Na época algumas múmias foram vendidas como curiosidade, outras foram expostas em igrejas e capelas. No século XX criou-se o Museu das Múmias de Guanajuato, que virou sensação no país. 

Uma seção do Museu das Múmias de Guanajuato, no México. 

Múmias egípcias

As múmias do Egito Antigo se tornaram as mais famosas do mundo devido a popularização da Egitomania entre os séculos XIX e XX, além da própria midiatização sobre as múmias em filmes, desenhos, ilustrações e jogos. Em geral múmias enfaixadas apareciam em tramas de terror ou em sátiras. De qualquer forma, os egípcios foram um dos povos que mais investiu no desenvolvimento da prática mortuária da mumificação, condição bastante influenciada pelas crenças religiosas desse povo, o qual acreditava na ressurreição. 

Assim, as múmias foram concebidas para se preservar o corpo físico de forma que ele pudesse repousar com segurança por bastante tempo até o dia que os deuses autorizassem o retorno da alma para o corpo e assim a pessoa ressuscitasse. É evidente que nem todo mundo tinha condições de ser mumificado, pois era um processo caro, assim, o mais comum eram os ricos e sacerdotes serem mumificados, além de termos casos de animais diversos como gatos, bois, íbis, crocodilos, babuínos, cães etc. que também eram tornados em múmias. 

Além de se mumificar as pessoas, as tumbas recebiam oferendas de comida e bebida regularmente, assim como, a pessoa era enterrada com seus pertences e presentes. Quanto mais rica o indivíduo, maior quantidade de objetos, móveis e alimentos ele receberia em sua tumba, para ajudá-lo na outra vida até o dia de seu retorno. No entanto, os egípcios desenvolveram distintas técnicas de mumificação. O Livro dos Mortos apresenta algumas delas, além de associar o deus Anúbis como sendo a divindade que criou a mumificação e rege essa prática. 


Múmia do faraó Ramsés II. 

As múmias mais antigas achadas datam da IV Dinastia (2613-2494 a.C.) em que as múmias já eram enfaixadas, sendo revestidas com resina e gesso, além de que seus órgãos eram removidos. Um rosto era até pintado nas faixas. Amuletos de proteção eram colocados junto a múmia. Além disso, as múmias nobres eram guardadas dentro de sarcófagos de diferentes tamanhos e com distintos ornamentos. Pessoas de condição financeira inferior só tinham um caixão ou suas múmias eram colocadas dentro de uma câmara mortuária simples. 

Fotografia de 1922 do sarcófago do faraó Tutancâmon sendo analisado por Howard Carter. 

Séculos depois a mumificação foi sendo melhorada. O uso de sal ou nátron, além de betume e cera também passou a ser mais comum, substituindo a resina e o gesso. No caso, o sal e o nátron ajudavam a absorver a umidade do cadáver, secando-o e estendendo seu tempo de preservação. Por sua vez, o betume e a cera criavam uma cada de vedação, evitando o contato do ar e e bactérias. As práticas de evisceração se tornaram mais eficientes, removendo-se vários dos órgãos internos e guardando-os nos vasos canopos. Os quais tinham a forma de alguns deuses como: Imseti que guarda o fígado, Hapi que guarda os pulmões, Duamutef que guarda estômago, e Kebehsenuef que guarda os intestinos. O coração não era guardado, pois o morto deveria levá-lo para o julgamento da balança da deusa Maat

Vasos canópicos representando da esquerda para direita: Kebehsenuef, Hapi, Duamutef e Imseti. 

Além de melhorias no uso de substâncias conservantes, os egípcios também passaram a utilizar outros produtos como azeite, mirra, incenso e especiarias para conceder melhor aroma as múmias. Além disso, outros tipos de amuletos foram desenvolvidos, além de mudanças nas escrituras de proteção presentes nos sarcófagos e tumbas. 

A mumificação no Egito Antigo durou por séculos, mas depois entrou em declínio e quase sumiu após o ano 1000 a.C. Sendo retomada em algumas épocas. Porém, na época da dominação greco-macedônica (305-30 a.C) basicamente não se mumificava mais ninguém. Após isso seguiu-se a dominação romana (30 a.C - 476 d.C) e a prática de fazer múmias praticamente sumiu se tornando apenas algo de um passado longínquo, além de suscitar a curiosidade. 

Múmias andinas

Na região da Cordilheira dos Andes, especialmente entre o Peru, Bolívia e Argentina, algumas múmias foram achadas. Embora as mais famosas sejam de origem inca, no entanto, outros povos andinos também praticavam a mumificação antes deles. Em descoberta datada do final de 2021, arqueólogos acharam túmulos em Cajamarquilla no Peru, uma cidade anterior aos incas, onde encontrou-se 14 múmias entre crianças, adolescentes e adultos, os quais teriam vivido entre 800 e 1000. Essas múmias foram sepultadas envoltas em bandagens e tecidos, os quais somados ao clima seco e frio ajudou no seu estado de conservação prolongado. 

Pelos estudos realizados, tratava-se de pessoas que foram sacrificadas, as quais pertenceriam a um status social elevado a julgar por seus trajes e pertences. A ideia de sacrificar alguém da elite era mais válida do que sacrificar pobres e escravos, pois o sacrifício humano aos deuses deveria ter valor, logo, não era qualquer pessoa a ser sacrificada, pois isso seria uma ofensa aos deuses. 

Arqueólogas em 2022 escavando uma múmia encontrada em Cajamarquilla, no Peru. 

No entanto, as múmias andinas mais famosas datam da época inca. Os incas foram um dos povos que habitaram a região andina, tendo fundado um vasto império entre 1438 e 1533. Por essa época a nobreza manteve a antiga prática da mumificação, embora bem menos sofisticada do que a mumificação egípcia. A diferença é que os incas contavam com o meio ambiente para ajudar nesse processo. Alguns cadáveres deixados nas montanhas, devido ao frio e o ar rarefeito, acabaram sendo mumificados naturalmente. Essa prática possui três exemplares famosos, chamados de As crianças de Llullaillaco, descobertas em 1999, num vulcão na fronteira entre Argentina e Chile

Ao todos foram três múmias achadas numa caverna: uma garota entre seus 13 e 15 anos apelidada de "la doncela", uma menina de seus 6 anos apelidada de "la niña del rayo" e um menino de sete anos apelidado "lo niño". De acordo com os trajes, acessórios e pertences achados com as múmias, essa adolescente e as duas crianças eram membros da nobreza inca que foram sacrificados no ritual da capacocha, para apaziguar a ira ou descontentamento dos deuses. No caso, entre os incas a realização de sacrifícios humanos ocorria em determinadas ocasiões, o que incluía desde o sacrifício de adultos a crianças. 

Duas múmias das crianças de Llullaillacco, em 1999. 

Enquanto as múmias de outros povos anteriores ou contemporâneos aos incas eram deliberadamente enfaixadas e sepultadas para serem conservadas para a próxima vida, algumas das múmias incas mais famosas encontradas foram deixadas ao relento em montanhas, ou seja, não era o intuito de mumificá-las, mas elas acabaram sendo mumificadas naturalmente de forma acidental. 

Múmias budistas

Não se sabe quando a prática de mumificação budista surgiu, se teria começado ainda na Antiguidade ou na Idade Média, mas a maior parte das múmias budistas encontradas datam do final do medievo e ao longo da Idade Moderna. No caso, somente algumas escolas e comunidades budistas adotaram essa prática de automumificação, que é diferente da mumificação convencionalmente que conhecemos. Enquanto no segundo caso uma pessoa morta é mumificada, as múmias budistas consistiam em técnicas ascéticas severas nas quais os monges preparavam seus corpos em vida para ficarem preservados. 

Múmias budistas foram encontradas na Índia, China, Japão, Tailândia, Malásia e Indonésia, em países onde o budismo foi uma religião predominante em determinadas épocas. As formas de se mumificar variavam com o povo e a época. Por exemplo, no Tibete encontrou-se múmias cobertas com argila ou dentro de recipientes com sal. Isso ajudava na conservação do corpo. Por sua vez, em outras localidades da China, os monges adotavam uma dieta radical de poucas calorias e baixa (ou ausência) ingestão de líquidos, combinada com técnicas de meditação prolongada. O processo poderia levar semanas ou meses. Durante esse período o monge ia emagrecendo, perdendo líquidos, gordura corporal e definhando até morrer de fome, sede, insuficiência respiratória ou parada cardíaca. Basicamente eles meditavam até morrer, mas esse tipo de suicídio religioso era encarado como uma técnica de mortificação para expiar os pecados ao sacrificar o corpo para libertar a alma. 

Uma múmia budista. 

Algumas múmias budistas foram guardadas em tumbas, estupas, dentro de estátuas, deixadas em cavernas ou exibidas em altares em templos, onde eram adoradas. Essa prática, lembrando, não foi convencional entre várias vertentes do budismo. Não obstante, no Japão ela também existiu, principalmente nas províncias do norte, de clima mais frio e em regiões montanheses, as quais favoreceram a prática do sokunshinbutsu, referida como "Buda vivo", pois significaria que eles teriam alcançado do estado de bodhisatva (se tornaram iluminados). Assim, suas múmias permaneceriam como um lembrete do sacrifício dele e serviriam de fonte de inspiração. 

O sokunshinbutsu foi desenvolvido com base em práticas chinesas de automumificação que chegaram ao Japão ainda no medievo em época em certa. Porém, apenas algumas comunidades budistas o praticavam. Tratava-se na condição do monge adotar uma dieta restrita a comer cascas de pinheiro, resina e outros materiais vegetais, praticamente não beber água e nenhum outro líquido. Passar horas e horas em meditação regular ao longo de semanas ou meses. Isso era tudo preparativo para ele conseguir preparar seu corpo até o momento de sua passagem. Além disso, soma-se que o clima frio das montanhas ajudou na conservação. Muitas múmias japonesas se perderam com o tempo, mas algumas foram achadas em templos, em altares, outras encontradas em cavernas ou tumbas. A prática durou por época indefinida.

Uma múmia budista japonesa.

Embora muitos monges aleguem que essa mumificação foi totalmente intencional, no entanto, arqueólogos apontam que em muitos casos houve intervenção nas múmias, como mudança de trajes, acréscimo de acessórios, limpeza dos cadáveres e até adição de substâncias para prolongar sua conservação. De qualquer forma, as múmias budistas representam uma decisão muito difícil entre alguns monges: a escolha de encerrar sua vida para poder alcançar sua libertação ou elevação espiritual. 

Múmias guanches

Consistem em múmias encontradas nas ilhas Canárias, especialmente em Tenerife, de onde achou algumas das melhores múmias preservadas. O povo guanche, que viveu viveu naquele arquipélago entre os séculos I ao XV, tinha a prática de mumificar a nobreza. No caso, os cadáveres eram preparados combinando-se técnicas de evisceração, uso de produtos como sal e resinas para a conservação, além de se enfaixar os corpos e colocá-los em tumbas ou cavernas, junto aos pertences e presentes do morto. 

Os espanhóis e os portugueses ao começarem a colonizar aquele arquipélago se depararam com tais múmias, achando uma prática estranha e selvagem. Muitas múmias acabaram sendo destruídas pela ordem dos colonizadores ou foram enterradas. Por sua vez, os guanches foram subjugados pela colonização e deixaram de manter essa tradição religiosa de mumificar. 

Uma múmia guanche exibida no Museu Arqueológico de Madri. 

NOTA: O filme A Múmia (1932) foi o primeiro filme de terror a ganhar destaque mundial abordando múmia egípcia numa produção sombria. A produção acabou gerando derivados e remakes.

NOTA 2: O conceito de corpo incorrupto encontrado principalmente no Catolicismo, seria um tipo de múmia natural (ou artificial), embora os fiéis considerem que se trate de um milagre. Tais corpos incorruptos são comuns com santos, os quais devido a sua devoção e bondade tiveram seus corpos preservados por intervenção divina. 

NOTA 3: No jogo The Legend of Zelda: Breath of the Wild (2017), os guardiões dos santuários são baseados em múmias budistas japonesas. 

NOTA 4: A lenda da maldição da múmia surgiu na época da descoberta da tumba e Tutancâmon em 1922, onde se espalhou o boato de que algumas mortes associadas diretamente ou indiretamente a pessoas que tiveram contato com a múmia do faraó, foram amaldiçoadas e vieram a morrer. 

NOTA 5: Embora a prática regular de mumificação tenha sumido ao longo de séculos, ainda assim, houve casos de pessoas que pediram para serem mumificadas ou foram feitas múmias não por escolha. Por exemplo, Vladimir Lenin (1870-1924), o qual foi um importante líder da Revolução Russa (1917), foi mumificado por ordem do partido bolchevique para inspirar o culto ao líder na URSS. 

Referências bibliográficas

AUFDERHEIDE, Arthur C. The Scientific Study of Mummies. Cambridge, Cambridge University Press, 2003. 

CERUTI, María Constanza. Llullaillaco: Sacrificios y Ofrendas en un Santuario Inca de Alta Montaña. Salta, EUCASA, 2003.

JEREMIAH, Ken. Living Buddhas: The Self-mummified Monks of Yamagata. Japan, McFarland, 2010.

RODRIGUEZ MAFFIOTTE, Conrado. Las Momias Guanches de Tenerife. Proyecto Cronos. Tenerife, Museo Arqeologico y Etnográfico de Tenerife, 1992. 

Referência da internet

Arqueólogos encontram 14 múmias do período pré-Inca no Peru

Link relacionado

Tutancâmon e a maldição da múmia

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